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Desidades

versão On-line ISSN 2318-9282

Desidades vol.8  Rio de Janeiro set. 2015

 

TEMAS EM DESTAQUE

 

“Redimir a política”: experiências de militância de jovens evangélicos da Argentina

 

“Redimir la política”: experiencias de militancia de jóvenes evangélicos de Argentina

   

 

Mariela MosqueiraI

Faculdad de Ciencias Sociales da UBA, Universidad del Salvador (Argentina)

 

 


RESUMO

A proposta deste trabalho é apresentar algumas reflexões sobre as militâncias juvenis formadas a partir da identidade religiosa. A partir de uma perspectiva etnográfica, irei concentrar-me na participação política de jovens evangélicos no interior do grupo político-religioso “Valores para meu país” (VPMP). A fim de atingir este objetivo, dividirei a exposição em duas seções. Na primeira, caracterizarei este espaço político-religioso e na segunda, será enfocada apenas a experiência militante da equipe “juventude” de VPMP.

Palavras-chave: juventudes, religião, política.


RESUMEN

La propuesta de este trabajo es plantear algunas reflexiones sobre las militancias juveniles informadas desde la identidad religiosa. Partiendo de una perspectiva etnográfica, me centraré en la participación política de jóvenes evangélicos al interior de la agrupación político-religiosa “Valores para mi país” (VPMP). Para abordar este objetivo, dividiré la exposición en dos apartados. En el primero, caracterizaré dicho espacio político-religioso y en el segundo, me centraré en la experiencia militante del equipo “juventud” de VPMP.

Palabras-clave: juventudes, religión, política.


 

 

Introdução

Uma das principais interpelações que o discurso evangélico dirige a seus jovens fiéis é a de serem “agentes da transformação social”, o que envolve, entre outras questões, a exibição pública de seu ethos religioso a fim de apresentar um estilo 'cristão' de ser jovem, isto é, um modelo “radical” de juventude que questione o modelo juvenil imperante na sociedade argentina. Nesse sentido, um dos discursos mais divulgados dentro do mundo evangélico é aquele que apresenta o estilo de vida juvenil-cristão como “rebelde contra a rebelião”, ou seja, como um modelo “alternativo” de “rebeldia”, que implica opor-se a toda forma de “transgressão” associada aos setores juvenis não-crentes (Mosqueira, 2014).

Dentro desse esquema, uma das áreas mais intensamente focalizada é a “santidade sexual”, não só através do chamado à sua observância, senão também a partir de uma exortação a fazê-la visível no espaço público. De fato, uma das principais “bandeiras” públicas que a juventude cristã levantou na Argentina desde a abertura democrática até hoje é a “pureza sexual”1.

De acordo com essas tendências, a liderança juvenil evangélica, junto à Aliança Cristã de Igrejas Evangélicas da República Argentina (ACIERA)2, apresentaram, em 15 de setembro de 2005, ante o Senado da Nação3 uma “declaração pública” dos valores e princípios da juventude evangélica argentina, com o objetivo de visibilizar um “modelo de juventude” baseado em “condutas e valores bíblicos”, perante um “sistema sociocultural que reproduz condutas correspondentes a paradigmas que há muito se afastaram de Deus”. Dos 14 pontos do manifesto, três referem-se a temas vinculados à moral sexual, declarando que:

- Afirmamos que o sexo foi criado por Deus para a satisfação do homem e da mulher dentro do matrimônio. Vemos com grande preocupação o aumento da gravidez de adolescentes. Entendemos que é urgente trabalhar os temas de saúde reprodutiva e procriação responsável, mediante ações efetivas de prevenção, educação e contenção.
- Entendemos que o avanço e promoção massiva de condutas sexuais não naturais, fundamentadas na perspectiva de gênero (homossexualidade, lesbianismo, bissexualidade, transexualismo, travestismo), e o aumento de condutas perversas (por exemplo, pornografia infantil, pedofilia) produzem uma distorção na concepção da identidade de cada indivíduo e afetam sua integridade moral, ao mesmo tempo que influenciam negativamente na formação das gerações futuras. Por isso, como cristãos, rejeitamos essas práticas, consideradas um pecado pela Bíblia; não obstante, amamos todas as pessoas, tal como Jesus mostrou com seu exemplo e suas palavras.
- Nós nos expressamos a favor da vida. Consideramos pessoa o indivíduo a partir da concepção. Rejeitamos o aborto, as práticas suicidas, a eutanásia e tudo aquilo que atenta contra a vida4.

Com base nessas interpelações e antecedentes, por volta de 2008, a então deputada nacional evangélica Cynthia Hotton começou a percorrer igrejas, congressos, festivais e acampamentos, convocando a juventude evangélica a participar em seu espaço político-religioso "Valores Para Meu País" (VPMP)5:

Por que estou agora ante vocês? Porque está avançando no Congresso o tema do aborto e nós temos que defender a vida. (…) Ah, lhes conto, eu me chamo Cynthia porque meus pais um dia disseram sim, queremos que você nasça; porém à Ana os pais lhe disseram não, não queremos que você nasça, você é um estorvo. Sabem uma coisa? Na Argentina, para cada pessoa que nasce, há uma pessoa que não nasce, que a matam antes de nascer. (…) eu estou lutando no Congresso da Nação e até agora o Senhor me tem dado caminho livre para poder lutar. (…) Porém, também digo a vocês que deem esta mensagem de vida, como jovens, a toda a sociedade, onde puderem, na rua, nas escolas, nas universidades. (…) Oremos para que isso não aconteça na Argentina. E se um dia tivermos que nos mobilizar, mesmo nas ruas, vocês vão acompanhar-me?!6.

A seguir, caracterizarei este espaço político-religioso e depois, abordarei a militância da equipe “juventude” de VPMP, revelando as múltiplas relações e tensões que se estabeleceram entre a direção do grupo e as bases juvenis.

 

Um espaço de articulação político-religiosa

“Valores para meu país” (VPMP) é um grupo político-religioso que surgiu em novembro de 2008 a partir da figura de Cynthia Hotton. Seu objetivo é convocar e capacitar a congregação cristã para inseri-la em lugares estratégicos da estrutura política, a fim de “influenciar a sociedade” a partir da “transmissão de valores cristãos”. Nessa lógica de grupo intermédio entre o religioso e o político, VPMP se apresenta como um espaço ideologicamente plural e sua visão da política aparece atravessada por um discurso ético-religioso, em que o campo político é construído como uma área “corrupta”, que é preciso “redimir” mediante a intervenção “purificadora” de grupos cristãos, entendidos como a “reserva moral” da sociedade (Pace, 2006).

De acordo com Casanova (1994), no mundo contemporâneo e, de maneira notória, desde a década de 1980, foi se desenvolvendo um processo de “desprivatização” do religioso, que supõe o avanço das instituições religiosas sobre a esfera pública em uma “cruzada” pela reconfiguração da sociedade civil. Nesse sentido, as “religiões públicas” constituem uma dimensão política fundamental em nossas sociedades, sendo o campo da sexualidade e gênero um âmbito central onde se evidencia a intervenção do fator religioso, tanto pela tentativa de hegemonizar os sentidos atribuídos a esses termos, como pelas ações concretas destinadas a regular as práticas nesse âmbito.

De acordo com Vaggione (2005), no caso argentino, desde a abertura democrática e frente à crescente legitimidade que foram adquirindo as demandas dos movimentos feministas e pela diversidade sexual, as instituições religiosas (especialmente católicas e evangélicas) têm revitalizado sua presença pública e mobilizaram-se politicamente, com o objetivo de recuperar sua hegemonia no campo da moral sexual.

É preciso assinalar, no entanto, que a presença do religioso no espaço público não é nova no cenário local, pois os vínculos entre religião e política são de longa data e supõem vasos comunicantes bilaterais e busca mútua de legitimidades e recursos (Mallimaci, 2006). Assim, embora o ativismo religioso tenha adquirido inegável visibilidade em torno às temáticas de gênero e sexualidade, sua atuação não se esgota unicamente nesses âmbitos senão que se estende a partidos políticos, sindicatos, movimentos sociais e redes de assistência social (Mallimaci, Giménez Béliveau, 2007).

Nesse contexto, a experiência de VPMP não é, naturalmente, nem a primeira, nem a única modalidade de participação de grupos cristãos no cenário político nacional, não obstante, constitui uma das experiências mais recentes e de maior visibilidade devido à exposição midiática de sua dirigente, especialmente durante os debates ocorridos no país por ocasião da lei do matrimônio igualitário (2010).

Como dito acima, VPMP articula-se a partir da deputada Cynthia Hotton. Examinando de forma detalhada sua trajetória, Hotton é evangélica de “berço”, economista, diplomata e está casada com um destacado empresário do ramo hoteleiro. Tanto seu esposo como sua família de origem têm um alto prestígio no interior do círculo dos dirigentes evangélicos. A respeito de sua posição no âmbito político, Hotton ocupa um lugar estratégico devido à carreira diplomática de seu pai, o ex-embaixador e também reconhecido evangélico Arturo Hotton. Com esses “capitais”, começou sua carreira política no partido RECREAR, liderado por Ricardo López Murphy, e a partir da fusão deste espaço com o PRO, seu caminho político continuou junto a Mauricio Macri até a abertura de seu monobloco parlamentário – após a ruptura com o PRO – em agosto de 2009.

Ao longo de seu itinerário político e, especialmente, a partir do momento em que assume a bancada, em outubro de 2007, Hotton manifestou sua fervorosa identidade religiosa, ação que considerou central em sua estratégia política, pois constitui seu principal instrumento para acumular recursos e apoios tanto no interior do âmbito político, como do religioso. Na arena política, sua identidade religiosa e seu discurso centrado nos “valores” lhe permitiram, por um lado, exibir um perfil distante da “má política” e, por sua vez, apresentar-se como a dirigente que detinha a potencialidade política de sua comunidade de fé. Por outro lado, se nos centrarmos no âmbito evangélico, a articulação de forças em torno de sua figura se torna mais complexa. Embora em todo o espaço evangélico circule um discurso que exorta à participação política, não foram desenhados até o momento mecanismos internos de seleção de representantes políticos, como sucede no caso do Brasil com a “bancada evangélica”, que implica uma estratégia de formação e seleção de fiéis pela Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), com o objetivo de posicionar candidatos em todo o espectro político para alcançar benefícios “corporativos” (Campos Machado, 2006; Silveira Campos, 2005). Do mesmo modo, na atualidade, a comunidade evangélica argentina também não tem um partido confessional capaz de articular a potencialidade política de mobilização em um candidato, como ocorre em outros países da América Latina. Nesse contexto, Hotton, para cultivar adesões e voluntários dentro de sua comunidade de fé, recorreu à exibição ativa de sua identidade religiosa e negociou o apoio das principais federações de igrejas e pastores. Além disso, através de sua gestão legislativa, tomou posições contrárias ao matrimônio igualitário, à descriminalização do aborto e das drogas. Questões de interesse vital para os setores dirigentes da comunidade evangélica argentina.

Na próxima seção, apresentarei como se insere o sujeito jovem nesse espaço político-religioso, as características e sentidos que tomou sua participação e as múltiplas articulações que se estabeleceram entre a militância juvenil e a direção de VPMP.

 

A equipe “juventude” de VPMP

Em novembro de 2008, a militância da equipe “juventude” começou com cerca de 30 membros, quantidade que se foi diluindo à medida que cresciam as tensões com a cúpula dirigente até desaparecer em junho de 2009. Em sua maioria, eram jovens universitários que procediam de famílias vinculadas aos setores de direção do campo evangélico e, por isso, todos tinham uma participação religiosa ativa, sendo já alguns deles co-pastores ou líderes juvenis de importantes igrejas. Com relação a suas trajetórias políticas, mesmo que, em alguns casos, fosse sua primeira experiência militante, a maioria contava com algum tipo de participação política no espaço partidário, universitário ou em espaços seculares ou religiosos de ajuda social. Sobre as motivações que levaram estes jovens a participar de VPMP, em princípio, aparecia em seus discursos certa “afinidade” com a proposta do setor dirigente, já que os jovens percebem o “corrompido” espaço político como um meio propício para “influenciar a sociedade” mediante a “transmissão de valores cristãos”.

Ariel: Acho que se contarmos com muitos evangélicos na política poderemos fazer um aporte, não como grupo evangélico de pressão, mas através de uma dimensão pessoal.
Mariela: E qual seria o aporte?
Ariel: Honestidade, transparência, valores (…) será uma lufada de ar fresco para a política. Acho que há muitas pessoas que vêm sendo questionadas e que é necessário contar com pessoas novas com determinados valores (…) mas não só pela posição mais conservadora de defender a família senão porque, fundamentalmente, é necessário recuperar a função da política…7

Nessas palavras podemos ver o sentido subjetivo da interpelação que exorta os jovens cristãos a se constituirem como “sujeitos da transformação social”, “pessoas relevantes na sociedade” a fim de “redimi-la”. Nesse horizonte de interpelação, a participação política aparece para alguns jovens como um caminho para cristalizar esse “mandato”. Essa construção dos jovens cristãos como agentes de transformação, presente no discurso da direção evangélica, foi capitalizada pelo espaço VPMP para convocá-los à mobilização e apresentá-los como o “motor do grupo político”. Essa afinidade entre a direção de VPMP e a equipe “juventude” em relação a “redimir a política”, contudo, não foi suficiente para evitar a emergência de tensões entre ambos polos do espaço político-religioso.

Um dos conflitos essenciais centrou-se no lugar que devia ocupar a “juventude” na organização. Embora a direção atribuísse aos jovens um lugar central no discurso, na realidade concreta lhes eram delegadas tarefas de menor importância. Por exemplo, durante a campanha do lançamento de VPMP, foram orientados a colar os cartazes para a divulgação do evento, tarefa que foi completamente rejeitada por eles. E no próprio ato de lançamento, deviam atuar como “porteiros”, ou seja, deviam dar calorosas boas-vindas aos participantes na porta de entrada, oferecendo-lhes cartazes com a inscrição dos “valores” apregoados pelo grupo.

Apesar destas funções de menor importância, os jovens foram uma peça fundamental no ato de lançamento, pois, devido à sua mobilização, de suas fileiras saíram as equipes de som e iluminação utilizadas no evento, sem custo, e uma grande parte dos participantes foi convocada através da intensa divulgação que desenvolveram em suas redes sociais.
Ao longo das reuniões prévias ao lançamento do grupo, os sentidos da participação política começaram a tornar-se divergentes para a militância juvenil e para a cúpula dirigente. Enquanto a direção criava dificuldades às propostas e iniciativas juvenis, para os jovens, o VPMP se constituía como um espaço que requeria uma participação ativa nas decisões e debates sobre o conteúdo político e ideológico do grupo.

Nos sucessivos encontros, os jovens declaravam a necessidade de debater sobre a separação entre o que consideravam que era “o papel público das igrejas” e “o papel público do espaço político”. Nesse sentido, demandavam que a organização oferecesse capacitação política aos membros da comunidade cristã, tal como a direção propunha no seu discurso. Frente à passividade da direção em torno desse tema, a equipe “juventude” criou o único projeto surgido das bases, as “oficinas de desenvolvimento político”, o qual não foi levado em consideração e sequer discutido.

Essas tensões revelaram uma intrínseca contradição que o espaço político-religioso colocava ante os jovens. Nas reuniões, eles manifestavam que estavam ali para participar “politicamente” e, por essa razão, necessitavam que o VPMP funcionasse como uma organização “política”, ou seja, era necessário abrir canais de representação, democratizar as decisões e criar espaços de debate para definir um projeto e uma postura ideológica.

Um grupo político não é um clube, é um grupo de poder, uma força importante no espectro partidário. Deixar à vontade de uns poucos os efeitos do poder resultante da nossa união não é, na minha opinião, uma decisão adequada. (…) Não é necessário que o edifício caia para dizer que estava mal construído. Para isso, há gente que estuda, prepara-se, pensa, reflete. (…) Justamente, como penso que estamos aprendendo, acho que a democratização das decisões e uma estrutura mais clara ajudariam a evitar o caos. (…) Este é um grupo político e, como tal, requer regras, debates, consensos. É triste ver que se aborda com tanta leviandade o tema de como canalizar o nosso esforço, que até hoje não teve outro norte além daquele traçado pela direção. (…) Talvez estejamos necessitando, como cristãos, entender muitas coisas sobre o funcionamento das estruturas políticas. (…) A política requer leões, não ovelhas (ambos papéis devem conviver em todo cristão)8

Como se pode observar, os jovens começaram a manifestar publicamente um crescente incômodo em torno ao personalismo da deputada Hotton, a verticalidade na tomada de decisões e o carácter vago do projeto político delineado.

Ainda não foi possível observar um desenvolvimento autônomo das oficinas de trabalho, pelo menos não na nossa oficina. Mesmo assim, os que formamos o grupo de trabalho com a juventude (notem que não somos ‘o grupo de jovens’), estamos procurando ter reuniões com certa frequência e trabalhar os temas que achamos convenientes. VPMP acaba sendo uma das enteléquias mais interessantes que surgiram nos últimos tempos. Capaz de mudar o país ou de gestar um novo híbrido populista e demagógico (por seu funcionamento, não por seus princípios, necessariamente), este é um projeto sobre o qual, como cristãos, não podemos nos desentender. Pela primeira vez na história, vamos ter que pensar e pensar muito. Não podemos nos dar ao luxo de nos equivocar neste projeto9

Como suas insistentes reclamações não eram atendidas pela direção, nem nas reuniões de trabalho nem nos fóruns virtuais de discussão, a equipe “juventude” foi perdendo membros e começou a surgir a suspeita de que VPMP era uma “artimanha” de Hotton com vistas às eleições legislativas de 2009. Para os jovens, a deputada tinha o objetivo de exibir, no interior do PRO, sua capacidade de articular a potencialidade política da comunidade evangélica e assim acumular capital político suficiente para “nomear”, na lista de seu partido político, um candidato de sua linha. Tal suspeita foi confirmada pela equipe “juventude” na reunião posterior ao lançamento de VPMP, quando Hotton atribuiu à militância a tarefa de organizar a campanha de Christian Grillo, seu chefe de gabinete na época. Nessa reunião, enquanto as outras equipes de trabalho aclamavam o lançamento de Grillo, na mesa integrada pelos “jovens” a candidatura foi publicamente rejeitada.

Cynthia, nós jovens queremos te fazer uma pergunta. Quem é Christian Grillo? Que propostas ele tem? Porque seria bom que o conhecêssemos, que conheçamos suas propostas antes de sair colando pôsteres e fazer toda a sua campanha. Além disso, consideramos que a eleição do candidato tem que ser feita através de eleições internas10

Apesar da rejeição da equipe “juventude”, a candidatura de Grillo prosseguiu. Isso gerou o aumento do incômodo da militância juvenil, que resultou na solicitação de uma reunião formal com Hotton, no seu gabinete da Câmara de Deputados. A reunião lhes foi concedida no dia 12 de junho de 2009 e dela participaram os quatro membros mais ativos da equipe. Em uma entrevista posterior, um dos participantes nos relatava.

A ideia [da reunião] era apresentar à Cynthia nossa inquietação pelo fato de as decisões serem tomadas só pela direção sem deixar participarem os demais, a ideia era propor que o espaço se politizara, que se democratizara. (…) Foi bom porque dissemos exatamente o que pensávamos, ou seja, não se tratava de conduzir um “gado miúdo”, isso foi detonador, o fato de dizer que não éramos um gado miúdo, eu lhe disse que VPMP não é a igreja, é um partido político ou um grupo político… embora houvesse distintas formas de dizê-lo, todos tínhamos a mesma posição... Cynthia fez algumas colocações, porém, num determinado momento, se sentiu atacada e nos disse “sou eu que dirige o grupo, eu manejo as coisas, porque é o grupo que eu construí, estejam vocês gostando ou não”… havia um clima de muita tensão… daí em diante foi se perdendo a conexão entre a juventude e VPMP… houve outra convocatória de encontro, mas acho que ninguém compareceu. (…) Eu lhe falava de participação, de escutar as propostas da juventude e do tema da formação política, da construção cívica, algo que me interessava muito e que foi muito discutido nas reuniões dos jovens, como você percebeu, mas fomos ignorados.11

Essa reunião com Hotton marcou o declínio da participação política juvenil em VPMP; de fato, a “equipe juventude” se dissolveu e isso determinou o fim do meu trabalho de campo dentro do grupo. Só retornei mais tarde, em 2010, para fazer registros etnográficos das manifestações contra a lei do matrimônio igualitário promovidas pela deputada nos meses de abril (20), maio (31) e julho (13). Embora tenha observado a presença de muitos jovens entre os participantes, não encontrei nenhum militante da equipe “juventude”.

Sigo em contato com a maioria deles e soube que muitos, especialmente os mais ativos, continuam participando politicamente no interior de diferentes partidos políticos ou movimentos sociais “seculares” vinculados à coligação de oposição. De fato, um dos jovens foi um “organizador” destacado dos “panelaços” contra o governo de Cristina Fernández realizados em 2012 e 2013, nomeados na mídia como “13-S” (13 de Setembro), “8N” (8 de Novembro) e “18A” (18 de Abril). Todas essas intervenções públicas seguem tendo como motivo central uma vontade “redentora” da política e não tanto um ativismo “conservador” ou “fundamentalista” vinculado à moral sexual. De fato, nas conversas informais que mantive com os ex–militantes de VPMP, eles assinalaram que levantar como “únicas” bandeiras as da “moral sexual” ou da “droga” não é adequado, elas não são “convenientes” para a “imagem” do “ativismo evangélico”. Segundo eles, se a “igreja” quer participar na política, tem que adotar “linguagem” e “enunciados políticos”. Nesse sentido, consideram que são “causas corretas” a denúncia da “corrupção”, a “justiça social” e o “cuidado do meio ambiente”.

 

Palavras finais

Em suma, a experiência de VPMP revelou que a dimensão religiosa pode ser um fator importante na participação política juvenil, já que, como se observa no caso das comunidades evangélicas, os sentidos consolidados em torno à condição juvenil permitiram a emergência de todo um discurso que constrói o jovem como “agente da transformação social”, que o interpela a “ser relevante” e a ocupar espaços nas estruturas de poder para, a partir daí, “redimir a sociedade” através da divulgação de valores cristãos. Nesse discurso religioso, o espaço político se configura como um dos âmbitos privilegiados, onde o jovem cristão deve atuar. A colocação em circulação de tais narrativas inscreve no nível subjetivo do fiel jovem, com matizes diversas, a necessidade de formar-se e envolver-se politicamente.

A capitalização desse discurso evangélico dirigido à juventude cristã por parte da direção de VPMP se cristalizou na conformação de uma base militante juvenil ativa e capacitada politicamente, que demonstrou que esta força latente, gerada no interior dos circuitos religiosos, dilui-se se não é mediada por mecanismos efetivos de representação e canalização das demandas. Como mostramos, a principal reivindicação da militância juvenil centrou-se na necessidade de que VPMP funcionasse com linguagem e regras políticas.


Referências

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Data de submissão: 24/04/2015
Data de aceite: 11/08/2015

 

1 As mobilizações cristãs-juvenis que tiveram como principal divisa a santidade sexual foram: Os Super Clássicos da Juventude (Los Súper Clásicos de la Juventud), do Pastor Dante Gebel, e as manifestações “Aquele que ama, espera” (“El que ama, espera”), organizadas pela Megaigreja “Cita com a vida” (Mega-Iglesia “Cita con la Vida”), do Pastor Sergio Belart, em Córdoba. Nessas manifestações, o usual é que os jovens façam um “pacto de santidade”, que consiste em firmar um “compromisso público” de se manterem virgens até o matrimônio.

2 Alianza Cristiana de Iglesias Evangélicas de la República Argentina (ACIERA).

3 Senado da Nação. Ver “Jovens ante a carência de modelos” (“Jóvenes ante la falta de modelos”), La Nación, 19-5-2005. Disponível em: http://www.lanacion.com.ar/739995-jovenes-ante-la-falta-de-modelos.

4 Ver “Declaração de valores e princípios da juventude cristã evangélica” (“Declaración de valores y principios de la juventud cristiana evangélica”), Aciera, 2005. Disponível em: http://www.aciera.org/declaraciones/manifiestofinal.pdf.

5 “Valores para mi país” (VPMP).

6 Cynthia Hotton, em Festival 12/12, Parque de la Costa. Nota de campo, 22-11-2008.

7 Ariel, militante de VPMP. Entrevista pessoal realizada em 30-01-2010.

8 Extraído do fórum de discussão “VPMP” da rede social Facebook, 3-04-2009.

9 Extraído do fórum de discussão “VPMP” da rede social Facebook, 3-04-2009. As negritas me correspondem.

10 Ramiro, militante em reunião de trabalho de VPMP. Nota de campo, 16-04-2009.

11 Ramiro, militante VPMP. Entrevista pessoal, 17-02-2010.

I Doutora em Ciências Sociais e Socióloga da Universidad de Buenos Aires (UBA). Pesquisadora do CONICET no Programa Sociedade, Cultura e Religião do CEIL. Especialidade: Sociologia da Religião. Docente de graduação na Facultad de Ciencias Sociales da UBA e docente de pós-graduação na Universidad del Salvador, Argentina. Co-fundadora da Rede Latino-Americana de Estudos sobre Juventudes e Religiões. E-mail: marielamosqueira@gmail.com

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