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Desidades

versão On-line ISSN 2318-9282

Desidades vol.11  Rio de Janeiro jun. 2016

 

INFORMAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS

 

Jovens que abandonam a educação média superior em Sonora, México. Mais um caminho para a vulnerabilidade 

Educación media superior y deserción juvenil. Una mirada desde las historias de vida, de Marcos Jacobo Estrada.

 

Emma Liliana NavarreteI

I Facultad de Trabajo Social de la Universidad Nacional de La Plata, Argentina.

 
Palavras-chave: infância, mapuche, tensões identitárias, etnografia.
Palabras-clave: deserción escolar, educación postsecundaria, juventud, México.

 

 

Sonora é um estado que está situado no norte da república mexicana e, segundo as estimativas de bem-estar da sua população, inclui-se entre os dez estados com menos pobreza no país (Coneval, 2012); em relação à média de escolaridade, encontra-se também acima do nível nacional (8,6 anos cursados no total nacional e 9,4 em Sonora). Porém, a taxa de deserção escolar no nível médio superior é maior que a nacional (15,1% em Sonora e 12,9% a nacional, dados de 2013) (Inegi, s/f).

Ante este panorama, o livro Educación media superior y deserción juvenil. Una mirada desde las historias de vida, de Marcos Jacobo Estrada, se mostra esclarecedor em relação ao que acontece com estes jovens que – ainda que tenham alcançado um nível escolar acima da média, em um estado que está também numa posição privilegiada – terminam abandonando a escola.

Por que acontece a deserção? Quais fatores intervêm? Como ela é vivida pelos jovens, por suas famílias e professores? Essas são perguntas que Marcos Jacobo, pesquisador de El Colegio de Sonora, responde em seu livro. Ele nos faz adentrar no tema educativo, que é – inegavelmente – um aspecto fundamental para os jovens, já que estimula sua integração cultural, sua mobilidade social e, por conseguinte, seu desenvolvimento. Uma educação robusta, hoje, permitirá a muitos romperem, no futuro, com a história de pobreza que vivem.

A presente resenha mostra, em seu início, como está conformado o livro, apresentando, num segundo momento, os temas que – do meu ponto de vista – aportam a temática abordada e, finalmente, as conclusões mais relevantes a que chega o autor.

O livro estuda jovens que estiveram inscritos no ensino médio tecnológico em três distintas localidades de Sonora e que abandonaram a escola. Para explicar as causas da deserção e as consequências que esta possui para os/as jovens, Estrada relata – baseando-se numa aprofundada revisão bibliográfica – as reformas que foram feitas na educação média superior e as modalidades que se desenvolveram para que os estudantes não abandonem as salas de aulas. Mostra também a conformação e as mudanças que teve o Sistema de Educação Média Superior, caracterizando as três modalidades que o conformam: a) Bacharelado universitário; b) Bacharelado tecnológico bivalente; e c) Educação profissional técnica.

Este preâmbulo é muito importante no livro, porque serve para apresentar seu universo de estudo: jovens que estiveram matriculados no nível superior em modalidades de cunho tecnológico, que, no caso de Sonora, segundo dados da Secretaria de Educação Pública (SEP) mexicana, encontram-se na faixa de eficiência baixa no final dos cursos e de deserção alta (SEP, 2012a).

Marco Jacobo não realiza uma análise do total dos matriculados, mas apenas de três distintos locais (um local urbano e dois rurais) pertencentes ao município de Hermosillo, capital de Sonora. Em cada um desses locais estuda uma instituição: na área mais urbana, ocupa-se de jovens de El Colegio Nacional de Educación Técnica (CONALEP) e, nos dois espaços rurais, se refere a jovens de El Colegio de Estudios Científicos y Tecnológicos (CECYTES) e do Centro de Bachillerato Tecnológico Agropecuario (CBTA).

No campo metodológico, baseia-se na análise de vinte e duas entrevistas biográficas e histórias de vida feitas com alunos que desertaram, com alguns familiares e docentes. A partir dessa proposta1, Estrada identifica as etapas críticas através das quais o sujeito/jovem constrói sua identidade, e mostra ao leitor as condições de vulnerabilidade que atravessam os jovens antes e depois da deserção, concluindo que desertam os destituídos e vulneráveis: a vulnerabilidade já ocorria, abaliza o autor; agora estão acumulando desvantagens.

O autor vai fiando as causas da deserção e o faz a partir de três olhares diferentes – o que se mostra inovador: o olhar dos jovens, de seus pais (em geral da mãe) e de seus professores. Todos relatam sua própria visão, a qual frequentemente é diferente. Assim, vemos que os jovens destacam seu espírito gregário; para eles, a comunidade é importante: sem os amigos e os afetos não faz muito sentido seguir estudando, e isto se agrava se não há apoio dos professores; em uma situação de pouco estímulo, é melhor abandonar a escola. Para os pais, a escola de seus filhos é importante e por isso trabalham para que eles permaneçam nela, principalmente quando conhecem e reconhecem o esforço e o desejo deles por estudar e “ser alguém na vida”. Os docentes, ao contrário, acham que o maior problema da deserção provém da família de origem, da disfuncionalidade ou de rupturas; para eles, a nova dinâmica dos lares, com a presença crescente de mães chefes de família, por exemplo, não é um aspecto que querem discutir.

O livro nos oferece muitas pistas e descobertas, algumas explícitas, outras latentes. Dentro das latentes ou não explícitas, mas, a meu ver, muito importantes, o autor nos leva a deduzir que há causas de caráter individual, outras de caráter familiar e outras de cunho econômico ou que envolvem as dinâmicas das escolas e famílias. Exponho-as em seguida:

- Gravidez precoce: segundo a Secretaria de Saúde, em 2009 aconteceram, em Sonora, 7.620 gravidezes de mulheres de 12 a 17 anos; em 2010 foram registradas 8.166 e, em 2011, 8.698. De 2010 a 2015, o aumento foi de 38%. É um problema sério, pois a gravidez influi no abandono escolar das moças. Uma das causas que alegaram várias das desertoras foi a gravidez. Quando engravidam ou quando nasce a criança, abandonam a escola por falta de tempo para assistir às aulas e fazer tarefas, ou por vergonha. A gravidez na adolescência, no México, é hoje um problema de carácter nacional, impacta de forma determinante o entorno das jovens e também de alguns jovens homens, os quais abandonam a escola para se aventurar no mundo do trabalho e assumir o novo papel de provedor. Nesse caso, a deserção não depende diretamente da qualidade educativa, mas da falta de informação entre as jovens, que as leva a engravidar muito cedo.

- Falta de renda no lar: muitos dos estudos que se propõem a pesquisar as causas da deserção educativa colocam as dificuldades econômicas como um dos determinantes mais importantes (SEP, 2012b). Nesse estudo, isso fica muito claro, pois tal fato se impõe sobre o desejo das famílias de apoiar a presença de seus filhos na escola. As três instituições, embora sejam públicas e gratuitas, acarretam gastos que as famílias não podem assumir. Quando os custos escolares crescem, dá-se a deserção.

- Falta de informação sobre apoios governamentais: somando-se ao anterior, vários dos jovens entrevistados comentaram ter bolsas, mas não todos. Há desconhecimento e falta de comunicação para solicitar bolsas de estudo ou apoios econômicos.

- Falta de apoio dos professores: grande número de jovens menciona a falta de sensibilidade dos professores para entender suas deficiências formativas. Quase todos têm problemas em algumas matérias, o que os leva à reprovação e, como não contam com o apoio dos professores, os alunos se desmotivam e correm o risco de desertar.

- O aumento da violência e das quadrilhas: os professores percebem a violência como uma das causas da deserção escolar, ainda que, para os jovens e seus familiares, isso não constitua um conflito. As testemunhas mostram que os docentes acham que a desunião, os divórcios, a migração, a violência e a falta de interesse são fatores que ocasionam a deserção. Para os professores, todos “os outros” são os responsáveis, mas não a escola e seus docentes.

- Três escolas com um mesmo problema: nos três centros de estudo analisados, evidencia-se que o risco de deserção escolar é similar e vai além das características escolares. O problema não são os modelos de formação escolar, mas uma questão mais estrutural. Ainda, talvez a única diferença muito importante seja o caso dos CONALEP2: esses centros educativos em geral são pouco prestigiados em comparação com os CECYTES e os CBTA, pelo menos no imaginário dos estudantes. Nenhum dos jovens desertores entrevistados desejava estudar no CONALEP. O fato chama a atenção porque é similar ao encontrado no Distrito Federal por Palacios Abreu (2007), que relata que seus entrevistados, ao referirem-se ao CONALEP, o chamavam depreciativamente de Nopalep3.

Esses elementos, apesar de não serem analisados de forma particular por Marcos Jacobo, repetem-se nas biografias, e por isso os considero como descobertas latentes. Entre esses elementos aparece também um abrigo importante: a família. A maioria dos pais (a mãe, fundamentalmente, e os avós) desenvolve estratégias para que seus filhos não desertem, para que “não se lhes dificulte o mundo”, como fala uma mãe entrevistada. Esses jovens são, em seus lares, a primeira geração que alcança estudos de nível médio superior; são os pioneiros, o que lhes concede relevância e orgulho familiar. Todos querem um bacharel em casa.

O autor também, de maneira explícita, conclui com interessantes resultados, que têm relação com dois conceitos: afiliação juvenil e desfiliação institucional. A educação média superior é, nesse caso, o espaço onde se cria a afiliação juvenil, onde se desenvolve o espírito coletivo, onde os jovens socializam com seus pares, com seus iguais, onde se constrói e se reafirma a identidade. Tê-la gera fortalezas.

Mas, junto a essa afiliação, deve-se construir uma afiliação institucional, um “querer” a escola, um sentir-se parte da escola, e isso somente se consegue com a assistência constante, com o tempo vivido nela. Se o jovem permanece pouco tempo nas salas de aulas, perde sua afiliação juvenil e nunca cria a afiliação institucional.

Não poder construir nem afiliação juvenil nem institucional os exclui: seus vínculos se limitam e lhes será custoso construir um capital social. Se os vínculos não se criam no momento devido, a exclusão aparece e a probabilidade de surgir um jovem vulnerável potencializa-se.



Referências

CONEVAL. Informe de pobreza y evaluación en el estado de Sonora. Ciudad de México: Consejo Nacional de Evaluación de la Política de Desarrollo Social, 2012. Disponível em: <http://desarrollosocial.guanajuato.gob.mx/coneval/informe-sonora.pdf>. Acesso em: 22 mar. 2016.         [ Links ]

DUBET, F.; MARTUCCELLI, D. En la escuela. Sociología de la experiencia escolar. Buenos Aires: Losada, 1998.         [ Links ]

ESTRADA RUIZ, M. J. Educacion media superior y desercion juvenil. Una mirada desde las historias de vida. 1. ed. México: El colegio de Sonora, 2015.         [ Links ]

INEGI. Panorama sociodemográfico de Sonora. 2011. Disponível em: <http://www.inegi.org.mx>. Acesso em: 22 mar. 2016.         [ Links ]

______. Indicadores de bienestar por entidad federativa. Disponível em: <http://www.beta.inegi.org.mx/app/bienestar/#grafica>. Acesso em: 22 mar. 2016.         [ Links ]

PALACIOS ABREU, R. Ser estudiante de bachillerato tecnológico: la incorporación de los alumnos a una escuela no deseada. In: GUZMÁN, C.; SAUCEDO, J. (Org.). La voz de los estudiantes: experiencias en torno a la escuela. México: Grupo Edición S.A. de C.V, 2007. p. 127-147.         [ Links ]

SECRETARÍA DE EDUCACIÓN PÚBLICA. Sistema educativo de los Estados Unidos Mexicanos. Principales cifras Ciclo Escolar 2011-2012. México: Secretaría de Educación Pública, 2012a.         [ Links ]  

______. Reporte de la Encuesta Nacional de Deserción en la Educación Media Superior. México: Secretaría de Educación Pública y Consejo para la Evaluación de la Educación del Tipo Medio Superior, 2012b.         [ Links ]

Data de recebimento: 23/03/2016
Data de aceitação: 30/03/2016

 

1 No estilo de François Dubet, já que retoma a relação entre individuação e socialização, mostrando o jovem como indivíduo complexo, integrado na sociedade, sem fragmentar sua vida e espaços, mas entendendo todas as suas facetas como fatores que exercerão uma influência sobre sua permanência na escola (Dubet; Martuccelli, 1998).

2 O CONALEP inicia seus trabalhos em 1970, com o objetivo de formar profissionais técnicos graduados na escola secundária para comporem pessoal qualificado demandado na indústria e nos serviços. Iniciou com seis plantéis, agora tem 308 espalhados por todo o país (Disponível em: http://www.conalep.edu.mx).

3 “Nopalep” é um jogo de palavras que tem a ver com o nopal, cactos comestíveis, barato e muito consumido no México. Tem, sem dúvida, um sentido pejorativo.

 
Doutora em Ciências Sociais com especialidade em Estudos de População pelo Colegio de México. Investigadora de El Colegio Mexiquense A. C. Temas de interesse: juventude, emprego e educação. E-mail: enavarr@cmq.edu.mx

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