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Desidades

versão On-line ISSN 2318-9282

Desidades vol.12  Rio de Janeiro set. 2016

 

INFORMAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS

 

Os desafios da inclusão social na América Latina 

“Así, quien quiere estar integrado? La cuestión de la inclusión en la escuela argentina”, de Lucía Garay.

 

Margareth DinizI

I Universidade Federal de Ouro Preto, Brasil.

 
Palavras-chave: inclusão social, sujeito, educação.
Palabras-clave: inclusión social, sujeto, educación.

 

 

O livro ‘Así, quien quiere estar integrado?’ nos interroga a partir de uma pergunta provocadora, “quem quer ser integrado?”, abordando em seu conteúdo a questão da inclusão na escola argentina. Sabemos que a desigualdade é uma característica forte da América Latina. As sociedades são altamente desintegradas e fragmentadas devido à persistência da pobreza e à grande desigualdade na distribuição de renda, o que gera altos índices de exclusão. Todos os países vêm realizando importantes esforços para obter o acesso universal à Educação Básica e melhorar sua qualidade e equidade, porém, ainda persistem importantes desigualdades educacionais, o que significa que a educação não está sendo capaz, em muitos casos, de romper o círculo vicioso da pobreza, nem de ser um instrumento de mobilidade social. O maior acesso à educação tem possibilitado uma maior diversidade de alunos na escola, mas os sistemas educacionais seguem oferecendo respostas homogêneas, que não satisfazem às diferentes necessidades e situações do alunado, o que se reflete em altos índices de reprovação e evasão escolar, que afetam em maior medida às populações que estão em situação de vulnerabilidade.

A autora de ‘Así, quien quiere estar integrado?’ recolhe dados do UNICEF e da UNESCO acerca da Educação na América Latina e no Caribe (do ano de 2012), os quais dizem existir aproximadamente 117 milhões de meninos, meninas e adolescentes em idade de escolarização desde o nível inicial até o secundário. Destes, 6,5 milhões não vão à escola e 15,6 milhões nela permanecem acumulando fracassos e desigualdades, bem como a defasagem idade/série (Garay, 2015).

Num primeiro momento, sua análise discorre sobre os problemas advindos da globalização e seus efeitos devastadores em um contexto de crise econômica, o que, em sua visão, sem dúvida dificulta a inclusão escolar. A falta de recursos materiais, a imigração e a crise são apontadas por Lucía Garay como fatores que excluem da escola os mais pobres, marcando assim sua educabilidade por condições de carência e privação, resultando em uma educabilidade “diminuída”, em seu dizer. A autora menciona a “Asignación Universal por Hijo”1 (AUH) na Argentina, a qual prioriza as crianças de 0 a 5 anos, como uma medida fundamental para garantir o acesso e a permanência de crianças pobres na escola, entendendo que esse período de escolarização é fundamental para a equiparação de direitos entre crianças filhas de trabalhadores formais e as filhas de trabalhadores informais ou desocupados, reafirmando assim a associação positiva entre progressão social e sucesso escolar, ultrapassando as barreiras da desnutrição infantil. Em relação aos jovens, a autora analisa que mais de 900 mil na Argentina, entre 16 a 24 anos, não trabalham nem estudam, evidenciando, portanto, os efeitos devastadores de tal fenômeno para a sociedade argentina. Em relação à escola, Lucía Garay enuncia que grande parte da exclusão do jovem se deve ao fracasso escolar, ou seja, o problema é intrínseco à escola. Em relação ao trabalho – que, segundo ela, continua sendo centralidade social – ao não ser devidamente ofertado, gera grandes problemas sociais, como a exacerbação da violência, bem como a descrença nas instituições, sendo elas de escolarização ou não.

Em sua análise, a autora situa os diversos atores responsáveis por essa situação, de forma a implicá-los e igualmente responsabilizá-los: as instituições, os sujeitos e a sociedade. Ao longo do livro, a pesquisadora mostra que não há como não enfrentar a dialética desse quadro bastante complexo: os contextos sociais que operam como contextos de vida, as instituições educativas e suas crises, e os sujeitos que nela se educam ou trabalham.

Lucía Garay aponta que o campo da sociologia tem difundido a análise de que há uma quebra das instituições e dos laços sociais por elas gerados, fazendo com que os sujeitos só possam confiar em si mesmos. E, de forma crítica, Garay evidencia, em tom de denúncia, os meandros ocultos e silenciados das práticas no sistema educacional que denotam essa concepção apontada pela sociologia, elucidando mecanismos sutis de poder vinculados ao saber e às instituições. Por outro lado, mantendo-se em posição crítica, Garay aposta no sistema educacional como a única possibilidade de desvelar dispositivos que mostrem alternativas e possibilidades plurais para a sociedade.

A autora tensiona a discussão ao se perguntar qual o lugar da escola hoje para crianças e jovens. Que lugares ocupam pais e jovens na sociedade hoje? O papel da escola deve ser o de socializar ou de preparar o jovem para o mercado de trabalho, muitas vezes sem postos de trabalho suficientes?

Garay defende a não descrença na docência como dispositivo de formação, pois entende que professores e professoras, mesmo que também precarizados pela situação econômica e social, ao serem críticos em relação aos currículos em curso, podem inserir em suas disciplinas temas como ciência, arte, sexualidade, humanidades, saúde, meio ambiente, segurança, trânsito, informática, capacitando assim o jovem para as oportunidades laborais que porventura possam surgir, não dissociando inclusão escolar e inclusão social.

O livro em questão pretende justamente expor os resultados da investigação acompanhados de uma consistente e relevante produção teórica em torno das possibilidades e dos limites em relação ao currículo e à inclusão, mostrando a importância da escola como agente de inclusão social e como agente de inclusão educacional. Seu estudo se concentra na busca de regularidades, mecanismos e estratégias para intervir com sentido educativo transformador, diminuindo a evasão e o fracasso escolar.

Em sua análise do contexto de pesquisa, Garay afirma que, desde a década de 1990, vem observando haver uma crise que irrompe de forma a desestruturar a ordem e o equilíbrio social, institucional e pessoal. A chamada “crise” se manifesta na instância do sujeito, no seu corpo, em seus afetos, em seus vínculos, em seus saberes e crenças. No sistema educacional, essa crise é notada pela violência, pelo mal-estar e pela não aprendizagem. A pesquisadora evidencia que a crise no equipamento escolar é sentida quando há ruptura no sistema social e esse passa a demandar da escola respostas às demandas e necessidades que essa não pode ou não quer satisfazer.

O livro destaca o quanto a categoria subjetividade escapa às leituras que são feitas da escola e suas relações com o mundo, embora essas relações sejam sempre de sujeitos para sujeitos. Ao incorporar essa leitura da subjetividade como inerente aos processos educativos, a pesquisadora enuncia que tanto docentes como discentes querem se fazer reconhecer por suas histórias, o que fazem e o que pensam e, se isso não ocorre, podem recorrer à violência e à agressividade para se fazerem notar. Em outro polo aparecem as necessidades institucionais de reconhecimento social de credibilidade e autoridade, o que vem paulatinamente sendo perdido, da mesma forma que o prestígio social dos/das docentes, fazendo-se necessário reinstalar os valores do bem comum, da coletividade e da solidariedade.

Ao final do livro, a pesquisadora, que se propôs ao longo de sua obra desvendar as relações entre a inclusão social e a inclusão escolar, se lança na aventura de implicar-se a si mesma nas leituras e interpretações do material que recolheu em seus estudos e propõe fundar novas organizações e novas relações pedagógicas.

Garay aponta também a questão do docente como ensinante sem desvinculá-lo de sua posição de sujeito. A pesquisadora o faz a partir de sua própria posição de escuta clínica e de formadora em cursos e seminários, e se implica ao analisar esse material, afirmando que é fácil perder-se em meio às questões vividas pelos docentes e suas complexas relações com os alunos e alunas caso não se atente para a necessidade permanente de reflexão sobre a prática via formação continuada.

O livro defende a necessidade de transcender os momentos catárticos subjetivos dos/das docentes sobre o que lhes falta, sobre as vivências de abandono e desconhecimento acerca de si mesmos. Segundo a autora, o trabalho consiste em interpretar que suas doenças e reivindicações insatisfeitas são expressões de insegurança e impotência. Tais sentimentos podem ser decorrentes de incessantes questionamentos sobre ‘o que fazer’ e ‘como fazê-lo’; questionamentos que partem dos/das próprios/próprias docentes e de outras pessoas do cotidiano escolar. A pesquisadora aponta que, na maioria das vezes, a urgência em responder tais questões lançam os/as docentes em um ativismo imediatista que os impede de pensar sobre sua prática.

O que a autora busca é transformar o material empírico encontrado em um corpus teórico que sustente suas intervenções visando transformar e inovar o campo da educação e da escolarização, de forma a indagar o sentido comum do que encontra. Garay busca fugir do senso comum, considerando que devemos nos debruçar sobre as histórias dos sujeitos e em seus trajetos inconclusos. Ela verifica que a maioria dos/das docentes responde com desconfiança e apatia às propostas de formação que não contemplem suas urgências, mas sua aposta é a de que eles/elas aceitem sua proposta e se concedam tempo para transitar pelas questões que propõe.

Sua experiência baseia-se em estabelecer uma relação pedagógica fraterna que busque a verdade sobre o sujeito com base nos processos educativos e escolares, não para satisfazer a conservação e a reprodução de interesses individuais e escolares, mas visando reconhecer os/as docentes e estes/as a seus/suas alunos/as como sujeitos de direitos e identidades possíveis. Para tal, ela se propõe a conhecer o/a docente, sua vida e sua pessoa e garantir que este saber não seja usado contra eles/as, construindo assim uma confiança mútua a fim de que o cenário educacional possa ser de vínculos fraternos e solidários. Para a pesquisadora, isso só se dará se deixarem “cair as máscaras” em torno do que os próprios docentes vivenciaram em situações de exclusão, revividas no contato com o ensino de crianças e jovens, recompondo assim sua identidade fragmentada, se fazendo reconhecer.

Esse reconhecimento se dará pelo conhecimento construído sobre estas complexidades que permitam operar com a prática, descontruindo saberes estáticos dentro e fora da escola, por supervisores e diretores que buscam nos alunos/as as explicações para suas dificuldades: problemas neurológicos, psicológicos, familiares ou decorrentes da pobreza ou das crises familiares. Além disso, esse reconhecimento se traduz em necessidade de apoio e ajuda aos docentes, o que pode se dar quando ele/ela próprio/a assume para si o “diagnóstico pedagógico” acerca das dificuldades de seus/suas alunos/as, tornando assim o problema concreto e facilitando a busca de soluções para o mesmo.

Para a pesquisadora, quando um/uma docente, em posição de educador/a, não reflete sobre sua própria prática, ele/ela se condena a reproduzir o que está instituído no mundo social. E, para os/as jovens em situação de aprendizagem, o não reconhecimento e a não construção de uma prática docente refletida (que os/as incluam) seria negar a possibilidade do que mais almejam: terem reconhecidas suas diferenças e serem assim integrados/as.




Referências

GARAY, L. Así, quien quiere estar integrado? La cuestión de la inclusión en la escuela argentina. Buenos Aires: Comunicarte, 2015.         [ Links ]



Data de recebimento: 13/01/2016
Data de aceitação: 29/03/2016



1 No português: Atribuição Universal por Filho.


Doutora em Educação. Professora Adjunta de Psicologia da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Brasil. Professora do Programa de Mestrado em Educação da UFOP. E-mail: dinizmargareth@gmail.com

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