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Desidades

versión On-line ISSN 2318-9282

Desidades vol.13  Rio de Janeiro dic. 2016

 

TEMAS EM DESTAQUE

 

A proposta educativa nas comunidades zapatistas: autonomia e rebeldia

 

La propuesta educativa en las comunidades zapatistas: autonomía y rebeldía

   

 

Fernando Rey Arévalo ZavaletaI, Gloria Patricia Ledesma RíosII, María Esther Pérez PecháIII, Saraín José GarcíaIV

I Universidad Autónoma de Chiapas, México.

II Facultad de Humanidades, Universidad Autónoma de Chiapas, México.

III Universidad Autónoma de Chiapas, México.

IV Facultad de Humanidades, Universidad Autónoma de Chiapas, México.

 

 


RESUMO

O sistema de educação autônoma zapatista que opera nas regiões autônomas dos Altos e na Selva Lacandona, em Chiapas, México, atende a crianças e jovens no nível básico (primário e secundário), a partir do olhar do mundo próprio dos zapatistas. Organizados através das Juntas de Bom Governo, decidem coletivamente o tipo de sujeito que desejam formar. Baseiam-se em uma relação harmoniosa com o ambiente natural e social, sempre a partir das necessidades da comunidade e tendo em vista a autonomia e a liberdade. Há pouco mais de vinte anos do levante armado do EZLN, a formação dos alunos é uma realidade.

Palavras-chave: autonomia, educação, juventude, ideologia, zapatismo.


RESUMEN

El sistema de educación autónoma zapatista que opera en las regiones autónomas de los Altos así como en la Selva Lacandona, en Chiapas, México, atiende a la infancia y la juventud en un nivel básico (primaria y secundaria) desde la mirada del mundo particular de los zapatistas. Ellos, organizados a través de las Juntas de Buen Gobierno, deciden colectivamente el tipo de sujeto que pretenden formar. Se fundamentan en una relación armónica con el entorno natural y social, siempre a partir de las necesidades de la comunidad, con orientación a la autonomía y la libertad. A poco más de veinte años del alzamiento armado del EZLN, la formación de los educandos es una realidad.

Palabras-clave: autonomía, educación, juventud, ideología, zapatismo.


 

 

Introdução

Há duas décadas, foram iniciadas escolas zapatistas em regiões sob o controle social e político do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN)1, nas quais o governo do Estado mexicano havia negligenciado a formação de crianças e adolescentes.

Seja pelo medo e tensão em que se viveu naquele tempo, ou por não ser mais conveniente aos seus interesses pessoais, um dia os professores de educação básica oficial, que atendiam os grupos multisseriados das escolas primárias localizadas nas regiões zapatistas, se foram e não retornaram. Os inspetores das áreas escolares e os coordenadores do setor também desapareceram de algumas regiões dos municípios em que o EZLN irrompeu em 1º de janeiro de 1994 e que em 1996, se tornaram parte do território neozapatista.

Devido à implementação de uma estratégia de isolamento no contexto de um plano de contrainsurgência, pela conjunção deste e de outros fatores concomitantes, ou por pura desorganização, o fato é que, em 1996, o absenteísmo dos professores das escolas primárias tornou-se um problema prático para os pais das comunidades, bairros, locais, vilas e cidades da serra e da floresta, bem como no Altos de Chiapas.

Constitui um problema entender a escola a partir de uma posição liberal, como lugar de “certificação de estudos" em vez de lugar de gestão do conhecimento. Na medida em que se pressupõe que a escola é um lugar de gestão da mobilidade social, presume-se que promove a melhoria social e econômica, o que é questionável. Esta ideia se coloca no contexto de um pensamento colonizado, característico dos povos submetidos – como os povos nativos ou indígenas –, em que se presume o predomínio de uma civilização hegemônica dominante – neste caso externa e de origem europeia, racialmente diferenciada desde os tempos coloniais, e que deixou a sua marca na cultura crioula.

Neste contexto de valores, crianças e jovens "indígenas", especialmente aqueles dos povos nativos, em particular tradicionalistas, têm menos oportunidades na estrutura socioeconômica, dentro de uma sociedade neocolonial como a mexicana. Sociedade tradicionalmente excludente e discriminatória, que estabelece um padrão de mestiçagem em que índios, afrodescendentes e mestiços, e até mesmo os descendentes dos crioulos ou estrangeiros, têm uma posição predefinida culturalmente, a qual, sem ser definitiva, influencia fortemente a população em geral, mesmo havendo casos excepcionais de mobilidade ascendente.

Para os zapatistas este não foi um problema. Pelo contrário, representou a oportunidade de fornecer um projeto de educação alternativa, proveniente das comunidades: comunidades zapatistas, muitas das quais não aparecem nos mapas oficiais, cujas fronteiras estão diluídas nos territórios adjacentes, povoados por militantes partidários oficialistas, sendo geralmente vizinhos, parentes e conhecidos com os quais os zapatistas muitas vezes cruzam nos caminhos ou se encontram no mercado.

Assim, os serviços oficiais de ensino foram restaurados de forma gradual. Escolas que foram fechadas em 1994 reabriram suas portas a partir de 1999. Na verdade, a ordem constitucional – um eufemismo do governo - foi imposta gradualmente desde 1995, através da implementação de programas sociais, muitos dos quais representaram investimentos de recursos públicos federais nas regiões marginais da fronteira sul do país, carentes de importância dentro do esquema do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA).

Isto aconteceu de forma simultânea a uma série de eventos que vão desde o levante armado de 1º de janeiro de 1994 até a suspensão indefinida das negociações de paz mediadas pela Comissão de Concórdia e Pacificação (COCOPA) e, paralelamente, à criação, em meados de 1994, do centro cultural chamado Aguascalientes, em Guadalupe Tepeyac. Esse, depois de sua destruição pelo exército federal, ressurgiu em cinco localizações geográficas diferentes, até a consolidação dos atuais Municípios Autônomos Rebeldes Zapatistas (MAREZ) e Caracoles2 correspondentes.

O Subcomandante Marcos3 afirmou, na Sexta Declaração da Selva Lacandona (2005), que "os jovens crescidos na resistência são formados em rebeldia com uma formação política, técnica e cultural", particularmente nas comunidades localizadas em determinada região geográfica de Chiapas, na fronteira entre as áreas Altos e Selva Norte, caracterizadas pela pobreza extrema e suas consequências. Esta é uma área que já teve uma grande presença zapatista através das suas comunidades de apoio, que integraram a população local na militância das forças rebeldes. Atualmente esta área é foco de interesse de "programas sociais" governamentais, de cunho contrainsurgente.

O Caracol II, Oventik4, tem que ser considerado em sua demarcação zapatista – os sete MAREZ – entre os 38 MAREZ criados pelo EZLN, em 1994. Geograficamente tal região, referida neste caso como o Caracol II "Resistência e rebeldia para a humanidade", localizado em Oventik, é sede do município San Andrés Sacamch'en de los Pobres, uma comunidade do município oficial de San Andrés Larráinzar, que é, por sua vez, sede da Junta de Bom Governo (JBG) "Coração Central dos Zapatistas perante o Mundo", responsável pela direção dos sete MAREZ acima mencionados.

Assim, falar do Caracol II é se referir tanto aos MAREZ, como à sua JBG "Coração Central dos Zapatistas perante o Mundo". As Juntas de Bom Governo dão voz e representam as comunidades de apoio zapatista que compõem cada um dos sete MAREZ acima. Os MAREZ, dada a sua localização dual – no imaginário zapatista e no espaço territorial oficial –, compartilham o território com os seus concidadãos, com diferentes graus de convivência, já que, enquanto alguns o fazem pacificamente, outros sofrem assédio constante e são perseguidos por grupos hostis, geralmente os que estão no poder, seja nos partidos, nos grupos religiosos ou agrários.

Em um local desta natureza não é fácil nem simples ser jovem e, muito menos, zapatista, porque também se opõem duas visões do mundo: a visão zapatista de uma parte e o olhar hegemônico em contrapartida, representado por vizinhos e próximos, que se tornam “os outros”. Os jovens zapatistas, então, são duplamente assediados, tanto cultural e politicamente como no nível simbólico.

 

Juntas de Bom Governo e autonomia aplicada

As Juntas de Bom Governo (JBG) foram formadas com representantes dos conselhos dos Municípios Autônomos Zapatistas e ainda são controladas e supervisionadas pela Comissão Clandestina Revolucionária Indígena - Comando Geral (CCRI-CG) do EZLN, mas não estão subordinadas ao comando militar. As JBG foram consideradas a materialização do projeto de democratização, como afirmado pela Sexta Declaração da Selva Lacandona, "...a saber, acima o político-democrático mandando e embaixo o militar obedecendo" (EZLN, 2005, p.3). Os conselhos locais dos MAREZ cuidavam dos assuntos domésticos, concernentes a todo governo meramente local, ou seja, atenderam os conflitos, resolveram as disputas, facilitaram os arranjos, executaram os projetos.

O caso das JBG é diferente, porque o âmbito da sua autoridade é de nível estatutário, ou seja, cuidam, de modo centralizado, do cumprimento dos princípios do movimento. Por outro lado, as JBG estão encarregadas das relações com a sociedade civil, nacional e estrangeira, como intermediária para a realização de projetos produtivos, doações e projetos culturais, por exemplo, as escolas rebeldes zapatistas.

As JBG, responsáveis por observar e controlar o cumprimento dos preceitos da comunidade zapatista, fundamentam-se nos princípios declarados desde o surgimento do movimento e não apenas desde sua emergência na cena pública internacional. Sustentam seu trabalho nos princípios subjacentes à (Primeira) Declaração da Selva Lacandona (1º de janeiro de 1994) – trabalho, terra, teto, alimentação, saúde, educação, independência, liberdade, democracia, justiça e paz –, sintetizados a partir da Terceira Declaração como democracia, liberdade, justiça, e que foram ampliados em declarações subsequentes.

Fez-se referência, então, à democracia, à liberdade, à justiça, em primeiro lugar, e, em seguida, à dignidade, à resistência, à autonomia. Portanto, para identificar os princípios implícitos na perspectiva neozapatista, foi mais importante o documento “Síntese do Projeto de Acordo sobre Direitos e Cultura Indígena", reconhecido pela COCOPA. O documento começou pelo destaque do multiculturalismo (sic) da nação, observando que "a consciência da identidade indígena deve ser considerada um critério fundamental para o reconhecimento dos povos" (COCOPA, 1996).

O documento baseou-se na autodeterminação, entendida como:

A capacidade desses povos (indígenas) para decidir a forma de governança interna e organização política, social, econômica e cultural que melhor lhes convier, assim como executar, em um contexto de respeito pela sua identidade, o conjunto de direitos políticos, sociais, econômicos e culturais, bem como as garantias de justiça que lhes correspondem (COCOPA, 1996).

O documento acrescenta que "é através da autonomia que os povos indígenas exercem esse atributo fundamental no âmbito das instituições legais e políticas da nação". Em seguida, o texto afirma que as comunidades indígenas devem ser reconhecidas como "entidades de direito público com poderes e funções específicos determinados pelas legislaturas de cada entidade no contexto constitucional definindo pelo Congresso da União" (COCOPA, 1996).

O "Projeto de Acordo sobre Direitos e Cultura Indígena", assinado pela COCOPA e o EZLN em fevereiro de 1996, não foi elevado ao status constitucional por decisão unilateral do governo federal de Ernesto Zedillo Ponce de Leon. Com esta decisão o governo traiu tanto o seu interlocutor, o EZLN, como o povo mexicano, e argumentou trabalhar para a paz, enquanto desenvolvia múltiplas ações militares. Com este antecedente, as JBG apareceram em resposta às demandas de democratização e autonomia, uma vez que elas são a melhor expressão de autodeterminação dos povos indígenas.

 

Autonomia zapatista

Nos 20 anos de sua história o Exército Zapatista de Libertação Nacional agiu militarmente apenas uma vez, e reafirmou a sua vontade de fazer parte da nação, em novas condições democráticas e igualitárias. Seus membros consideram a autonomia como um processo que "permite as pessoas decidirem como querem viver e como querem se organizar politica e economicamente". "A autonomia é que governemos como um povo indígena, decidamos como queremos que trabalhem nossas autoridades, sem depender de políticas que vêm de acima" (Ornelas, 2004, s/p).

A autonomia zapatista se constrói gradualmente na experiência coletiva de resistência e construção de alternativas e não é baseada em um raciocínio teórico ou apenas em um balanço de experiências históricas. Como afirmado no livro Democracia, nación y autonomia étnica (Democracia, Nação e Autonomia Étnica).

A autonomia coletiva não é uma obrigação imposta sobre aqueles que não a desejam; é uma reivindicação para quem procura desenvolver uma capacidade de auto-organização que, sob a tutela de uma entidade hegemônica, não pode se desenvolver (Hernández, 2009, p.189).

Refletir sobre a autonomia levou os zapatistas a reconsiderarem o fato de concentrar sua luta em busca dela. Eles pensaram que esta poderia ser a ponta de lança para conseguir o resto das demandas. Mudaram sua estratégia de busca. Entenderam que promovendo a autonomia dos povos encontrariam o caminho para realizar os outros pontos consagrados na Primeira Declaração da Selva Lacandona. O movimento rebelde zapatista definiu:

Um caminho de transformação fora das instituições estaduais e do sistema partidário, para designar livremente seus representantes na comunidade, bem como os funcionários do governo local ou os líderes de povos indígenas, de acordo com as instituições e tradições de seu povo, e para promover e desenvolver as suas línguas, culturas, assim como costumes e tradições políticas, sociais, econômicas, religiosas e culturais (Baronnet, 2011, p. 21).

No setor educacional regional, a partir de 1994, novos atores sociais emergiram. Apareceram pela primeira vez as autoridades indígenas do EZLN e de seus municípios rebeldes, assistidos em seguida por ativistas de redes nacionais e internacionais de solidariedade. Mas os principais agentes, que operam localmente, coordenados no nível municipal, são os que promovem, através das comissões, particularmente de educação autônoma, sob o controle de um número crescente de comunidades de base de apoio, e colaboram nos projetos municipais de “escolas rebeldes”, graças a seus representantes que participaram nas assembleias regionais e em posições de autoridade civil.

A demanda por autonomia educacional é construída em franca oposição social, cultural e política à gestão das escolas públicas (dependentes dos governos provincial e federal).

A escola oficial tenta construir uma consciência, a saber... individual. Tem por objetivo que os professores orientem as crianças para que sejam individuais. E também emprega uma metodologia individual e muito privada. Porque tudo o que se faz é sempre dando instruções. Porque nas escolas oficiais eles dizem que você tem que fazer isso e não aquilo, você tem que responder de um modo e não de outro, e é assim que deve ser e ninguém pode mudar. O que estamos vendo é que essa é uma metodologia que faz com que fiquemos fechados, sem liberdade de abrir-nos a pensar. Esse é o ponto principal que nós estamos tentando mudar. (Alejandro, 2008, s/p).

Estas e outras definições compartilhou Alejandro, promotor da educação, em uma conversa na Escola Secundária Rebelde Autónoma Zapatista "1º de janeiro", no Caracol Oventik (Boletim especial do EZLN publicado na Imprensa da Frente em Chiapas em junho de 2008 s / p.).

É desta maneira que o movimento zapatista propõe outra forma de ensino, rompendo os paradigmas de ensino e aprendizagem tradicionais e o jugo controlador e opressor do Ministério da Educação Pública do Estado/poder.


Educação como arma libertadora para jovens zapatistas

A educação autônoma é de vital importância para as comunidades zapatistas, com base no princípio pedagógico de educar para ser livre. “Não existe um padrão, nenhum livro pode ser escrito sobre a maneira correta de ensinar em todo o mundo. Cada comunidade é diferente. Nós continuamos a aprender para compartilhar nosso caminho com aqueles que venham para ouvir” (Lara, 2011). Educar para ser livre é um valor e um objetivo que os zapatistas anseiam alcançar.

O contexto de autonomia das escolas permite que o educador leve em conta conhecimentos étnicos e noções de civismo (zapatista e nacional). Tais noções tendem implicitamente a mostrar a atualidade das teorias pedagógicas divulgadas por Paulo Freire (1997) e seguidores de sua obra de conscientização, orientada à emancipação, embora as comunidades zapatistas já estejam conscientes da necessidade de romper com o sistema de exploração econômica e dominação cultural que os oprime. O processo de conscientização expressa-se na voz dos promotores, na exigência de uma "verdadeira educação", "para a libertação do nosso povo", que serve para "abrir os olhos", para "sensibilizar", para descobrir "por que os ricos são ricos e os pobres são pobres", e “por que estamos lutando pelas 13 demandas”5 (Baronnet, 2009).

A educação autônoma visa a aumentar entre os jovens a consciência de sua realidade social, econômica e política, a partir de sua experiência como rebeldes zapatistas: por que eles estão lutando, o que é a luta zapatista, o que é a justiça, o que é o companheirismo. Os jovens aprendem a autonomia zapatista na prática de sala de aula, que reside essencialmente na liberdade pedagógica assumida pelos promotores.

Assim, a liberdade de ensino permitida pelo contexto autônomo é sustentada em critérios decorrentes da autodeterminação política e cultural. Neste sentido, a escola autônoma tem a sua própria organização, que não depende de regulamentações impostas de fora, mas que possibilita a transmissão social de conhecimentos derivados das prioridades estabelecidas coletivamente.

Vinte anos após o movimento armado de 1994, em Chiapas, os jovens criados em território zapatista são treinados na dignidade rebelde iniciada por seus antecessores. Esses jovens têm uma educação autônoma, a partir da ruptura completa com o Ministério da Educação Pública. Eles têm um processo de formação política, técnica e cultural a partir das necessidades próprias de cada comunidade autônoma e a retroalimentam, uma vez concluída a fase de estudos. A juventude rebelde indígena insere-se participando ativamente nos assuntos políticos das comunidades em resistência e, particularmente, no campo educacional. Ou seja, esse jovem agora nutre, cada vez mais, tanto os grupos de resistência como integra posições de direção na organização.

Sua prática se dá em torno de um conceito que tem significado universal, mas que é um símbolo distintivo do movimento zapatista, o conceito de autonomia, visto através da escola autônoma, que promove a interação entre aqueles que compartilham a ideologia, a saber, os jovens do grupo de 1994.


Sistema de Educação Rebelde Autônomo Zapatista de Libertação Nacional: plano regional de educação autônoma

O sistema de ensino autônomo zapatista, que opera nas regiões autônomas dos Altos e na Selva Lacandona, trabalha nos níveis básicos (escola primária e secundária).

Na escola primária, as crianças vão para as instalações escolares que pertenciam ao sistema de educação nacional. Uma vez que ficaram sem professores vinculados ao Ministério de Educação Pública (SEP), estadual ou federal, a assistência esteve sob a responsabilidade, em primeiro lugar, de estudantes universitários da Universidad Nacional Autónoma do México (UNAM), bem como de organizações da sociedade civil nacional e internacional que frequentam regularmente os Caracoles, para interagir com os zapatistas. Foi apenas depois, quando a demanda cresceu e se expandiu, que ficou evidente a necessidade de formar jovens para a alfabetização de crianças, sempre levando em conta a ideologia zapatista. Isto é, um tipo particular de educação focada nas necessidades dos alunos e levando em consideração o contexto.

Em 2000, inicia-se a Escola Secundária Rebelde Autônoma Zapatista "1º de janeiro", com um ciclo de três anos. Em agosto de 2003, a primeira geração de graduados da escola coincide com o nascimento dos Caracoles e a criação das Juntas de Bom Governo. Depois de algumas reuniões de avaliação entre a Junta e as escolas, é acordado integrar em um plano e projeto únicos a educação para toda a região. Assim, cria-se o Sistema Educacional Rebelde Autônomo Zapatista para a Libertação Nacional (SERAZ - LN) nos Altos de Chiapas. Os fundamentos da educação foram baseados na crítica – sustentada por experiências anteriores dos povos - à educação oficial. A estrutura organizacional da educação autônoma compõe-se da seguinte maneira: a Junta de Bom Governo, a Comissão de Área de Educação, a Comissão Municipal de Educação, delegados-promotores-educadores, estudantes, povos. O sistema educacional é coordenado por um grupo de Coordenação Geral, constituído por quatro promotoras e seis promotores, que coordena as atividades educacionais e trabalha na formação de promotores. O ano letivo vai de setembro a julho, com um período de férias entre dezembro e janeiro.

No nível de educação primária, as áreas de conhecimento são línguas, matemática, ciências naturais, ciências sociais, humanismo e produção, que inclui o cuidado com o meio ambiente. O currículo:

Parte de priorizar sua própria cultura e todos os elementos que fazem parte da cosmovisão indígena – afirmam os zapatistas. Estes temas foram desenhados a partir das demandas das comunidades e respondem ao tipo de educação que nossas comunidades precisam (Lara, 2011).

Foram escolhidas dez matérias para serem ensinadas, que incluem: leitura e escrita – considerada a pedra angular da educação autônoma.

É de grande necessidade para a comunidade, pois os representantes do povo necessitam de ferramentas: em primeiro lugar, porque chegam os depoimentos do EZLN e eles devem transmitir o seu conteúdo para as pessoas, então, eles precisam conhecer os documentos, conhecer livros, porque pensamos que a nossa luta é de libertação nacional. Então, aqui não podemos comunicar em tzeltal, tzotzil, tojolabal etc. [...] (Lara, 2011).

Matemáticas - foram articuladas com atividades práticas e cotidianas como o trabalho, seja comercial ou de campo, e mesmo na própria casa, para a administração dos recursos obtidos e para melhorar a qualidade de vida das comunidades. Outra matéria foi a educação desportiva, que os zapatistas acreditam que deve estar relacionada com a saúde e não com a competição, e é uma parte integrante da formação; a educação política é relevante e sua essência é baseada no conhecimento da história do movimento zapatista. A este respeito, é importante também ler as declarações feitas pelo Exército Zapatista de Libertação Nacional, documentos pertencentes ao património cultural dos zapatistas. É importante compreendê-los no seu contexto social e político, já que visam à construção de sujeitos históricos dispostos a continuar a luta ideológica, social, política e cultural das regiões autônomas.

A construção da educação autônoma na região dos Altos baseia-se principalmente em que, para conhecer as tecnologias e doenças, precisamos conhecer o mundo das letras, e esse é o primeiro passo para ser autônomo. “Com a educação a nossa luta vai ter sucesso, porque mais cedo ou mais tarde nós vamos ficar velhos, e precisamos começar a partir daí, da educação das nossas gerações, percebemos que a educação começa a partir do povo, da casa” (Lara, 2011).

No nível do ensino secundário as matérias que se cursam são: filosofia, saneamento, agroecologia, geografia, história, ciência da computação, produção, práticas de cultivo, comércio, estudos sobre a saúde pessoal e coletiva, entre outras. A articulação entre teoria e prática das matérias é importante como parte da formação. O período escolar é determinado, incluindo fins de semana, durante 30 dias consecutivos, com 15 dias de descanso em seguida. No período de descanso que a comunidade estudantil tem, crianças e jovens compartilham o que aprenderam com a sua comunidade, ou seja, socializam o conhecimento adquirido no seu contexto social. O trabalho colaborativo para a construção das matérias nos diferentes níveis de educação autônoma tem sido crucial, fornecendo uma educação em igualdade de direito que garante a capacidade de acumular capital social e cultural.


 

Referências

BARONNET, B. De eso que los zapatistas no llaman educación intercultural. In: Medina, P. (Org.) Decisio.  Saberes  para  la  Acción  en  Educación  de  Adultos. Pátzcuaro: CREFAL, 2009. p. 31-37.         [ Links ]

BARONNET B.; BAYO, M. M.; STAHLER-SHOLK, R. (Orgs.). Luchas “muy otras”. Zapatismo y autonomía en las comunidades indígenas de Chiapas. México: UNACH, CIESAS, UAM, 2011.         [ Links ]

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FREIRE, P. Pedagogía de la Autonomía. México: Siglo XXI, 1997.         [ Links ]

LARA, H. G. Indígenas, mexicanos y rebeldes. Procesos educativos y re significación de identidades en los Altos de Chiapas. México: Cesmeca-Unicach, Juan Pablos Editor, 2011        [ Links ]

RÍOS, G. P. L et. al. (Orgs.) Autonomía, interacción, juventud y zapatismo. México: Unach, 2013.         [ Links ]

ORNELAS, R. La construcción de las autonomías de las comunidades zapatistas de Chiapas. Disponível em: https://www.rebelion.org/hemeroteca/sociales/04012ornelas.htm. Acesso em: 20 nov. 2011.         [ Links ]



Data de recebimento: 21/07/2016
Data de aceite: 30/08/2016


 

1 Em 1º de janeiro de 1994 ocorreu o levante armado do autodenominado Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), em várias partes de Chiapas, província do sul do México, em áreas vizinhas à Guatemala. Suas demandas foram apresentadas na 1ª Declaração da Selva Lacandona: trabalho, terra, teto, alimentação, saúde, educação, independência, liberdade, democracia, justiça e paz. O EZLN foi apresentado como uma "força beligerante" em luta pela libertação nacional. Em sua declaração de guerra ele exigiu depor o ditador, invocando o princípio da soberania popular expresso na Constituição dos Estados Unidos Mexicanos. Nessa data, 1º de janeiro de 1994, entrou em vigor o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA). A aparição pública do EZLN, no nível mundial, por meio da mídia, constitui uma rejeição categórica do neoliberalismo e da globalização excludente, que prejudica os povos indígenas. Seu principal expoente foi o simbólico Subcomandante Marcos, que, na estrutura militar, estava sob as ordens do Comando Geral do Comitê Clandestino Revolucionário Indígena (CCRI-CG). Os confrontos armados duraram doze dias, e o EZLN tomou emissoras de rádio para transmitir proclamações antissistemas. Atualmente, o EZLN lidera um movimento pela autonomia, acompanhado pela sociedade civil altermundialista. Para mais informações podem-se consultar várias fontes, incluindo Christlieb, Paulina Fernandez. Cronología de cuatro años de levantamiento del EZLN. 1997. Disponível em: http://www.nodo50.org/pchiapas/chiapas/documentos/cronologia.htm Acesso em: 27 ago 2016.

2 Denominam-se Caracoles às diferentes regiões em que se organiza a vida coletiva nas comunidades zapatistas. São territórios geográficos e espaços de organização política, econômica, social e cultural.

3 O Subcomandante insurgente Marcos foi a figura emblemática do EZLN a partir da sua aparição pública em San Cristóbal de las Casas, durante o levante armado ocorrido em 1º de janeiro de 1994. Marcos apresentou-se como o porta-voz do movimento insurgente. Sua personalidade destacava-se entre a tropa e comandos zapatistas por sua compleição racial e, sobretudo, sua eloquência verbal e escrita. Marcos deixou de existir – em termos retóricos – em 24 de maio de 2014, segundo ele mesmo declarou, através de um comunicado intitulado “En la realidad, Planeta Tierra”, em que também negou ser Rafael Guillén Vicente, o suspeito que as autoridades perseguiram durante aproximadamente 20 anos por vários delitos, entre eles, sedição, revolta, terrorismo, conspiração, uso de armas exclusivas das forças armadas e incitação ao crime.  Ele nunca foi capturado, apesar do cerco militar e das operações de captura, e também não aderiu à anistia oferecida pelo governo federal, em 1995. Vários civis foram acusados de semelhantes delitos e de suspeitas de ter usurpado a personalidade do subcomandante em alguma ocasião, como o caso de Javier Elorriaga, supostamente Comandante Vicente, capturado em 1996. Para maior informação podem-se consultar várias fontes, entre outras, Ponce de León, Juana (Org.). Subcomandante Marcos. "Nuestra arma es nuestra palabra; escritos selectos". Nueva York: Seven Stories Press, 2001. Disponível em:
https://books.google.com.mx/books?id=eootkA_PPUcC&printsec=frontcover&dq=subcomandante+insurgente+marcos&hl=es-419&sa=X&ved=0ahUKEwidy8nCj-LOAhWEqR4KHcZMD-8Q6AEISjAG#v=onepage&q=subcomandante%20insurgente%20marcos&f=false Acesso em: 27 ago 2016; Nájar, Alberto. "El subcomandante Marcos ya no es un perseguido de la justicia en México", em BBC Mundo, Ciudad de México, 24 de fevereiro de 2016. Disponível em:  http://www.bbc.com/mundo/noticias/2016/02/160224_ezln_marcos_mexico_perseguido_justicia_an Acesso em: 27 ago 2016; CNN México. El 'Subcomandante Marcos', del EZLN, "deja de existir", em Expansión, Nacional, 25 de maio de 2014. Disponível em: http://expansion.mx/nacional/2014/05/25/el-subcomandante-marcos-del-ezln-deja-de-existir Acesso em: 27 ago 2016; e Pacheco, Sergio Islas. “EZLN 1º de enero de 1994”. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=kZLav-A_7Tk Acesso em: 27 ago 2016.

4 A região de Ovetnik, o chamado Caracol II no mapa zapatista, inclui os Municípios Autônomos Rebeldes Zapatistas (MAREZ) San Andrés Sacamch´en de los Pobres, San Juan de la Libertad, San Pedro Polhó, Santa Catarina, Magdalena de la Paz, 16 de Febrero e San Juan Apóstol Cancuc. É uma região que oficialmente corresponde a áreas de municípios distintos, principalmente o município oficial de San Andrés Larráinzar, como também de municípios oficiais vizinhos, como Simojovel, Huitiupán, San Pedro Chenalhó, Mitontic, Bochil, e ainda, de outros municípios afastados como Teopisca ou San Juan Cancuc, segundo sua denominação oficial.

5 As treze demandas são as exigências fundamentais do EZLN que se tornaram motivos do levante armado: teto, terra, trabalho, alimentação, saúde, educação, informação, cultura, independência, democracia, justiça, liberdade e paz.


I Professor-pesquisador na Universidad Autónoma de Chiapas (Unach), México, na Licenciatura em Comunicação e no Mestrado em Estudos Culturais (MEC). Mestrado em Educação pela Unach. Licenciatura em Ciências da Comunicação pela Universidad Autónoma de Guadalajara (UAG). Doutorando em Comunicação pela Universidad Nacional de La Plata (UNLP). Membro da Rede de Historiadores da Imprensa e Jornalismo em Ibero-América. Colaborador no projeto de pesquisa Comunicação, Mídia e Jornalismo da Facultad de Periodismo y Comunicación Social (UNLP). E-mail: arevalof@unach.mx

II Licenciatura em Ciências da Comunicação pela Universidad Autónoma de Guadalajara (UAG). Mestrado em Psicologia Social pela Universidad de Ciencias y Artes de Chiapas (Unicach). Professora da Facultad de Humanidades da Universidad Autónoma de Chiapas (Unach), México. Licenciatura em Comunicação. Autora dos livros “Sentido de los comunicados del EZLN” (EAE, 2012); “Autonomía, interacción, juventud y zapatismo” (Unach, 2014); e dos artigos de livro "Desazón" em “Yaakun” (Unach, 2011); "Mensajes de las adolescentes en el Facebook", em “Siglo XXI: ¿tiempo de las mujeres?” (Unach; 2014). E-mail: gledesmarios2002@yahoo.com.mx

III Doutora em Teoria da Literatura e Literatura Comparada pela Universidad Autónoma de Barcelona, Espanha. Docente de tempo completo da Universidad Autónoma de Chiapas (Unach), México. Mestrado em Teoria da Literatura e Literatura Comparada na Universidad Autónoma de Barcelona, Espanha. Artigo “Participación de la mujer en la literatura”, em “Siglo XXI: ¿Tiempo de las mujeres?” (Unach, 2014). Coautora do livro “Autonomía, interacción, juventud y zapatismo” (Unach, 2014). E-mail: nrgkay321@gmail.com

IV Licenciatura em Biblioteconomia pela Universidad Autónoma de San Luis Potosí. Mestrado em Educação Superior. Professor na Licenciatura em Biblioteconomia e Gestão da Informação, da Facultad de Humanidades, da Universidad Autónoma de Chiapas (Unach), México. Autor do artigo “Participación de la mujer”, em “Siglo XXI: ¿Tiempo de las mujeres?” (Unach; 2014) e do “Catálogo de teses de licenciatura em Biblioteconomia da Universidad Autónoma de Chiapas 1999-2004” (Unach, 2013). E-mail: sarinjos@hotmail.com

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