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Desidades

On-line version ISSN 2318-9282

Desidades vol.14  Rio de Janeiro Mar. 2017

 

TEMAS EM DESTAQUE

 

Juventudes e políticas públicas: comentários sobre as concepções sociológicas de juventude

 

Juventudes y políticas públicas: comentarios sobre las concepciones sociológicas de juventud

   

 

Luís Antonio GroppoI

I Universidade Federal de Alfenas, Alfenas/MG, Brasil.

 

 


RESUMO

O artigo analisa algumas das principais teorias elaboradas pela sociologia da juventude, a partir do final do século passado, destacando suas distintas concepções de juventude e avaliando algumas de suas principais implicações nas políticas públicas no Brasil contemporâneo. Baseia-se em uma revisão bibliográfica da produção contemporânea da sociologia da juventude, cotejada com clássicos das chamadas teorias tradicionais e críticas da juventude. Entre as teorias pós-críticas, destaca as que tratam das socializações ativas e as implicações nas assim chamadas Políticas Públicas de Juventude, em especial a noção de jovem como sujeito social, bem como suas possibilidades e limites no campo educacional.

Palavras-chave: sociologia da juventude, educação, socialização, políticas públicas.


RESUMEN

El artículo analiza algunas de las principales teorías desarrolladas por sociología de la juventud, a partir de finales del siglo pasado, destacando sus diferentes concepciones de la juventud y la evaluación de algunos de sus principales implicaciones para las políticas públicas en el Brasil contemporáneo. Se basa en una revisión bibliográfica de la producción contemporánea de la sociología de la juventud, cotejada con las teorías tradicionales y las críticas de los jóvenes. Entre las teorías post-críticos, pone de relieve el trato de la socialización activa e implicaciones en las denominadas políticas públicas para jóvenes, en particular, la noción de la juventud como sujeto social y de sus posibilidades y limitaciones en el campo de la educación.

Palabras-clave: sociología de la juventud, educación, socialización, las políticas públicas.


 

 

Introdução

A sociologia da juventude tem elaborado, desde meados do século passado, teorias a respeito dos jovens e das juventudes que trazem importantes indícios sobre as complexas relações que têm se estabelecido entre ciência, educação e políticas públicas. Este artigo tem o objetivo de tratar de algumas destas relações, com base na hipótese de que a sociologia, por um lado, reflete as concepções de juventude construídas pelas sociedades modernas e contemporâneas. Mas, ao mesmo tempo, elabora – com teses e discursos emanados de especialistas – noções de juventude que sustentam políticas sociais, que orientam instituições e até mesmo informam o senso comum. Também, não se deve esquecer o intenso (e tenso) diálogo das ciências sociais com outros campos e saberes, no que se refere às juventudes, como a psicologia, a pedagogia e o serviço social.

Esta retroalimentação entre ciências e sociedade, complexa e contraditória, cheia de idas e vindas, tem, no campo educacional e no campo das políticas públicas, dois de seus mais caros exemplos. Neste sentido, busco neste texto cotejar certas concepções de juventude elaboradas pela sociologia com algumas das principais tendências nas políticas sociais e educacionais voltadas aos jovens.

 

1. Teorias tradicionais da juventude

A principal teoria tradicional da juventude é informada pelo estrutural-funcionalismo de Parsons, tendo os EUA como seu grande lócus de investigação. Esta vertente sociológica, que teve seu auge em meados do século passado, toma as estruturas sociais como um simples dado, não as contestando, nem imaginando transformações significativas no âmago da sociedade moderna. Decorre daí a concepção de ser a socialização secundária a principal característica ou função da categoria etária juventude. A socialização secundária completa a socialização primária iniciada na infância, conduzida sobretudo pela família, mas também pelo ensino fundamental. Na juventude, entretanto, trata-se de conduzir os indivíduos aos valores e rotinas das instituições sociais que transcendem a vida privada e o mundo familiar (Parsons, 1968; Eisentadt, 1976).

A juventude, tal qual a infância, a maturidade e a velhice, é aí concebida como uma faixa etária ou categoria etária mais ou menos evidente, natural e universal, quase que determinada bio-psicologicamente, cabendo apenas ao meio social reconhecer as propriedades intrínsecas deste momento do curso da vida. A principal característica atribuída à juventude é a de ser uma transição entre a infância (e o mundo privado e as concepções pré-lógicas) e a vida adulta (e o mundo público e as concepções racionalmente legitimadas): a juventude interessa menos pelo que ela é, e mais pelo que será ou deveria ser quando seus membros se tornarem adultos. Contudo, é, em especial, no momento da juventude que os indivíduos correm o risco de desenvolver comportamentos anômicos, ingressar em grupos desviantes e protagonizar disfunções sociais: não à toa, ao lado da socialização, é a “delinquência juvenil” o grande tema das teorias tradicionais da juventude.

2. Teorias críticas da juventude

São três as principais teorias críticas da juventude, duas delas de caráter “reformista”, outra mais “revolucionária”. Entre as reformistas, a teoria das gerações de Karl Mannheim (1982) e a noção de moratória social, oriunda do psicanalista Erik Erikson (1987). Mannheim e Erikson, apesar de reconhecerem o papel transformador das juventudes, desconfiam dos movimentos juvenis radicais e advogam uma reforma da sociedade moderna em crise (não sua superação).

Já a terceira concepção, que Pais (1993) chama de “classista”, tende a se associar à perspectiva “revolucionária”, e sua principal sistematização aconteceu durante a primeira fase dos estudos culturais da Universidade de Birmingham em torno da noção de “subculturas juvenis” (Hall; Jefferson, 1982).

A “corrente classista” no interior das teorias críticas da juventude tem como um dos seus principais méritos desmistificar a noção de uma cultura juvenil extra-classes, bem como de uma juventude ou geração jovem uniforme. Seu principal representante são os estudos culturais, de Birmingham, antes desta tendência voltar-se mais às teorias pós-estruturalistas. Os estudos culturais reinterpretam o significado das subculturas juvenis nascidas no interior da classe trabalhadora britânica, desde os anos 1950, como os teddy-boys, os skinheads e os mods (Hall; Jefferspm, 1982).

“Resistência por meio de rituais” (Hall; Jefferson, 1982) reinterpreta tema importante destes tempos e de nossos tempos: o papel educativo, formativo e socializador – de modo “informal” - dos meios de comunicação “de massa” e da indústria cultural. Contra a interpretação simplificadora de que havia mero processo de homogeneização, igualando estilos de vida de classes populares, médias e altas, os estudos culturais valorizam a ação criadora e combinatória dos sujeitos. Era uma das primeiras sistematizações da sociologia da juventude em que a diversidade, a criatividade e a capacidade rebelde dos grupos juvenis não institucionalizados ganhava sinal positivo. Na socialização, na educação informal, no interior dos grupos juvenis, reunidos nas ruas, frequentando espaços de lazer e consumo, os jovens das camadas populares (e também os das classes médias, por meio das contraculturas) ressignificavam os valores, os produtos e os signos da “cultura de massa”.


3. Teorias pós-críticas e educação: socializações ativas e o jovem como sujeito social

A partir dos anos 1970, desenvolvem-se na sociologia as teorias pós-críticas da juventude. Elas tendem a relativizar e até negar a proposição original da sociologia da juventude, que caracterizava esta categoria como uma transição à vida adulta, tendo a tarefa de socialização secundária. Entre as teorias pós-críticas da juventude, algumas, informadas pelo pós-estruturalismo e pós-modernismo, tenderam a negar a permanência ou a validade da estrutura das categorias etárias, como parte da avaliação de que transitávamos à pós-modernidade. Outras, entretanto, relativizaram a concepção de socialização e de categorias etárias oriundas da dita “primeira modernidade”, propondo que as juventudes contemporâneas efetuavam múltiplas e ativas socializações.

Detenho-me ao segundo movimento teórico pós-crítico, já que ele tem sido mais influente, na contemporaneidade, para a construção de políticas públicas e educacionais relacionadas às juventudes. Em vez de negar a noção de socialização, estas teorias pós-críticas a recriam, contestando o sentido tradicional de socialização, na qual gerações adultas educam unilateralmente as novas gerações. Elas advogam, não a superação da sociedade moderna, mas uma mudança profunda no interior dela própria, engendrando uma segunda modernidade. Esta mudança torna mais difíceis e instáveis as transições pelas idades, em especial a vivência da juventude. Por outro lado, a socialização se torna mais plural, admite reversibilidades e tem participação ativa dos sujeitos. (Cf., por exemplo, Beck; Giddens; Lash, 1997 e Bauman, 2003).

A literatura sociológica europeia (Calvo, 2005; Pais, 1993) e latino-americana (Krauskopf, 2004; Abramo, 2005) tem presente uma forte constatação: os marcadores tradicionais da entrada na idade adulta implodiram. Rompe-se com aquela expectativa criada na primeira modernidade, na qual a juventude findava com a saída da escola, a entrada no mercado de trabalho, a união conjugal, a saída da casa dos pais ou responsáveis e a experiência de paternidade ou maternidade. Experiências mais ou menos simultâneas que marcavam a entrada na maturidade. As transições à suposta maturidade se tornam labirínticas e reversíveis, de tipo “ioiô”, segundo Pais (1993).

Contudo, se o processo de transição não é (mais) linear, a socialização se torna múltipla e ativa. E plural: socializações múltiplas e ativas. Peralva (1997) afirma que quando o tempo tem ritmo acelerado, tal qual o da primeira modernidade, pode ser criado um fosso entre a geração mais velha e a mais jovem, do que decorre a tensão geracional. Em sociedades tradicionais, com mudanças muito lentas, não se conforma este fosso geracional, já que o passado tende a repetir-se no presente, de modo que adultos e jovens compartilham dos mesmos ideais, valores e experiências sociais significativas. Mas o fosso entre gerações pode deixar de ocorrer também quando as mudanças se tornam rápidas demais, mais do que se via na primeira modernidade. É o caso do mundo contemporâneo: as transformações de ordem econômica, tecnológica, política e cultural são tão rápidas que impedem a cristalização de distintas identidades geracionais. Reforça-se, assim, a obsolescência daquele modelo de socialização no qual as gerações mais velhas transmitiam experiências passadas às mais novas para ordenar e domesticar o futuro. Em seu lugar, aparece um modelo mais “configurativo” de socialização, baseado no aprendizado comum pelos diferentes grupos etários, diante de um mundo mutante. Jovens e adultos se veem diante de desafios e dilemas semelhantes, ainda que enfrentados com diferentes experiências de vida acumuladas.

4. Teorias sociológicas da juventude e políticas públicas

As teorias sociológicas contemporâneas da juventude apresentadas acima têm importante influência nas políticas públicas no Brasil atual, tanto as políticas ditas sociais quanto os programas educacionais “não escolares” ou não formais. Elas ajudam tanto a criticar noções limitadas acerca da juventude que se mantêm presentes nestas políticas quanto a propor políticas afinadas a suas concepções. De modo sintético, pode-se dizer que, dos anos 1990 à atualidade, no Brasil, duas concepções de juventude se apresentaram como polos extremos na práxis das instituições socioeducativas e das políticas públicas: a juventude como problema social e os jovens como sujeitos sociais (Castro, 2009; Brenner; Lânes; Carrano, 2005). Na verdade, estas imagens estão também presentes nos discursos e nas práticas escolares para os jovens, mas prefiro, por ora, destacar mais sua presença nestes outros espaços para além da escola.

Quanto à juventude tida como problema social, ela apareceu na figura do perigo, risco ou regressão às drogas, à promiscuidade e à violência. De modo esquemático, pode-se dizer que esta imagem foi usada como mote e justificativa de muitas ações socioeducativas de projetos e instituições do dito “Terceiro Setor” e suas organizações não governamentais (ONGs) e fundações empresariais, assim como das primeiras políticas “públicas” para a juventude do governo federal, nos anos 1990 no Brasil (Spósito; Carrano, 2007). Ainda hoje, entretanto, como justificativa bem ou mal disfarçada, ou assumida, ou ainda como “ato falho”, a imagem do jovem como problema, a juventude perigosa, aparece como importante elemento destas ações e políticas. O principal exemplo disso, tratado melhor adiante, é o ProJovem (Programa Nacional de Inclusão de Jovens). Outro, diversos programas sociais efetivados por ONGs e fundações em áreas ditas “vulneráveis”, tais quais as “comunidades” cariocas que recebem Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), utilizadas como forma de capturar supostas energias juvenis perigosas mais do que promover sua condição de cidadão em condições de igualdade aos dos jovens do asfalto (Arantes, 2014).

Quanto ao jovem como sujeito social, este conceito tende a reconhecer a importância de se ouvir, entender e considerar as vozes juvenis no mundo público: na escola, no trabalho e na política, inclusive na formulação das políticas públicas para a juventude. Mas há distintas versões. Primeiro, aquela do protagonismo juvenil, uma ideia nascida do mundo das fundações empresariais (Tommasi, 2005) que influenciou o juízo de que os jovens participantes dos programas estatais de transferência de renda devem propor e realizar “ações comunitárias”. Entretanto, tais ações têm alcance reduzido e eficácia questionável, tais como varrer ruas e pintar escolas. Enfim, esperam que sujeitos já tão excluídos de benefícios sociais e oportunidades econômicas, resolvam os problemas de sua localidade, justo onde há mais falta de equipamentos e serviços públicos (Spósito; Corrochano, 2005). Há também o protagonismo utilizado como tática de construção do consenso, de projetos de ONGs a políticas públicas de amplo espectro, na qual os jovens são envolvidos com as discussões de aspectos secundários de políticas ou projetos – em geral, detalhes sobre a execução de atividades – mas excluídos das decisões mais importantes, acerca inclusive da necessidade destas ações (Gonzalez; Guareschi, 2009; Souza, 2009).

A versão mais interessante do jovem como sujeito social, assumida, por exemplo, pelos Observatórios da Juventude da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), considera que o jovem deve ser reconhecido como cidadão ativo e participativo.

Tomar os jovens como sujeitos não se reduz a uma opção teórica. Diz respeito a uma postura metodológica e ética, não apenas durante o processo de pesquisa, mas também em meu cotidiano como educador. A experiência da pesquisa mostrou-me que ver e lidar com o jovem como sujeito, capaz de refletir, de ter suas próprias posições e ações, é uma aprendizagem que exige um esforço de auto-reflexão, distanciamento e autocrítica. (Dayrell, 2003, p. 44).

No meio termo entre a juventude-perigo e a juventude como sujeito, há aquela concepção legitimada pelas teorias tradicionais da juventude, tão importantes também no ânimo das instituições escolares: a juventude como fase de transição, para sua socialização e a garantia da integração social. De certo modo, ela se completa com a noção da juventude-perigo, constituindo mesmo a imagem positiva da juventude que se oferece como remédio ao risco do desvio e da regressão que paira sobre os jovens. (Spósito; Carrano, 2007). As imagens da juventude como perigo e da juventude como transição, combinadas, reforçam o poder das instituições sociais dadas e dos adultos sobre os jovens, tratados como seres vulneráveis ou incapazes, porque ainda incompletos, em formação. Tendem a desconsiderar as perspectivas distintas dos jovens acerca do mundo e do tempo, desvalorizadas diante da suposta superioridade da “experiência” dos adultos. Dificultam o diálogo entre as gerações, porque levam a pensar que os adultos nada têm a aprender com os mais jovens, que os mais novos apenas são alvo da ação formadora dos mais experientes (Arroio, 2014). Supõem que os próprios adultos não possam sofrer novas transformações, como se já fossem “seres completos” (Oliveira, 2004).

Há, enfim, outra concepção neste meio termo, mais próxima, entretanto, do polo da juventude como sujeito: a juventude como direito. Ela deve muito à noção de moratória psicossocial e, especialmente no Brasil, se filia às propostas dos movimentos em defesa dos direitos da criança e do adolescente que deram origem ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Ainda que importante como projeto civilizatório, há limites na ideia de uma rede jurídica e institucional de proteção à juventude pautada no modelo construído para a infância e adolescência (e que aproximou mais o adolescente da criança que do jovem), especialmente porque há certa infantilização da juventude. É mais coerente uma concepção acerca dos ciclos da vida que compreenda as especificidades e as potencialidades de cada uma das idades (Moll, 2014). Por exemplo, a puberdade leva o adolescente a uma diferente relação com seu corpo em comparação com a criança. Outro exemplo, os jovens, na sua relação com a vida pública e com os adultos, tendem a adquirir maior autonomia em comparação com os mais novos. Contudo, a concepção da juventude como direito não deixou de ser um passo em direção a uma noção mais abrangente de cidadão: não apenas um portador de direitos, mas ator, agente, sujeito presente na vida pública e nas decisões políticas.

Há, certamente, tendências recentes muito positivas. Primeiro, o apelo de sociólogos da juventude e da educação para um diálogo mais aberto e franco entre as escolas de ensino médio e as culturas juvenis (Dayrell, 2007; Martins; Carrano, 2011). Por meio deste diálogo, os educadores poderiam deixar de ver as vivências dos jovens para além da educação formal como mera barreira ao aprendizado ou desvio, bem como poderiam considerar a riqueza das criações juvenis como veículo para a construção de conhecimentos escolares mais significativos. Segundo, pelos mesmos pensadores, mas também reconhecida, ao menos retoricamente, pelos líderes políticos: a importância das vozes ativas dos sujeitos jovens na construção das políticas sociais para a juventude, em particular, e na vida pública, em geral (Carrano, 2011).

Entretanto, há pelo menos dois limites ou problemas a apontar. O primeiro limite é que parece ainda ser pequeno o resultado dos apelos para o diálogo entre escolas e culturas juvenis, resultando no contínuo diagnóstico da falta de sentido do ensino médio aos jovens (Ribeiro, 2011). O sistema educacional tem dificuldades de integrar os “outros” - em especial, os estudantes das camadas populares - ao seu funcionamento e na elaboração de seu currículo. Continua marcante a concepção estritamente propedêutica, portanto tão somente preparatória ao ensino superior (ou ainda menos, aos exames de seleção) e uma concepção homogeneizadora do currículo, com dificuldades para considerar as experiências e as especificidades dos diversos sujeitos que, outrora alijados deste nível de ensino, chegam ao ensino médio (Arroyo 2014). Enquanto as análises pós-críticas indicam a diversidade das transições e a complexidade das socializações juvenis, as concepções hegemônicas no ensino médio continuam embebidas em noções tradicionais sobre a condição juvenil, esvaziando-a de sentido próprio, já que ela é pensada tão somente como estágio preparatório a padrões pré-definidos e estreitos da vida adulta.

O segundo limite é a presença, em geral latente, das concepções de juventude como perigo, apenas como fase de socialização ou como mera “protagonista” de ações comunitárias nas ações socioeducativas e nas políticas de transferência de renda para os jovens pobres. Predomina, como mote, o tom de que se deve realizar a “inclusão” dos excluídos, por meio de um projeto de salvação pela oferta de “capacitações” e valores civis aos sujeitos jovens “vulneráveis”, aos quais se deve conduzir a uma posição mais estável (ainda que subalterna) na estrutura social. A principal das Políticas Públicas de Juventude (PPJs) no Brasil ostenta em seu próprio nome esta concepção tão restrita de juventude: Programa Nacional de Inclusão de Jovens. O ProJovem, voltado aos jovens das camadas mais empobrecidas das classes trabalhadoras, tratou-os oficialmente como “vulneráveis”, em “situação de risco” ou “excluídos”. Estes, que seriam os mais interessados na definição dos sentidos de juventude e educação das PPJs, tiveram participação pouco relevante na sua proposição. Antes, foram alvo de discursos e representações diversas, que combinaram distintas e mesmo contraditórias imagens, em especial, a imagem do jovem-problema combinada com a do jovem como sujeito de direitos, e a concepção das práticas educativas como forma de preencher o tempo ocioso (afastando os jovens das ruas) combinada com a formação para a cidadania. Diversas pesquisas têm indicado estas contradições e limites (Moraes; Nascimento; Melo, 2012), que nos fazem defender a necessidade de outras, radicalmente outras, políticas socioeducativas destinadas aos jovens.


Considerações Finais

Em junho de 2013, instituições políticas e da sociedade civil e, na verdade, a maioria de nós, foram surpreendidos pelas manifestações massivas perpetradas principalmente pelo Movimento Passe Livre (MPL). Em alguns dias, pareceu ruir a legitimidade das políticas sociais e educacionais construídas ao longo de décadas, pelos últimos governos federais. Políticas que destacaram a “inclusão” social dos outrora “excluídos” por meio do consumo, mais do que o acesso a direitos sociais e equipamentos públicos de qualidade. Políticas que apresentaram a educação para os jovens como “bem” ou “serviço” para a aquisição de competências em prol da “empregabilidade”, mais do que direito social que consolidaria a formação de um cidadão crítico e participativo.

As Jornadas de junho de 2013, mesmo que com suas contradições, nos recordam da capacidade, quase sempre negligenciada, de ação autônoma dos jovens e de seus coletivos e movimentos. Foram um gigantesco processo educativo e autoformativo, que recordou o direito de todos ao espaço público, à mobilidade urbana e à livre manifestação – apesar de os cassetetes, o gás lacrimogêneo e as balas (quase sempre) de borracha das forças repressivas tentarem provar o contrário. As Jornadas nos recordaram o que Castro (2009) já vem indicando: os jovens podem ser, e são, sujeitos politicamente ativos, suas ações são plenamente políticas, dotadas da capacidade de politizar questões que, caso não fosse sua intervenção, continuariam relegadas ao mundo privado.

As Jornadas nos levam a um questionamento, enfim: será que o reconhecimento do jovem como sujeito pelos poderes públicos não foi apenas retórico? Até que ponto, mesmo com mecanismos institucionais como o Conselho da Juventude e as Conferências Nacionais de Juventude, os jovens brasileiros foram realmente ouvidos nas suas queixas, angústias e insatisfações? Até que ponto as Jornadas de junho de 2013 não foram um modo forçado e causticante destes jovens se fazerem, realmente, sujeitos, falando e agindo em canais não institucionais e por formas não tradicionais de participação política?

 

Referências

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Data de recebimento: 20/10/15
Data de aceite: 30/01/17



I Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Brasil. Professor da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG), Brasil, onde coordena o Grupo de Estudos sobre a Juventude de Alfenas. Pesquisador do CNPq, para o qual desenvolve a pesquisa "A dimensão educativa das organizações juvenis". E-mail: luis.groppo@gmail.com

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