SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 issue25Children in the migratory process: a current realitySchool and Life Projects: what young people from Alagoas outback say author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Desidades

On-line version ISSN 2318-9282

Desidades  no.25 Rio de Janeiro Oct./Dec. 2019

 

TEMAS EM DESTAQUE

 

 

Infância, alteridade e cuidado. Reflexões para um campo em construção

 

Childhood, otherness and care. Reflections for an emerging field of study

 

Niñez, alteridad y cuidado. Reflexiones para un campo en construcción

 

 

Equipe Niñez PluralI

I Instituto de Ciencias Antropológicas, Facultad de Filosofía y Letras, Universidad de Buenos Aires, Argentina.

 

 


RESUMO

No presente artigo, vamos nos propor a apresentar brevemente alguns aspectos dos debates sobre o cuidado, a fim de chegar a uma proposta que nos permita aprofundar a visão a partir da qual ele é focado. Para isso, apresentamos uma breve revisão do campo de estudos e, depois, os vincularemos às linhas de pesquisa nas quais nossa equipe de pesquisa está trabalhando: cuidado infantil nas areas domésticos, comunitárias e dos bairros; os padrões institucionais de cuidado e cuidado diante da participação de crianças em espaços políticos e produtivos. Como reflexão final, propomos que, apesar dos avanços interessantes que vêm ocorrendo nesse campo interdisciplinar, é necessário abordar como a alteridade afeta o cuidado infantil e quais são as diferentes noções e experiências das crianças que brincam nesse campo em construção.

Palavras-chave: infância, alteridade, cuidado.


ABSTRACT

In this article we aim to give an account of some relevant aspects of the growing child care field of studies, to deepen the view from which it is generally approached. To this end, we present a brief review of the investigations on the subject and link some of these lines with those developed by our research group, which is devoted to the fields of child care in domestic, collective and communal spheres, the institutional trails of careing and the careing practices in political and productive experiences. As a final reflection, we propose that in spite of the interesting advances that have been taking place in this interdisciplinary field, it is necessary to include how alterity affects child care, and which are the different notions and experiences of childhood involved in caretaking processes, as a contribution to this field under construction.

Keywords: childhood, alterity, care.


RESUMEN

En este artículo nos proponemos dar cuenta de algunos aspectos relevantes del creciente campo de estudios sobre cuidado infantil, para plantear una propuesta que permita profundizar la mirada desde la que se lo enfoca. Con ese fin, presentamos una breve revisión de las investigaciones en la temática para luego vincular algunas de estas líneas con las desarrolladas por nuestro equipo de investigación social: el cuidado infantil en ámbitos domésticos, comunitarios, barriales; las tramas institucionales de cuidado y el cuidado ante la participación de niños y niñas en espacios políticos y productivos. Como reflexión final planteamos que a pesar de los interesantes avances que en este campo interdisciplinario se vienen produciendo, resulta necesario incluir cómo incide la alteridad en el cuidado infantil, y cuáles son las diversas nociones y experiencias de niñez en juego en este campo en construcción.

Palabras-clave: niñez, alteridad, cuidado.


 

 

Introdução

Na atualidade, o tema do cuidado infantil aparece como relevante em um contexto em que o cuidado, em geral, se tornou visível como uma atividade e uma relação social que tem de ser problematizada, dando origem a um campo frutífero de discussão.

Neste artigo, vamos nos propor a apresentar brevemente alguns aspectos dos debates sobre o cuidado, a fim de chegar a uma proposta que nos permita aprofundar a visão a partir da qual ele é focado. Para isso, apresentamos uma breve revisão do campo de estudos e, depois, os vincularemos às linhas de pesquisa nas quais nossa equipe de pesquisa1 está trabalhando.

Como reflexão final, vamos demonstrar que, apesar dos avanços interessantes e evidentes nesse campo interdisciplinar em construção, é necessário incluir, no debate, a forma pela qual a alteridade e as diversas noções e experiências de infâncias afetam os processos do cuidado infantil.

 

Aproximações ao cuidado infantil: breve revisão do campo de estudos

Os debates atuais sobre o cuidado, recuperando as contribuições do feminismo, apontam para seu caráter de gênero – o cuidado como tarefa atribuída às mulheres –, e enfatizam as relações entre afeto e dinheiro – a "economia do cuidado", o "mercado do cuidado" – entre trabalho e altruísmo, entre público e privado e entre dependência e autonomia (Zelizer, 2009; Pautassi; Zibechi, 2013). Da mesma forma, autores como Badinter (1991), Arcidiácono e outros (2015) indicam que o cuidado não tem necessariamente um atributo virtuoso, amoroso e moralizante – como é naturalizado no senso comum – mas, em certos casos, materializa-se em atividades indesejadas e implica em coerção, relações de poder e disputas.

Dentro dessas discussões, nos últimos anos, uma interessante linha de estudos foi formada em torno do cuidado das crianças – “esse conjunto de práticas que visam a manter a vida da criança e que geralmente é organizado com base no conhecimento socialmente significativo, tradições e representações e prescrições de conhecimento científico” (Llobet, 2011, p. 1019) –, tendo se tornado mais complexa sua abordagem, percebendo tanto sua sobreposição com os processos socioeconômicos da construção da desigualdade social, como o papel do Estado nas sociedades capitalistas e a enorme diversidade cultural que a atravessa.

Nesse sentido, encontramos, por um lado, as obras de Faur (2014) e Esquivel, Faur e Jelin (2012) que, a partir de um interesse voltado para as políticas públicas, as relações de gênero e o papel do Estado, definem seu tema de estudo em termos de organização social e política do cuidado infantil na Argentina, que

[…] se constitui nas ações de diferentes instituições (Estado, famílias e agências e serviços do mercado e da comunidade) e responde a valores simbólicos (incluindo imagens de gênero e divisão sexual do trabalho) de uma comunidade. Portanto, destaca a dinâmica e a interdependência entre fatores estruturais, tendências políticas e ideológicas e certo "estado de cultura” (Faur, 2014, p. 51).

Por outro lado, a partir das abordagens clássicas da antropologia, o cuidado infantil fazia parte dos chamados processos de socialização ou endocultura, sendo parte dos mecanismos convencionais que cada sociedade constrói para introduzir seus novos membros no mundo dos relacionamentos sociais e transmitir significados culturais. Nesse sentido, as fontes etnográficas têm sido fundamentais para mostrar como, na maioria das sociedades, cuidar dos filhos não é apenas uma tarefa da mãe e do pai, aspecto que muitos estudos de socialização tendem a ignorar (Weisner; Galimore, 1977), provavelmente devido à influência do modelo de família nuclear hegemônica no Ocidente. Nesta linha, consideramos relevante destacar um conjunto de pesquisas etnográficas sobre crianças e educação nas sociedades indígenas latino-americanas (Cohn, 2001; Lopes da Silva; Macedo; Nunes, 2002; Szulc, 2002; Hecht, 2004; Cervera Montejano, 2007; Colangelo, 2009; De Suremain, 2010; García Palacios, 2012; Remorini, 2013; García Palacios; Hecht; Enriz, 2015; Murray et al., 2015) que, ao descrever e analisar diferentes formas de construir e vivenciar os estágios iniciais da vida, bem como várias práticas de cuidado e educação infantil, iluminam a complexidade do cuidado como processo sociocultural.

Outra série de estudos antropológicos, por sua vez, fornece valiosas ferramentas conceituais para pensar o cuidado no contexto latino-americano, como o trabalho de Santillán (2009) sobre os sentidos em tensão em torno do cuidado e das responsabilidades dos pais nos setores populares da Grande Buenos Aires. Santillán destaca como, nesses casos, “as iniciativas vinculadas à socialização e educação de muitas crianças residentes nos bairros populares são definidas em padrões relacionais de intervenção social, responsáveis ​​por atores sociais que incluem e ultrapassam o esperado das instituições para isso (como escola e casa)” (p. 51).

Por outro lado, mesmo sem focar na questão do cuidado, outros estudos oferecem uma análise interessante das formas de governo, moralização e normalização de crianças e famílias dos setores populares e seus vínculos com políticas e instituições públicas em diferentes contextos. (Vianna, 2002; Grinberg, 2008; Fonseca; Schuch, 2009; Lugones, 2009; Barna, 2012; Magistris, 2014; Bittencourt Ribeiro, 2015; Villalta; Llobet, 2015).

Em diálogo com as contribuições acima mencionadas, já há alguns anos, desenvolvemos nossas abordagens no campo do cuidado infantil, em várias linhas de pesquisa, porém interrelacionadas, que apresentaremos brevemente a fim de desdobrar nossa abordagem proposta.

 

Algumas linhas de pesquisa sobre cuidados infantis

Nossa aproximação aos estudos sobre o cuidado é nutrida pelo trabalho que estamos desenvolvendo no campo da abordagem antropológica e sociológica da infância, em relação à alteridade. Estamos interessados ​​em colocar em jogo a categoria de cuidado em outros campos, em outros contextos. Tais preocupações estão guiando nossas investigações no marco do projeto mencionado “Niñez, Alteridad y Ciudadanía”2 , no qual consideramos o conceito de cuidado como uma forma privilegiada de acesso para explorar os processos de construção da infância em diferentes situações e contextos, enquanto iluminam de maneira particular as relações intra e intergeracionais, bem como as noções da criança, processo vital, pessoa, corpo, parentalidade, formação, família – entre outras –, que intervêm nelas.

Dentro dos diferentes campos e contextos que nossa pesquisa abrange, fomos capazes de revelar como o cuidado é concebido de maneiras diferentes, às vezes conflitantes, ligadas à pluralidade de noções sobre infância e alteridade. Recorremos ao conceito de alteridade, porque ele nos permite abordar de forma interrelacionada os processos de formação de relacionamentos ligados à diversidade e à desigualdade. Nesse sentido, como será evidenciado mais adiante, trabalhamos com vários setores socialmente vulneráveis da Argentina, tanto com diferentes povos indígenas, migrantes, quanto com outros grupos em condições semelhantes de desigualdade social. Nossas perguntas abordam o entrecruzamento de vários eixos analíticos que, só por uma questão de ordem, apresentaremos separadamente.

Aqui, nos deteremos especialmente em três deles: o cuidado em áreas domésticas, comunitárias e de bairro; o enredo de cuidado exibido pelas políticas públicas e as diferentes instituições vinculadas a meninos e meninas; e o cuidado prestado à participação de meninos e meninas no campo da política e das atividades produtivas.

 

Cuidado das crianças em áreas domésticas, comunitárias e de bairro

Primeiramente, em nossa pesquisa, abordamos etnograficamente a forma como o cuidado infantil é implantado em vários ambientes domésticos, comunitários e nos bairros. Aqui, destacamos as relações que as crianças mantêm entre si e com os adultos, as experiências pelas quais passam, os espaços pelos quais circulam, os responsáveis ​​pelos diferentes aspectos de seus cuidados e os problemas que cada um prioriza. Assim, temos pesquisas que analisaram as práticas de cuidado e parentalidade de meninos e meninas em um bairro toba/qom, em Buenos Aires, e, mais recentemente, em Chaco (García Palacios, 2012; García Palacios; Hecht; Enriz, 2015), em comunidades e organizações mapuche na província de Neuquén (Szulc, 2015), em cidades rurais na província de Salta (Leavy, 2018) e em um bairro da cidade de Buenos Aires com população de origem boliviana (Varela, 2017). Em tais contextos, temos alertado para a polissemia acentuada do conceito de cuidado, uma vez que destacamos várias definições sobre o que é cuidar, quem se importa, de que maneira e para quê, bem como as tensões que o envolvem diariamente, o que aponta para as relações de alteridade que estão em jogo. Da mesma forma, é interessante investigar a espacialidade do cuidado, como é traçada uma "cartografia do cuidado". Essa representação nos permite observar como as agências estatais e organizações sociais, familiares, vizinhos e colegas são integrados a esse enredo que cuida tanto dos filhos de setores populares que moram no bairro de La Plata, província de Buenos Aires (Hernández, 2016), como dos que moram em uma organização de bairro na cidade de Buenos Aires (Shabel, 2016).

Nesse sentido, esses trabalhos nos permitiram tornar visíveis que as práticas de cuidado não são patrimônio exclusivo do “mundo” adulto (Szulc, 2015; Leavy, 2018; Frasco Zuker, 2016; García Palacios, 2012; Colangelo, 2009). O reconhecimento de práticas de cuidado por crianças é extremamente desafiador, pois são comumente consideradas receptoras e não cuidadoras, de acordo com a maneira ainda hegemônica de reificar essa faixa etária, tratando-as como objeto das ações dos adultos (Szulc, 2004).

Essas mesmas investigações também abordam as formas pelas quais o cuidado infantil é realizado a partir de políticas públicas, bem como as ações de várias instituições, as quais apresentaremos a seguir.

 

Tramas institucionais do cuidado

Para entender melhor essa estrutura complexa, é essencial investigar as formas pelas quais o cuidado e a educação das crianças em várias instituições e políticas públicas são configurados. Para isso, realizamos as pesquisas no campo educacional, em geral, e na escola, em particular, sobre os processos de treinamento de crianças migrantes bolivianas nos espaços educacionais e comunitários da cidade de Buenos Aires (Varela, 2017), nas propostas formativas das próprias organizações mapuche em Neuquén (Szulc, 2015) e na educação intercultural bilíngue desenvolvida nas últimas décadas, especialmente para as populações indígenas das províncias de Neuquén (Szulc, 2009), Buenos Aires e Chaco (García Palacios; Hecht; Enriz, 2015). De maneira geral, observamos que as escolas – embora constituam praticamente a única possibilidade dessas populações afetadas pelo “cuidado não familiarizado” – frequentemente entram em tensão com os hábitos e formas de cuidar de tal setor, exibindo uma perspectiva de origem burguesa ainda hegemônica sobre o que é a infância e quais cuidados ela requer (Szulc, 2004). Nos quadros institucionais do cuidado infantil, o campo religioso também se torna relevante, em que várias igrejas e contextos sócio-religiosos (católicos, evangélicos e/ou indígenas) têm um lugar privilegiado (García Palacios, 2014; Szulc, 2015; Leavy, 2018), como organizações da sociedade civil, nas quais o estado “terceiriza” o cuidado infantil (Hernández, 2016); áreas em que outras relações de alteridade também surgem como relevantes.

Da mesma forma, nossa pesquisa mostra o papel preponderante do conhecimento médico na maneira como o cuidado à criança é definido a partir de políticas públicas. Nesse sentido, a pesquisa etnográfica com comunidades Ava-Guarani e crioula, na província de Salta (Argentina) (Leavy, 2015; 2018) e em áreas estaduais de assistência à saúde infantil na província de Buenos Aires (Colangelo, 2018), permitiu observar que as políticas de saúde geralmente colocam as mães como as únicas responsáveis ​​pelo cuidado da criança, descontextualizando os processos sociais, econômicos e políticos que definem sua organização. O mesmo foi observado no processo de medicalização da parentalidade na Argentina no início do século XX (Colangelo, 2012) e as maneiras pelas quais os cuidados infantis são concebidos ao mesmo tempo por meio de políticas alimentares voltadas para crianças indígenas na Colômbia e Argentina (Leavy; Szulc; Anzelin, 2018; Leavy, 2015). Essa visão etnográfica das intervenções de saúde pública em relação às crianças nos permitiu conhecer um campo de disputas em que avaliações, classificações e ações estão ocorrendo constantemente – com fortes passagens morais – sobre a maneira como as crianças são cuidadas (Colangelo, 2018), especialmente se pertencerem a famílias indígenas (Leavy, 2018).

Em relação às políticas públicas e sua implementação, também nos focamos no estudo do campo do controle criminal, realizando um estudo de estratégias de controle social de tipo normalizador e moralizante na população de meninas, meninos, adolescentes e jovens em setores socialmente vulneráveis (Guemureman, 2011; 2015). Os efeitos perversos da “falta de proteção” e da falta de atendimento, estendendo essa ausência à deficiência no acesso e na implementação de políticas públicas, traduzem-se em uma população que, por ser violada e “em risco”, fica “em risco”, e, portanto, "de cuidado", aumentando os componentes reativos do controle social à medida que crescem e se tornam adolescentes. Essas investigações permitem identificar a face do cuidado e a proteção, mostrando as múltiplas dimensões da falta de proteção e da ausência de cuidado, expressas na violação de direitos (Guemureman, 2014).

Finalmente, no marco institucional do cuidado infantil nos contextos em que trabalhamos, a ação de organizações internacionais, como o UNICEF, também pode ser alertada de que, por exemplo, em uma campanha sobre os direitos das crianças e adolescentes indígenas, se recriou a ideia de a "criança universal" como sujeito individual "vulnerável", desvinculando seus cuidados da situação territorial conflitiva e não resolvida de suas comunidades, reificando essa "vulnerabilidade", associando-a a problemas ambientais (Szulc et al., 2016).

 

O cuidado diante da participação de crianças em espaços políticos e produtivos

Um terceiro eixo analítico refere-se à problematização da noção de cuidado a partir do estudo da participação de crianças, principalmente de setores populares, em espaços políticos, produtivos e reprodutivos (Shabel, 2016; Morales; Retali, 2018; Szulc, 2018). Assim, o trabalho de campo realizado dentro das organizações sociais indígenas e não indígenas (Szulc, 2018; Shabel, 2016; Hernández, 2016) não só explica as diferentes maneiras de configurar esta fase da vida, mas também propõe questionar os vínculos estabelecidos pelo Estado em suas formas de intervenção com suas famílias.

Por outro lado, a pesquisa sobre trabalho infantil busca problematizar o vínculo entre infância e trabalho, tornando visíveis as várias formas de produção de valor fora das relações salariais, em um ambiente urbano – a cidade de La Plata (Buenos Aires) (Rausky, 2015) – e outro periurbano – Colonia Wanda (Misiones) – (Frasco Zuker, 2016; Frasco Zuker; Rausky, 2017). O eixo das investigações analisa as diferentes maneiras pelas quais o trabalho das crianças se enquadra em diferentes contextos familiares – explorando as formas pelas quais as transações econômicas se misturam às relações pessoais, afetivas e de cuidado – e os sentidos que tanto as crianças quanto os adultos designam para trabalhar, em contextos de pobreza.

Um aspecto a destacar nesses estudos é que as crianças não só participam de atividades produtivas, mas também realizam tarefas reprodutivas que permitem o desenvolvimento da vida familiar. Assim, tais pesquisas revelam que o cuidado é uma prática que envolve interdependência, reciprocidade e obrigações de todos os membros da família, embora com especificidades de gênero e idade, e que sua análise detalhada permite mostrar os alcances e as condições da agência infantil, evidenciando as maneiras pelas quais meninos e meninas colocam em jogo várias margens de ação e negociação.

 

Além dos cuidados

Como já citado, nos últimos anos, houve avanços consideráveis ​​no campo dos estudos sobre cuidados infantis que contribuem para pensar sobre essa questão em termos de organização e além dos limites da esfera privada e/ou doméstica, incluindo em sua análise as estruturas regulatórias e os agentes privados e estatais que dela participam. No entanto, afirmamos que ainda há muito a ser feito, principalmente em duas direções.

Por um lado, consideramos enriquecer o diálogo entre esses antecedentes e os trabalhos mencionados que abordam as crianças a partir de uma aproximação etnográfica, uma vez que a problematização da infância e as perspectivas das crianças têm muito a contribuir para esse campo de pesquisa.

Por outro lado, propomos ampliar o foco para analisar não só a dimensão sociopolítica do cuidado infantil, colocando-o no processo de construção de desigualdades sociais, mas também dentro da estrutura da diversidade da experiência humana, que propomos abordar como uma alteridade que se estrutura com a produção de desigualdades, mas ao mesmo tempo "refere-se a uma relação de subalternidade que se justifica na diferença e que implica assimetria" (Kropff, 2010, p. 174). As linhas de pesquisa que aqui analisamos sinteticamente revelam que as relações de alteridade afetam fortemente as definições, práticas e disputas de cuidado das crianças nos vários campos, embora os estudos mais clássicos nesse campo não os tenham levado em consideração. É por reconhecer essa complexidade que procuramos focar as tensões que ocorrem em torno do cuidado, levando em consideração que a definição de maneiras socialmente apropriadas de cuidar das crianças constitui um ponto crucial nas disputas materiais e simbólicas sobre reprodução ou transformação de toda a sociedade.

Nesse sentido, nas diversas linhas de pesquisa que desenvolvemos e que descrevemos sinteticamente, temos trabalhado na problematização do cuidado infantil, investigando como ele se articula com as construções da infância, alteridade, diversidade e desigualdade nos contextos locais da Argentina contemporânea.

Por fim, ao mesmo tempo, nosso trabalho caracteriza-se por explorar a maneira pela qual as práticas e perspectivas das próprias crianças intervêm nesses processos, uma investigação que – consideramos – contribui significativamente para o campo dos estudos sobre cuidados infantis.

 

 

Referências

ARCIDIÁCONO, P.; RAFFIN, M.; ARFUCH, L.; NATENZON, C. Conversaciones: El cuidado como práctica política y socio-cultural. Argumentos. Revista de Crítica Social del Instituto de Investigaciones Gino Germani, Buenos Aires, n. 17, p.1-40, 2015.         [ Links ]

BADINTER, E. ¿Existe el amor maternal? Historia del amor maternal. Siglos XVII al XX. Barcelona: Paidós Ibérica, 1981.         [ Links ]

BARNA, A. Convención Internacional de los Derechos del Niño. Hacia un abordaje desacralizador. KAIROS. Revista de Temas Sociales, n. 29. 2012.         [ Links ]

BITTENCOURT RIBEIRO, F. Os cabelos de Jennifer: por etnografias da participação de “crianças e adolescentes” em contextos da “proteção à infância”. Política & Trabalho. Revista de Ciências Sociais, n. 43, p. 49-64, jul./dez, 2015.

CERVERA MONTEJANO, M. D. Etnoteorías parentales, alma y enfermedades infantiles entre los mayas de Yucatán. Estudios de Antropología Biológica, México, v. 13, n. 2, p. 731-750, 2007.         [ Links ]

COHN, C. Noções sociais de infância e desenvolvimento infantil. Cadernos de campo, FFLCH-USP, São Paulo, v. 9, n. 9, p. 13- 26, 2001.         [ Links ]

COLANGELO, A. La salud infantil en contextos de diversidad sociocultural. In: TAMAGNO, L. (Org.). Pueblos indígenas: interculturalidad, colonialidad, política. Buenos Aires: Biblos, 2009.         [ Links ]

______. La crianza en disputa: medicalización del cuidado infantil en la Argentina entre 1890 y 1930. 2012. Tesis (Doctorado Ciencias Naturales) - Universidad Nacional de La Plata, La Plata, 2012.         [ Links ]

______. Sentidos y prácticas sobre el cuidado infantil en ámbitos estatales de atención de la salud en el partido de La Plata, Argentina. In: FONSECA, C.; MEDAETS, C.; RIBEIRO, F. (Org.). Pesquisas sobre Família e Infância no Mundo Contemporâneo. Porto Alegre: Editora Sulina, 2018. (En prensa).         [ Links ]

DE SUREMAIN, C. É. Quand ‘le cheveu fait l’homme’. La cérémonie de la première coupe de cheveux de l’enfant en Bolivia. Autrepart, n. 55, 2010.

ESQUIVEL, V.; FAUR, E.; JELIN, E. Las lógicas del cuidado infantil. Entre las familias, el Estado y el mercado. Buenos Aires: IDES, UNICEF, UNFPA, 2012.         [ Links ]

FAUR, E. El cuidado infantil en el siglo XX. Mujeres malabaristas en una sociedad desigual. Buenos Aires: Siglo Veintiuno, 2014.         [ Links ]

FONSECA, C.; SCHUCH, P. (Org.). Políticas de proteçao à infância: um olhar antropológico. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2009.         [ Links ]

FRASCO ZUKER, L. Investigación etnográfica sobre experiencias de trabajo infantil en el noreste argentino. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud, Manizales, Colombia, v. 14, n. 2, p. 1205-1216, 2016.         [ Links ]

FRASCO ZUKER, L.; RAUSKY, M. E. Los matices del trabajo infantil: discursos hegemónicos y debates a partir de diferentes experiencias de investigación en Argentina. In: Seminário Internacional Infâncias Sulamericanas. Crianças nas cidades, políticas e participação, 1, 2017, São Paulo, Brasil. Anais do I Seminário Internacional Infâncias Sulamericanas. São Paulo: Faculdade de Educação – USP, 2017.

GARCÍA PALACIOS, M. Going to the churches of the Evangelio: Children’s Perspectives on Religion in an Indigenous Urban Setting in Buenos Aires. Childhood’s Todays, v. 8, n. 1, p. 1-25, 2014.

______. Religión y etnicidad en las experiencias formativas de un barrio toba de Buenos Aires. 2012. Tesis (Doctorado con mención en Ciencias Antropológicas) - Facultad de Filosofía y Letras, Universidad de Buenos Aires, Buenos Aires, 2012.         [ Links ]

GARCÍA PALACIOS, M.; HECHT, A. C.; ENRIZ, N. Crianza y niñez en dos comunidades indígenas de la Argentina (qom y mbyá). Revista Cuicuilco, ENAH, México. v. 64, n.22, p. 185-201, sep./dic, 2015.         [ Links ]

GRINBERG, J. Transformaciones en el tratamiento de la niñez en riesgo. Reflexiones sobre un dispositivo de protección a la infancia en la Ciudad de Buenos Aires. Cuadernos de Antropología Social, FFyL – UBA, n. 27, 2008.

GUEMUREMAN, S. Los mil y un rostros de la protección. Desde el amparo a las medidas de protección especial de derechos. In: ENTEL, A. (Org.). Infancia varios mundos. Buenos Aires: Fundación Arcor-Walter Benjamin, 2014.         [ Links ]

______. La cartografía moral de las prácticas judiciales en los Tribunales Orales de menores en la Ciudad de Buenos Aires. Buenos Aires: Editores del Puerto, 2011.         [ Links ]

______. (Org.). Políticas penales y de seguridad dirigidas hacia adolescentes y jóvenes. Santa Fe: Rubinzal Culzoni Editores, 2015.         [ Links ]

HECHT, A. C. Hacia una revisión de la categoría ‘niño’ y ‘cultura wichí’ a través de la escuela en el departamento Ramón Lista (Formosa). In: Congreso Argentino de Antropología Social, 7, 2004, Villa Giardino, Córdoba. Anais do VII Congreso Argentino de Antropología Social. Villa Giardino, Córdoba, 2004.

HERNÁNDEZ, M. C. Crecer en la ciudad: Usos y representaciones del espacio urbano entre niños y niñas de La Plata (Provincia de Buenos Aires, Argentina). 2016. Tesis (Doctorado en Antropología Social) - IDAES - Universidad Nacional de San Martín, Buenos Aires, 2016.         [ Links ]

KROPFF, L. Apuntes conceptuales para una antropología de la edad. Avá. Revista de Antropología, n. 16, 2010.         [ Links ]

LEAVY, M. P. Aportes desde la antropología para pensar el flagelo de la desnutrición. Horizontes Sociológicos, v. 3, n.1, p. 3-22, 2015.         [ Links ]

______. “Hacer crecer la cría”. Un análisis antropológico sobre el cuidado y la nutrición infantil en el departamento de Orán, Salta. 2018. Tesis (Doctorado en Ciencias Antropológicas) - Universidad de Buenos Aires, Buenos Aires, 2018.

LEAVY, M. P.; SZULC, A.; ANZELIN, I. Niñez Indígena y desnutrición. Análisis antropológico en programas alimentarios en Colombia y Argentina. Cuadernos de Antropología Social, n. 48, p. 39-54, 2018.         [ Links ]

LOPES DA SILVA, A.; MACEDO, S.; NUNES, A. (Org.). Crianças indígenas: ensaios antropológicos. São Paulo: Global, 2002.

LUGONES, M. G. Obrando en autos, obrando en vidas: formas e fórmulas de Proteçao Judicial dos tribunais Prevencionais de Menores de Córdoba, Argentina, nos começos do século XXI. 2009. Tesis (Doctorado em Antropologia Social) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.

LLOBET, V. Entrevista sobre primera infancia. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud, Manizales, Colombia, v. 9, n. 2, jul./dic, 2011.         [ Links ]

MAGISTRIS, G. Del niño en riesgo al niño sujeto de derecho. Niños, menores e infancias, Instituto Derechos del Niño, Facultad Ciencias Jurídicas y Sociales, La Plata, n. 9, 2014.         [ Links ]

MORALES, S.; RETALI, E. Niñez, lucha de clases y educación popular. In: MORALES, S.; MAGISTRIS, G. (Org.). Niñez en movimiento. Del adultocentrismo a la emancipación. Buenos Aires: Chirimbote, El colectivo, Ternura rebelde, 2018.         [ Links ]

MURRAY, M.; BOWEN, S.; SEGURA, N.; VERDUGO, M. Apprehending Volition in Early Socialization: Raising “Little Persons” among Rural Mapuche Families. ETHOS, v. 43, n. 4, p. 376–401, 2015.

PAUTASSI, L.; ZIBECHI, C. (Org.). Las fronteras del cuidado. Buenos Aires: Biblos, 2013.         [ Links ]

RAUSKY, M. E. Los niños y niñas que trabajan: relaciones de  género y generacionales. In: EGUÍA, A.; ORTALE, S.; PIOVANI, J. I. (Org.). Género, trabajo y políticas sociales. Apuntes teórico-metodológicos y estudios de caso en el Gran La Plata. Buenos Aires: CLACSO, 2015.         [ Links ]

REMORINI, C. Estudios etnográficos sobre el desarrollo infantil en comunidades indígenas de América Latina: contribuciones, omisiones y desafíos. Perspectiva, Florianópolis, v. 31, n. 3, p. 811-840, set./dez, 2013.         [ Links ]

SANTILLÁN, L. La crianza y la educación infantil como cuestión social, política y cotidiana: una etnografía en barrios populares de Gran Buenos Aires. Anthropologica, Lima,  n. 27, p.47-73, 2009.         [ Links ]

SHABEL, P. “Venimos a jugar y a luchar”. Participación política de niños y niñas en organizaciones sociales. Lúdicamente, v. 5, n 10, 2016.

______. “I Learn as I Please”: The Construction of Children’s Knowledge in, and about, a Buenos Aires Neighbourhood. Children and society, 2018. (En prensa).         [ Links ]

SZULC, A. La antropología frente a los niños: De la omisión a las “culturas infantiles”. In: Congreso Argentino de Antropología Social, 7, 2004. Publicación electrónica en CD, 2004.

______. Becoming Neuquino in Mapuzugun (Mapuche language): Teaching Mapuche Language and Culture in the Province of Neuquén, Argentina. Anthropology and Education Quarterly, v. 40, n. 2, p. 129-149, 2009.         [ Links ]

______. La niñez mapuche. Sentidos de pertenencia en tensión. Buenos Aires: Biblos, 2015.         [ Links ]

______. Entre la tutela y la represión. Nociones sobre la infancia y la identidad mapuche ante la participación política infantil en Neuquén, Argentina. In: FONSECA, C.; MEDAETS, C.; RIBEIRO, F. (Org.). Pesquisas sobre Família e Infância no Mundo Contemporâneo. Porto Alegre: Editora Sulina, 2018. p. 109-129.         [ Links ]

SZULC, A.; COLANGELO, A.; SHABEL, P.; LEAVY, P.; HERNÁNDEZ, C.; ENRIZ, N. Al rescate de la niñez indígena. Política y Sociedad, v. 53, n. 1, p. 123-142, 2016.         [ Links ]

VARELA, M. D. La educación en los primeros años de la niñez: interculturalidad y crianza de niños migrantes bolivianos en la ciudad de Buenos Aires. 2017. Tesis (Licenciatura en Antropología Social) - Universidad de Buenos Aires, Buenos Aires, 2017.         [ Links ]

VIANNA, A. de R. B. Limites da Menoridade: tutela, família e autoridade em julgamento. 2002. Tese (Doutorado em Antropologia Social) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2002.

VILLALTA, C.; LLOBET, V. Resignificando la protección. Los sistemas de protección de derechos de niños y niñas en Argentina. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud, Manizales, Colômbia, v. 13, n. 1, p. 167-180, 2015.         [ Links ]

WEISNER, T. S.; GALLIMORE, R. My Brother's keeper: Child and Sibling Caretaking. Current Anthropology, v.18, n. 2, 1977.         [ Links ]

ZELIZER, V. La negociación de la intimidad. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2009.         [ Links ]

 

 

Data de recebimento: 24/08/2018
Data de aceite: 25/11/2019

 

 

1 Projeto PIP Conicet 353 “Niñez, Alteridad y Ciudadanía: Tensiones en torno a Prácticas, Políticas y Experiencias de cuidado y protección infantil en las provincias de Neuquén, Salta y Buenos Aires”.

2 “Infância, Alteridade e Cidadania”.

 

 

I Equipe Niñez Plural: Equipe de investigação social e antropológica formada por Andrea Szulc, María Adelaida Colangelo, Mariana García Palacios, Pía Leavy, Paula Shabel, Celeste Hernández, Silvia Guemureman, María Eugenia Rausky, Laura Frasco Zuker, Melina Varela e Santiago Morales, radicada no Instituto de Ciencias Antropológicas, Facultad de Filosofía y Letras, Universidad de Buenos Aires. Facebook: Niñez Plural. E-mail: niniezplural@gmail.com

Creative Commons License