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Desidades

On-line version ISSN 2318-9282

Desidades  no.25 Rio de Janeiro Oct./Dec. 2019

 

TEMAS EM DESTAQUE

 

 

Escola e Projetos de Vida: o que dizem os(as) jovens sertanejos(as) de Alagoas

 

School and Life Projects: what young people from Alagoas outback say

 
Escuela y Proyectos de Vida: lo que dicen los jóvenes sertanejos de Alagoas

 

 

Isabel Cristina Oliveira da SilvaI, Ana Maria Freitas TeixeiraII

I Universidade Federal de Alagoas, Brasil.

II Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Centro de Cultura, Linguagens e Tecnologias Aplicadas (UFRB/CECULT), Brasil.

 

 


RESUMO

O artigo problematiza os projetos de vida e a relação com a escola de jovens alunos do 3° ano do ensino médio do sertão de Alagoas, cidade Delmiro Gouveia. Tratam-se de resultados parciais da dissertação de mestrado desenvolvida numa perspectiva quali-quantitativa, por meio de questionário estruturado envolvendo 116 jovens, entrevista coletiva com nove alunos(as) e observações da rotina escolar. Refletimos sobre a importância dos projetos de vida para a mudança social dos(as) jovens, num cenário em que o contexto da seca, frequentemente explorado pelas mídias, invisibiliza outros aspectos igualmente relevantes, a saber, a escolarização, os sonhos, a luta por dias melhores. Os desafios que permeiam esses projetos emergem nas falas dos(as) alunos(as), indicando os aspectos subjetivos e estruturais que se entrecruzam constantemente. Ser alguém na vida e colaborar com o sustento da família de origem foram dois eixos comuns aos depoimentos dos(as) jovens que estão no último ano do ensino médio.

Palavras-chave: ensino médio, juventude, jovens, projetos de vida.


ABSTRACT

The article discusses life projects and the relationship with the school of young students of the 3rd year of high school, in the interior of the Alagoas backwoods, Delmiro Gouveia city. These are partial results of the master's dissertation developed in a qualitative and quantitative perspective, through a structured questionnaire involving 116 young people, a collective interview with 9 students and observations of the school routine. We reflect the importance of life projects for the social change of young people, in a scenario in which the context of drought, often explored by the media, obscures other equally relevant aspects, such as schooling, dreams, the fight for better days. The challenges that permeate these projects emerge in the students' statements, indicating the subjective and structural aspects that constantly intersect. Being someone in life and contributing to the support of their families were two common axes to the testimonies of young people who are in their last year of high school.

Keywords: high school, youth, young people, life projects.


RESUMEN

El artículo problematiza los proyectos de vida y la relación con la escuela de jóvenes estudiantes del tercer año de bachillerato en el interior de Alagoas, ciudad de Delmiro Gouveia. Se trata de resultados parciales de la tesis de máster desarrollada desde una perspectiva cualitativo-cuantitativa, a través de un cuestionario estructurado en el que participan 116 jóvenes, entrevista colectiva semiestructurada con 9 estudiantes y observaciones de la rutina escolar. Reflexionamos sobre la importancia de los proyectos de vida para el cambio social de los jóvenes, en un escenario en el que el contexto de la sequía, a menudo explotado por los medios de comunicación, hace invisibles otros aspectos igualmente relevantes, a saber, la escolarización, los sueños, la lucha por días mejores. Los retos que impregnan estos proyectos surgen en los discursos de los alumnos indicando los aspectos subjetivos y estructurales que se cruzan constantemente. Ser alguien en la vida y colaborar con el sustento de la familia de origen fueron dos ejes comunes a los testimonios de los jóvenes que están en el último año de bachillerato.

Palabras-clave: bachillerato, juventude, jóvenes, proyectos de vida.


 

 

Introdução

Caro leitor, você se lembra dos planos que traçava para o futuro e dos sonhos compartilhados com os amigos nos corredores da escola? Esses planos se concretizaram, foram esquecidos ou passaram por várias reformulações? Poderíamos dedicar horas à elaboração de respostas para essas indagações, entretanto, tais questões introduzem uma temática merecedora de debate no âmbito da educação, sobretudo, quando tratamos dos(as) jovens que cursam o ensino médio.

Assim, nossa reflexão está situada no campo das conexões que jovens do ensino médio estabelecem entre seus projetos de vida e a escola. Trata-se de uma problemática complexa que ocupou lugar de destaque na pesquisa desenvolvida ao longo do mestrado em educação (2016-2018), na Universidade Federal de Sergipe (UFS)1. A pesquisa teve como campo empírico uma escola pública no município de Delmiro Gouveia, sertão do estado de Alagoas, localizada a aproximadamente 295 km da capital, Maceió.

O município de Delmiro Gouveia possui sete instituições voltadas ao ensino médio, sendo quatro estaduais e três privadas. Para esta investigação, foi selecionada uma escola pública, situada no centro da cidade, por atender grande demanda de alunos(as) provenientes de vários bairros, povoados e vilas. Até o ano de 2016, as informações obtidas junto à coordenação pedagógica da instituição indicaram um quadro de 21 turmas, perfazendo um total de 922 jovens matriculados. Por sua vez, os sujeitos centrais de nossas inquietações estavam organizados em seis turmas de 3° ano do ensino médio, sendo duas turmas no período matutino, duas no vespertino e duas no noturno. Avaliamos que seria inviável realizar a pesquisa com seis turmas em função, inclusive, da profundidade e amplitude dos dados a serem produzidos e analisados. Desse modo, optamos por trabalhar com uma amostra de três turmas, sendo uma de cada turno de funcionamento da instituição.

Nos dias em que estivemos presentes na escola, a preocupação dos(as) jovens com o futuro se evidenciava em função das exigências escolares. Portanto, mesmo a pesquisa de mestrado tendo como problemática principal as experiências musicais no ambiente escolar2, a presença em campo fez emergir nosso interesse em torno das inquietações que marcam o estágio de conclusão do ensino médio, quando a brincadeira “o que você quer ser quando crescer?” torna-se ainda mais séria e exige resposta imediata.

Em virtude do debate proposto, apresentamos no tópico a seguir uma contextualização do estudo, trazendo as contribuições de pesquisadores que se ocupam dessa temática e os achados da pesquisa.

 

Projetos de vida, juventude e atuação da escola

Iniciamos as reflexões retomando o contexto sociogeográfico em que a pesquisa foi desenvolvida, problematizando concepções que rapidamente se transformam em pressupostos não contestados, tal como é o caso de considerar, invariavelmente, a seca como principal causador dos infortúnios que assolam a população sertaneja. Castro (2001, s/p) esclarece que “no caso do semiárido nordestino a perspectiva de que residem nas dificuldades impostas pela sua natureza a principal causa dos problemas da Região tem sido um recurso discursivo que, seduz e compromete toda a sociedade”. Na direção contrária, comungamos de uma análise que entende a necessidade de observar o sertão sob vários ângulos, fomentando políticas sociais para amenizar o impacto da seca na vida sertaneja, inclusive, no que se refere à escolarização e continuidade formativa dos(as) jovens.

Ao mesmo tempo, o sertão de hoje já não se limita à terra seca, rachada e pobre distante da modernidade. Na verdade, tais comunidades usufruem das vantagens urbanas em termos tecnológicos e de mercado, reconfigurando a estrutura de seus contextos e ampliando o acesso a bens e serviços. Perante os pressupostos expostos, é necessária contínua produção intelectual sobre esse novo rural que se constitui – expresso nos domínios conhecidos como sertão, campo, povoado e distrito –, abordando suas transformações e os agentes que lhe dão significados.

No caso das pesquisas em educação, Carneiro (1997, p. 59) assevera que o foco deve estar sobre “os agentes sociais deste processo e não mais para um espaço geográfico; reificado possibilita, por exemplo, que a distinção entre ‘cidade’ e ‘aldeia’ ou ‘urbano’ e ‘rural’ desapareça ou torne-se inútil como questão”. Dessa forma, nos dirigimos aos(às) jovens alunos(as) do sertão de Alagoas como sujeitos que carregam em si sentidos de seus lugares de origem, bem como se encontram permeados por contextos que influenciam na construção de suas individualidades. Escutam músicas distintas de seus pais, compartilham o mundo virtual, acompanham os serviços difundidos pela indústria midiática e desejam consolidar seus projetos em outras localidades.

Destarte, o jovem rural de hoje não é o mesmo de gerações anteriores, a atual sociedade em seus complexos processos exige deles responsabilidade, comprometimento e conhecimento para o trabalho. Nesse cenário, a escola desempenha um papel de extrema importância, proporcionando momentos de diálogos para que os(as) jovens elaborem suas próprias respostas às incertezas emaranhadas aos projetos de vida desenhados no encontro entre interesses individuais, exigências sociais e possibilidades mais ou menos concretas.

A preponderância da escuta atenta quanto às incertezas e medos foi evidenciada em vários momentos durante a pesquisa, quando vários(as) jovens exclamavam as palavras, “eu quero ser alguém na vida”. Alves e Dayrell (2005, p. 387) afirmam que “ser alguém na vida significa ser reconhecido, ter o respeito, ser enxergado e conhecido. Ser ouvido e respeitado. Ser valorizado. Enfim, sair da condição de invisibilidade”. Essa condição envolve uma gama de questões atreladas: independência financeira; maioridade civil; o status profissional; a vida amorosa; tomar as próprias decisões sem interferência familiar; dentre outras que configuram a emancipação de si.

Não podemos deixar de mencionar que esse estágio da vida se caracteriza pelas diferentes possibilidades em que os sujeitos estão imersos. Alves e Dayrell (2005) seguem suas interpretações, sinalizando que o campo de possibilidades não incide em fenômeno eminentemente favorável, ele é marcado pelas condições estruturais. Desse modo, quando falamos de projetos de vida nas juventudes, referimo-nos ao processo constante de avaliação e reavaliações dos(as) jovens sobre suas próprias atitudes na garantia da implementação de seus projetos, resistindo às dificuldades postas pelo contexto socioeconômico. No plano das possibilidades, os(as) jovens vislumbram a frequência ao ambiente escolar como necessária à efetivação das projeções, bem como reconhecem, nesse percurso, as problemáticas inscritas pelo cenário biográfico, tomando-as enquanto desafios a serem superados.

Ser alguém na vida, bem como a atuação da escola nesta trama, é discutido mais à frente de modo cruzado aos dados da pesquisa, os quais foram produzidos mediante a utilização de um questionário estruturado aplicado às 3 turmas de 3° ano elencadas acima, perfazendo um total de 116 jovens com idade entre 15 a 31 anos. O referido instrumento foi organizado em três blocos, sendo eles: dados pessoais; música e lazer; música e escola, conduzindo a elaboração de um perfil dos(as) jovens alunos(as) no último ano do ensino médio.

Através do questionário, constatamos que 52,6% eram do sexo feminino e 47,4% do sexo masculino; 57,8% moravam na cidade e 40,5%, em povoados e sítios. 80,2% residiam em uma família nuclear. Em relação a estes, 37,1% das mães concluíram o ensino médio e somente 30,2% dos pais finalizaram a educação básica, nos levando a crer que os(as) jovens, em relação aos seus responsáveis, possuem condições favoráveis para a conclusão da escolarização e a continuidade dos estudos. Tal conjuntura está atrelada às reflexões de Bourdieu (apud Nogueira; Catani, 2015), sinalizando que os pais buscam compensar os(as) filhos por meio da educação, ofertando o capital cultural a eles negado.

Para discutir as experiências musicais na escola, concentramos nossa atenção no segundo instrumento de produção de dados: a entrevista semiestruturada coletiva. A realização dos momentos em grupo partiu do pressuposto de que os jovens, quando “colocados em interação e diálogos, estimulados a refletirem sobre um tema proposto, não apenas manifestam suas opiniões, mas partilham, aprofundam e modificam suas percepções” (Leão et al., 2011, p. 1067), fazendo, também, emergir novas orientações reflexivas. Paralelamente, um segundo elemento foi considerado na escolha da entrevista coletiva: durante os períodos de observação, feitos após a realização do questionário, era comum no intervalo das aulas encontrar os(as) jovens reunidos em grupo, conversando sobre assuntos diversos, trocando comentários sobre as músicas prediletas ou até mesmo tocando violão e cantando. No decorrer dos dias, foi se evidenciando que, para as entrevistas, eles e elas se sentiriam mais seguros acompanhados de seus pares, ao menos daqueles que compartilhavam o mesmo ano escolar. De fato, ocorreu como pensávamos. A expressão “só vou se você for” se fez presente durante os convites.

Estabelecemos duas entrevistas coletivas3 com o máximo de seis integrantes para cada turma envolvida na pesquisa, tendo sido realizadas na biblioteca da cidade em horários diferentes das aulas dos(as) jovens e gravadas em áudio. Esses momentos aconteceram na biblioteca, pois os(as) participantes sugeriram os encontros em espaços exteriores à escola na intenção de estarem a vontade em suas falas. A biblioteca era o lugar mais próximo a todos e possuía ambiente para reuniões. Nos dias combinados para cada turma, compareceram os seis participantes do período matutino, mas somente três do turno vespertino. Em relação ao período noturno, somente um jovem compareceu, mas recusou-se a conceder a entrevista devido à ausência de seus colegas. Durante as entrevistas as quais eram destinadas às experiências de música na escola os projetos de vida surgiram como inquietação e, apesar das tentativas de retomada do objetivo de discussão, os projetos de vida voltavam ao centro do debate, gerando depoimentos que estão transcritos no próximo tópico.

 

“Já estamos no 3° ano do ensino médio, agora vai ou vai, não tem essa de ficar em dúvida”4

Para os(as) jovens do último ciclo da educação básica, os convites à reflexão sobre o futuro desencadeiam conflitos para além do aspecto profissional, fazendo emergir tensões amorosas, familiares e sociais que podem influenciar perspectivas e projetos. Sob esse aspecto, é importante que ações pedagógicas realizadas no ambiente escolar pautem-se em ampliar o acesso a informações e orientações sistematizadas, colaborando na elaboração de projetos e identificação de meios para torná-los concretos.

Weller (2014, p. 141), discutindo tais questões, assevera não existir “receitas prontas para a atuação da escola junto aos jovens na construção de projetos de longo prazo. Mas, um olhar mais atento às biografias desses jovens e às demandas que são trazidas para a escola” é essencial, pois em geral os projetos envolvem a ideia de sucesso ou fracasso na vida:

Tipo a gente que precisa estudar para o Enem, eu mesmo faço cursinho. Daí eu tenho que estudar para a escola e no cursinho para o Enem. Aí a gente fica, tipo, pensando: Meu Deus, se a gente não passar esse ano? O que vai acontecer depois? A gente fica em casa, sem conseguir ter passado na faculdade. Não vai mais para a escola, vai ficar só em casa. (Pausa). Aquela coisa né, a gente fica aflito (aluno do período matutino, abril de 2017).

Tal preocupação estende o debate para outro ângulo. Estamos falando de jovens que residem no sertão do estado de Alagoas, numa cidade distante da capital (Maceió), cujas oportunidades de trabalho permeiam as atividades laborais de agricultura, comércio ou nas instâncias públicas, a saber: a prefeitura, com baixos salários e jornadas exaustivas, nas quais seus familiares, sobretudo os pais, estão envolvidos. Logo, a conclusão do ensino médio e a continuidade dos estudos, por meio do ingresso no nível superior ou profissionalizante, representam o rompimento desse ciclo e a possibilidade, mesmo que incerta, de alçar voos mais altos, em especial para longe do sertão. Podemos afirmar que os projetos de vida já não são os mesmos fomentados pela teoria clássica de ruralidade, cujos mais novos herdam a responsabilidade em assumir o ofício da família. Compartilhando as premissas de Carneiro (2005), os(as) jovens rurais identificam a escolarização como mecanismo elementar para a superação de seu respectivo status social, sendo, em muitas situações, a alternativa mais segura e disponível para a melhoria de vida da própria família:

A gente tem o grande desejo de poder se estabelecer na vida, de também poder ajudar os nossos pais, mas a gente fica, tipo, com esse medo de não conseguir chegar onde a gente quer né e acabar se atrapalhando no caminho. (Aluno do período vespertino, abril de 2017).

Os depoimentos supracitados, carregados de emoções e medos, levam a refletir sobre o peso da responsabilidade em assegurar um futuro de sucesso para si mesmo e, ao mesmo tempo, oferecer aos pais estabilidade e segurança, especialmente na velhice. Desse modo, o último ano do ensino médio se configura, para muitos desses jovens, como um processo angustiante, já que as incertezas do porvir estão latentes e deles dependem outros sujeitos. Além desse agravante, as entrevistas reverberaram os entraves que permeiam a juventude e podem pôr em xeque os planos que estão sendo traçados. Os entraves citados pelos(as) jovens consistem na maternidade e paternidade precoce, o namoro e o desempenho de atividades laborais em paralelo aos estudos, reduzindo o horário de aprendizagem e a impossibilidade de ingressar na universidade na primeira tentativa.

Paralelamente aos riscos, os(as) jovens indicaram suas táticas para não desviar a atenção dos estudos. A principal tática consistiu em abrir mão dos momentos de descontração, assim exposto por um integrante da entrevista do período matutino, ao relatar sobre sua participação mínima no coro da igreja católica devido à sobrecarga de trabalhos escolares:

[...] tipo, eu que participo muito de ensaios, aí depois que eu comecei a fazer o cursinho eu já não pude participar dos ensaios, porque tive que dá prioridade ao curso. Eu queria, mas sabia que não podia ir lá, entendeu? Tinha que tá no cursinho (Aluno do período matutino, abril de 2017).

A narrativa acima permite observar que entre a escola e a universidade há, segundo Teixeira (2011, p. 29), uma longa travessia, sinuosa e desafiadora, a qual se estabelece muito antes da entrada no ensino médio, “se inscreve em toda a trajetória socioeducacional que o antecede, ainda que o ensino médio seja identificado, em geral, como a antessala do vestibular, estágio crucial para o ingresso na universidade”. Enquanto antessala do ensino superior, os(as) jovens do turno vespertino entrevistados se recordaram de amigos(as) tragados(as) por situações adversas, interrompendo a travessia do ensino médio. Algumas jovens haviam interrompido os estudos ou transferido seu horário de frequência à escola para o turno noturno devido às obrigações da maternidade. Quando não existia a possibilidade de deixar os filhos aos cuidados dos pais, avós ou terceiros, as jovens os levavam à sala de aula, fato observado na aplicação do questionário.

Por outro lado, os dados obtidos no questionário estruturado demonstram que, apesar dos desafios entre a vida pessoal e o ritmo escolar, a maioria dos envolvidos na pesquisa era do sexo feminino, como indicamos anteriormente (52,6%). Esse dado nos aproxima das ponderações de Alves e Dayrell (2005), ao asseverarem que as mulheres, em especial aquelas oriundas dos espaços rurais, não desejam reproduzir os caminhos de seus familiares.

No trilhar das proposições, fica evidente a relação entre as experiências singulares dos(as) jovens e a mobilização para a escolarização, pois estes se inclinam a aprender aquilo que de alguma forma lhes desperta um significado para a vida. Segundo Charlot (2000, p. 64), “o valor e o sentido do saber nascem das relações induzidas e supostas por sua apropriação. [...] um saber só tem sentido e valor por referência às relações que supõe e produz com o mundo, consigo e com os outros”. Concomitantemente, é oportuno considerar que as relações que atribuem sentidos aos saberes estão inscritas numa relação de tempos que não se esgotam, porém se entrecruzam. Conforme Charlot (2000, p. 79), “esse tempo não é homogêneo, é ritmado por momentos significativos, por ocasiões, por rupturas; é o tempo da aventura humana, a da espécie, a do indivíduo”. Sendo assim, não se deve esquecer que os modos como os(as) jovens se tornam alunos(as) distinguem-se por suas biografias e carregam marcas de seus lugares. Em outras palavras, não há como universalizar o percurso escolar.

Nessa vertente, é interessante que os ambientes educacionais mostrem-se comprometidos em discutir junto aos jovens os mecanismos de exclusão social que inibem os projetos de vida, uma vez que o acesso aos bens culturais não se apresenta em parâmetros de igualdade em nossa sociedade. Leão et al. (2011, p. 1083) comentam que “além deles se verem privados [...] do acesso às condições materiais de vivenciarem a sua condição juvenil, defrontam-se com a desigualdade no acesso aos recursos para lidar com esta nova semântica do futuro, dificultando-lhes a elaboração de projetos”. Nesse jogo de forças, reconhecemos que os projetos dos(as) jovens estão inscritos numa lógica própria, porém entrecortada por outros espaços, que podem gerar mudanças em sua consolidação. Colocar os espaços e os projetos em pauta na organização pedagógica é considerar as vozes juvenis ecoadas entre os corredores da escola.

No decorrer das entrevistas, os(as) alunos(as) retomaram a necessidade de situações de descontração na escola, a fim de amenizar as cobranças que fazem a eles mesmos, as cobranças da instituição e principalmente as expectativas dos pais. Propuseram a música como alternativa, pois oportuniza diálogos grupais sobre os estilos musicais prediletos, compartilham novos ritmos, cantam e dançam juntos, fomentando uma maior aproximação e até mesmo abertura ao desconhecido:

É só dever, dever toda hora... Acho que seria legal se a gente, tipo, na hora do lanche, como tem em outras escolas, por exemplo, que lá no pátio onde ficam eles tem caixas de som espalhadas onde eles podem ouvir na hora do intervalo, acho que seria muito melhor pra gente, né... Porque a gente vive nessa pressão de tipo, é intervalo, mas eu já tô pensando no que vou fazer na próxima aula, eu tenho que fazer trabalho, atividade que é muito constante e provas. E, tipo, se tivesse na hora do intervalo, nossa hora mais descontraída de encontrar aqueles amigos que estudam em outras salas, se tivesse um pouco de música lá... Pelo menos uma caixinha! (Aluno do período matutino, abril de 2017).

Diante da fala acima, nos parece oportuno retomar a reflexão de Dayrell (2001, p. 139) ao pronunciar não ser “coerente que o processo de ensino/aprendizagem ocorra numa homogeneidade de ritmos, estratégias e propostas educativas para todos”, reduzindo as diferenças sociais a problemas de ordem cognitiva, tampouco negando a viabilidade de conciliar as responsabilidades escolares com momentos de descontração na mesma. O desafio da escola residiria em transcender a reprodução de conteúdo, buscando vínculos entre a vida e o tempo na escola.

Enfim, “já estamos no 3° ano do Ensino Médio, agora vai ou vai, não tem essa de ficar em dúvida”, (Aluno do período vespertino, abril de 2017), enseja a realidade descrita neste artigo, circunscrita de tensões e vontades. Os projetos juvenis não estão fadados à herança familiar ou condição de classe, mas estão vinculados às experiências vividas em diferentes contextos de sociabilidade, entre eles o espaço escolar, com suas culturas, dinâmicas, interações, normas e regras. Sendo este o ambiente máximo para potencializar os sonhos, mediar os desafios e revelar os(as) jovens existentes nos alunos(as).

 

Considerações finais

É possível considerar que as percepções dos(as) jovens sobre as estruturas objetivas rompem com a concepção homogênea acerca dos sertanejos enquanto sujeitos flagelados pela seca e distantes do progresso amplamente difundido na sociedade. Pelo contrário, os(as) participantes da pesquisa revelaram sua complexidade, sendo desejosos por formações profissionais distintas e qualidade de vida.

De maneira geral os(as) jovens possuem uma imagem positiva da escola, mas não desqualificam os infortúnios perpassados no processo de escolarização, sendo diferentes os modos como vivenciam os desafios. Para alguns, o maior obstáculo é transpor as dificuldades em relacionar trabalho e estudos, outros, em relacionar estudos e filhos, tendo, por fim, os(as) jovens cuja concentração de energia está em serem reconhecidos pelos professores diante sua devoção à conclusão do ensino médio.

Chegar ao final da educação básica em nada se configura como uma situação natural para os(as) jovens sertanejos de Alagoas. Os percalços supracitados, dentre outros observados ao longo de nossa estadia na escola, como a dificuldade de transporte do povoado até a cidade na intenção de ir à escola, comprovam as resistências e enfrentamentos na continuidade dos estudos. Finalizá-los com ingresso na universidade ou no mercado de trabalho numa boa posição trata-se da superação de obstáculos, de uma vitória individual, familiar e até mesmo do grupo social marginalizado. Os projetos de vida, portanto, tomam dimensões maiores que a mudança no extrato econômico, repercute uma trajetória de luta no campo biográfico dos sujeitos.

Também, mergulhados em suas diferenças, os(as) jovens não perderam de vista os limites da escola em propor momentos de descontração para suavizar a tarefa dos estudos e a elaboração de projeções para vida. No respectivo contexto, eles e elas indicaram que a escola pode propor atividades culturais e de orientação para reduzir as aflições que assolam o ensino médio. Em outras palavras, é indispensável perceber os(as) jovens em sua totalidade, uma vez que, ao cruzarem os portões da escola para assumir a condição de aluno(a), carregam consigo suas expectativas, angústias e modos próprios de subjetivação do mundo.

Por fim, esperamos com este trabalho a colaboração na ampliação dos contextos sociogeográficos e temáticas de pesquisas referentes às juventudes, bem como colocar em causa as pragmáticas concepções de que as trajetórias escolares e os projetos de vida dos jovens sertanejos estão definidos pelo destino de classe ou por suas origens locais.

 

 

Referências

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Data de recebimento: 08/09/2019
Data de aceite: 01/12/2019

 

 

1 A pesquisa de mestrado resultou na dissertação intitulada “Juventude e expressividades musicais no espaço escolar do alto sertão de Alagoas”, cuja defesa foi realizada em janeiro de 2018 e contou com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) – código de financiamento 001.

2 Para aprofundar o debate sobre a relação dos jovens com a música no espaço escolar, consultar a dissertação de Silva (2018), disponível no repositório institucional da UFS: <https://ri.ufs.br/jspui/handle/riufs/9205>.

3 As entrevistas que compuseram este artigo estão transcritas na dissertação de Silva (2018), disponível no repositório institucional da UFS: <https://ri.ufs.br/jspui/handle/riufs/9205>.

4 (Aluno do período vespertino, abril de 2017).

 

 

I Isabel Cristina Oliveira da Silva: Doutoranda em Educação pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Brasil. Mestre em Educação pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), Brasil. Membro do grupo de pesquisa “Juventudes, Culturas e Formação” (CEDU/UFAL). E- mail: belcrysos@hotmail.com

II Ana Maria Freitas Teixeira: Doutora em Ciências da Educação pela Universidade Paris 8-França. Professora associada da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Centro de Cultura, Linguagens e Tecnologias Aplicadas (UFRB/CECULT), Brasil. E-mail: anabrteixeira@hotmail.com

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