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Desidades

On-line version ISSN 2318-9282

Desidades  no.27 Rio de Janeiro May/Aug. 2020

 

TEMAS EM DESTAQUE

 

"Mostre-me a sua vida": a caminhada guiada pelo bairro e o jogo de associações na pesquisa qualitativa com jovens1

 

"Show me your life": the guided walk and the association game in qualitative research with young people

 

 

Nele Hansen

Doutora em Antropologia Social e Cultural pela Universidade Autônoma de Barcelona, Espanha. Atualmente é gerente de projeto do projeto de pesquisa ERC TRANSGANG. Participa como pesquisadora de pós-doutorado em vários outros projetos nacionais e europeus do grupo de pesquisa JOVIS.COM, Universitat Pompeu Fabra, Departamento de Comunicação, Barcelona (Espanha), como CHIEF (Patrimônio cultural e identidades do futuro da Europa), SLYMS (aprendizagem sociocultural da juventude nas sociedades móveis) e ACTIFEM (Ativismos em feminino). E-mail: nele.hansen@upf.edu

 

 


RESUMO

Neste artigo exponho duas técnicas inovadoras para a pesquisa social e qualitativa com jovens: A caminhada pelo bairro e o jogo de associações. Formam parte de um conjunto de 10 técnicas de investigação que apliquei na minha pesquisa doutoral sobre identidade e identificações de jovens de famílias dominicanas e equatorianas em Barcelona. Demarcando as duas técnicas na minha aproximação metodológica à investigação, detalho o procedimento delas e minha experiência na sua utilização. Compartilho, ao final, minhas reflexões metodológicas sobre elas e sobre a investigação social com jovens de maneira geral.

Palavras-chave: pesquisa social com jovens, metodologia qualitativa, caminhada pelo bairro, jogo de associações, identidade juvenil.


ABSTRACT

In this article I expose two innovative techniques for qualitative social research with young people: The guided walk through the neighbourhood and the association game. They are part of a set of 10 research techniques that I applied in my doctoral research on the identities of young people from Dominican and Ecuadorian families in Barcelona. Framing the two techniques in my methodological approach, I detail the procedure of the two techniques and my experiences with them. Finally, I share methodological reflections about them and social research with young people in general.

Keywords: social research with young people, qualitative methodology, guided walk through the neighbourhood, association game, youth identity.


 

 

Introdução

Entre 2014 e 2016 acompanhei, no âmbito da minha pesquisa de doutorado, 24 jovens em seu cotidiano e em seus espaços vitais na região metropolitana de Barcelona. Esses meninos e meninas tinham entre 13 e 24 anos e vieram de famílias dominicanas e equatorianas ou de casais mistos de um desses dois grupos (o pai ou a mãe eram dominicanos / equatorianos e o outro progenitor, espanhol). Os e as jovens já haviam nascido na Espanha ou haviam chegado a Barcelona durante a infância. O objetivo da pesquisa era identificar suas identidades socioculturais e encontrar seus leitmotivs vitais, ou seja, aquelas identificações (relacionadas a espaços, grupos, hobbies ou práticas culturais) que os jovens consideravam significativos para suas vidas. No nível metodológico, parti de uma perspectiva qualitativa e etnográfica, aplicando na medida do possível uma metodologia participativa. Eu queria abordar as diversas realidades da juventude de maneira holística e empática, ao mesmo tempo em que era consciente da minha subjetividade como pesquisadora em cada momento (para mais informações, consulte Hansen, 2017). Optei pela realização de estudos de caso, através dos quais eu pudesse me aproximar muito do mundo de cada uma das meninas e meninos e entender seus significados sob a perspectiva deles. Este artigo irá se aprofundar em duas das técnicas que se mostraram mais proveitosas para minha pesquisa.2

 

Enfoque metodológico

Para realizar os estudos de caso, procurava técnicas que me permitissem abordar os jovens adequadamente e discorrer sobre suas realidades de forma holística, empática e interativa. Pretendia usar técnicas que evocassem movimento e criatividade e que fossem, além disso, contrárias a qualquer situação semelhante a uma prova ou uma aula que eles e elas já viviam em suas vidas diárias no sistema de ensino formal. Interessei-me pelas técnicas que conseguiam gerar um discurso espontâneo e permitiam que os e as jovens se expressassem em seus próprios meios e contextos. A pesquisa social com jovens implica a necessidade de aplicar abordagens e técnicas diferentes daquelas usadas em adultos, mas também em crianças (ver também Hopkins, 2010; Skelton, 2008; Skelton; Valentine, 1998; Trell; Van Hoven, 2010). No entanto, ainda existem poucas publicações sobre uma metodologia específica de pesquisa com adolescentes e jovens. A maioria dos métodos aplicados com jovens são adotados a partir de métodos para crianças ou adultos, algo que está mudando apenas recentemente (Hopkins, 2010; Morrow, 2008; Ortiz Guitart, 2007). As metodologias participativas, e concretamente a investigação ação participativa (IAP), oferecem um enfoque e propostas concretas muito interessantes (ver Kindon; Pain; Kesby, 2007). No meu caso, apliquei um enfoque participativo na sua dimensão "lúdica, interativa, criativa e flexível" (Agrelo, 2011) -como se verá adiante - mas não tanto como um processo investigativo IAP, como seria se o projeto fosse levado a cabo pelos próprios jovens.

A busca por novas abordagens não exclui o uso de técnicas tradicionais de antropologia, como a observação participante e a etnografia (registrando observações e reflexões em um diário de campo). De fato, um acompanhamento próximo e prolongado no tempo dos sujeitos do estudo, dentro de seu ambiente habitual, é perfeitamente combinado com a aplicação de outras técnicas específicas que ajudam a estimular a reflexão e o discurso dos sujeitos sobre tópicos relevantes. Acima de tudo, as abordagens da geografia e da pesquisa social com crianças me forneceram técnicas de pesquisa muito proveitosas.

Conduzi os estudos de caso com um conjunto de dez técnicas diferentes: Observação participante e acompanhamento dos e das jovens por um longo período de tempo (dependendo das oportunidades e disposições caso a caso); conversas informais com eles e elas, seus irmãos e irmãs e seus amigos e amigas; uma entrevista semiestruturada com suas famílias; um breve questionário escrito sobre seu perfil socioeconômico e hobbies; um mapa mental das atividades diárias; um mapa mental de acontecimentos vitais; o jogo das associações; a caminhada guiada pelo bairro; a compilação de fotos do quarto e do objeto favorito e a análise de sua rede social offline (com o software Egonet). Usei esse conjunto de ferramentas diferentes de maneira flexível, dependendo das características do informante, da situação e do contexto. A seguir, apresento duas das técnicas que considero essencialmente interessantes e inovadoras: a caminhada guiada pelo bairro e o jogo das associações.

 

Aproximando-se da realidade juvenil através de técnicas: a caminhada guiada pelo bairro e o jogo da associação

A caminhada guiada pelo bairro

Os lugares por onde os e as jovens transitam, onde socializam e passam a maior parte do tempo são altamente significativos para suas identidades e explicam muito sobre suas dinâmicas cotidianas e extra cotidianas (ver também Aitken, 2001; Skelton; Valentine, 1998). Também podem abrigar memórias ligadas à própria história de vida. Por esse motivo, considerava importante analisar a relação dos e das jovens com locais públicos e privados do seu entorno, principalmente os mais importantes em suas vidas, os que frequentam constantemente ou os que evitam. Vários estudos demostraram que os locais públicos são significativos para os e as jovens, na medida em que proporcionam um lugar para socializar com seus e suas colegas, longe das restrições institucionais ou do controle dos pais e mães (Bunnell et al., 2011; Cahill, 2000; Feixa, 2000; Feixa et al., 2006; Gough; Franch, 2005; Ortiz et al., 2014; Prats Ferret et al., 2012; Travlou et al., 2008; Trell; Van Hoven, 2010; Weller, 2006).

A técnica da caminhada guiada pelo bairro tem sido usada principalmente na geografia e na sociologia, e especificamente nas pesquisas com crianças, adolescentes e jovens (Ames et al., 2010; Ortiz et al., 2014; Trell; Van Hoven, 2010). Pelas suas dinâmicas, se pode considerar uma técnica participativa, já que enfatiza a participação ativa dos e das jovens, uma dimensão lúdica que apela à sua criatividade (ver também Hopkins, 2010;

Kindon et al., 2007). A caminhada é uma técnica especialmente youth-friendly, por ser muito ativa e realizada fora do controle da casa e da família. Nesta atividade, pede-se aos jovens que mostrem ao pesquisador ou pesquisadora os lugares que lhes parecem mais importantes em suas vidas, os que costumam frequentar ou os que têm um significado especial por qualquer outro motivo. O jovem ou a jovem guia o pesquisador ou pesquisadora por esses locais durante uma caminhada, determinando o caminho, o tempo etc. Além disso, se pede ao ou à jovem que tire fotografias desses lugares. Durante a caminhada, fala-se informalmente sobre os lugares e seus significados: Por que esse lugar é importante para você? Com quem você vem? Com quem você se encontra? O que você associa a este lugar? Normalmente, os e as jovens indicam lugares próximos, mas, em alguns casos, também apontam para outros bairros da cidade, dependendo da história vital do ou da jovem e de seu grau de mobilidade espacial. Em todo momento, é importante que o pesquisador ou a pesquisadora faça anotações mentais durante a caminhada e as registre após a atividade no diário de campo.

Na minha pesquisa a caminhada guiada costumava ser a primeira atividade a ser realizada com os e as jovens, mas sempre dependendo da situação específica e sempre após um primeiro encontro com o ou a participante. A atividade funcionava em muitos casos para quebrar o gelo, pois implicava movimento, interatividade e permitia se conhecer em um contexto informal. Além disso, permitia estar fora do escopo das famílias, que com frequência desejavam supervisionar as reuniões (interferindo assim na dinâmica). Mesmo assim, só foi possível realizá-la quando jovens e famílias sentiram confiança suficiente comigo. Para algumas famílias, parecia uma atividade um tanto suspeita ("um estranho leva meu filho ou filha para passear"), por isso era necessário explicar cuidadosamente o objetivo e o procedimento da caminhada. Também pareceu estranho para alguns e algumas jovens que alguém se interessasse por seus lugares favoritos e quisesse caminhar com eles no seu bairro.

As caminhadas realizadas tiveram características muito diversas e levaram a resultados muito diferentes, dependendo das características do ou da jovem. Alguns ou algumas jovens, por exemplo, mostraram uma clara preferência por espaços privados e não públicos, não se relacionavam muito com o seu entorno. Nesses casos, a caminhada pelo bairro resultava bastante pobre. Era muito mais interessante passar um tempo com esses jovens e essas jovens em seus espaços privados, como a casa da família ou o quarto deles. A caminhada foi muito proveitosa com jovens que se relacionavam com o bairro e costumavam se deslocar por diferentes espaços públicos ou semipúblicos (como centros cívicos, espaços juvenis etc.).

Um dos passeios mais interessantes que fiz foi com dois jovens na cidade de Hospitalet de Llobregat, localizada nos subúrbios ocidentais de Barcelona. Este passeio pode servir como um exemplo para explicar possíveis dinâmicas da caminhada guiada. Mario e Luis3eram amigos, tinham 14 e 15 anos e eram de famílias dominicanas. Luis já tinha nascido aqui e Mario chegou com 6 anos na Catalunha. Os dois amigos demonstravam um pronunciado senso de pertencimento ao bairro (La Torrassa / Collblanc em Hospitalet) e praticamente realizavam todas as atividades diárias dentro dos limites dele. Na caminhada pelo bairro, ficou claro que os dois conheciam muito bem os locais relevantes do bairro e que se deslocavam com segurança pelas ruas, praças e parques. Os meninos me levaram primeiro ao maior parque do bairro, que eles dividiram, com um mapa mental, em diferentes áreas:

Mario e Luis dividem claramente as áreas do parque em três espaços diferentes. A área dos cães, a colina e o jardim eles classificam como a parte ilegal, suja e bagunçada. Eles me dizem que na colina a prefeitura removeu muitas árvores e plantas, porque havia muito tráfico de drogas no mato. "Muitas drogas estavam neste parque. E era perigoso para nós, quando éramos crianças, vidros quebrados e seringas..." no entanto, eles não perceberam isso como uma má influência, porque "enquanto você fica longe e não procura problemas e sabe com quem não deve mexer, não é seu assunto..." Eles me dizem que algumas de suas amigas têm medo de atravessar o parque, por medo de estupros. E que existem prostitutas "oferecendo seu trabalho" no parque. (Diário de campo, novembro de 2015; Hansen, 2017).

 

 

Depois passamos para a área que Mario e Luis definem como "limpa e arrumada, a legal". É a zona juvenil de jogos e esportes. Na quadra de basquete, um grupo de adolescentes está jogando. Em outro espaço, algumas crianças jogam futebol... É a área que mais lhes agrada por suas características positivas. E a terceira zona, em uma parte extrema do parque, eles classificam como a mais conflituosa: segundo eles, os dominicanos se reúnem ali, "os mais conflitivos". Atividades ilícitas estão claramente associadas ao coletivo (estigmatizado) de jovens dominicanos masculinos. Um grupo de dominicanos, jovens adultos, está sentado em um banco. Mario e Luis afirmam que "não queremos mexer com eles". (Diário de campo, novembro de 2015; Hansen, 2017) .

Pelos comentários dos meninos, ficou evidente que crianças e jovens conheciam bem os limites do espaço público: sabiam para onde ir e não ir, com quem sair e quais lugares evitar (ver também Ortiz et al., 2014, p. 52). Além disso, a caminhada podia mostrar, como no caso de Luis e Mario, a identificação e desidentificação com certos grupos do espaço público e com seu próprio coletivo de origem: os dois se recusaram claramente a se identificar com a parte problemática do coletivo dominicano, homens jovens envolvidos (supostamente) em atividades violentas e ilegais. Em seguida, Mario e Luis me levaram por diferentes lugares, até chegar a uma grande rua comercial, que constituía a fronteira com a cidade de Barcelona. Nesse momento se manifestou a percepção pelos meninos de uma linha divisória clara entre Barcelona e Hospitalet:

Chegamos à estrada Collblanc. Mario diz: "Lá já é Barcelona, veja, como você pode ver adiante que é Barcelona e atrás é Hospitalet" Quando digo a eles, surpresa, que não vejo tanta diferença, eles me explicam: "Tudo é mais amplo lá, mais organizado, com grandes edifícios, com muito mais comércio, com restaurantes..." Atravessamos a "fronteira". Mario presta muita atenção aos restaurantes, bares e cafés. Ele está animado: "Veja, eles estão cheios, estão sempre cheios! Olha, você pode ver que a comida é de boa qualidade..." Mario me diz que gostaria de morar no bairro Collblanc, em Barcelona, "em um desses prédios altos... porque eles parecem modernos e espaçosos e grandes... e mais silenciosos que em Hospitalet". [...] "E mais na Estrada de Sants, e em direção à Plaça de Sants, existem muitas lojas boas, muitos comércios, bons restaurantes, tudo..." Suas descrições aludem à sensação de viver na periferia da grande capital, do centro. Mario e Luis traçam assim uma fronteira de classe e prestígio social. (Diário de campo, novembro de 2015; Hansen, 2017).

A caminhada pelo bairro evidenciou a percepção de Mario e Luis de viver na periferia do centro, o que representa poder, sucesso e bem-estar. Nessa perspectiva, eles se sentiam relegados a um padrão de vida mais baixo, sugerindo uma sensação de serem excluídos e marginalizados daquele centro.

Por outro lado, a caminhada pelo bairro revelou locais importantes das geografias juvenis, como locais populares e de prestígio. Também permitiu que as crianças indicassem lugares significativos do âmbito familiar e de eventos importantes:

Depois, passamos pelo McDonalds... Os meninos apontam que o McDonalds já está em Barcelona, não em Hospitalet. Novamente a alusão ao centro, à capital. Com os comentários, deduzo que é o único lugar onde eles ocasionalmente saem para comer fora com a família. Portanto, é um lugar que marca um evento especial e um ritual familiar que eles avaliam como positivo. O McDonalds também parece ter um certo coolness e prestígio entre os adolescentes e é um importante ponto de encontro para as geografias juvenis. (Diário de campo, novembro de 2015; Hansen, 2017).

 

 

Como podemos ver, a técnica da caminhada guiada pode revelar importantes práticas culturais, identificação e desidentificação e opiniões diversas, principalmente aquelas relacionadas ao espaço público, ao bairro, às pessoas e aos diversos coletivos que habitam esses espaços. A caminhada permite que os e as jovens gerem uma liberdade de expressão, reforçada e acompanhada de movimentos físicos (caminhar, parar, seguir, dar a volta etc.). Também apresenta uma oportunidade para o pesquisador aproximar-se dos jovens de maneira informal, interativa e ser capaz de ver o ambiente ao redor através de seus olhos. Permite momentos de surpresa e reflexão para o pesquisador ou para a pesquisadora, principalmente quando se trata de lugares pouco conhecidos por ele ou ela.

O jogo de associações

A técnica do jogo de associações é baseada em uma ideia própria. Depois de iniciar o trabalho de campo e descobrir que os jovens costumavam responder de forma abreviada e pouco explicativa, decidi incorporar essa técnica no conjunto da metodologia. É inspirado no vídeo El Quiz do projeto Elevando as vozes das mulheres migradas contra o racismo (Rede de Migração, Gênero e Desenvolvimento e a Agência de Notícias com uma Visão de Gênero, 2013). Neste vídeo, pessoas de diferentes países são questionadas sobre o que associam a conceitos como: origem, imigrante, raça, branco ou preto. As associações das pessoas são breves, mas altamente esclarecedoras. Esse exercício parecia muito atraente para sua aplicação com adolescentes e jovens, pois, para esse exercício os meninos e meninas não necessitam de muitos recursos retóricos e não se sentem interrogados, como em outros tipos de entrevistas mais formais. Dessa maneira, esperava provocar identificações e discursos espontâneos.

No jogo, perguntei aos e às jovens sobre o que eles associavam com certos conceitos-chave do estudo, como: escola, família, origem, Barcelona, Equador ou República Dominicana etc., mas também com conceitos relacionados à questão da identidade e seu sentido de pertencimento. Entre eles estavam, de propósito, alguns termos que podem parecer provocativos para os jovens, como: raça, imigrante, sudaka, branco ou preto. Provocante no sentido de que: por que perguntar a um ou uma jovem de família mista, nascida em Barcelona, sobre o termo imigrante? Minha ideia era justamente provocar reações espontâneas a essas palavras, porque frequentemente é em confronto com elas que a identificação e desidentificação dos e das jovens é claramente demonstrada. Antes de iniciar o jogo de associação, expliquei que se tratava de compartilhar comigo suas primeiras associações, a primeira coisa que viesse à mente, sem muita reflexão. Eu enfatizei que não era uma prova e que não havia respostas certas ou erradas. Dependendo do conceito, os e as jovens tinham mais ou menos associações.

Apresentei cada um dos conceitos em algumas fichas de papel e as levava comigo nas reuniões com os e as jovens. Dessa maneira, eu poderia usar o jogo de associação espontaneamente, sempre que tivesse a oportunidade. A vantagem do jogo é que ele pode ser feito em 10 ou 15 minutos, sempre dependendo das respostas dos e das jovens. A técnica serviu para aprofundar em assuntos pouco desenvolvidos em conversas anteriores, ou para pedir-lhes para detalhar uma associação específica. Usei o jogo em momentos muito diferentes dos encontros: em alguns casos, era depois de conversas e caminhadas no bairro, em outros casos, no final das reuniões e, em muitos casos, em espaços vazios, quando havia pouco tempo para usar outras técnicas.

O jogo de associações ajudou a evocar reações espontâneas, como no caso de Rafa, um jovem nascido na Catalunha. Quando perguntei sobre sua associação com a palavra imigrante, ele respondeu: "Mas eu não sou imigrante!" (Hansen, 2017). Sua clara rejeição da identificação como pessoa imigrante foi esclarecedora e reivindicou sua identidade como nativa diante dos processos de racialização e estereotipagem por parte de pessoas de fora. A vantagem do jogo é que não faz perguntas específicas e pode, desse modo, dar origem a qualquer tipo de associação ou suposição, como neste caso ("Ela assume que sou imigrante!"), (Hansen, 2017 ). O mesmo aconteceu quando perguntei a Santi, um jovem adulto de uma família dominicana mista nascida na Catalunha, sobre a palavra imigrante. Ele respondeu: "algo que eu não escolhi". Sem entendê-lo no começo, continuei perguntando a ele sobre esse significado e ele me explicou que se identificava em certas situações sociais como imigrante, já que outros costumavam determiná-lo como imigrante. Essa posição não havia surgido em nenhum momento nas conversas anteriores, quando perguntava a Santi sobre suas identificações culturais nacionais.

O jogo de associações possibilita a associação com imagens, que muitas vezes explicam melhor que mil palavras como os e as jovens se sentem. É o caso de Helena, uma menina de família dominicana mista nascida na Catalunha. Tive problemas para entrar no seu mundo, ela tinha bastante receios de me contar sobre ela. No entanto, através do jogo das associações foi possível entrar gradualmente, de maneira pouco invasiva e mais agradável. Com a palavra estudo, Helena associou: "Eu lembro como escuro. Lembro que às vezes estou lá, tudo escuro e com uma lâmpada. Iluminando o papel. Um papel escrito." (Diário de campo, 2014; ver Hansen, 2017). Esta imagem da lâmpada que ilumina o papel no meio da escuridão evocou uma poderosa sensação de solidão, concentração ou pressão. Essa imagem deu origem a uma conversa mais extensa com Helena sobre seus sentimentos sobre os estudos e a grande pressão que ela sentia nessa área, além dos conflitos que ela teve por causa disso com suas famílias, especialmente com sua mãe.

O jogo de associações forneceu informações úteis em nível individual em quase todos os casos, ao mesmo tempo que enriqueceram as histórias vitais de muitos jovens.

Por outro lado, a análise conjunta das respostas desenhou um poderoso imaginário coletivo sobre os diferentes conceitos. Com todas as respostas, consegui criar árvores de associação paracada item. Por exemplo,oseasjovenstinhamasseguintes associações com o conceito de ser adulto:

Esse conjunto de associações permitiu ilustrar de maneira poderosa alguns dos principais resultados do estudo, ou seja, foi capaz de acompanhar em grande parte a análise de todas as informações coletadas.

 


Figura 1 - Clique para ampiar

 

Reflexões metodológicas a nível de conclusão

Como já vimos, as duas técnicas têm vantagens e desvantagens. A caminhada guiada pelo bairro é uma técnica muito útil para explorar as relações entre o espaço geográfico e a realidade dos jovens e serve para sublinhar a grande importância dos lugares (que permitem, expressam, inibem, transmitem) na vida dos e das jovens. No entanto, isso se aplica principalmente àqueles e àquelas jovens que têm um relacionamento com o ambiente, com locais públicos. Por outro lado, muitos e muitas jovens dão pouca importância a lugares fora dos espaços privados e habituais (a escola etc.) e, portanto, não querem realizar a caminhada guiada. Lembro-me especialmente de um garoto de família catalã-dominicana que se recusou a dar um passeio no bairro "porque estava muito quente", porque ele era "muito preguiçoso"... mas que me mostrou nas conversas subsequentes não ter nenhum relacionamento com o bairro onde morava nos fins de semana com a mãe, dado que ia para a casa do pai e de lá para o internato (espaço bastante fechado e controlado onde ele morava durante a semana), com pouco contato com o espaço exterior.

Ou seja, a técnica é proveitosa quando os e as jovens sentem uma identificação mínima com seu entorno imediato, quando gostam de se deslocar pelo bairro e também de se movimentar. Também deve ser levado em consideração que requer algum tempo de realização (1-2 horas) e que depende das condições climáticas. De fato, em alguns casos, tive que cancelar os passeios já acordados por causa de chuva e assim trocar de técnica. Em alguns casos, optei, por exemplo, pelo jogo de associações ou pelo mapa mental; atividades que podem ser realizadas em casa sem muita preparação.

De qualquer forma, a caminhada pelo bairro funcionou em muitos casos como primeiro contato e como uma maneira informal e agradável de iniciar conversas sobre os interesses e atividades dos e das jovens. Acima de tudo, no caso de jovens tímidos ou desconfiados, a caminhada permite conversar sobre tópicos e fazer perguntas andando ao lado do e da jovem, sem precisar olhar nos olhos deles e delas. Essa forma elimina a sensação de estar sendo observado ou estar sendo o foco de atenção do pesquisador ou da pesquisadora e suaviza a dinâmica de entrevistas mais clássicas, como sentar de frente um ao outro, olhar nos olhos etc. A caminhada pelo bairro abriga, acima de tudo, uma grande fortaleza: conversar com jovens sem a presença de suas famílias e fora do alcance do controle parental e escolar (a casa, o lar, o colégio). Isso permite, em diferentes casos, que os e as jovens se atrevam a falar mais abertamente sobre suas coisas e até expressar críticas a suas famílias ou contar o que está acontecendo em casa. No entanto, é uma técnica que exige que famílias e jovens confiem no pesquisador ou na pesquisadora. Na maioria das vezes, as mães (que ocupavam, mais do que os pais, o papel de cuidadora e educadora) me perguntavam "mas por que você quer sair sendo que estamos tão bem aqui em casa?", expressando desconfiança de mim, mas também do espaço público e dos seus perigos (dependendo do bairro em questão). Isso foi percebido mais em famílias da classe média alta do que na classe baixa. Portanto, foi positivo ter conversado, a priori, com os e as jovens e suas famílias em reuniões informais, para estabelecer relações de confiança anteriores.

O jogo da associação é uma técnica que complementa muito bem outras técnicas de pesquisa, como conversas, caminhadas, mapas mentais, observação participante ou questionários. Por sua dinâmica, é uma boa técnica para se ter à sua disposição, caso haja pouco tempo, quando as conversas não são fluidas ou os e as jovens se recusam a realizar outras atividades planejadas (e é necessário improvisar). Torna-se uma atividade frutífera com jovens com alto nível de imaginação e reflexividade, pois, assim, as associações geram poderosas imagens, ideias e discursos que complementam muito bem as histórias de vida. Também foi uma técnica ideal para jovens com poucos recursos retóricos, uma vez que o jogo pode funcionar como um impulso para refletir sobre algum assunto, que pode ser aprofundado em perguntas consecutivas. Ou seja, a técnica permite criar um segmento estruturador para uma conversa. Não substitui uma narrativa própria, mas pode fornecer informações interessantes quando interpretamos identidades e senso de pertencimento.

Além disso, os e as jovens não têm a sensação de serem submetidos a um interrogatório, mas estão participando em um jogo simples. Nesse sentido, o jogo é mais atraente e divertido para os e as jovens do que uma simples entrevista. Além disso, como expliquei anteriormente, o jogo pode gerar associações surpreendentes, que não sairiam dessa maneira em conversas ou entrevistas, as quais vale a pena investigar. Do meu ponto de vista, o jogo permite uma associação espontânea, que pode contradizer ou sair de discursos internalizados. Porém, observei que, no caso de jovens com alto nível de retórica - ou seja, quando são capazes de fornecer informações extensas e contextualizadas sobre si mesmos e sua visão de mundo - o jogo das associações não é particularmente útil, já que narrativas livres - expressas em conversas - são mais sugestivas. Mas, embora não forneçam muitas informações novas, as associações podem confirmar opiniões e posições já expressas anteriormente.

No caso da minha pesquisa, essas duas técnicas de pesquisa, a caminhada guiada e o jogo das associações, foram uma parte fundamental do conjunto de técnicas e foi precisamente esse conjunto que me proporcionou uma abordagem flexível, interativa, dinâmica e bem-sucedida para as realidades da juventude. Em todo o momento, as técnicas podem ser interpretadas como recursos flexíveis, não como técnicas imóveis. Atividades que vão contra a dinâmica e a personalidade dos e das jovens não devem ser forçadas. Ou seja, as técnicas devem sempre ser adaptadas à personalidade e às preferências do ou da informante. Durante todo esse processo, devemos, como pesquisadores e pesquisadoras, agir com grande sensibilidade e olfato, para saber quais ações executar a cada momento, sempre com o objetivo de fornecer informações ricas, contextualizadas e eticamente responsáveis.

A caminhada pelo bairro e o jogo das associações fazem parte de novas abordagens e iniciativas de pesquisa social com jovens. Aplaudo as tendências que respeitam cada vez mais as particularidades, características e dinâmicas do mundo juvenil e que também suavizam as relações de poder existentes entre adultos e jovens com técnicas participativas e interativas. Convido pesquisadores e pesquisadoras - especialmente jovens - a continuar explorando, de maneira interdisciplinar, novos caminhos metodológicos e a serem inspirados, não apenas pela razão, mas também pela intuição e emoção.

 

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DATA DE RECEBIMENTO: 15/02/2020
DATA DE APROVAÇÃO: 28/06/2020

 

 

1 Tradução para o português de João Gabriel Almeida.
2 Para mais informações sobre os resultados da pesquisa, consulte a tese (Hansen, 2017).
3 Pseudônimos.

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