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Desidades

On-line version ISSN 2318-9282

Desidades  no.28 Rio de Janeiro Sep./Dec. 2020

 

TEMAS EM DESTAQUE TEMAS SOBRESALIENTES

 

Juventude em conflito com a lei: expressões objetivas e subjetivas das opressões em capitais do nordeste brasileiro

 

Youth in conflict with the law: objective and subjective expressions of oppression in the capitals of brazil's northeast region

 

Juventud en conflicto con la ley: expresiones objetivas y subjetivas de las opresiones en capitales del Nordeste brasileño

 

 

Samira Safadi Bastos

Professora Adjunta da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Brasil, mestre em Família pela Universidade Católica do Salvador (UCSal), Brasil, doutora na área de Infância e Juventude pela Université de Mons, Bélgica, e tutora da Residência Desenvolvimento Infantil pelo Instituto de Saúde Coletiva (ISC/UFBA). E-mail: samira.safidi@ufba.br

 

 


RESUMO

Neste artigo, fo¡ sistematizada sintéticamente a pesquisa de doutoramento realizada com jovens entre 15 e 24 anos, nordestinos, negros, do sexo masculino, em medida socioeducativa em meio aberto, objetivando estudar os efeitos da transmissão/opressão geracional da pobreza, da racialização e do gênero ante as condições materiais objetivas e subjetivas dos referidos jovens diante do recrudescimento do neoliberalismo brasileiro. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas, cujas análises - vertical e horizontal - foram fundamentadas no materialismo histórico-dialético. Na composição do marco teórico e aproximação com pesquisas similares, percebeu-se a capilarização do sistema punitivista que encarcera em massa e mata a juventude negra, além da crescente criminalização dos movimentos sociais que reagem. Resultaram das análises impactos no sentido de reconhecimento, valorização, pertencimento, filiação, virilismo, articulados à desproteção social das famílias e manutenção do familismo pelas políticas sociais, à monoparentalidade feminina e à criminalização da pobreza através da atual política de drogas, ocasionando opressões superpostas.

Palavras-chave: pobreza, juventudes, conflito com a lei, neoliberalismo, opressão.


ABSTRACT

This article synthesized the doctoral research made on 15-24 year olds, Northeastern brazilians, black, in open social-educational measure, aiming to study the effects of generational transmission/oppression of poverty, racialization and the gender, in view of the objective and subjective material conditions of those young men facing the resurgence of Brazilian neoliberalism. Semi-structured interviews were conducted, whose analysis - vertical and horizontal - were based on historical-dialectical materialism. In the composition of the theoretical basis and approximation with similar researches, it was noticed the capillarization of the punitivist system, that massively incarcerates young black people and commits black genocide, besides the increasingcriminalization of social movements that react to this. Impacts, in the sense of recognition, valorization, belonging, affiliation, virilism, articulated to the social unprotection of families and maintenance of familism by social policies, female single parenting and the criminalization of poverty through the current drug policy resulted from this analysis, entailing in overlapping oppressions.

Keywords: poverty, youths, conflict with the law, neoliberalism, oppression.


RESUMEN

En este artículo se sistematiza sintéticamente la investigación doctoral realizada con jóvenes de entre 16 y 24 años, de La Región Nordeste en Brasil, negros, hombres, que están en cumplimiento de una medida socioeducativa abierta, con el objetivo de estudiar los efectos de la transmisión/opresión generacional de la pobreza, la racialización y el género, en vista de las condiciones materiales objetivas y subjetivas de estos jóvenes frente al recrudecimiento del neoliberalismo brasileño. Se han realizado entrevistas semiestructuradas, cuyos análisis, vertical y horizontal, están basados en el materialismo histórico-dialéctico. En la composición del marco teórico y cuando se acerca a investigaciones similares, se ha observado la capilarización del sistema punitivo que encarcela masivamente a la juventud negra, además de la creciente criminalización de los movimientos sociales que reaccionan. Los análisis resultaron en impactos hacia el reconocimiento, la valorización, la pertenencia, la afiliación, el virilismo, articulados a la desprotección social de las familias y el mantenimiento del familismo mediante políticas sociales, la monoparentalidad femenina y la criminalización de la pobreza a través de la actual política de drogas, que ocasionan opresiones superpuestas.

Palabras clave: pobreza, juventudes, acto delictivo, neoliberalismo, opresión.


 

 

Introdução

A despeito de instrumentos infraconstitucionais, jurídico-políticos, na área infanto-juvenil, ainda convivemos com as consequências da herança colonial neste país, posto que a inacessibilidade aos direitos sociais está intrínsecamente ligada à pauperização e aos efeitos do racismo estrutural. Esse reflexo pode ser constatado quando analisamos as medidas socioeducativas de privação de liberdade, porquanto, ao caracterizar a população adolescente em cumprimento de medidas socioeducativas, percebemos que se trata de adolescentes negros, do sexo masculino, em disfunção série/idade, vivendo em situação de vulnerabilidade social. Tais violações de direitos são motivadoras da nossa indignação, pesquisa e intervenção desde a época da graduação. Contudo, foi no doutorado que buscamos um olhar abrangente acerca das infrações cometidas por jovens pertencentes aos estratos mais vulneráveis da classe trabalhadora.

Desse modo, este artigo pretende dar visibilidade a expressões objetivas e subjetivas relativas ao conflito com a lei de jovens em situação de pobreza no Nordeste brasileiro, sendo o problema a ser perseguido as formas de enfrentamento cotidiano desses jovens diante das opressões sofridas. A pesquisa foi realizada em Maceió (Alagoas), Brasil, e Salvador (Bahia), Brasil, com jovens do sexo masculino entre 15 e 24 anos1, residentes na zona urbana, vinculados ao sistema punitivo do poder judiciário, do qual receberam medidas socioeducativas em meio aberto. Foi feita pesquisa de cunho qualitativo, em que se objetivou relacionar, às situações presentes nas falas dos jovens, tanto questões macrossocietárias quanto teóricas, considerando-as como parte de suas subjetividades. A pesquisa de campo envolveu roteiro semiestruturado com questões relativas às lembranças da infância, vivências na escola e com os amigos, início, permanência e saída do conflito com a lei e, porfim, atividades laborais e projetos para o futuro.

A seleção dos jovens participantes da pesquisa foi feita por assistentes sociais que trabalhavam nas respectivas Centrais de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto2. Isso significa que não escolhemos entre um jovem ou uma jovem; o grupo foi composto por quem foi indicado pelas profissionais supracitadas e, dentro deste, aqueles jovens que aceitaram participar. Apesar de compreendermos não se tratar de acaso, visto o maior número de jovens do sexo masculino nas estatísticas nacionais do conflito com a lei, não fizemos intencionalmente esta escolha de gênero masculino. Fizemos duas entrevistas para cada jovem, antecedidas por um encontro catalisador de vínculos de confiança, no qual era confirmado o interesse deles em participar, dadas as limitações/sigilos concernentes aos relatos ligados aos processos judiciais. As entrevistas foram analisadas horizontal e verticalmente, de modo a encontrar similitudes e singularidades entre os jovens. Também foram buscadas aproximações com outras pesquisas em torno do tema.

O recorte teórico foi feito principalmente em autoras/es que buscam fornecer elementos para uma compreensão da subjetividade a partir da teoria crítica, ou seja, trazendo ao estudo elementos relativos aos modos de produção como fundantes do olhar sobre as conjunturas. Assim, buscamos na pesquisa iluminar as histórias de vida e as memórias dos jovens entrevistados através da compreensão do ser social como sujeito que se (re)constrói a partir da sua relação com o mundo real, pelo qual é modificado, nele interfere, mas não em quaisquercondições, mas sim, a partir dos limites pessoais, familiares, contextuáis, sócio-históricos, económico-culturáis.

Este trabalho está estruturado em três partes principais, sendo a primeira a contextualização socioconjuntural, com alguns dados que se constituem como pano de fundo do conflito com a lei no Brasil de hoje. No segundo momento, trazemos uma síntese das referências teóricas que embasaram a pesquisa, tanto sobre a construção da subjetividade como sobre criminalidade. Por fim, na terceira parte, buscamos estabelecer a relação com outras pesquisas, aspectos teóricos, a pesquisa de campo e algumas das questões circundantes do conflito com a lei na contemporaneidade.

 

Aspectos socioconjunturais: pano de fundo para o conflito com a lei relativamente à juventude em situação de pobreza

O conjunto de eventos relacionados à barbárie contemporânea em torno do tráfico de drogas, dos altos rendimentos dele provenientes, da corrupção que passa por paraísos fiscais e pelas bolsas de valores (Aguilera, 2012) e a conjunção com outros tráficos (Jamoulle, 2011) não permitem a culpabilização individual ou grupai dos jovens em conflito com a lei, normalmente pertencentes a estratos socioeconómicos mais vulneráveis, tal qual se presentifica no senso comum, mas tão conveniente aos poderes existentes.

O capitalismo do tempo presente, dotado de forte caráter financeiro (Novoa; Balanço, 2013), tem implementado medidas que desaceleram o capital produtivo, cuja reserva da capacidade da força de trabalho não tem mais, exatamente, a mesma relação com o disciplinamento dos corpos, como bem descreveu Foucault (1991).

A infraestrutura em vigor nos conduz a uma economia excessivamente baseada na financeirização, atrelada ao trabalho precário, informal e subterrâneo como mola importante do sistema neoliberal (Serra, 2009). No tocante às juventudes em situação de pobreza, que se deparam com o mercado de trabalho, o que lhes está disponível, em regra, é o setor terciário, ou seja, o de prestação de serviços, exigindo desses jovens comportamentos aos quais não estão habituados na sua sociabilidade: "docilidade, sorriso, servidão, tom e vocabulário educado" (Jamoulle, 2005, p. 55), ou são inseridos em trabalhos braçais e/ou nos chamados subempregos, situação esta que afeta outros estratos geracionais (Soares, 2010).

Tais questões se ampliam bastante em realidades periféricas como o Brasil, próprias da função que o país ocupa no cenário do capitalismo mundial devido às intervenções impostas pelos organismos internacionais, a exemplo dos indicados no Relatório do Banco Mundial de novembro de 2017, de título cínico: Um ajuste justo: análise da eficiência e da equidade do gasto público no Brasil (Banco Mundial, 2017).

Cabe ressaltar que tais medidas de austeridade têm promovido mais desigualdades sociais e regionais, cujas consequências pioram as parcas alternativas para as juventudes3 em situação de pobreza, a não ser o trabalho árduo e/ou maneiras estatais de incidir controle sobre as suas vidas e de suas famílias, ora via encarceramento em massa (Borges, 2019), ora pelo genocídio da juventude negra, conforme nos aponta a última edição do Atlas da Violência (IPEA, 2019).

Juliana Borges (2019) apresenta dados de que o Brasil ocupa o terceiro lugar no mundo em encarceramento masculino, sendo jovens 55% dos encarcerados e 64% de negros quando, do ponto de vista populacional, os negros representam 53%. Nos encarceramentos femininos, ocupamos o quinto lugar, sendo que 50% têm entre 18 e 29 anos, e 67% são negras, dado que se assemelha (68%) quando se trata de privação de liberdade das adolescentes (Borges, 2019). Inclusive, verifica-se que o crescimento do encarceramento feminino é muito superior quando comparado ao masculino: entre 2006 e 2014, registra-se um aumento de 567,4% do primeiro contra 220% do último (Borges, 2019).

Não se pode deixar de evidenciar também as mulheres - mães, esposas, irmãs, tias - quando, por exemplo, perdem seus entes queridos ou são aquelas que acompanham as situações do entorno da privação de liberdade. Há muitas formas em que as famílias, as/os jovens e a população LGBTQI+ são duramente afetados. Apesar de não ser este o centro do nosso estudo, não podemos invisibilizar a questão, até porque ela tem raízes profundas nas relações patriarcais, conforme expressa Saffioti (2004).

Destarte, sabendo que o genocídio apresenta marcadores sociais de raça/etnia, classe, gênero e geração, percebemos que, de forma territorial, se olharmos para a cidade de Salvador (Bahia), esses dados se apresentam não somente no recorte de raça, como também na divisão socioeconómica e espacial da capital baiana: "Em 2016, 260 adolescentes foram assassinados, dos quais 237 eram negros", índice este de 91%. Os dados supracitados demonstram, ainda, que essas mortes aumentavam nos bairros periféricos e mais pobres e diminuíam nos bairros soteropolitanos com situação socioeconómica mais elevada (UNICEF, 2018).

Esse genocídio da juventude pobre e negra, decorrente do racismo estrutural (Almeida, 2019), também se caracteriza como um problema de saúde pública, quando se registra, por exemplo, que Alagoas ocupava, em 2010, o primeiro lugar na classificação nacional desta triste categoria (Waiselfisz, 2015). Um verdadeiro genocídio que, segundo esse autor, leva a um déficit masculino no Brasil; fenômeno que só existe em uma sociedade em estado de guerra, o que parece ser o nosso caso.

Podemos inferirque, em tempos de abandono econômico e vínculos com o neoliberalismo pelos eixos de libertarianismo, fundamentalismo religioso, anticomunismo e por suas reciclagens históricas particulares, as faces ultraconservadores brasileiras encontram espaço para se exprimir ainda mais: "Diante de uma sociedade racista, patriarcal e etnocida, estruturada para favorecer os proprietários e as velhas e novas oligarquias, experimentam-se modos de anular ou de destruir qualquer prática de resistência" (Gallego, 2018, p. 66).

É importante refletir sobre a relação entre as condições materiais e subjetivas, às quais a juventude negra está exposta, e como tais condições incidem na constituição dos individuos. Não significa fazer a defesa de que os jovens pobres sejam mais propensos a cometer crimes; não estamos falando de criminalização da pobreza: trata-se de reconhecer as pressões multidimensional a estes jovens ante as consequências do sistema capitalista atual, da ausência do Estado e do olhar de rejeição pela sociedade, o que pode culminar, por vezes, em práticas ilícitas, sendo comum aquelas relacionadas ao tráfico de drogas.

Outra questão relevante é a influência da intitulada Guerra às Drogas na tal criminalização da pobreza no Brasil, porquanto os jovens das elites não são vistos nem tratados com as mesmas lentes que aqueles das populações pobres. A Política Nacional sobre Drogas - que não prevê critérios seguros para a distinção entre traficantes e usuários - tem uma relação muito forte com a abordagem diferenciada: "a tipificação penal dependerá do CEP do suspeito e da sua cor da pele" (Boiteux, 2019, p. 3). Esta linha de política pública tem referência no que foi implementado nos Estados Unidos na década de 80 do século XX, escolhendo territórios e indivíduos racializados (Ferrugem, 2019).

Partimos do pressuposto de que esse quadro deve estar atingindo as juventudes ao redor do mundo e tem impactos fortes também sobre as populações que têm raízes imigratórias (Jamoulle, 2005; Jamoulle; Mazzochetti, 2011), com recortes entrecruzados de classe, raça e gênero, vulnerabilizando novamente estratos historicamente afetados.

Todos esses desdobramentos da sociabilidade do capitalismo neoliberal, no que se referem às juventudes, levaram-nos a buscar identificar como os jovens entrevistados enfrentavam tais dificuldades cotidianamente. Assim, as formas por eles encontradas serão trazidas no item após os caminhos teóricos da pesquisa.

 

Síntese dos caminhos teóricos da pesquisa

Começamos por refletir, então, sobre a concepção de pessoa4, quando falamos de jovens em conflito com a lei, o que supõe entender que tais conflitos têm relação com a forma como estes lidam com seu entorno, com as questões de classe, de raça, de gênero, como já indicamos anteriormente. Tais questões não são condições imutáveis, mas aquelas concretas, que existem mesmo quando não nos damos conta. Evidentemente nossas ações individuais e coletivas podem nos levar às mudanças, sendo resguardadas, é claro, as devidas proporções e possibilidades humanas de tempo, espaço, entre outros delineadores.

Então, considerando a concepção de ser social, toda pessoa vai estar constantemente sendo confrontada com algumas condições impostas em cada tempo sócio-histórico. No entanto, essas condições não são determinadas a priori nem completamente, tampouco sem a participação deste sujeito, mas inegavelmente tais condições se desenvolvem nas relações conjunturais e herdadas entre os sujeitos, nas lutas entre as classes sociais (Marx; Engels, 2007) e em seus entrelaçamentos estruturais, como raça e gênero.

Isso significa que as pessoas têm certa capacidade de mudar algumas das condições de vida para não apenas alterar sua história, mas também a relação com as outras pessoas, pela via das suas possibilidades interpessoais e da construção das lutas históricas. Contudo, essa capacidade é permeada por muitas formas de limitação, objetivas e subjetivas, conscientes e inconscientes, internas e externas ao indivíduo, não sendo possível, ao nosso olhar, pensar no sentido do senso comum atribuído à palavra escolha, por sugerir restringir ao sujeito a responsabilidade unilateral e consciente dos caminhos trilhados no percurso de sua trajetória de vida.

Em nosso trabalho, adentramos as bases teóricas em referência à subjetividade (Marx, 2011; Marx; Engels, 2007) e concordamos com a ideia de que as sociedades de classes e o sistema capitalista não pretendem distribuir a riqueza de forma igualitária, nem trazer o reconhecimento que é necessário para todas as pessoas. Destarte, não é nossa intenção defender uma suposta passividade do sujeito, mas, a partir da trama complexa disposta no entorno de cada ser social com a qual cada indivíduo se relaciona e interage como lhe é possível, constituindo o que somos e o que conseguimos alcançar em nossa trajetória. Assim, a objetividade pode ser compreendida como parte da realidade em que a vida acontece, mesmo que não nos demos conta, para a qual, contudo, contribuímos com grandes limitações se considerarmos o indivíduo. Por sua vez, a subjetividade poderla ser compreendida mais diretamente como a nossa capacidade de lidar com essa objetividade, segundo os leques que são dispostos em nossa trajetória individual e coletiva.

A autonomia dos jovens, tão propagada pelo capitalismo, é, por vezes, procurada através de caminhos que a sociedade não aceita, mas eram aqueles presentes no leque de possibilidades desses jovens. Assim, tomando-se, por exemplo, o território da periferia como um não lugar da genealogia da criminalidade, da perda das expectativas, estamos falando de liberdades e autonomias inegavelmente diferenciadas. Isso quer dizer que, tendo de atender aos anseios sociais, contextuáis e geracionais, os jovens buscam formas de identificação e de pertencimento, as quais, muitas vezes, trarão consequências ainda mais cruéis que as desvantagens/opressões estruturais.

Para as famílias menos favorecidas, resta-lhes viver em locais geralmente inóspitos, sem estabilidade, onde não existem condições mínimas de sobrevivência, o que se aproxima das idéias de Santos (2010) quando aponta um espaço não formal da cidade formal que não é acessível.

Para melhor situar nossa compreensão a respeito do que é considerado crime em cada sociedade, buscamos em Baratta (2002) uma concepção da criminología crítica:

A criminalidade não é mais uma qualidade ontológica de determinados comportamentos e de determinados indivíduos, mas se revela, principalmente, como um status atribuído a determinados indivíduos, mediante uma dupla seleção: em primeiro lugar, a seleção dos bens protegidos penalmente, e dos comportamentos ofensivos destes bens, descritos nos tipos penais; em segundo lugar, a seleção dos indivíduos estigmatizados entre todos os indivíduos que realizam infrações a normas penalmente sancionadas. A criminalidade é [...] um bem negativo, distribuído desigualmente conforme a hierarquia dos interesses fixada no sistema socioeconómico e conforme a desigualdade social entre os indivíduos (Baratta, 2002, p. 161).

Assim, este artigo se ancora numa concepção acerca do crime como locus útil à reprodução de cada modo de produção, em nosso caso, o capitalismo dependente. Portanto, os crimes, as punições, as proposições de endurecimento das penas e, mais ainda, as formas de acesso à justiça formal têm relação com o modo de produção, com o lugar que as pessoas ocupam e se posicionam no processo produtivo, conforme os marcadores sociais: raça/etnia, classe, gênero, apontados por Carla Akotinere (2018) como interseccionalidade das opressões.

A categoria da interseccionalidade cunhada pela autora negra, e referência no tema, Kimberlé Crenshaw (2002), tem tido bastante visibilidade por propor, tanto do ponto de vista teórico quanto prático, o reconhecimento e o enfrentamiento de subordinações entrelaçadas e reproduzidas sócio-historicamente, visto que a dimensão dos efeitos da intersecção opressiva é pouco assumida.

Nessa perspectiva de Crenshaw (2002), Kergoat, por sua vez, define esses entrelaçamentos com o conceito de consubstancialidade, que faz referência às relações sociais como relações em luta, dotadas, portanto, de conflitos e conformadas pelas dimensões material e ideal. São relações consubstanciais, cujo nó, como ela mesma nomeia, só pode ser esmiuçado do ponto de vista ideal e não material. Classe, raça e gênero se reconstroem mutuamente e se modificam interdependentemente (Kergoat, 2010).

Complementando esse debate, Hirata (2014) vai buscar essa articulação em contraponto à suposta neutralidade da ciência. Assim, a autora conceitua interseccionalidade como "interdependência das relações de poder de raça, sexo e classe" e sua influência nas trajetórias de vida como constituidoras da identidade. Para ela, apesar de haver diferenças importantes entre as duas estudiosas supracitadas, "a não hierarquização das formas de opressão" é o ponto comum fundamental (Hirata, 2014, p. 62).

Tais conceitos demonstram com vivacidade a transmissão de opressões superpostas dirigidas aos mesmos estratos populacionais, em que estão inseridos também os jovens homens, mesmo que sob configurações diferenciadas. Também não se pode deixar de evidenciar os grandes impactos sobre as mulheres, mesmo no caso desses jovens, como é o caso de suas mães, as quais irão imergir em um conjunto sofrido de efeitos materiais e subjetivos, voltados para os cuidados de seus filhos em conflito com a lei.

Nesse sentido, entendemos que os jovens em conflito com a lei, quando não pertencem aos estratos de classe mais abastados e são negros, entram em processos de enredamento muito difíceis de romper (Oliveira e Silva, 2011), além de as questões de gênero estarem presentes de outras maneiras, como apresentaremos mais adiante, ao falarmos de virilismo patricarcal.

No item que segue, resumiremos parte dos resultados da nossa pesquisa, buscando os contornos de situações objetivas que se refletem em histórias pessoais, familiares e comunitárias, tão concretas quanto a terra que pisamos.

 

(Des)encontros juvenis em duas capitais do Nordeste

Nossa pesquisa buscou identificar aspectos da objetividade e da construção da subjetividade nas trajetórias de jovens negros, pertencentes a estratos mais empobrecidos da classe trabalhadora, em situação de conflito com a lei. Por isso, em nossos estudos, fizemos questão de contar a história de cada jovem, buscando os principais aspectos entrelaçados - objetivos e subjetivos -, por respeito a eles, a suas famílias, além de permitir dar uma condição de unidade dos dados apontados no estudo, valorizando, assim, esses sujeitos invisibilizados pelos dados numéricos ou não nominados pelas notícias das mídias, seja enquanto autores de atos infracionais, seja enquanto vítimas da repressão e do genocídio estatal. Eles são nominados na raça como adolescente negro, morador de tal lugar, fora da escola, entre outros diferenciadores descritivos reafirmadores das opressões.

Assim, iniciamos pontuando que a pobreza brasileira é constituída por processos estruturais de exploração do trabalho, oriundos da colonização do país para subtração de riquezas com características combinadas de latifúndio, monocultura e escravagismo, notadamente na Região Nordeste (Hardman; Leonard!, 1991). Os referidos traços de colonização indicam diferenças regionais, que em nossos dias voltam a ser marcados pela oferta repetida de matérias-primas e de mão de obra barata. Trata-se, portanto, de pobreza com transmissão geracional, onde percebemos parte das raízes do caráter de classe, raça e gênero em nível produtivo e reprodutivo, sendo ambas sentidas gravemente pela população mais pobre.

Nos diálogos com os jovens participantes, evidenciaram-se aspectos como: família, presença marcante materna e ausência paterna, afeto e respeito aos mais velhos; sofrimentos quando do desenraizamento das comunidades de origem; dificuldades na relação com a escola e com a escolarização; sofrimento pela morte dos amigos; revolta e medo de sofrer novamente violência policial; expressões do virilismo patriarcal; apelos do consumo capitalista; abuso de substâncias psicoativas; papel de salvaguarda da religião de matriz africana; sentimento de estigmatização e vergonha tanto nos círculos sociais quanto comunitários e mesmo familiares; projetos de futuro ligados ao trabalho honesto e à construção de uma família própria como expressões da normalidade desejada e da aceitação social. Todos esses aspectos demonstram a complexidade e a densidade dos dados encontrados, que revelam a gravidade de histórias singulares e repetidas nesta interseccionalidade de opressões.

Na tentativa de triangulação dos dados entre a fala dos jovens, outras pesquisas sobre o tema e as teorias nas quais nos baseamos, encontramos algumas articulações entre a construção da subjetividade desses jovens e a objetividade, articulações estas que resumimos a seguir através de alguns temas mais centrais.

Começamos pelo poder do contexto, por ser um aspecto contundente na fala dos jovens e nas pesquisas, pois muitos deles não conseguem chegar a atualizar as suas potencialidades, em face de certas condições que se impõem como determinantes. Para Lahire (2001), as pessoas, em suas trajetórias, adquirem aprendizados e constroem potencialidades que serão ou não aproveitados futuramente, segundo determinadas condições, ou seja, segundo o tempo histórico e o contexto no qual estão inseridas:

Um traficante lá, ele dizia que se eu parasse de comprar noia (crack) ele me matava, porque eu e outro, nóis era os que dava mais lucro pra ele assim, esses negócio de roubo, tudo que a gente roubava a gente levava pra ele, celular de 400 reais a gente vendia por 50 reais, era sempre assim... (Jovem Carandiru5).

Ainda em relação ao poder do contexto, apontamos a rua como espaço de socialização que traz à tona aspectos de sua importância na constituição das juventudes: oferece aos jovens formas de serem reconhecidos, conduzindo ao campo do possível maneiras de superar as dificuldades (Gaulejac; Leonetti, 1994). A rua também proporciona um ambiente mais coletivista nos bairros populosos, de formas habitacionais mais próximas, onde não raramente estão inseridos desde a infância, cujo apego e afeto (Sarti, 2005) os fazem sofrer quando são obrigados a se confrontar e/ou a se desenraizar (Santos, 2010):

No mesmo bairro, e um vai contra o outro... O pior é quando foi criado junto, desde que nasceu, desde pequenininho junto, e um quer matar o outro, irmão querendo matar irmão, um era da minha equipe, assim, e o outro era da outra, um queria matar o outro (Jovem Haximu6).

No que se refere ao que chamamos, na tese, de condutas virilistas patriarcais e seu alto preço social e histórico, compreendemos que elas impõem moralidades diferenciadas de gênero (Peres; Santos, 2011). Essas imposições os induzem ao risco, à agressividade, ao distanciamento emocional, mas também se tornam vítimas desse enredamento, ainda que de forma bastante diferenciada das mulheres e da população LGBTQI+ (Saffioti, 2004). Não é fácil suportaro peso da obrigação de demonstrar e exibir masculinidade, associada a todos os males que essa dominação causa às mulheres. Já suas famílias, extremamente sobrecarregadas, quase sem amparo estatal, encontram-se em uma sociedade que dita seu formato ideal e define suas obrigações, além de diversas formas de vigilância e repressão, como nos aponta Scheinvar (2006).

As expressões do virilismo supracitado apareceram em inúmeras falas dos jovens entrevistados: no uso de armase no poder que elas representam; diante das meninas e dos pares; na necessidade de pagar as saídas para as meninas, seja para primeira conquista, seja como namoradas; bem como na necessidade de ser o homem provedor da casa - mesmo quando nenhum deles tinha esposa ou filhos -; na necessidade de demonstração de força, poder e agressividade em momentos de enfrentamento de grupos, entre muitas outras que estão emaranhadas com algumas questões que seguem descritas neste artigo.

Outra importante questão que apareceu nos dados foi o fato de que as famílias vão se tornando cada vez mais sobrecarregadas eculpabilizadas com funções que seriam do Estado ou da iniciativa privada (Dal Prá; Mioto, 2015). Além de serem referenciadas, intencional e equivocadamente, ao modelo de uma suposta família nuclear, o que se entrelaça com as referências à mãe, quase sempre sozinha, como responsável pelos papéis de amor e limite, sendo ela a única entendida em todos os casos da nossa pesquisa.

Assim, um dos jovens diz não ter pai, porque este nunca teve nenhum tipo de preocupação com ele, ainda que residindo no mesmo domicílio, sobretudo no período em que o jovem foi preso, quando constatou a completa ausência do genitor: "É como muita gente diz, né, amor só de mãe. Eu não vou muito com a cara dele, eu acho que ele não me ama... Mas é assim mesmo..." (Jovem Cabula7). Dor que se mistura à necessidade de seguir em frente, ao conflito entre a obediência à mãe e ser provedor do sustento dela, e à vontade de vingança de tudo o que ocorreu com ele, cujo resultado foi a privação de liberdade. Para esse jovem, a convivência com pares foi prejudicada por acontecimentos relativos à perda de confiança, o que poderia estar causando ainda mais sofrimento psíquico.

Outro relevante elemento é a transformação da vergonha em autoconfiança, que demonstrou ser uma das principais estratégias de sobrevivência subjetiva desses sujeitos, na tentativa de serem valorizados em razão das variadas formas de violências sofridas:

Aí, eu usando (maconha), eu e mais três, né? No campo da Alea, é um campo que pula o muro e ninguém vê, né? Só a polícia que quando arromba o portão, que entra e pega tudo. Aí eles pegaram nós três quando o outro ia acender. Aí o policial: "pegue o que você jogou e bote a mão na cabeça!" [...] Aí botou um capuz, e deu tapa assim na minha cara, e falou: Quer comer ou quer apanhar mais?". Aí quebrou três pedacinhos assim de maconha, aí quebrou um pedaço pra mim, para o Candelária8, e para o Vigário Geral9, e a gente teve de comer, fazer o quê? (Jovem Carandiru).

Sabemos que as violências pelas quais passam os estratos mais empobrecidos da classe trabalhadora no capitalismo estão presentes desde o seu germe (Marx, 2011), na exploração da mão de obra infantil, e muitas outras maneiras que continuam perseguindo esses sujeitos. Assim, as humilhações sofridas se expressam nas revalorizações possíveis e acessíveis (Jamoulle, 2005), na busca de obtenção do reconhecimento sociocomunitário, dentro das margens de liberdade possíveis e na busca de sobrevivência subjetiva e material. A saída construída é a sobrevivência, diante de si mesmo e das relações com os outros, na família e na comunidade, o que não quer dizer que o modo encontrado é desprovido de dúvidas, angústias e sofrimento.

Já o medo de sofrer violência policial novamente e o sofrimento pela morte dos amigos se apresentam como um dos principais motivos relatados para sair da vida da "correría", como eles chamam. Evocam o medo de ser morto, de ser espancado novamente, podendo estar tão enredados a ponto de não conseguir sair. Para eles, ser pego pela polícia ou serem mortos é uma perspectiva tão concreta que não traz muitas outras opções:

Os policial deram na canela da gente, na canela, no joelho, minha mão ficou parecendo uma luva assim, que ele deu bolo (palmatória), sabe? Aí esse foi o primeiro aviso, e a gente ficou com medo, um colega meu ia morrer nesse dia, que o polícia ia matar mesmo, colocou a arma na cabeça dele, engatilhou, ainda ficou assim pensando, depois ele liberou a gente, depois de quebrar a gente todo, ele liberou a gente perto do cemitério. [...] O pessoal que tava roubando, a gente não roubou nada, mas tava brigando, você sabe que tem briga mesmo no carnaval e é cada um por si, aí depois disso aí eu fiquei mais quieto mesmo, eu quero sossego, não tenho vontade de ir pra carnaval, nem festa que tem muita gente assim... (Jovem Baixada Fluminense10).

As consequências psicossociais da ofensiva neoliberal são profundas, estando entre elas o abuso de substâncias psicoativas como problema de saúde pública, sem urna rede de serviços eficaz a ser oferecida às famílias, o suicídio, o homocídio entre os próprios jovens, sendo todas estas questões enraizadas num sistema de produção que não permitirá o atendimento pleno às necessidades humanas e sociais, menos ainda em países periféricos e para estratos populacionais que sofrem historicamente as opressões superpostas.

Ousamos dizer que, para um jovem de estrato de classe mais pobre, é possível que o conflito com a lei não represente uma ruptura em seu ambiente, talvez apenas o contrário, uma continuidade da realidade cruel na qual estão inseridos, não fazendo sentido, portanto, perguntar o porquê de comportamentos socialmente inaceitáveis. O rompimento poderla ser considerado o inverso: não cair ou, ainda, cair e levantar. Na invisibilidade do isolamento socioeconómico, a resiliência ocorre e pode ser entendida como socialização, como capacidade de não cair e ficar vivo, exibindo sinais por uma via que não apresenta autoimagem de vítima, mesmo que sejam necessárias economias subterrâneas e "escola" da rua, segundo nossos jovens.

No sentido objetivo, essa continuidade é sempre necessária ao sistema capitalista, mesmo sem esses sujeitos serem dignamente reconhecidos por ele. Destarte, entendemos que a necessidade de pertencimento e de construção identitária desses jovens é tão imponente quanto as questões infraestruturais da economia de pobreza da qual fazem parte os tráficos de drogas, de armas, de pessoas, constituindo-se partes indissociáveis. Assim, na busca de pertencimento e reconhecimento, encontrarão, no consumismo e na ostentação de signos, parte da solução para serem vistos e respeitados.

 

Não é conclusão: é luta contínua!

Chegamos ao entendimento de que as formas de sobrevivência objetiva e subjetiva das juventudes, por meio da economia informal e/ou subterrânea, por meio do tráfico de drogas, não são fáceis de gerir. Embora muitos jovens procurem sair dessas relações, esbarram nas dificuldades do mercado de trabalho e nas exigências da chamada empregabilidade, que não possuem.

A violência, o medo, o estigma empurram as pessoas e grupos à subordinação e também a várias formas de revolta. Para os jovens negros e pertencentes às camadas mais pobres da classe trabalhadora, são imensas as dificuldades para ativar as potencialidades adquiridas ao longo de suas trajetórias. Dessa forma, para não ficarem prisioneiros da invisibilidade perpétua, em busca de pertença, reconhecimento e filiação, alguns desses jovens transformam a vergonha e a violência em orgulho, graças à ambição e à inversão de alguns sentidos socialmente aceitos.

Assim, não nos sentimos à vontade para falar em conclusão, dada a complexidade que o tema abarca e as sobreposições de várias formas de opressão, o que demanda estudos continuados e em contextos diversos, de modo que possamos encontraras similitudes que afetam juventudes pelo mundo do capital.

No atual quadro de desinvestimento nas políticas sociais, urge mais contundentemente a implementação de ações no sentido de reconhecimento, valorização, pertencimento, filiação dos jovens em situação de pobreza, de forma presente e permanente, com eles e para eles, efetivamente. Sabe-se que os caminhos apoiados pelo Estado brasileiro e pelas elites são: empreendedorismo; voluntarismo; transferência da execução de serviços ao chamado Terceiro Setor ou diretamente ao setor privado; além da tal responsabilidade social. Evidentemente, iniciativas da sociedade civil pelo atendimento a essas populações são importantes e bem-vindas, mas não podem substituir as obrigações do Estado e da iniciativa privada, tampouco enfraquecer a compreensão de que não é favor, é direito.

Desse modo, quando o Estado não assume as suas funções, as chamadas instâncias socializadoras, como a família e a escola, não têm os meios objetivos para assumir funções que não são da sua responsabilidade e muito menos para assumi-las de forma isolada. A ausência do Estado dá espaço para a intervenção, inclusive, do lado dos criminosos. O tráfico e o crime nas periferias são a expressão simultânea de proteção e ameaça contra os habitantes. Deve-se considerar que todos os jovens entrevistados foram denunciados por um conhecido, pertencente à comunidade onde residem ou residiam, demonstrando a ambiguidade e perversidade que esse universo carrega consigo.

Pequenas sugestões para sair, ou mesmo não entrar, das situações de conflito com a lei foram dadas pelos jovens entrevistados: a importância de receber apoio da família; frequentar boas escolas de dois turnos; ter atividades de lazer e esporte adequados; serem orientados sobre desenvolvimento cultural; terem acesso à profissionalização de qualidade e acompanhada de oportunidades de trabalho; e, por fim, receber bons conselhos, que poderíam ser de outros jovens que já vivenciaram essas situações.

Desse modo, pode-se perceber que as formas de enfrentamento não são novas, mas estão na contramão dos interesses dos que detêm os poderes econômico, político, de mídia e, mais ainda, estão na contramão deste tempo histórico de avanço do neoliberalismo com nuances de fascismo no Brasil, contexto este que ocupa atualmente preocupações e angústias, principalmente de estratos menos abastados da população.

Ainda que em tonalidade paliativa, pensamos que, mesmo dentro do capitalismo dependente brasileiro, não se podem mais adiar ações públicas sistemáticas para e com esta fatia populacional, ações dotadas de acompanhamento e qualificação, a partir do reconhecimento do lugar de classe, raça, gênero e encorajamento da força do coletivo, via estratégias da arte, da corporalidade, da memória e da ancestralidade.

 

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DATA DE RECEBIMENTO/FECHA DE RECEPCIÓN: 24/06/2020
DATA DE APROVAÇÃO/FECHA DE APROBACIÓN: 13/10/2020

 

 

1 Neste texto, trataremos em termos de faixa etária com duas vertentes: a ) adolescente - dos 12 anos aos 18 anos incompletos, conforme Lei Federal 8.069/90, passível de estar em situação de conflito com a lei, o que correspondería a crime no Código Penal, legislação esta à qual não estão sujeitos e, sim, à primeira lei supracitada; b) jovens de 15 a 24 anos, conforme classificação etária de juventude das Nações Unidas, em razão de os nossos entrevistados não se constituírem mais adolescentes quando da nossa pesquisa e, ainda, em virtude de as estatísticas de genocídio da juventude negra brasileira se enquadrarem mais nesta segunda vertente.
2 Essa nomenclatura é anterior à absorção desse serviço pela Política Nacional de Assistência Social (PNAS) em Salvador, bem como dos termos exigidos pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), cuja articulação nacional entre as referidas políticas é bastante problemática e traz marcadores sociais das desigualdades brasileiras, conforme D'Oliveira (2019).
3 O conceito de juventude nasce na sociedade moderna ocidental e, até a década de 60 do século passado, esteve restrito aos jovens escolarizados. Abramo (2005) pontua que muitos estudos sinalizam o nascimento de um conceito ligado à juventude burguesa e que está presente até nossos dias como padrão imposto, principalmente considerando a ditadura da ocidentalidade. Assim, entendemos que não temos uma só forma de juventude, dadas as diferenças entre as classes, raça e gênero, entre outros demarcadores, demonstrando a heterogeneidade de que a nomenclatura não dá conta quando apresentada no singular.
4 Não faremos aqui distinção entre os conceitos de pessoa, indivíduo e sujeito.
5 Para proteção das identidades dos jovens, daremos a eles nomes de chacinas/massacres de populações historicamente vulneráveis ocorridas no Brasil, para que nunca as esqueçamos. A primeira delas é conhecida como o Massacre do Carandiru, que denota, no dia 2 de outubro de 1992, o assassinato, por policiais, de cento e onze detentos de um dos maiores presídios de São Paulo, demolido após o massacre. Descrição disponível em: <https://anistia.org.br/chacina-carandiru-o-mal-que-persiste-entre-nos/>, acesso em: 24 set. 2019.
6 Esse nome faz referência ao assassinato de quarenta e três indígenas Yanomami no ano de 1993 na região de Haximu, na fronteira entre Brasil e Venezuela, com grande repercussão internacional (Matias; Silva, 2020).
7 Esta chacina ocorreu na cidade do Salvador (Bahia), no bairro do Cabula, onde morreram doze jovens no dia 17 de janeiro de 2015, razão pela qual se formou o movimento social Mães do Cabula, com o objetivo de lutarem pela condenação dos policiais envolvidos. Disponível em: <https://gi.globo.com/ba/bahia/noticia/2018/11/28/oito-dos-nove-pms-envolvidos-na-chacina-do-cabula-estao-atuando-nas-ruas-tres-anos-apos-acao-diz-governo.ghtml >. Acesso em 24 set. 2019.
8 Foram assassinadas 8 crianças e adolescentes que dormiam na madrugada de 23 de julho de 1993, próximo à Igreja da Candelária (Rio de Janeiro), constituindo também um movimento social chamado Candelária Nunca Mais!, dotado do mesmo objetivo de lutarem pela condenação dos policiais envolvidos e contra o genocídio de pessoas em situação de pobreza. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2019/07/23/chacina-da-candelaria-26-anos-de-luta-pela-vida-da-juventude-pobre/>. Acesso em 24 set. 2019.
9 A Chacina de Vigário Geral ocorreu no dia 29 de agosto de 1993, quando foram assassinadas 21 pessoas dessa grande favela carioca, também com indicadores de impunidade. Disponível em: <https://www.esquerdadiario.com.br/Chacina-de-Vigario-Geral-completa-25-anos-com-impunidade-da-PM-assassina>. Acesso em 24 set. 2019.
10 A chacina da Baixada (Fluminense) ocorreu em 31 de março de 2005, quando foram mortas 29 pessoas por policiais. Esta também levou à formação dos movimentos sociais: Fórum Grita Baixada e a Rede de Mães e Familiares da Baixada Fluminense. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2019/03/30/maior-chacina-da-historia-do-rio-completa-i4-anos/>. Acesso em 24 set. 2019.

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