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Desidades

On-line version ISSN 2318-9282

Desidades  no.31 Rio de Janeiro Set./Dec. 2021

 

TEMAS EM DESTAQUE - SEÇÃO TEMÁTICA TEMAS SOBRESALIENTES - SECCIÓN TEMÁTICA

 

Escuta e diálogo: crianças e jovens na formação de minipúblicos potentes para a construção de políticas inclusivas

 

Listening and dialogue: children and young people in the formation of powerful minipublics for the construction of inclusive policies

 

Escucha y dialogo: ninos y jóvenes en la formación de minipúblicos potentes para la construcción de políticas inclusivas

 

 

Conceição Firmina Seixas SilvaI; Giselle Arteiro Nielsen AzevedoII; Heloisa Dias BezerraIII

IUniversidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Brasil. Doutora em Psicologia (IP-UFRJ), Brasil, e Professora Adjunta Faculdade de Educação-UERJ/Departamentos de Estudos da Infância-DEDI; Pesquisadora do Núcleo Interdisciplinar de Estudos da Infância, Adolescência e Juventude (NIAJ-UFRJ), Brasil. E-mail: conceicaofseixas@gmail.com
IIUniversidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Brasil. Arquiteta, Doutora em Engenharia de Produção (COPPE-UFRJ) e Professora Associada FAU-UFRJ e PROARQ-FAU-UFRJ; Coordenadora do Grupo Ambiente-Educação (GAE) - PROARQ-FAU-UFRJ; Pesquisadora do Núcleo Interdisciplinar de Estudos da Infância, Adolescência e Juventude (NIAJ-UFRJ), Brasil. E-mail: gisellearteiro@fau.ufrj.br
IIIUniversidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), Brasil. Doutora em Ciência Política (IUPERJ), Brasil, e Professora Associada FCS-UNIRIO; Pesquisadora do Núcleo Interdisciplinar de Estudos da Infância, Adolescência e Juventude (NIAJ-UFRJ), Brasil. E-mail: heloisa.bezerra@unirio.br

 

 


RESUMO

Neste artigo analisamos, em uma perspectiva interdisciplinar, aspectos teóricos dos conceitos de representação, participação e deliberação, objetivando pôr em questionamento a participação em arenas que viabilizem atos de fala e de escuta, atos de troca, tais como os minipúblicos. No caso, elegemos como exemplar as iniciativas voltadas para crianças e jovens por tratar-se de um público cuja voz é notadamente silenciada quando 0 assunto envolve política e as decisões políticas que vão ter impacto na vida cotidiana, como nos espaços escolares e nos equipamentos culturais. Para ilustrar a análise, apresentamos uma experiência fomentada pela Prefeitura do Rio de Janeiro que objetiva abrir espaço de fala, escuta e troca para crianças com vistas a obter subsídios para a implantação de ações e políticas públicas relacionadas às necessidades locais para redução de vulnerabilidades em territórios periféricos.

Palavras-chave: crianças e jovens, minipúblicos, deliberação pública, participação política.


ABSTRACT

In this paper we analyze, from an interdisciplinary perspective, theoretical aspects of the concepts of representation, participation and deliberation in order to discuss participation in arenas that enable speech and listening acts, exchange acts, such as minipublics. In this case, we chose as an example initiatives directed towards children and youth, since they are a public whose voice is notably silenced on questions involving politics and political decisions that have an impact on daily life, such as at schools and cultural equipment. To illustrate the analysis, we present an experience promoted by the city of Rio de Janeiro that aims to open space for children to speak, listen, and exchange experiences in order to guide decisions concerning public policies related to local needs and the reduction of vulnerabilities in peripheral territories.

Keywords: children and youth, minipublics, public deliberation, political participation.


RESUMEN

En este artículo analizamos desde una perspectiva interdisciplinar aspectos teóricos de los conceptos de representación, participación y deliberación, con el objetivo de poner en cuestionamiento la participación en arenas que viabilicen actos de habla y de escucha, actos de intercâmbio, tales como los minipúblicos. En ese sentido, elegimos como ejemplar las iniciativas para ninos y jóvenes por tratarse de un público cuya voz es silenciada con notoriedad cuando el tema implica política y las decisiones políticas que tendrán aspecto en la vida cotidiana, como los espacios escolares y los equipamientos culturales. Para ilustrar el análisis, presentamos una experiencia fomentada por el gobierno de la ciudad de Rio de Janeiro, que objetiva abrir espacio de habla, escucha e intercâmbio para ninos, con vistas a obtener subsídios para la implementación de acciones y políticas públicas relacionadas con las necesidades locales de reducción de vulnerabilidades en territórios periféricos.

Palabras clave: ninos y jóvenes, minipúblicos, deliberación pública, participación política.


 

 

Introdução

Este artigo analisa a temática da participação de crianças e jovens na sociedade a partir da reflexão sobre dois importantes conceitos - a representação política e a noção de minipúblicos como potencialidade e viabilidade da ação desses indivíduos no mundo. Essa reflexão foi produzida por meio da leitura de três pesquisadoras situadas em diferentes campos disciplinares - Ciência Política, Psicologia Social e Arquitetura. Ao assumir o desafio da perspectiva interdisciplinar, entendemos que as questões que atravessam a infância e a juventude - que são de diversas ordens - dizem respeito a todos os campos de estudos.

Inicialmente faremos uma breve discussão em torno de algumas questões instigantes sobre representação e participação política, problematizando, a partir de conceitos aportados ao debate por especialistas que convencionamos chamar de deliberacionistas, um campo das teorias sobre democracia que não privilegia o processo decisório final, embora o considere importantíssimo e do qual deveriam participar não apenas os representantes eleitos para os poderes instituídos (executivo e legislativo).

Em seguida, discutiremos o processo de fala e escuta de crianças e jovens a partir de uma perspectiva da politização do campo geracional. Isto é, como o processo de representação desses sujeitos acontece na nossa sociedade - se de modo a possibilitar sua fala e a escuta ou se seus desejos, demandas e considerações são traduzidos no espaço público por adultos, gestores e especialistas que supõem saber o que crianças e jovens são e necessitam, desconsiderando completamente a importante contribuição desses indivíduos para o mundo.

Por fim, apresentaremos um repertório de práticas com exemplos que nos possibilitam compreender o habitar cotidiano das crianças na cidade, na escola e no espaço público. Nesse caso, optamos por privilegiar articulações entre atores oriundos da pesquisa acadêmica com o poder público municipal, como a parceria entre a universidade e a Prefeitura do Rio de Janeiro, Brasil.

Conforme apontado pela maior parte dos autores deliberacionistas, os atores institucionalizados deveriam ter como objetivo criar espaços para que essas práticas pudessem ocorrer cotidianamente, pois, desse modo, estariam apontando caminhos para uma política mais inclusiva, tanto no seu estágio de trocas, conversas, ou seja, no turno da deliberação, quanto no momento posterior, caso haja, relativo a decisões e escolhas que impliquem ganhos e perdas para todos os envolvidos.

 

Breve introdução sobre representação, participação e os incrementos apontados pelo deliberacionismo

Desde o século XVIII, a representação política eleita tem sido incentivada como elo prioritário entre os indivíduos e o pensar e agir político nas democracias ocidentais, tendo como marco o célebre discurso de Edmund Burke, em 1774, aos eleitores de Bristol.

A democracia representativa ainda é compreendida como o sistema político que mais favorece o desenvolvimento de uma vida em comunidade mais pacífica. Todavia, de fato, há muito tem se mostrado como um sistema em que as desigualdades têm solapado os direitos de milhões de pessoas. Do ponto de vista das teorias sobre a(s) democracia(s), sem menosprezar os textos anteriores, foi a partir da década de 1970 que ganharam destaque alguns contrapontos fulcrais à perspectiva da representação, não no sentido de eliminá-la, mas na intenção de problematizar e sugerir alternativas para a reinclusão da política na vida cotidiana.

Carole Pateman (1970) propôs uma teoria participativa da democracia reivindicando como essencial a presença dos indivíduos na cena política, o que contribuiría para a educação política, para integração dos sujeitos na comunidade (no sentido de ver o outro e o bem comum) e principalmente para o controle da própria representação. Decerto Pateman supunha movimentos sociais fortes, avassaladores, que pudessem pressionar e romper o imobilismo da representação democrática que se tornou hegemônica em todo o espectro partidário.

Experiências participativistas têm recebido questionamentos quanto à sua capacidade de aprofundar a democracia, pois, de certo modo, localizam a cena política como um espaço muito dependente do fortalecimento dos partidos políticos, sindicatos e outros movimentos institucionalizados e, principalmente, problematiza pouco o decisionismo político, ou seja, a decisão política resultante da atividade da representação política pressionada mais ou menos pela participação popular.

Avritzer (2008), Coelho et al. (2010) e Miguel (2017) mapearam aspectos relevantes desse debate, com abordagens tanto do ponto de vista teórico quanto empírico. A polissemia inerente aos termos participativismo e deliberacionismo pode ter ajudado a rotular o participativismo como modos de agir com menos efetividade - originalmente inspirado em Rousseau [i7ô2]/(2000)1 e Stuart Mill [i86i]/(ig85) - ao passo que o deliberacionismo passou a ser entendido como modos de agir mais condizentes com os objetivos de aprofundamento da qualidade da democracia.

Os desenhos institucionais também aparecem como elementos que devem ser avaliados quanto à maior ou menor dependência da representação, pois, de fato, quanto menos espaço há para o debate aprofundado, ou seja, quanto mais participação sem deliberação, maiores são as possibilidades de esvaziamento do agir político. Cabe destacar, ainda, que o participativismo é apontado como mais passível a uma elitização do debate político, sendo este, talvez, o elemento de maior atrito entre teóricos participativistas e deliberacionistas.

A virada conceituai e mais focada na busca por alternativas para a inserção da sociedade nos processos decisórios é colocada em evidência pelos deliberacionistas, ou seja, um debate amplificado por pesquisadores que propõem que as decisões cotidianas de interesse coletivo devem ser precedidas por debates e entendimentos em busca de soluções para o bem comum. Alguns autores ganharam destaque nessa nova propositura teórica, tais como Jürgen Habermas ([1962]/1984a, 1984b, 1987, 1997), Nancy Fraser (1992), Joshua Cohen (1989), Jane Mansbridge (1995,1999, 2007), James Bohman (1996), James Bohman e William Rehg (1997), John Dryzek (2000), Chantal Mouffe (2000), Iris Marion Young (2001), Amy Gutmann e Dennis Thompson (2004), Bruce Ackerman e James S. Fishkin (2004), Michael Warner (2005), entre outros.

A teoria democrática deliberacionista tem muitas vertentes e entendimentos acerca de modelos para garantir a interferência da sociedade nos processos decisórios. Entre as possibilidades debatidas entre os deliberacionistas, escolhemos trazer para este artigo a noção de minipúblicos deliberativos, concepção proposta por Archon Fung (2003), que imaginou espaços ou arranjos participativos em que os cidadãos pudessem apresentar publicamente seus argumentos sobre um tema de interesse a uma dada comunidade e ali pudessem atuar como sujeitos concernentes àquela problemática.

Como toda teoria ainda com grandes disputas, o debate sobre públicos concernentes e minipúblicos encontra rebatimentos críticos, como, por exemplo, na ideia de contrapúblicos (subalternos, performativos, entre outros), que já havia sido proposta por Fraser (1992). De fato, os conceitos público concernente, minipúblico e público participativo trazem como premissa o debate face a face na esfera pública, seja no espaço público ou em um arranjo organizado pelo poder público, sempre com vistas a um entendimento acerca de um problema ou solução, não necessariamente chegando a um consenso, mas interagindo de modo coordenado sem perder de vista que os sujeitos participantes são interessados. Além disso, o conceito de contrapúblico sugere uma perspectiva mais associada a embates, disputas, como, por exemplo, processos discursivos e performativos de construção de identidade.

O sentido do incremento democrático tem muito a ganhar quando busca criar e consolidar espaços para o caminhar do/no coletivo. Efetivamente, a busca por termos justos de cooperação política em uma sociedade democrática coloca os indivíduos em situações corriqueiras e excepcionais ao mesmo tempo, pois, de certo modo, somos treinados para a competição não cooperativa. É por isso que alguns argumentos deliberacionistas vão apontar que não basta estabelecer regras, procedimentos, é preciso cultivar em longo termo o compartilhamento de compromissos, as trocas de razões, a reciprocidade igualitária, a livre troca de opiniões que alimenta um fluxo discursivo necessário para os processos partilhados visando a construção de bens não particularistas.

Gutmann e Thompson (2004) apontam a necessidade de se reconhecer que procedimentos e condições podem gerar resultados injustos. Assim, criticam os procedimentalistas puros, que, de certo modo, assumem como justificativa para determinados resultados o simples fato de este estar de acordo com seus princípios substantivos. Para esses autores, os princípios devem ser moralmente provisórios, agregando à deliberação o que chamam de reciprocidade, ou seja, troca de razões que podem racionalmente implicar acatar as razões que os outros oferecem nesse mesmo propósito, fazendo com que todos os afetados possam ser levados a reconhecer outro ponto de vista sobre um assunto ou problema. Cohen (2009) sugere um modelo ideal de deliberacionismo, normativo e não procedimentalistas, ancorado em algumas regras básicas: (i) livre: sem constrangimentos; deliberação legitima as decisões; (ii) troca de razões: todos podem argumentar; as escolhas são coletivas; (iii) partes são iguais: formação da agenda compartilhada; regras não garantem distinções; (iv) consenso racionalmente motivado: regra da maioria; compromisso por razões persuasivas.

Fraser (1992) propõe o conceito de públicos subalternos ou contrapúblicos2 questionando a capacidade de os meios institucionalizados darem voz aos grupos tradicionalmente excluídos - geralmente constituídos por mulheres, negros, homossexuais, trabalhadores -, os quais, ainda que excluídos, participam da formação do debate, fazendo circular contradiscursos nas esferas paralelas.

Nessa direção, Young (2001) aponta para a necessidade de se pensar em uma democracia comunicativa performática baseada nos dissensos, nas multiplicidades de grupos e camadas sociais, nos pluralismos narrativos que devem compor a cena política em suas dimensões afetivas, emocionais, biográficas, corpóreas. A autora aponta para os efeitos paralisantes da busca por consensos amplos, reforçando a ideia de que o deliberacionismo deve incorporar conflitos, protestos, para além do diálogo e da persuasão.

Tavares (2012) reconstrói um pouco desse debate ao apontar que o deliberacionismo puro também pode gerar imobilismo justamente se cair na tentação de afastamento das práticas ativistas consideradas mais radicais.

No Brasil, o debate sobre deliberação pública tem encontrado solo fértil nos movimentos sociais, populares e comunitários, que, desde a década de 1970, clamam por maior participação dos indivíduos nos processos deliberativos, principalmente dos sujeitos excluídos das esferas de decisão pública (DOIMO, 1995; GOHN, 1997; MAIA et al., 2021; HOROCHOVSKI et al., 2019), e também nos movimentos que trazem a perspectiva geracional para o debate, considerando a condição de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, incluindo o direito de participação.

Os anos 2000 foram marcados por uma acentuada demanda para o protagonismo e participação da juventude nos seus mais diversos modos de expressão e formação de minipúblicos situados além das esferas convencionais de participação desses indivíduos, como o movimento estudantil e partidos políticos. Por meio de coletivos organizados em torno de movimentos de expressão artística, de questões raciais, ambientais, de gênero e de outras demandas, os jovens vêm tensionando o modus operandi da política - assim como o que poderia ser tomado como público -, a linguagem e forma de ação consideradas legítimas e, principalmente, os sujeitos autorizados a dela participar a fim de construir uma forma de engajamento condizente com seus anseios (SILVA; CASTRO, 2013).

Nesse processo, um dos aspectos mais questionados da política formalizada tem sido o da representação devido ao fato de, muitas vezes, não possibilitar a visibilidade das demandas e reivindicação de indivíduos situados à margem dos processos decisórios, alocados nessa situação por razão de uma conjunção de desigualdades - social, racial, de gênero, geracional, entre outras - responsáveis pela reprodução de uma desigualdade política.

 

Representação política: um caminho que abre espaço para a fala e escuta de crianças e jovens ou produz silenciamentos?

Nas últimas décadas, os tensionamentos em relação à representação política vêm cada vez mais se acentuando em diversas partes do mundo, produzidos principalmente por indivíduos e coletivos que não se sentem representados nas tomadas de decisão pública e, assim, clamam por maior participação, consideração de suas demandas e reconhecimento de suas identidades na esfera pública. “Não me representa“ tornou-se um chavão bastante difundido entre movimentos sociais e coletivos, que, ao se distanciarem dos meios formalizados de participação, reivindicam novos arranjos para os processos de negociação em torno do bem comum.

Nesse sentido, o tensionamento com a ideia de representação política não apenas instaura a denúncia de indivíduos que não veem suas falas contempladas nos embates em torno do destino da sociedade como também problematiza o modo como a máquina democrática deliberativa opera, responsável, muitas vezes, pela “sub-representação“ ou “não representação“ - nesse caso, silenciamento - de diversos indivíduos e grupos, subalternizando sua existência. Em contraposição, esses indivíduos chamam atenção para formas de ação que abrem espaço para outras possibilidades de se organizar e participar politicamente, privilegiando a horizontalidade, a diversidade e a escuta de suas demandas.

Um número especial da revista Lua Nova foi dedicado exclusivamente à análise da representação política, temática considerada como crucial em função das inúmeras transformações ocorridas nas esferas do Estado, economia e política em escala mundial. A contribuição de Young (2006) para o número se encaminha no sentido de refletir sobre o lugar - ou não lugar - das “minorias“ (políticas) nos espaços de representação, levando em consideração que grupos subalternizados são, com frequência, excluídos de discussões e decisões políticas importantes, o que se acentua em contextos de desigualdade social, como é o caso do Brasil.

Embora reconheça a importância e necessidade dos sistemas representativos para a democracia, especialmente em países complexos e de tamanho continental, como é o nosso país, Young (2006) chama a atenção para os riscos de silenciamento e opressão experimentados por diversos grupos (subalternizados) no processo de representação. Esse risco é potencializado sempre que o indivíduo ou grupo que representa se põe em uma relação de substituição ou identidade - no sentido de idêntico - com os muitos representados, destituindo-os de toda e qualquer alteridade.

Essa mesma problematização é trazida por Pitkin (2006), que atenta para o perigo que pode estar contido na representação quando esta é investida de um processo “especular“, isto é, quando o ato de representar é posto como uma forma de substituir ou de se pôr no lugar de, excluindo da mesma forma a diferença e a alteridade de indivíduos e grupos representados. Em um processo representativo, a democracia dependerá sempre da consideração da pluralidade de atores e interesses envolvidos nas decisões e embates coletivos, o que implica consentir que uma vontade coletiva dista da lógica da coesão e homogeneidade, ainda que seja permeada por consensos temporários. Nesse sentido, seria próprio do ato de representar o conflito advindo do posicionamento dos diferentes pontos de vista.

Dentro da perspectiva geracional, Castro (2008) também analisa a representatividade, na esfera pública, dos interesses das crianças e jovens por adultos - configurada geralmente pela figura dos gestores e especialistas - a partir do risco que pode permear esse processo quando são abertos espaços para a invisibilização e silenciamento das gerações mais novas. Imbuídos da lógica de que crianças e jovens são imaturos e, por isso, não estão preparados para agir no mundo público e pelo entendimento de que se tratam de indivíduos cujos desejos e demandas são transparentes aos especialistas e instituições, autorizados socialmente a dizer o que são e do que precisam (LARROSA, 2010), os interesses de crianças e jovens são traduzidos de forma tutelar e paternalista por seus representantes adultos.

Neste sentido, trata-se de uma concepção de representação que desconsidera a fala de crianças e jovens como legítima e, por razão de suposta incapacidade e imaturidade, acredita-se que necessitariam do adulto para assumir o lugar de seus representantes legítimos nas interlocuções públicas. Ou, nos termos foucaultianos, trata-se de uma fala/confissão que necessita passar pela interpretação/tradução dos experts para alcançar o status de verdade e, nesses termos, são falas que precisam ser validadas, não contendo nenhum valor sem esse crivo. Sobre o ritual da fala no contexto disciplinar instaurado pela Modernidade, Fonseca (2016, p. 89), tomando por base o pensamento foucaultiano, sugere que ele mais se aproxima de um ritual de confissão, pois supõe a necessidade da decifração, interpretação: “Não se confessa sem a presença da instância que deve ouvir e, por ser capacitada para tal, deve interpretar o objeto da confissão“. Na confissão, os lugares de quem fala e escuta são demarcados hierarquicamente, diferente da lógica dialógica que pressupõe uma igualdade entre os interlocutores, que revezam os papéis de falantes e ouvintes.

Não havendo espaço de diálogo, as falas de crianças e jovens, muitas vezes, encontram canais de expressão a partir do ruído (CASTRO et al., 2018), que aponta a fissura, o desacordo, o desalinho dos efeitos de um processo de representação que insiste na farsa de ser possível eliminar a alteridade. Assim, dizemos que o ato de representar que se pretende democrático deve sempre sustentar o desajuste de todo e qualquer processo coletivo, isto é, sustentar a impossibilidade de equivaler à tradução de uma fala à fala em si. Assumindo esse desajuste como inerente à política, faz-se cada vez mais importante e necessária a participação e ação de todos os indivíduos nas esferas de tomadas de decisões públicas. Crianças e jovens, a partir de suas experiências e perspectiva de vida e de mundo, podem e devem contribuir nesse processo de tradução/representação.

Apoiadas na ideia de que o sentido de infância e de juventude é construído a partir de um contexto histórico, econômico, político, geográfico e de práticas discursivas específicas, a ação e a participação de crianças e jovens estão enredadas ao lugar que estes ocupam socialmente e, além disso, ao papel que desempenham em relação ao adulto, considerando que esse sentido também é conformado dentro do contrato geracional estabelecido por uma sociedade. Dada a pactuação de que crianças e jovens são despreparados para agir no mundo público - espaço por excelência da política - e de que os adultos é que possuem essa capacidade, a ação está atravessada, muitas vezes, por uma dicotomia hierárquica que resulta na subordinação dos primeiros e dominação dos últimos. Essa subordinação pode se acentuar quando conjugada a uma desigualdade social e econômica, contribuindo para uma representação que produz um silenciamento ainda maior entre as crianças e jovens pobres, negros, habitantes de determinados territórios, como as periferias, os guetos, entre outros.

Com a contribuição da psicologia social crítica, dizemos que para que um terreno participativo de crianças e jovens na sociedade - escola, bairro, cidade, entre outros -seja possível, é necessário resgatar a dimensão alteritária que constitui todo e qualquer processo social e intersubjetivo, uma vez que essa participação também será consequência da relação que é estabelecida entre os indivíduos - adultos, crianças e jovens. Nesse sentido, assim como o conceito de subjetividade, a psicologia crítica também entende a participação como uma noção compartilhada, enquadrada em uma perspectiva relacionai e dialógica (MELO, 2018).

Chamar atenção para o aspecto relacionai mostra-se de grande importância, pois a maneira tutelar com que os adultos se colocam diante das gerações mais novas produz diversos aprisionamentos não só em relação à liberdade e à autonomia da criança e do jovem, mas também em relação a eles próprios, que se mantêm enclausurados em suas supostas “certezas“. Não dispostos a pôr à prova seu saber e sua fragilidade, acabam não tendo a criança e o jovem como parceiros de fato no mundo das incertezas. Será que as crianças e jovens não poderíam dar contribuições criativas aos problemas sociais que nos afetam? Ao falar de sua impressão da cidade, por exemplo, não poderíam ajudar a repensá-la no seu emaranhado complexo de problemas? Não teriam nada a nos ensinar?

A participação, vista da perspectiva relacionai, constitui-se uma arena potente de encontros e também de embates geracionais. Talvez seja esse o caminho que possibilitaria repensar o sentido de representação, como uma via que abre espaço para a escuta, a fala e o diálogo ao resgatar a dimensão alteritária que compõe a vida.

 

Pesquisar e Projetar-COM as infâncias: diálogos e entrelaçamentos possíveis em processos participativos

A reflexão aqui proposta reconhece a participação social como uma ação transformadora para discutir as decisões sobre a cidade em que saberes são compartilhados e entrelaçados em uma construção coletiva. Entretanto, ainda podemos considerar como um grande desafio os processos participativos que envolvem a interlocução com as crianças, sendo necessário ampliar o olhar sobre as práticas metodológicas, tanto de pesquisa como de projeto de Arquitetura e Urbanismo. Para tal, é importante que o adulto não projete o seu próprio olhar sobre a criança, “colhendo junto delas apenas aquilo que é o reflexo conjunto dos seus próprios preconceitos e representações“ (SARMENTO; FERNANDES; TOMÁS, 2007, p. 190), mantendo a relação de hierarquia no processo.

Além disso, não reconhecer a cidadania crítica das infâncias é conceber a criança como apenas o “futuro“, incapaz de opinar ou decidir sobre os assuntos de seu interesse ou de uma coletividade no momento presente. Assim, esses sujeitos são tornados invisíveis como cidadãos e deixados sempre em compasso de espera sobre os temas da cidade (AZEVEDO, 2019) ao invés de terem reforçados seus papéis como atores sociais com competências para desenvolver ações com potencial poder de decisão.

A arquiteta Mayumi Sousa Lima (1989) pode ser considerada uma das pioneiras no Brasil a pensar sobre o protagonismo da criança como uma ação transformadora nas práticas arquitetônicas. Ao criticar como o adulto se apodera do espaço da criança e o transforma em objeto de dominação, numa espécie de “controle para esconder a insegurança do adulto“ (LIMA, 1989, p. 11), reafirma a visão estereotipada de que a criança é ainda um cidadão em formação, sem liberdade de escolha ou capacidade de opinião. Nessa perspectiva, ao examinarmos as escolas, ainda na atualidade percebemos que são espaços de dominação e de controle, com ambientes despersonalizados e com muito pouco da identidade das crianças e jovens que as frequentam.

No entanto, o modelo conservador da educação tem enfrentado críticas contundentes em relação às práticas pedagógicas, às formas de gestão, à descontinuidade das políticas públicas, além da própria função social da escola na contemporaneidade. O estudante de hoje não consegue mais se ver inserido dentro de um sistema educacional que é reflexo de uma gestão claramente hierárquica e autoritária. Baixos níveis de aprendizagem, altos índices de distorção idade-série, abandono e evasão fazem parte do atual cenário em que crianças e jovens estão inseridos. Para a grande maioria, a escola não é atraente e, em geral, não há um sentimento de pertencimento, pois falta conexão entre um projeto de vida, as suas realidades e o que se aprende nas salas de aula.

No Brasil, assim como em outros países, os movimentos Occupy clamavam por mudanças em situações de desconforto social e reivindicavam o direito a uma participação mais democrática à cidade, como o acesso aos recursos urbanos ou o acesso às decisões de quem determina a organização (e a qualidade) da vida cotidiana. A emblemática ocupação das escolas e das ruas pelos estudantes das instituições de ensino da rede pública do estado de São Paulo em 2015 e, a partir de então, a proliferação desses movimentos sociais por todo o país chamaram a atenção para um alargamento de perspectivas em relação às políticas públicas da educação, melhores condições de infraestrutura das instituições, defesa de uma educação de qualidade e de maior participação da comunidade no diálogo em diferentes esferas e escalas com o poder público.

O diálogo com as infâncias reforça, então, o conceito e a potência dos minipúblicos deliberativos, conforme preconizado por Fung (2003), com narrativas fundamentais para as tomadas de decisão sobre os problemas da cidade, já que, a partir da participação, as crianças são consideradas coautoras das ações e processos de planejamento urbano. Nesse processo de diálogo e escuta sensível, crianças e adultos discutem os problemas da cidade, refletem sobre suas próprias responsabilidades e viabilizam possibilidades de reocupação e ressignificação do espaço público, bem como sustentam a defesa da ideia de uma cidade mais humana, resiliente e sustentável.

Francesco Tonucci (2005, p. 183), no projeto internacional The Children's City, promovido pelo Institute of Cognitive Sciences and Technologies at the Italian National Research Council (ISTC-CNR), desde 1991, propõe que administradores municipais, ao avaliarem políticas urbanas, desloquem seu foco do indivíduo “adulto, homem, trabalhador, motorista de automóveis“ e olhem para a criança como parâmetro para as cidades.

Assim, é nesse panorama de diálogo e escuta sensível que o Grupo Ambiente-Educação (GAE)3, com uma trajetória de mais de 15 anos, e em parceria com o grupo Sistema de Espaços Livres (SEL-RJ), reconhece a pesquisa como um veículo de inclusão e de fomento à formação cidadã. Com a adoção de dispositivos mais sensíveis, que possibilitam compreender o habitar cotidiano das crianças na cidade, na escola e no espaço público, as experiências participativas têm permitido construir um repertório conceituai e metodológico que discute e inter-relaciona arquitetura, infâncias, educação e cidade em uma concepção dialógica com políticas públicas. Trata-se, então, de dar visibilidade a sujeitos que geralmente não têm oportunidades de opinar e decidir, de modo que sejam incentivados a exercer sua cidadania de forma crítica como sujeitos de direitos à cidade (AZEVEDO, 2019). É reconhecer sua autonomia como ser social e histórico, “[...] como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos“ (FREIRE, 1997, p. 46).

Para analisar a relação entre os edifícios escolares e o entorno imediato urbano-social têm sido realizadas oficinas participativas com crianças e jovens em diversos contextos defragilidade e desigualdade socioambiental da cidade do Rio de Janeiro. Nesse sentido, pesquisadores, estudantes e profissionais de Arquitetura e Urbanismo passam a exercer de forma mais consistente o papel de mediação para entender os interesses defendidos pelas comunidades e os condicionantes espaciais e de gestão pública em uma construção coletiva. As atividades participativas reforçam o papel desses grupos sociais no presente e no futuro como agentes produtores e transformadores do ambiente em que vivem e da cidade que compartilham.

A partir da aproximação em várias escalas e do entrelaçamento de vozes e saberes, a atuação dos grupos tem proposto a elaboração coletiva de um Mapeamento Afetivo de espaços públicos na sua interface com serviços públicos de educação, visando reforçar a proposição de territórios educativos nos diversos bairros da cidade do Rio de Janeiro, de forma a contribuir também com a visibilidade e autonomia dos atores sociais que compõem as relações escola-cidade. Compreendese, assim, a potência da atuação conjunta dos participantes dos grupos envolvidos em conjunto com estudantes, professores e gestores da rede municipal de educação pública para enfrentar a complexidade da atividade de planejamento urbano sustentável desenvolvida por meio de um projeto participativo e inclusivo.

Em nossa busca pelo pesquisar e projetar-COM as crianças, gostaríamos de fugir do orquestrado e definido mundo dos adultos ou da nossa visão engessada e reducionista que não deixa margem para o sensível. Assim, compreender as formas das crianças de apropriação e recriação do espaço público em seu cotidiano, bem como interagir com suas narrativas, constitui experiência transformadora para a pesquisa e para a concepção projetual.

Em experiência recente dos grupos de pesquisa em parceria com a Prefeitura do Rio de Janeiro, a participação ativa das crianças foi fundamental para a implantação de ações e políticas públicas alinhadas às necessidades e anseios da cidade. No Mapeamento Afetivo dos Territórios Educativos do Rio de Janeiro, o foco foi a participação dos estudantes das escolas públicas municipais de ensino fundamental na busca pela garantia do direito e do acesso à cidade. A proposta se mostrou relevante para o desenvolvimento de estratégias e métodos que aumentam a eficácia do planejamento urbano das cidades brasileiras, pois, além de mobilizar o diálogo, empoderar a população e dar visibilidade às crianças nas decisões sobre a cidade, promoveu políticas públicas mais relacionadas com as necessidades locais, com maior apoio às políticas sociais de redução de vulnerabilidades em territórios periféricos.

Temas como infraestrutura precária, problemas de mobilidade urbana, lixo, falta de segurança, carência de espaços livres, áreas verdes e espaços de lazer e cultura, presentes nas narrativas dos estudantes, corroboram a implementação do conceito de Cidade Educadora4, meta já estabelecida na gestão atual da Prefeitura e da Secretaria Municipal de Educação como forma de promover o equilíbrio entre identidade e diversidade, além de mitigar fragilidades e desigualdades. Uma Cidade Educadora permite que a população seja protagonista nas ações públicas e compartilhe as responsabilidades nas iniciativas de transformação da cidade.

Dessa forma, a participação e a inclusão se destacam efetivamente como grandes contribuições com múltiplas possibilidades de desdobramento, seja no âmbito da gestão e do planejamento urbano ou das políticas públicas da educação. Essa discussão se relaciona ao debate mundial sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU e busca uma alternativa viável ao enfrentamento dos grandes desafios urbanos: sustentabilidade socioambiental, segurança física e combate às desigualdades, melhorias de habitabilidade e de desempenho educacional e afetivo. Os resultados alcançados com o Mapeamento Afetivo contribuíram com o Plano de Desenvolvimento Sustentável e o Plano Estratégico desenvolvidos pelo poder público, alinhando-se com os princípios da cidadania global, com a valorização de diversidades e com a educação para o desenvolvimento sustentável.

Como estratégia micropolítica de resistência, espera-se que os territórios educativos, construídos coletivamente, se constituam de fato e de direito, dando visibilidade às fragilidades e reconhecendo as potencialidades locais (AZEVEDO; TÂNGARI; FLANDES, 2020). Tais reflexões reforçam o caráter transformador dessas ações e o compromisso assumido em contribuir com a construção de entendimentos referentes às múltiplas relações entre infâncias e cidade. Cabe destacar, ainda, que esses entendimentos se apresentam como alternativas mais efetivas na busca pela participação isonômica como base para projetos, ações e políticas de inclusão e justiça social, que os frequentes discursos dominantes homogeneizadores e de caráter normativo interpõem. Estar atento às apropriações, improvisações, transgressões e múltiplas inter(AÇÕES) da criança no espaço público pode apontar caminhos para uma ludi(CIDADE) e, por consequência, para a produção e visibilidade de outros modos de habitar a cidade - o habitar das infâncias.

 

Conclusão

Um dos questionamentos mais severos nos argumentos participativistas e deliberacionistas está relacionado ao problema da escala. Mesmo considerando as facilidades que surgiram com as novas tecnologias interligadas por redes on-line, ainda assim é inegável que o problema da escala permanece como obstáculo ao agir na esfera pública e nos obriga a buscar por soluções para responder sobre onde, quando, por que e de que modo os indivíduos poderíam cumprir a sua tarefa ou apenas o seu desejo de refletir, trocar e agir na política.

Para Dryzek (2000), as deliberações da vida real não incluem a maioria dos afetados, seja por restringir os direitos à participação, seja por desrespeitar a autonomia discursiva e as diferenças, seja pela simples inexistência de arenas deliberativas. O autor sugere que uma boa forma de estimular a participação dos indivíduos nas deliberações seria incrementar a competição de discursos na esfera pública, incluindo o que seria o fluxo discursivo virtual. Independentes de um procedimentalismo, essas redes discursivas democráticas, não verticalizadas, baseadas em princípios de igualdade e reciprocidade, colocariam a deliberação em outro patamar, pois não implicariam custos para a participação e não requereríam do Estado o investimento em fóruns, assembléias e similares.

O problema, no entanto, é que essa competição discursiva na esfera pública virtual5 está impregnada e, de certo modo, até o momento, dominada por grupos que têm por objetivo predar as instituições democráticas. O que aconteceu com a esfera pública virtual, na última década, foi uma invasão do conservadorismo, que retroalimenta e alimenta o cotidiano de milhões de pessoas com notícias falsas, discursos antipolíticos e de ódio. Portanto, quando falamos do fluxo discursivo na esfera pública, temos que compreender que há embates, disputas, desrespeito, injustiças, separações.

O problema vai além do que podería ser apenas embates e disputas discursivas, pois, de fato, a poluição da esfera pública com ideologias e práticas conservadoras gera um impacto bastante negativo e preocupante nas escolhas dos cidadãos, especialmente nos processos eleitorais, quando o público vai às urnas decidir sobre a representação política. Além disso, expõe as arestas do debate geracional e de autoridade em todas as suas tristes reentrâncias. Por exemplo, é sabido que, tradicionalmente, no ocidente, crianças e adolescentes têm pouco ou nenhum direito à fala quando o assunto envolve decisões. São sujeitos considerados não capazes de discernir e, por isso, são tutelados. Aqui há um erro grosseiro de entendimento do que seria ou poderia ser o agir político democrático, pois restringe o procedimento terminativo da política que diz respeito ao decisionismo que tomou conta da política institucionalizada. Ora, mas o fazer político deveria ou poderia envolver uma série de etapas preliminares, que envolvem conhecer os concernentes, ouvi-los e propiciar formas de trocas de opinião. São etapas relativas ao tempo da deliberação que não necessariamente precisam culminar em decisão.

Nesse sentido, é de suma relevância a conversação entre poder público e sociedade civil na busca por ampliar e fomentar as pequenas arenas de debate, de trocas, de escuta. Os minipúblicos podem ser esse espaço em que a economia deliberativa atende não ao apelo dos custos operacionais, de tempo e de escala, seja para o Estado, seja para o cidadão, mas atende ao propósito de colocar os cidadãos concernentes em uma arena face a face, mesmo que seja numa sala de conversa mediada por tecnologias em rede.

Neste artigo trouxemos um exemplo de prática de fomento às trocas por meio do incentivo à participação em uma arena que viabiliza atos de fala e de escuta, atos de troca, voltadas para um público que notadamente não tem voz quando o assunto envolve política e decisões políticas que vão ter impacto na vida cotidiana, como os espaços escolares, os equipamentos culturais, entre outros. Viabilizar essas trocas envolvendo crianças, adolescentes e jovens, mesmo que ainda em caráter experimental, controlado por meio de parceria entre a academia e o poder público, tem um caráter de inovação social de grande relevância. Além disso, permite que a política - assim como os seus procedimentos, incluindo a representação - seja ocupada e construída a partir da pluralidade dos diversos atores. O fazer democrático dependerá da construção de espaços de diálogo que abrigam as diferentes falas e demandas dos indivíduos, e não espaços confessionais constituídos por especialistas que ditam o que pode, deve, cabe e, em última instância, o que seria a verdade.

 

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Data de recebimento: 31/08/2021
Data de aprovação: 27/09/2021

 

 

1 A data entre colchetes indica o ano de publicação original da obra. Nas citações seguintes será registrada apenas a data da edição consultada pelos autores.
2 Originalmente debatendo o conceito de esfera pública proposto por Habermas, em 1962.
3 Grupos de pesquisa vinculados ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura da Universidade Federal do Rio de Janeiro - PROARQ-FAU/UFRJ.
4 Cidade que busca a educação e a participação cidadã. “Aprender na cidade, com a cidade e com as pessoas“.
5 Estamos chamando de esfera pública virtual apenas para demonstrar uma abordagem relativa ao que ocorre na internet. Afinal, a esfera pública é a mesma, independentemente se o fluxo informacional está sendo viabilizado em redes conectadas por equipamentos ou se está ocorrendo em um ambiente que facilita a presença in loco ejunta dos participantes.

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