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Print version ISSN 2359-0769On-line version ISSN 2359-0777

Rev. Subj. vol.14 no.2 Fortaleza Aug. 2014

 

ARTIGO ORIGINAL

 

O estatuto do inconsciente na clínica sinthomática das chamadas psicoses ordinárias

 

The statute of the unconscious in the symptomatic clinic called ordinary psychoses

 

El estatuto del inconsciente en la clínica sinthomática de las llamadas psicosis ordinarias

 

Le statut de l'inconscient dans la clinique sinthomatique des appels psychoses ordinaires

 

 

Éverton Fernandes CordeiroI; Patrícia Fátima Mendes GuedesII

IPsicólogo do Centro de Referência em Saúde Mental (CERSAM Pampulha - CAPS III, Prefeitura de Belo Horizonte), graduado pelo Centro Universitário do Leste de Minas Gerais (Unileste); Mestrando em Psicologia/Estudos Psicanalíticos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
IIPsicóloga da Rede de Saúde Mental (Prefeitura de Coronel Fabriciano), graduada pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES); Psicanalista; Mestre em Gestão Territorial pela Universidade do Vale do Rio Doce (Univale); Docente do Curso de Psicologia e Coordenadora do Curso de Pós-graduação lato sensu em Clínica Psicanalítica na Contemporaneidade do Unileste

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Em seu primeiro ensino, Lacan confere ao inconsciente o estatuto de estruturado como uma linguagem, em que o Nome-do-Pai é o significante primaz e ordenador da entrada do sujeito no campo simbólico. Nesse ensino, a foraclusão do Nome-do-Pai é o mecanismo que constitui a estrutura clínica da psicose. No último ensino, com a teoria do sinthoma e a partir da obra de James Joyce, Lacan abre uma nova perspectiva para abordar a psicose, não em termos de déficit do Nome-do-Pai, mas como modos borromeanos de amarração dos registros Real, Simbólico e Imaginário. É sob o modelo joyceano que se pode pensar o que Miller, na Convenção de Antibes, denominou psicose ordinária. Assim, se há mudanças no percurso teórico lacaniano, dos anos 1950 aos anos 1970, sobre a abordagem das psicoses, apontariam as psicoses ordinárias para uma outra perspectiva do inconsciente no contexto do último ensino de Lacan, diferente daquela do inconsciente estruturado como linguagem? Este estudo pretende retomar pontos importantes de momentos cruciais do ensino de Jacques Lacan, que permitem compreender alguns giros teóricos desse psicanalista francês e como os mesmos têm efeitos e consequências na clínica, ou surgiram, eles próprios, de questões clínicas. Nesse sentido, considerando o que é chamado de psicose ordinária e fundamentando-se nas discussões lacanianas sobre o sinthoma, isso apontaria para outra abordagem do inconsciente que confere ao registro do real um lugar proeminente, o que Miller aponta como o inconsciente real.

Palavras-chave: inconsciente; psicose; psicose ordinária; inconsciente real; jacques lacan.


ABSTRACT

Lacan in his first teaching confers to the unconscious the statute of structured as a language, in which the Name-of-the-Father is the significant primate that orders the entrance of the subject to the symbolic field. In this teaching the foreclosure of the Name-of-the-Father is the factor that constitutes the clinic structure of the psychosis. In his latter teaching, with the theory of the sinthome, from James Joyce's work, Lacan opens a new perspective for approaching the psychosis, not in terms of the deficit of the Name-of-the-Father, but as Borromean modes of knotting of the Real, Simbolic and Imaginary registers. It's under Joyce's model that is possible to think what Miller called, at Antibes's Convention, the ordinary psychosis. Thus, if there are changes in the lacanian theoretical path from the 50s to the 70s about the approach of psychoses, would the ordinary psychoses point to another perspective of the unconscious in the context of Lacan's latter teaching different than the unconscious structured as a language? This study intends to retake important points of crucial moments of the Jacques Lacan's teachings, which allow to understand some theoretical turns of this french psychoanalyst and how them have effects and consequences at the clinic, or that came out from clinical issues. In this way, by considering what is called ordinary psychosis and based on the lacanian discussions of the sinthome, this would lead to another approach of the unconscious that gives a prominent place to the register of the real, what Miller points out as unconscious of the real.

Keywords: unconscious; psychosis; ordinary psychosis; real unconscious; jacques lacan.


RESUMEN

Lacan en su primera enseñanza le da al inconsciente el estatuto de estructurado como lenguaje, en el que el Nombre del Padre es el significante primaz ordenador de la entrada del sujeto al campo simbólico. En esta enseñanza la forclusión del Nombre del Padre es el factor que constituye la estructura clínica de la psicosis. En su última enseñanza, con la teoría del sinthome, a partir de la obra de James Joyce, Lacan abre una nueva perspectiva para abordar la psicosis, no en términos del déficit del Nombre del Padre, sino a través de modos borromeos de anudamiento de los registros Real, Simbólico e Imaginario. Es bajo el modelo joyceano que se puede pensar lo que Miller denominó, en la Convención de Antibes, como Psicosis Ordinaria. Así, si hay mudanzas en el recorrido teórico lacaniano de los años 1950 a los años 1970, sobre el abordaje de las psicosis, ¿apuntarían las psicosis ordinarias a otra perspectiva del inconsciente en el contexto de la última enseñanza de Lacan diferentes del inconsciente estructurado como lenguaje? Este estudio pretende retomar puntos importantes de momentos cruciales de las enseñanzas de Jacques Lacan, que permitieran comprender algunos giros teóricos de este psicoanalista francés e como los mismo tienen efectos e consecuencias en la clínica, o surgieron, ellos mismos, de cuestiones clínicas. En este sentido, considerando lo que es llamado de psicosis ordinaria y fundamentándose en las discusiones lacanianas sobre el sinthome, eso apuntaría para otra abordaje del inconsciente que le da al registro del real un lugar prominente, lo que Miller apunta como el inconsciente real.

Palabras clave: inconsciente; psicosis; psicosis ordinaria; inconsciente real; jacques lacan.


RÉSUMÉ

Lacan, dans son premier enseignement, donne à l'inconscient, le statut de structuré comme un langage, dans lequel le Nom-du-Père est le significant primat ordonnateur de la entrée du sujet dans le champ symbolique. Dans cet enseignement, la forclusion du Nom-du-Père est le mécanisme qui constitue la structure clinique de la psychose. Dans le dernier enseignement, avec la théorie du sinthome, à partir de l'œuvre de James Joyce, Lacan ouvre une perspective nouvelle pour aborder la psychose, non pas en termes de déficit du Nom-du-Père, mais comme modes borroméens de nouage des registres Réel, Symbolique et Imaginaire. C'est sous le modèle joycean qui on peut penser ce qui Miller a appelé, dans la Convention d'Antibes, Psychose Ordinaire. Ainsi, s'il ya des changements dans le parcours théorique lacanien, des années 1950 aux années 1970, sur l'abordage des psychoses, les psychoses ordinaires, indiqueraient-t-elles vers une autre perspective de l'inconscient dans le contexte de dernier enseignement de Lacan, différente de celle de l'inconscient structuré comme un langage? Cette étude vise à reprendre les points importants des moments cruciaux d'enseignement de Jacques Lacan, qui nous permet de comprendre quelques tours théoriques de cette psychanalyste français, et comment ils ont des effets et des conséquences dans la clinique, ou ils ont émergé, eux-mêmes, de questions cliniques. En ce sens, compte tenu de ce qu'on appelle la psychose ordinaire, et en s'appuyant sur les discussions lacaniennes sur le sinthome, ce serait pointer vers une autre approche de l'inconscient qui donne au réel, une place eminent, ce que Miller montre comment l'inconscient réel.

Mots-clés: inconscient; psychose; psychose ordinaire; inconscient réel; jacques lacan.


 

 

Introdução

Lacan dedicou seus dez primeiros seminários à releitura de Freud. Nesse contexto, ele propôs reformar o entendimento de Freud, na originalidade da ruptura epistemológica que o mestre vienense operou no início do século XX, quando subverteu a concepção de sujeito, não mais unificado pela consciência, como pensava o racionalismo cartesiano, mas um sujeito do inconsciente, descentrado de sua consciência, dependente "em relação às gerações das quais ele surgiu, em relação à linguagem que o precede" (Miller, 2003, p. 8). Assim, Lacan buscou se fundamentar na Linguística, na Antropologia Estrutural e em outras construções teóricas em florescimento nos meados do século XX - décadas de 1950 e 1960 - que, embora estivessem ausentes no texto de Freud, tornaram-se apropriadas para reclassificar a noção freudiana do inconsciente (Miller, 2003). Nesse período, conhecido como o retorno a Freud, Lacan concebe o inconsciente como estruturado pelas regras da linguagem, da metáfora e da metonímia, em que o significante possui função primordial sobre o significado (Lacan, 1998b). É nesse bojo que ele elabora a teoria da psicose, fundamentada na foraclusão do Nome-do-Pai, testemunha da falha da incidência da metáfora paterna no campo da linguagem, no lugar do Outro (Lacan, 1998c).

Contudo, no chamado último ensino, a partir dos anos 1970, com os estudos sobre a topologia dos nós borromeanos e a obra do escritor James Joyce, Lacan (2007) elabora a teoria do sinthoma com que ele se serve para afirmar que cada sujeito apresenta um modo singular que permite manter unidos os registros Real, Simbólico e Imaginário (RSI) que sustentam sua realidade psíquica - sendo o Nome-do-Pai um desses modos. Assim, a escrita de James Joyce é a arte da qual o mesmo se serviu para suplementar a ausência do Nome-do-Pai, fazendo um enlaçamento sinthomático através de sua escrita desarticulada de sentido. É baseando-se na teoria do sinthoma que, nos anos 1990, psicanalistas do âmbito da Associação Mundial de Psicanálise (AMP) debateram acerca das psicoses e suas apresentações contemporâneas, nas quais se percebem casos em que a foraclusão do Nome-do-Pai não ocasiona o desencadeamento psicótico clássico porque o sujeito se serve do artifício do sinthoma para, assim como Joyce, suplementar a falha do enlaçamento dos três registros RSI. A essas psicoses, o psicanalista Jacques-Alain Miller (2012a) denominou psicoses ordinárias.

O presente artigo propõe identificar para qual estatuto do inconsciente as chamadas psicoses ordinárias apontam. Uma vez que há mudanças no percurso teórico de Lacan sobre as psicoses, dos anos 1950 aos anos 1970, as psicoses ordinárias apontariam para outra perspectiva do inconsciente no contexto do último ensino de Lacan, diferente daquela do inconsciente estruturado como linguagem? Esta questão é o ponto que norteou e que tornou possível elaborar esse estudo teórico (Garcia-Roza, 1994; Couto, 2010). Para tal, fez-se necessário descrever a concepção de inconsciente estruturado como linguagem, concebida por Jacques Lacan em seu primeiro ensino, ou clínica estrutural, dentro da qual também comentamos a teoria da psicose circunscrita pela foraclusão do Nome-do-Pai. Servindo-se de "O Seminário livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da Psicanálise", buscou-se apontar inflexões teóricas de Lacan que indicam uma mudança na perspectiva do inconsciente e, com "O Seminário livro 23: O Sinthoma" percorremos o que Lacan concebeu como o sinthoma. Lançando mão desse percurso, foi possível compreender o que se concebeu por psicose ordinária e também a noção de inconsciente real feita a partir da leitura de Miller do último ensino de Lacan.

 

O primeiro ensino de Lacan: o inconsciente é estruturado como linguagem

O retorno a Freud marcou o período conhecido como o primeiro ensino de Lacan, ou sua primeira clínica. É também chamada clínica estrutural, visto que Lacan considera o inconsciente freudiano, partindo do pressuposto de que o mesmo não é apenas reservatório de pulsões, mas que sabe se organizar e que, para além da fala existe uma estrutura de linguagem que a experiência da psicanálise descobre no inconsciente (Lacan, 1998b). Segundo Miller (2003), a autonomia da consciência destituída por Freud do lugar privilegiado em que se encontrava é deslocada por Lacan para o campo do simbólico, cuja prevalência marca o período do seu primeiro ensino. Lacan extrai o conceito de simbólico da Antropologia Estrutural de Claude Lévi-Strauss, para o qual existe uma ordem simbólica que estrutura a realidade entre os seres humanos. Refere-se à cultura fundada com a proibição do incesto, submetendo a natureza a um conjunto de sistemas simbólicos, dentre os quais, a linguagem (Coelho dos Santos, 1998). Lacan insere no campo psicanalítico elementos conceituais da linguística de Ferdinand de Saussure, fazendo uma aproximação entre estrutura do inconsciente freudiano e estrutura da linguagem. Para Lacan (1998a), o ser humano é inserido em uma ordem simbólica preestabelecida, que o faz existir antes mesmo de sua existência biológica no campo da linguagem:

A linguagem, com sua estrutura, preexiste a entrada de cada sujeito num momento de seu desenvolvimento mental, (...) o sujeito, se pode parecer servo da linguagem, o é ainda mais de um discurso em cujo movimento universal seu lugar já está inscrito em seu nascimento, nem que seja sob a forma de seu nome próprio (Lacan, 1998b, p. 498).

A linguística saussuriana se fundamenta na existência de uma entidade linguística denominada signo, que é representada por um algoritmo (Saussure, 1916/2006) composto de duas partes: o significante1 (a imagem acústica) e o significado (o conceito). Lacan (1998b) subverte o signo saussuriano, considerando que o mesmo não deve ser concebido em sua totalidade - isto é, o significado não está colado ao significante, como pressupôs Saussure - mas deve ser abordado como pura função do significante, considerando sua função primordial e autônoma em relação ao significado. De acordo com Lacan (1998d), o significante e o significado possuem entre si uma relação fluída, podendo se desfazer a qualquer momento. Tal relação é delimitada por um ponto que ele denomina de ponto de estofo (point de capiton), um ponto de amarração que tem a função de associar o significante ao significado em uma cadeia discursiva, em que a significação se dá com a finalização da articulação da cadeia significante.

Lacan (1998b) desenvolve a afirmação freudiana de que o sonho é a via régia de acesso ao inconsciente, assinalando que o sonho possui a estrutura de uma frase, mas que se apresenta como uma escrita pictográfica, uma carta enigmática, sendo necessário entender suas imagens ao pé da letra, pois as mesmas só devem ser retidas devido ao seu valor de significante. O sonho estruturado como uma escrita reproduz o emprego simultâneo dos fonemas e dos símbolos, dos elementos significantes decifráveis (Lacan, 1998b). Uma palavra ou uma imagem que aparecem no sonho não são tratadas pelos seus significados habituais, mas como imagem acústica, significante que pode apresentar vários significados para o sujeito, diferentes dos usuais da língua, e que remetem a outras cadeias significantes, devido ao equívoco que a língua comporta (Quinet, 2009b). É preciso se ater ao relato do texto onírico, pois é a elaboração do sonho e sua retórica, que devem ser considerados relevantes para a decifração dos desejos inconscientes.

Lacan (1998a) traduz o conceito freudiano de deformação onírica a partir da linguística, pelo que designou como deslizamento do significado sob o significante sempre inconsciente e em ação no discurso. Por deformação onírica, concebe-se o efeito do trabalho do sonho, em que os pensamentos latentes de desejos inconscientes são transformados em um produto manifesto muitas vezes absurdo e de difícil reconhecimento, aceito à consciência e relatado pelo sonhador. A deformação onírica se utiliza de dois mecanismos: a condensação, em que uma única representação onírica representa várias cadeias de associação ligadas por relações de similaridade; e o deslocamento, em que ocorre um descentramento de interesse de uma representação importante de um conteúdo latente intenso para um conteúdo originariamente menos significativo, mas que possui com a primeira representação uma cadeia associativa por alusão (Freud, 1900/1996a).

Lacan (1998b) transpõe a condensação em termos de estrutura de superposição dos significantes, ganhando campo o conceito de metáfora, uma figura de linguagem utilizada no discurso para designar alguma coisa por meio do nome de outra coisa, ocorrendo uma substituição de um significante por outro significante, que mantém entre si relações de semelhança. No deslocamento, a metonímia se faz presente, sendo um termo designado por outro diferente do habitual, designação que só se torna possível se há condições de ligação entre os dois termos por contiguidade (Dor, 1989).

Lacan (1998b) confere importância à cadeia de significantes, considerando que o significante é composto de acordo com uma ordem fechada - assim como o colar de anéis se fecha nos anéis de outro colar - e são apenas as relações entre significante e significado que fornecem o modelo de qualquer busca de significação. Isto é, um significante S1 para existir enquanto significante precisa se remeter a um S2 que responda ao enigma do primeiro, sendo esse o encadeamento mínimo (S1 S2) que permite estabelecer uma significação (Dor, 1989).

Para demonstrar como o inconsciente está estruturado como linguagem, Lacan traz o sonho ao qual aplica os conceitos linguísticos. Entretanto, esta analogia conferida ao discurso do sonho não se esgota nele, colocando-se sob a mesma insígnia da estrutura de linguagem todas as formações do inconsciente - o lapso, o chiste, os sintomas. O sintoma na primeira clínica de Lacan opera como uma metáfora, em que um significante atual substitui um significante antigo recalcado. O significante novo possui com o recalcado uma relação de semelhança, que através da regra da livre associação torna-se passível de uma interpretação (Dor, 1989). Em Lacan o inconsciente tem um estatuto que evoca um sentido privilegiado nas funções da fala e da linguagem na psicanálise, cuja ação "só extrai seus efeitos do sentido" (Lacan, 1998a, p. 241).

O inconsciente, diz Lacan (1998a, p. 260), é "a parte do discurso concreto, como transindividual, que falta à disposição do sujeito para restabelecer a continuidade de seu discurso consciente". Trata-se do capítulo censurado da história do sujeito, marcado por um branco, ocupado por uma mentira. Contudo, a verdade, pode ser resgatada e sua escrita se encontra em outro lugar, em Outra Cena. Um desses lugares é o corpo, enquanto núcleo histérico da neurose, na qual o sintoma nos mostra a estrutura de uma linguagem e se decifra como uma inscrição. Nesse sentido, por exemplo, remetemo-nos a Freud (1905/1996b) em suas pesquisas sobre a histeria, que considera o sintoma histérico como uma linguagem, onde o corpo concede um material privilegiado à expressão simbólica de um conflito inconsciente, pelo processo que ele denominou complacência somática.

Se em Freud, o inconsciente é abordado em termos dinâmicos, econômicos e topográficos, no sentido próprio do campo das ciências naturais, em Lacan, percebe-se outro modo de abordagem do inconsciente que é a do significante e da linguagem, campos que o teórico francês articulou com as categorias de diagnóstico da psiquiatria clássica de onde originou sua formação. Lacan teve boa parte de seu percurso clínico em torno da psicose, visto que trabalhou nos principais hospitais psiquiátricos de Paris, obtendo, inclusive, seu doutoramento em medicina em 1932 com a tese "Da psicose paranoica em suas relações com a personalidade" (Lacan, 1987), além de ter dedicado boa parte de seus seminários sobre a psicose, como pode ser visto em "O Seminário livro 3: As Psicoses" (Lacan, 2008), no texto "De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose" (Lacan, 1998c) e em "O Seminário 23: O Sinthoma" (Lacan, 2007), entre outros.

Lacan se utiliza das categorias da psiquiatria clássica - a neurose e a psicose - de forma estrutural em seu diagnóstico, extraindo dos tipos descritivos a estrutura subjetiva. O fenômeno clínico possui em si mesmo uma estrutura significante (Lacan, 1998c) e é através do discurso do paciente que se torna possível extrair aquilo que funciona como um operador estrutural que organiza o modo de cada sujeito lidar com a castração (Figueiredo & Machado, 2000).

 

A teoria lacaniana da psicose no contexto da clínica estrutural: a foraclusão do nome-do-pai

Lacan faz referência ao Édipo freudiano, visando reinstaurar a clínica da estrutura do sujeito, equivalendo-a a estrutura de linguagem. Assim, em seu primeiro ensino, a passagem pelo complexo de Édipo é o que condiciona a entrada do sujeito no mundo simbólico (Lacan, 1999). Para Deleuze (1974), o simbólico é para Lacan um elemento da estrutura que se encontra no princípio de uma gênese, ou seja, o sujeito se insere no mundo simbólico, submetendo-se à norma Edípica da interdição do incesto instaurada pela ameaça da castração. Porém, podem acontecer catástrofes na ordem simbólica, algo pode não ser simbolizado pelo sujeito, ficando fora da significação. A estrutura psicótica seria uma falha no complexo de Édipo, uma falha na simbolização, que não ocorreria do mesmo modo que na neurose. Lacan (1999) divide o complexo de Édipo em três tempos. Falaremos dos dois primeiros para demonstrar o que falha nesse complexo que leva o sujeito à psicose.

No primeiro tempo do Édipo, a criança - que tem com a mãe uma relação privilegiada, propiciada pelas relações imediatas dela com a mãe, os cuidados, a satisfação das necessidades - "se identifica especularmente com aquilo que é objeto do desejo de sua mãe": o falo, significante do desejo materno (Lacan, 1999, p. 198). A mãe ocupa para a criança o lugar desse Outro primordial, caprichoso e sem lei - grafado com A maiúsculo, sem barra -, tesouro pleno dos significantes, para onde a criança dirige suas demandas de satisfação, e se encontra assujeitada, enquanto um objeto dos caprichos de quem ela depende.

O segundo tempo do Édipo é marcado pela intervenção do pai na relação imaginária entre a criança e a mãe, inaugurando a entrada do sujeito na ordem simbólica. Lacan (1999) chamou de metáfora paterna a operação de um terceiro termo, o Nome-do-Pai, como o significante que vem introduzir a lei da interdição, privando a mãe da reintegração da criança e privando a criança de ser o objeto do desejo da mãe. O advento do Nome-do-Pai irá possibilitar à criança significar que o Desejo da Mãe se encontra em outro lugar, que não a criança. De um Outro materno absoluto e onipotente passará a existir um Outro como lugar da Lei, da falta, barrado pela inscrição da castração, grafado como

Ao metaforizar o Desejo da Mãe, o Nome-do-Pai opera uma castração simbólica, recalcando a identificação da criança como falo da mãe e possibilitando à mesma construir uma significação fálica ao enigma do Desejo da Mãe. É assim que o falo, na condição de significante enigmático do desejo materno, permitirá ao sujeito atribuir significações aos seus significantes, inserindo-o na norma fálica, na partilha dos sexos como homem e mulher (Lacan, 1999). A criança acede ao simbólico, passando de uma posição de alienação ao Desejo da Mãe - objeto de desejo primordial - para se encontrar em um novo campo de alienação: a linguagem. Ao sujeito, agora cativo da linguagem, é vetado o acesso imediato ao objeto de desejo primordial perdido para sempre. E na impossibilidade de reencontrá-lo, o sujeito poderá investir seu desejo em objetos substitutos, articulando-o em palavras, no sentido metonímico do deslizamento dos significantes (Dor, 1989).

Segundo Quinet (2009b), a metáfora paterna é uma operação estruturante que funda o sujeito, inaugurando a cadeia significante do inconsciente, permitindo ao mesmo dar significações às questões do sexo e da existência. Assim, Lacan (1999) coaduna com o que Freud (1915/1996c) denominou de recalque originário, a primeira fase do recalque que consiste em negar ao representante psíquico da pulsão sua entrada no sistema consciente, permanecendo fixado e inalterado no inconsciente. Contudo, ele não permanece inativo, proliferando no escuro e produzindo derivados que assumem formas de expressão que se apresentam estranhas e sintomáticas para um neurótico quando são analisadas.

Com a operação bem sucedida da metáfora paterna, instaura-se o recalque, mecanismo operador da estrutura neurótica. Traduzido do termo alemão Verdrängung, o recalque consiste na ação de desalojar da consciência - empurrar de lado - o material que causa desprazer, mas que permanece próximo ao sujeito, pressionando pelo seu retorno (Hans, 1996). Para que o recalque possa acontecer, é preciso ter havido na história primitiva do sujeito uma admissão no sentido do simbólico. Essa admissão simbólica, Lacan (2008) a encontrou no termo alemão Bejahung, extraído do texto freudiano "A Negativa", e o traduziu como afirmação primordial. Assim, na neurose ocorre uma afirmação primordial do significante do Nome-do-Pai no inconsciente, simbolizando a castração no campo do Outro e, permitindo que a cadeia significante continue se desenrolando e se articulando à revelia do sujeito, produzindo fenômenos que "têm fixidez de sintomas, que são legíveis e se resolvem ao serem decifrados" (Lacan, 1998c, p. 556).

Todavia, pode acontecer que essa operação metafórica não ocorra, fracassando a incidência do Nome-do-Pai no campo do Outro. Lacan (1999) evoca o termo foraclusão do Nome-do-Pai para pensar a condição fundamental da psicose, seu mecanismo operador. A foraclusão traduz a palavra alemã Verwerfung, usada por Freud no sentido de descartar algo, não aceitar, considerar inadequada uma representação intolerável, como se ela não tivesse ocorrido. Desse modo, Verwerfung é um termo pertinente à psicose, pois consiste em rejeitar ao nível do processo primário alguma coisa que deveria ter sido simbolizada (Hans, 1996). Assim, na psicose, ao contrário do recalque, não ocorreu uma afirmação - Bejahung - do significante primordial no sentido do simbólico. O sujeito recusa "o acesso, ao seu mundo simbólico, de alguma coisa que, no entanto, ele experimentou e que não é outra coisa naquela circunstância senão a ameaça de castração" (Lacan, 2008, p. 21).

Se na neurose, a incidência do Nome-do-Pai no campo do Outro torna possível ao sujeito interpretar o desejo da mãe, construindo uma significação fálica, na psicose, a foraclusão do Nome-do-Pai implica a ausência da significação fálica. Isto não é sem consequências para o sujeito visto que

(...) para que a psicose se desencadeie, é preciso que o Nome-do-Pai, verworfen, foracluído, isto é, jamais advindo no lugar do Outro, seja ali invocado em oposição simbólica ao sujeito. É a falta do Nome-do-Pai nesse lugar que, pelo furo que abre no significado, dá início à cascata de remanejamentos do significante de onde provém o desastre crescente do imaginário, até, que seja alcançado o nível em que significante e significado se estabilizam na metáfora delirante [grifo nosso] (Lacan, 1998c, p. 584).

O Nome-do-Pai foracluído do simbólico retorna no real, conforme Lacan (2008) enuncia o episódio do desencadeamento psicótico. Esse retorno no real tem como correlato clínico a presença dos fenômenos elementares e do automatismo mental2, que Lacan (1998c) divide em fenômenos de código, referentes às vozes alucinatórias que o sujeito escuta e as locuções formadas por neologismos oriundos de palavras compostas da língua e empregadas de forma singular pelo sujeito. A falta de um ponto de amarração, que é o Nome-do-Pai, marca a separação radical entre o significante e significado (Quinet, 2009b). Os fenômenos de mensagem são relativos às mensagens interrompidas no momento em que a significação seria dada (Lacan, 1998c), revelando que há na psicose um rompimento da cadeia significante. Se, como foi visto, ao enigma do significante S1 é necessária a existência de um significante S2, para dar à S1 uma significação possível, na psicose S1 e S2 não formam uma cadeia, ficando S1 carregado de uma significação que nunca advém (Brodsky, 2011).

 

O inconsciente tropeça e é evasivo à estrutura

De acordo Miller (2003), em "O Seminário livro 11", proferido em 1964, em que Lacan aborda os quatro conceitos fundamentais da psicanálise - o inconsciente, a pulsão, a transferência e a repetição -, estabelece-se um corte que já enuncia um segundo momento do seu ensino. Nesse seminário, Lacan vem apontar novas considerações sobre o inconsciente, atribuindo ao mesmo um caráter evasivo. O inconsciente escapa a alguma coisa, porém se consegue cercá-lo e capturá-lo em uma estrutura temporal (Lacan, 2008). Lacan discute a problemática do conceito e diz que o inconsciente é muito mais da ordem do evasivo e do inconsistente, do que se pensar que sua essência é ôntica, substancial, relacionada aos objetos do mundo, imanente ao ser ou à natureza do existente. Para Lacan, o inconsciente é ético e não ôntico, pois em algum lugar ele se mostra. Nos sonhos, nos lapsos, nas formações dos sintomas neuróticos, no transbordamento pulsional das psicoses, o inconsciente escapa ao sujeito e lhe revela sua verdade. A estrutura valorizada nesse contexto seria aquilo que confere um estatuto ao inconsciente, ou melhor, o que garante a existência sob o termo inconsciente de algo qualificável, acessível e objetivável (Lacan, 2008).

O sentido de escapar e de evadir atribuído ao inconsciente, e cuja captura é operada pela estrutura, pode nos revelar algo da ordem de que a estrutura não captura plenamente o inconsciente ou de que algo dele fica de fora? Ao conceituar o inconsciente, Lacan (2008) explica que no conceito sempre existe um furo, uma hiância, e que sua causa é algo da ordem do anticonceitual, do indefinido existindo no próprio conceito. No intervalo da causa há uma inconsistência do não querer dizer nada - por exemplo, dizer que as fases da lua são a causa das marés, ou os miasmas são a causa da febre -, "há um buraco, e algo que vem oscilar no intervalo. Em suma, só existe causa para o que manca" (Lacan, 2008, p. 29). Assim, o inconsciente se apresenta como o que tropeça (ce qui cloche), o que manca (Lacan, 2008). Para Miller (2003), Lacan toma um distanciamento do desejo de Freud, da visão levistraussiana do inconsciente sob a insígnia do simbólico cuja introdução na psicanálise, o próprio Lacan havia conduzido. Lacan (2008) nos apresenta um inconsciente enquanto pulsação temporal de abertura e de fechamento, que escapa e é capturado, e essa proposta é distinta da do inconsciente das regras de linguagem. No entanto, nesse contexto, o inconsciente é da ordem de uma suposição, sendo somente uma significação induzida pelo dispositivo em que a experiência analítica se desenrola,

(...) faz-se do inconsciente uma suposição que permite a produção de um certo número de significantes que se encontram ligados ao inconsciente. Essa produção de significantes permite isolar o resto do que não é significante, ao que Lacan chamou de objeto a (Miller, 2003, p. 9).

Ainda em "O Seminário livro 11", Lacan (2008), ao introduzir um novo discernimento sobre o conceito de repetição3, aponta uma via para se poder pensar a psicanálise orientada para o encontro com um real que escapole. O questionamento de Lacan (2008) é que, se a psicanálise se orienta para um encontro com o real, onde encontramos esse real? Através de dois termos aristotélicos, Lacan aborda a questão da repetição em duas vertentes: a do automaton e a de tiquê. Por automaton, o autor se refere ao retorno, a uma volta, a uma insistência automática da rede de significantes, através dos quais somos comandados pelo princípio do prazer. Coutinho Jorge (2005) comenta que até esse momento Lacan havia associado a repetição exclusivamente ao simbólico e que a partir de "O Seminário livro 11", com o termo automaton, ele vem representar a tentativa de trazer para o campo do significante alguma forma de ligação possível do real, um modo que seja capaz de assimilar o real traumático pelo simbólico.

Desse modo, com o termo tiquê, Lacan classifica outra vertente da repetição situada para além do automaton, naquilo que se vincula ao real e que está por trás do automatismo da rede de significantes (Lacan, 2008). Segundo Coutinho Jorge (2005), a tiquê se encontra em um ponto terminal do automaton, pois implica o encontro com o real, um encontro faltoso, que carece de significação e exclui o funcionamento automático do significante. De acordo com esse autor, ao abordar a repetição em duas vertentes - de automaton e de tiquê - Lacan considera uma articulação interna e indissociável entre o campo do simbólico e o do real, entre o inconsciente e a pulsão, situando no registro do simbólico, no campo da linguagem, o comparecimento de algo que constitui o núcleo do inconsciente: o real (Coutinho Jorge, 2005).

Como encontro faltoso, o real se apresenta na forma do traumatismo, do que é inassimilável e que impõe uma origem acidental, pois, por mais que o sistema consciente se desenvolva sob a regência do princípio da realidade, há algo que fica retido nas redes do princípio do prazer e que é da ordem do real (Lacan, 2008). Por isso é que o lugar do real é o lugar do trauma sobre o qual a fantasia tem a função de velar, como uma tela que dissimula o que é determinante na função da repetição. Lacan (2008) nos apresenta o real como o campo pulsional em si mesmo. O real como o campo pulsional está fora da representação, fora da condição de representante psíquico da pulsão e do sonho - enquanto passível de uma elaboração interpretativa:

O real pode ser representado pelo acidente, pelo barulhinho, a pouca-realidade, que testemunha que não estamos sonhando. Mas, por outro lado, essa realidade não é pouca, pois o que nos desperta é a outra realidade escondida por trás da falta do que tem lugar de representação - é o Trieb [pulsão] nos diz Freud (...) O real, é para além do sonho que temos que procurá-lo - no que o sonho revestiu, envelopou, nos escondeu, por trás da falta de representação, da qual lá só existe um lugar-tenente. Lá está o real que comanda, mais do que qualquer outra coisa, nossas atividades, e é a psicanálise que o designa para nós (Lacan, 2008, p. 64-65).

 

O último ensino de Lacan

O termo "último", atribuído ao ensino de Jacques Lacan, trata-se de uma expressão destacada por Miller (2003) para delimitar mais precisamente o período dos últimos dez anos da vida do psicanalista francês, o decorrer dos anos 1970. Para esse autor, esse período é caracterizado pelo que ele chamou de ex-sistência, termo que vem significar que algo, a saber, o último ensino de Lacan, sustenta-se "fora de", isto é, "fora do ensino de Lacan que não é o último" (Miller 2003, p. 6). Miller considera esse momento último como um corte que, contudo, não se vê, mas que se dilui em uma continuidade. Assim, esse autor afirma que há um corte nas teses de Lacan, de modo que elas se invertem sem que haja em seu ensino uma ruptura, sem uma solução de continuidade4, "sem que se possa perceber o que, de uma outra perspectiva, seria sua inconsistência" (Miller, 2003, p. 6). Como veremos, Lacan se servirá da figura dos nós, de enodamentos e enlaçamentos que, no entanto, tratava-se de um desenlaçamento:

Se quisermos individualizá-lo [o ensino de Lacan], se procurarmos construir a solução que ele representa em relação ao que foi enunciado antes, é o momento em que Lacan não tem outra saída senão desenlaçar-se de Freud, discretamente, considerando a maneira como ele o sugestionou, o condicionou a uma fidelidade a Freud, de quem ele se fez o aluno e o porta-voz. O que orienta, o que atrai o último ensino de Lacan é o desenlaçar-se de Freud, a quem ele enlaçara seu pensamento (Miller, 2003, p. 6).

Sendo assim, ao pretender falar de último ensino em Lacan, Miller (2003) considera que não se trata apenas de um momento a mais nos esquemas, que Lacan vem introduzir com os nós borromeanos, mas sim, as suas últimas formulações sobre inconsciente, na direção de construir, ou como Miller (2003) se expressa, de desenlaçar o inconsciente de Freud e propor um novo conceito, ou um novo modo de conceber o inconsciente.

O corte que individualiza o último ensino de Lacan coloca uma linha divisória entre o que havia antes, ou seja, o retorno a Freud, cuja empreitada Lacan direcionou ao convocar os analistas a uma releitura de Freud, a um resgate da virulência da subversão do sujeito que Freud provocou, considerando sua obra como guia obrigatório de acesso ao inconsciente, de cuja direção convém ao tratamento analítico: "É a noção de que o próprio Freud introduziu uma novidade radical, um corte em relação a tudo o que se pôde pensar, dizer e fazer" (Miller, 2003, p.8). O primeiro ensino de Lacan se tratou de um comentário de Freud, na consideração da ideia primordial de que não há uma suposta autonomia da consciência, mas uma autonomia do simbólico. Considerando a primazia do simbólico, Lacan se pôs a revisitar Freud sob o signo da Linguística, reanimado por Claude Lévi-Strauss, donde o aforismo lacaniano "o inconsciente é estruturado como uma linguagem" (Lacan, 2008, p. 27) balizou os seus dez primeiros seminários (Miller, 2003).

Do mesmo modo, conforme vai avançando em seu ensino, Lacan aponta novas considerações referentes à psicose. Se nos textos dos anos 1950 - "O Seminário livro 3: As Psicoses" (2008), "De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose" (1998c), e "O Seminário livro 5: As formações do inconsciente" (1999) - conferia uma importância ao Nome-do-Pai como o significante ordenador do simbólico que sustenta a realidade psíquica do sujeito, nos anos 1970, a partir de estudos de topologia, Lacan irá trazer contribuições importantes, apontando outros modos do sujeito sustentar sua realidade psíquica.

 

O nome do sinthoma: a psicose na clínica borromeana

Em "O Seminário livro 23: O Sinthoma" (2007), Lacan se serve da topologia do nó borromeano para traçar uma nova perspectiva em seu ensino com a chamada clínica do aparelho do sinthoma ou clínica borromeana. A palavra sinthoma (de sinthome) - remete à antiga forma de escrita francesa para a palavra symptôme, de origem grega (Lacan, 2007). Originário do brasão da família dos Borromeos no Século XV, o nó borromeano serviu como recurso topológico aos desenvolvimentos da matemática de Guilbaud. O nó enlaça três aros de cordas de barbante equivalentes, apresentando a característica de que o rompimento de um dos aros implica na liberação de todos os outros. Pode-se construir uma cadeia borromeana com mais de três nós, desde que se respeitem a característica descrita (Kaufman, 1996). Assim, Lacan utiliza três aros de barbante, nomeando cada um deles, respectivamente, como real, simbólico e imaginário (RSI), sendo a configuração do nó borromeano a representação estável do enlaçamento desses três registros. No entanto, nesse seminário, Lacan considera um erro pensar que o nó borromeano de três seja uma norma em relação aos três registros como

três funções que só existem uma para outra em seu exercício no ser que, ao fazer nó, julga ser homem. A perversão [perversion] não é definida porque o simbólico, o imaginário e o real estão rompidos, mas sim, porque eles já são distintos, de modo que é preciso supor um quarto [nó] que, nessa ocasião, é o sinthoma (Lacan, 2007, p. 20-21).

Lacan (2007, p. 21) afirma que "é preciso supor tetrádico o que faz o laço borromeano". Desse modo, pode-se compreender o que Lacan denomina de perversão, no sentido de ser somente uma père version do nó, "versão em direção ao pai", que no francês tem homofonia com perversion. Assim, Lacan refere-se à existência de não apenas o Nome-do-Pai, mas de uma pluralização dos nomes-do-pai, dos quais cada sujeito se serve para estabelecer o laço enigmático de RSI. "O pai é um sinthoma ou um sintoma, se quiserem" (p. 21), e sendo assim, o Nome-do-Pai vem a ser este quarto nó capaz de enlaçar os três registros: O real como registro do que Lacan (2007, p. 49) denominou de ex-sistência, ou seja, do que está fora a toda e qualquer significação; o simbólico, registro que faz furo no real, insistindo em uma significação; e o imaginário, registro que dá consistência à imagem corporal, conferindo uma identificação do sujeito com o corpo. Assim, Lacan (2007) faz equivaler o Nome-do-Pai ao estatuto de um dos nomes do sinthoma (NP ) (Figura 1).

 

 

Lacan recorre à topologia dos nós para ler e formalizar o que se passa com o escritor irlandês James Joyce (1882-1941). A arte de Joyce será aquilo que constitui o sinthoma, pois trata-se de uma suplência da firmeza fálica, ou seja, do fato de Joyce não ter se servido do Nome-do-Pai. Em sua lição de 17 de fevereiro de 1976, Lacan considerou que o sentido é algo que está situado no campo entre o imaginário e o simbólico. O sinthoma é um artifício com o qual se lança mão para reparar o erro da cadeia borromeana. Assim, se na ocorrência de um erro, o simbólico vier se soltar, o meio de reparação é o que se denomina como o sinthoma: "Trata-se, de alguma coisa que permite ao simbólico, ao imaginário e ao real continuarem juntos, ainda que, devido a dois erros, nenhum mais segure o outro" (Lacan, 2007, p. 91).

O sinthoma de Joyce, de acordo com Lacan, decorre do fato de seu pai ser radicalmente carente. Com isso, Lacan (2007) se refere não à carência de um pai real, mas à operação do que ele chamou de uma Verwerfung de fato no caso do escritor, que testemunha a demissão do Nome-do-Pai e, por isso, uma carência radical. Lacan (2007) aponta que a solução apresentada nesse caso é o que ele chamou de nome próprio, ao dizer que Joyce, ao se pretender um nome próprio, opera uma compensação da carência do Nome-do-Pai.

Por que não conceber o caso de Joyce nos termos seguintes? Seu desejo de ser um artista que fosse assunto de todo o mundo, do máximo de gente possível, em todo caso, não é exatamente a compensação do fato de que, digamos, seu pai jamais foi um pai para ele? Que não apenas nada lhe ensinou, como foi negligente em quase tudo, exceto em confiá-lo aos bons padres jesuítas, à Igreja diplomática? (...) Não há nisso alguma coisa como uma compensação dessa demissão paterna, dessa Verwerfung de fato, no fato de Joyce ter se sentido imperiosamente chamado? Essa é a palavra que resulta de um monte de coisas que ele escreveu. É a mola própria pela qual o nome próprio é, nele, alguma coisa estranha (Lacan, 2007, p. 86).

A arte de Joyce é seu nome próprio do sinthoma. E, sendo assim, se é o Nome-do-Pai o que nomeia e o que permite sustentar a realidade psíquica, na falta dele é preciso inventar, como Joyce o fez, um nome próprio, uma invenção sinthomática, singular artifício "que dá à arte da qual se é capaz um valor notável" (Lacan, 2007, p. 59). Lacan, de um modo jocoso, comenta que:

Como ele [Joyce] tinha o pau um pouco mole, se assim posso dizer, foi sua arte que supriu sua firmeza fálica. E é sempre assim. O falo é a conjunção do que chamei de esse parasita, ou seja, o pedacinho de pau em questão, com a função do falo. E é nisso que sua arte é o verdadeiro fiador de seu falo (Lacan, 2007, p. 16).

Segundo Soler (1998), Lacan reconhece na forma joyceana de escrever uma literatura que desordena o sentido. A arte de Joyce demonstra haver um paradoxo entre o que é a arte da literatura, que pressupõe uma articulação entre a letra e o sentido, e a arte da "riscadura" (Soler, 1998, p. 93) que Joyce empreende no decurso de sua obra. Assim, nesse escritos, o que se encontra é uma arte que deprecia o símbolo condensador de sentido, havendo mais arte da "riscadura" do que da literatura. Contudo, não se trata de uma escrita qualquer, mas de uma invenção, um trabalho progressivo (work in progress) com a letra que vai se afastando e desarticulando a língua inglesa, indo na contramão da significação, da via do sentido em direção ao não sentido, numa tentativa sempre frustrada de tocar o impossível (Bulcão, 2008).

Lacan diz que o equívoco constitui-se uma arma contra o sinthoma, do qual seria necessário tirar um proveito para poder liberar algo do sinthoma: "Com efeito, é univocamente pelo equívoco que a interpretação opera (...) é preciso que haja alguma coisa no significante que ressoe" (Lacan, 2007, p. 18). Se a interpretação analítica do sintoma pressupõe a existência de um significante recalcado, que no equívoco da fala do sujeito o faz emergir, Joyce utiliza o equívoco para fazer existir o inconsciente fora do campo da linguagem, do significante, do interpretável, ao subtrair a letra da cadeia de sentido, desconectando-a do inconsciente e fixando-a pelo gozo5 (Soler, 1998).

Segundo Soler (1998), a relação de Joyce com sua própria escrita aponta para a existência de uma aversão do escritor ao que é evidente, à metáfora produtora de sentido. Isso está circunscrito no que Joyce chamou de epifanias, referindo-se à técnica de tomar um objeto, uma cena ou uma frase e retirá-los do contexto habitual. As epifanias em Joyce se apresentam frequentemente em formas fragmentárias de diálogos, como instantes descontínuos, resíduos de palavras, de imagens, de cenas e de sonhos, ressonâncias e ecos. Frases anódinas que chamam a atenção mais por sua trivialidade, seu caráter enigmático e pelo sem sentido, do que por qualquer valor poético (Garcia, 1994). Por ter um caráter singular, um efeito de surpresa e de non-sense, as epifanias despertaram a atenção dos psicanalistas e teóricos através da abordagem feita por Lacan em "O Seminário livro 23". No início do "Retrato do artista quando jovem" temos um desses momentos de epifania, quando Stephen Dedalus - alter ego do escritor - disse que ia se casar com a pequena Eileen quando os dois crescessem:

Disse e se escondeu debaixo da mesa. Sua mãe ficou zangada:

- Stephen! Peça já desculpas.

Dante ameaçou:

- Ahn! Se não pedir, as águias virão arrancar-lhe os olhos.

Arranca os olhos desse freguês!

Então você diz isso outra vez?

Ah! Você vai dizer outra vez?

Arranca os olhos desse freguês!

Então você diz isso outra vez?

Arranca os olhos desse freguês!

Arranca os olhos desse freguês!

Ah! Ele não diz mais outra vez!

(Joyce, 1916/1987, p. 22).

Sobre as epifanias, Soler (1998) comenta que a escrita de Joyce se trata claramente de uma "técnica que vai do dois, o dois necessário na escrita mínima para definir um contexto - ou seja, S1-S2 - até o só um isolado. Joyce para construir suas epifanias rompe o contexto de sentido e extrai esse objeto, isolando-o como S1" (Soler, 1998, p. 97). É a partir desses indícios que Lacan pôde pensar em Joyce como um paradigma de uma psicose que se pode dizer sinthomática, remetendo-se a uma invenção diferente daquela da psicose clássica da foraclusão do Nome-do-Pai, de seu correlato clínico de eclosão de fenômenos elementares e metáfora delirante, abordada por Lacan nos anos 1950 e discutida anteriormente. A epifania joyceana, diferente de um desencadeamento psicótico clássico, vem constituir uma experiência que não chega a habitar o ser com um sentido metafórico ou um delírio, mas, como considera Harari (2002), trata-se de fazer letra, um significante sem significação e que se coloca como o real. Se, por um lado, esse isolamento de S1 possui uma aproximação com os fenômenos elementares, no que se refere à quebra da cadeia significante ocorrida na psicose, ficando os significantes soltos no real, desencadeados (Soler, 1998), por outro, apesar desse rompimento, Joyce não apresentou um desencadeamento psicótico, mantendo-se estável durante toda a sua vida. Isso vem a ser um questionamento feito por Lacan (2007) sobre em que se pode reconhecer a loucura de Joyce.

Rosa (2011) comenta que os significantes em cadeia podem ter uma função de significantes civilizadores do sujeito, mas que também podem se soltar e se extrair do sistema significante, transformando-se em insígnias que ficam sozinhas, pulverizadas, desencadeadas, operando fora da cadeia simbólica, dita civilizatória, em sua função de representação do sujeito e de comunicação lógica. Isolados, os significantes operam enquanto letra, isto é, como um suporte, uma matéria vazia, um significante que não significa nada. Desse modo, poderemos ter um funcionamento do sujeito em duas vertentes: a vertente do sentido, isto é, do significante no seu agrupamento linear da cadeia S1 S2, ou a vertente da letra: S1/ /S2, ou seja, da quebra da cadeia, da pluralidade de insígnias ou de um funcionamento constelar, contrário à linearidade significante (Rosa, 2011). Lacan (2007) vem propor essa segunda vertente, ao dizer que o S1 pode nada conter, referindo-se ao fato dele não suportar uma significação caso esteja isolado, como um saco vazio: "Daí nossa inscrição S1, cuja leitura especifico como S índice 1. Ela não constitui o um, mas o indica como podendo nada conter, como podendo ser um saco vazio" (Lacan, 2007, p. 19).

Anos antes, em "O Seminário livro 20: Mais ainda", Lacan (1985), com o termo lalíngua, propõe outro aparelho conceitual. Se o seu ponto de partida foi a linguagem como comunicação endereçada ao Outro, Laca põe em questão o conceito de linguagem que passa a ser considerado como derivado e não originário em relação ao que ele propõe com o termo lalíngua. É o que Miller (2012b) desenvolve no curso "Os seis paradigmas do gozo", considerando lalíngua como o sexto paradigma. A linguagem secundária e, portanto, derivada de lalíngua. Esta antecede à linguagem, por constituir a fala antes de seu ordenamento gramatical e lexicográfico, uma fala separada da comunicação, disjunta da estrutura de linguagem, que opera enquanto gozo. Se o gozo era secundário em relação à estrutura e ao significante, tidos como dados primários, com lalíngua o gozo ganha um estatuto primário de articulação com a mesma. Nesse caso,

avança-se até que o antigo conceito da fala como comunicação e também o conceito do grande Outro, o Nome-do-Pai, o símbolo fálico se desmoronem como semblantes. Todos esses termos acabam por ser reduzidos a uma função de grampo entre elementos fundamentalmente disjuntos (Miller, 2012b, p. 38-39).

O Nome-do-Pai, na condição de um grampo que une os elementos disjuntos vai no sentido do que Lacan (2007) propôs como o sinthoma. Sendo assim, Joyce operaria com sua escrita, em seu estatuto de lalíngua, a função de grampear algo que estaria originariamente solto.

Outro ponto importante que chamou a atenção de Lacan (2007) é o modo desinteressado com que Joyce trata seu próprio corpo. Refere-se ao episódio da surra no "Retrato do artista quando jovem" em que Stephen, encurralado pelos colegas, recebe nas pernas os golpes da bengala de Heron. Debatendo-se com pontapés sob as bengaladas e as chicotadas de uma tira de palha encontrada na sargeta, Stephen é arremessado em uma cerca de arame farpado. Por fim, depois de se debater furiosamente e em meio aos escarnecimentos dos algozes, conseguiu se desvencilhar e, "meio cego pelas lágrimas, tropeçava, segurando os punhos atordoado pela dor e soluçando" (Joyce, 1916/1987, p. 90-91). Depois, enquanto as cenas da surra ainda lhe passavam pela memória, "perguntava a si mesmo por que não continuava com ódio, agora, desses que o haviam atormentado". Embora não se esquecesse da covardia e crueldade, a recordação da cena não lhe causava mais nenhuma raiva:

Todas as descrições de amor feroz e de ódio que tinha encontrado nos livros pareciam-lhe doravante inventadas. Mesmo aquela noite em que voltara para casa cambaleando pela estrada (...) tinha sentido que certa força o houvera despojado dessa súbita onda de raiva tão facilmente como um fruto é despojado de sua mole casca madura [grifo nosso] (Joyce, 1916/1987, p. 91).

É a partir desse fato que se considera haver, no caso do escritor, uma disjunção do eu imaginário que suporta o corpo como imagem, um estranhamento entre o eu e o corpo. Segundo Lacan (2007), o fato de em Joyce não ocorrer o interesse pela imagem de seu corpo - um corpo caído ou largado - o ego do escritor tem uma função particular. Em termos borromeanos, existe uma falha no enlaçamento do imaginário com o simbólico e o real (Figura 2). Contudo, longe de ser o Nome-do-Pai, a escrita de Joyce é a função do ego que opera um remendo no lugar da falha, unindo o imaginário que estava desprendido. Seu ego veio corrigir a relação que falta, aquilo que "no caso de Joyce, não enoda borromeanamente o imaginário ao que faz cadeia com o real e o inconsciente. Por esse artifício de escrita, recompõe-se, por assim dizer, o nó borromeano" (Lacan, 2007, p. 148).

 

 

Embora o ego de Joyce enlace real e simbólico, impedindo que o imaginário se solte, ele é, contudo, um remendo malfeito, pois conserva o traço desta falha, que repercute em sua escrita desarticulada de sentido. Assim, há em Joyce uma saída, não pelo desencadeamento clássico da psicose, mas pela arte que cumpre a função de suplência do desenodamento do imaginário, uma solução joyceana (Brodysky, 2007).

 

A psicose ordinária

Segundo Grostein (2010), o termo psicose ordinária tem sido frequentemente usado como parâmetro contemporâneo de diagnóstico diferencial entre a neurose e a psicose. A psicose ordinária assim é designada por possuir um caráter discreto, contrapondo-se à psicose clássica. Contudo, é preciso ressaltar que esse diagnóstico está circunscrito num contexto de discussões de casos clínicos da Associação Mundial de Psicanálise do Campo Freudiano, consistindo em uma denominação desenvolvida na década de 1990, durante os debates ocorridos nas conversações clínicas francesas.

Na conversação de Angers em 1996, colocou-se em discussão casos clínicos surpreendentes que eram distintos da sintomatologia clássica das psicoses. Isso levou à realização de uma segunda conversação no ano seguinte, em Arcachon (١٩٩٧), onde se colocou em questão a clínica estrutural na forma descontinuísta com que ela se apresenta, com campos bem delimitados de diagnóstico da psicose e da neurose, diante de casos raros ou de difícil classificação que emergem na clínica contemporânea (Zucchi & Coelho dos Santos, 2007). Essas discussões partiram do pressuposto de que se tem constatado na clínica a existência de sujeitos que apresentam funcionamento psíquico e comportamento psicóticos, mas que não ocorrem nesses casos manifestações sintomáticas características da psicose clássica, como a presença de delírios e alucinações (Campos, Gonçalves & Amaral, 2008).

No entanto, a adjetivação "ordinária" da psicose foi cunhada por Jacques-Alain Miller (2012a) na terceira dessas conversações, a convenção de Antibes, em 1998, em resposta aos desdobramentos desenvolvidos nos debates clínicos dos anos anteriores, considerando que a questão não se referia à surpresa dos casos, no sentido de uma raridade que fugiria aos paradigmas da clínica do diagnóstico estrutural, mas que, ao contrário, tratava-se de casos frequentes e, por isso, ordinários, comuns.

Ao falar de psicose ordinária, Miller (2012a) se refere ao fato de a psicose não se mostrar evidente, ou seja, quando ela não parece ser uma neurose, nem houve um desencadeamento psicótico clássico. Esse autor salienta que, embora não se refira a uma categoria estabelecida por Lacan, a psicose ordinária é uma categoria que nasce dentro da clínica de orientação lacaniana, fundamentada no último ensino de Lacan (Brodsky, 2011), servindo-se dela no intuito de se esquivar à rigidez de uma clínica binária entre neurose ou psicose. Contudo, o próprio Miller (2009a) adverte que a psicose ordinária vem a ser algo como um diagnóstico de transição, não uma categoria objetiva, mas "uma categoria epistêmica" (p. 42), que não exime o clínico de localizar o caso em uma categoria da psiquiatria clássica, mas que "deve ser redutível a uma forma clássica de psicose ou a uma forma original de psicose" (Miller, 2009a, p. 49).

É nesse contexto que se pode falar de novos sintomas, nos quais há uma evolução de patologias que se encontram à mercê das mudanças do Outro, ou seja, daquilo que pode ser chamado de declínio do Nome-do-Pai, abrindo caminho para uma pluralização de modos inéditos, dos quais o sujeito se serve para dar sentido à sua experiência subjetiva (Castanet & Georges, 2012; Laurent, 2007).

Grostein (2010) comenta que há uma duplicidade no termo psicose ordinária, tanto no fato de ser psicose, ou seja, de que o Nome-do-Pai está estruturalmente foracluído, quanto no seu caráter ordinário, isto é, que nesse caso a psicose não está desencadeada, não apresentando uma sintomatologia clássica - extraordinária - de fenômenos elementares. Miller (2012a) comenta esse fato, dizendo que

na história da psicanálise houve um interesse muito natural pelas psicoses extraordinárias, por gente que realmente lograva um êxito ressonante (...) enquanto que aqui temos psicóticos mais modestos, que reservam surpresas, mas que podem fundir-se numa certa média: a psicose compensada, a psicose suplementada, a psicose não desencadeada, a psicose medicada, a psicose em terapia, a psicose em análise, a psicose que evolui, a psicose sinthomatizada - se me permitem. A psicose joyceana é discreta, à diferença da obra de Joyce (Miller, 2012a, p.242).

Assim, é a partir de Joyce como um paradigma dos novos arranjos sinthomáticos que podemos pensar as manifestações contemporâneas da psicose, no sentido do que foi proposto nas conversações clínicas dos anos 1990. Na Convenção de Antibes foi apontado que a valorização do significante isolado e desarticulado da cadeia - o significante no real - permite abrir caminho para considerar o que eles chamaram à época, de neopsicoses. Nesses casos, o tratamento do gozo não se faz através de uma reconstrução da cadeia (S1 - S2) ou pela metáfora delirante, mas por um tratamento a partir da letra, ou seja, do significante que, no entanto, não significa nada (Borie, Rabanel & Viret, 2012).

Para Grostein (2010) o último ensino de Lacan se constitui como o ensino da psicanálise sem o Nome-do-Pai, enquanto significante organizador da entrada do sujeito no simbólico. E a psicose ordinária vem surgir nesse contexto teórico. Quais as consequências de uma clínica sem o Nome-do-Pai? Na falta do Nome-do-Pai, há lalíngua, o corporal, a imagem, os acontecimentos de corpo que o destroem, e o sentido que aparece desenlaçado do real. A psicose ordinária nos convoca a pensar na forma como cada sujeito precisa inventar uma solução singular que permita compensar a falta na própria estrutura sem apelar para o Nome-do-Pai e para o Outro que não existe, de modo que se permita manter unidos os três registros RSI (Grostein, 2010).

 

O inconsciente desarticulado do sentido

Lacan (2007) nos mostrou que na escrita sinthomática de Joyce não incide a cadeia significante do inconsciente produtor de sentido, uma vez que o imaginário aparece desenlaçado do inconsciente e do real (p. 148). A escrita joyceana preenche, assim, uma função de sinthoma, em que o escritor atinge com sua obra a um gozo da letra e, aprimorando o sinthoma, faz existir o inconsciente fora do sentido, desconectado do Outro e dos efeitos de comunicação (Soler, 1998). Desse modo, o simbólico deixa de ser o registro proeminente, frente ao registro do real que predomina no último ensino de Lacan. A abordagem do inconsciente estruturado como linguagem abre espaço para outra perspectiva do inconsciente, que Lacan aponta como real.

A noção de "inconsciente real" deriva de uma formulação en passant de Lacan feita em 1976, ao escrever o "Prefácio à edição inglesa do Seminário 11" por ele proferido doze anos antes. Em uma passagem desse prefácio o autor diz que o inconsciente é um lugar onde não existe sentido:

Quando (...) o espaço de um lapso [grifo nosso] não tem nenhum impacto de sentido (ou interpretação), só então temos certeza de estar no inconsciente (...) Notemos que a psicanálise, desde que ex-siste, mudou. Inventada por um solitário, teorizador incontestável do inconsciente (que só é o que se crê - digo: o inconsciente, seja, o real - caso se acredite em mim), ela é agora praticada aos pares (Lacan, 2003b, p. 567).

Miller (2009b) desenvolve a noção de "inconsciente real" em seus Cursos de Orientação Lacaniana, comentando que Lacan escreveu o texto do prefácio imediatamente após ter ministrado "O Seminário livro 23: O Sinthoma (1975-1976)". Esse fato aponta uma relação muito estreita com a temática que Lacan desenvolvera nesse seminário e o que em seguida escreveu no prefácio sobre o inconsciente fora de sentido, real. Assim, Miller (2009b) aponta para a existência de uma disjunção entre o inconsciente e a interpretação, ou seja, entre o inconsciente e o sentido, cujas funções se excluem no supracitado escrito de Lacan, uma vez que faz vacilar a articulação do inconsciente na palavra, com a produção de sentido. Aqui, encontramos Lacan (2003b) dizendo que o espaço de um lapso - até então, tido como uma formação do inconsciente -, já não tem nenhum impacto de interpretação, "S1 nada representa, ele não é um significante representativo", o que põe em questão "o que é para nós o princípio mesmo da operação psicanalítica, uma vez que a psicanálise tem seu ponto de partida no estabelecimento mínimo, S1-S2" (Miller, 2009b, p. 13) da linguagem. Contudo, o "inconsciente real" não se contrapõe ao inconsciente estruturado como uma linguagem, mas enuncia os limites da interpretação no transcurso de uma análise, fazendo vacilar o sentido, restando algo do sintoma que escapa a uma interpretação, mas que comporta o que é da ordem de um gozo não significantizável. Assim, não é de se surpreender com a afirmação de Lacan de que Joyce com sua letra vai "direto ao melhor que se pode esperar de uma psicanálise em seu término" (Lacan, 2003a, p. 15).

 

Considerações finais

Como vimos, Lacan em seu primeiro ensino confere ao inconsciente o estatuto de estruturado como uma linguagem. Sob a insígnia do significante, da metáfora e da metonímia, o inconsciente produz sentido, é sujeito à interpretação analítica, sendo o sintoma uma metáfora a ser decifrada. Dentro desse contexto, o Nome-do-Pai é o significante primaz e ordenador da entrada do sujeito na linguagem, no campo simbólico. Contudo, a sua não inscrição no inconsciente, no campo do Outro - característica do mecanismo da foraclusão do Nome-do-Pai -, é um acidente que estrutura o sujeito psicótico.

Em "O Seminário livro 11", o inconsciente se coloca como da ordem do evasivo, do tropeço e da hiância. Fugindo a alguma coisa, contudo, consegue-se cercá-lo e capturá-lo em uma estrutura temporal. A estrutura é o que confere um estatuto de existência qualificável, acessível e objetivável ao inconsciente. Mas a estrutura não captura plenamente o inconsciente, ficando de fora algo do mesmo. Com o termo tiquê, estabelece-se aquilo que está por trás da linguagem, do automatismo (automaton) da rede de significantes, e que se vincula ao real, ao traumatismo que implica o encontro com o real, encontro faltoso que carece de significação e exclui o funcionamento automático dos significantes.

Com a teoria do sinthoma Lacan aponta um outro caminho para pensar a psicose, não em termos de déficit do Nome-do-Pai, mas como modos borromeanos de amarração. Assim, o sinthoma é algo de singular do sujeito, do qual ele lança mão para manter unidos os registros RSI de sua realidade psíquica. A escrita de Joyce é o paradigma de uma saída sinthomática à foraclusão do Nome-do-Pai. Uma escrita desarticulada que põe em questão o estatuto do inconsciente como produtor de sentido. Ao contrário do sentido, a escrita joyceana ocasiona a quebra da série significante S1 - S2, isolando o significante no real, enquanto letra, sem metáfora, sem significação.

O fato de Joyce ter se mantido estável em toda sua vida aponta um paradigma que esse escritor representa para a denominada psicose ordinária, uma psicose em que não houve um desencadeamento clássico, conseguindo o sujeito se manter compensado através de amarrações singulares. Essas formas de amarrações na psicose ordinária nos mostram a necessidade de estudos clínicos na área, tendo em vista que nem sempre é a arte e a sofisticação da escrita que prevalecem, mas modos de tratamento de gozo, às vezes mortíferos, como é o caso das toxicomanias, dos acontecimentos de corpo, entre outros, em que os sintomas servem como tampões para a falha original da estrutura, prescindindo da palavra e do Outro na construção de uma significação possível dos mesmos.

As mudanças no mundo contemporâneo poderiam contribuir para o surgimento de psicopatologias contemporâneas que se complexificam em relação às estruturas clínicas bem definidas e centralizadas na ausência/presença do Nome-do-Pai cada vez mais em declínio, concomitante em relação ao declínio dos ideais na contemporaneidade? Esse ponto poderia ser outro eixo norteador de pesquisas posteriores que lançariam luz sobre o assunto.

Desse modo, perguntamos se a psicose ordinária aponta para a existência de outro estatuto do inconsciente diferente da proposição lacaniana do inconsciente estruturado como linguagem. A partir deste estudo, consideramos que, no último ensino de Lacan, a clínica das psicoses ordinárias aponta para outro estatuto do inconsciente, considerado por Miller, a partir de sua leitura, como o inconsciente real. Nesse contexto, o simbólico perde sua primazia e o registro do real ganha um lugar proeminente, restando fora da cadeia significante, e cujo tratamento de gozo pelo sinthoma é dado, não pela construção delirante da metáfora, mas pela letra, significante no real que, por estar extraído (S1/ /S2) da cadeia possível de significação, apresenta soluções subjetivas singulares.

Assim, considera-se a psicose ordinária uma clínica do detalhe. Pois, sendo da ordem de uma singularidade, ela nos aponta para a relação do sujeito com o real traumático, cuja invenção pelo sinthoma abole a representação significante, privilegiando a letra e o saber-fazer com lalíngua, como uma saída possível da qual o sujeito se serve para tratar esse real. A incidência do inconsciente real nas chamadas psicoses ordinárias e os seus efeitos junto às modalidades borromeanas de amarração dos registros RSI, poderão ser pontos norteadores de investigações teóricas e clínicas posteriores.

 

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Endereço para correspondência:
Éverton Fernandes Cordeiro
Rua do Mel, 77, Santa Branca
Belo Horizonte, MG, CEP: 31540-060.
E-mail: evertonf.cordeiro84@gmail.com

Patrícia Fátima Mendes Guedes
R. Rubi, 63, Bairro Bom Jesus
Coronel Fabriciano, MG, CEP: 35171-112.
E-mail: patríciaguedes7@bol.com.br

Recebido em: 01/06/2012
Revisado em: 05/09/2013
Aceito em: 29/09/2014

 

 

1 Lacan, no texto "A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud" (1998b), faz uma aproximação do significante e conceito de letra, sendo esta última um "suporte material que o discurso concreto toma emprestado da linguagem" (Lacan, 1998b, p.498).
2 Segundo considera Gaëtan Gatian De Clérambault (1872-1934), mestre de Lacan em psiquiatria: "Por automatismo mental entendo os fenômenos clássicos: pensamento precedido, enunciação de atos, impulsões verbais, tendência aos fenômenos psicomotores (...) Creio, com frequência, ao isolar o grupo de fenômenos mencionados acima, ter inovado alguns aspectos ao afirmar: 1) seu caráter essencialmente neutro (pelo menos no início); 2) seu caráter não-sensorial; 3) seu papel inicial no princípio da psicose" (Clérambault, s/d citado por Quinet, 2009a, p. 73).
3 A repetição marca a tendência a retornar sempre ao mesmo lugar. Freud desenvolveu esse conceito, mais precisamente no texto de 1920 Além do princípio do prazer, sendo "levado a formular a hipótese de uma lógica diversa daquela do princípio de prazer, na medida em que este já não era capaz de explicar certos fenômenos da repetição. Por que certas pessoas são compelidas a repetir infinitamente certos atos, certas cenas extremamente dolorosas, se tais repetições não lhes proporcionam prazer?" (Kaufmann, P., 1996, p. 449). Assim, a compulsão à repetição "torna sensível esse lugar do sujeito como efeito dos significantes, pois, diante dessa Zwang (compulsão) que o obriga a repetir, o indivíduo reencontra sua impotência, seu domínio vacilante" (p.448).
4 Referência à faixa de Möebios, onde se permite passar de um lado para o seu avesso em continuidade. Solução que, tal como aborda Miller (2003) tem na sua etimologia latina solvere o significado de uma ação de desenlaçar, contrário ao seu sentido figurado, usado correntemente para referir-se à resolução, ou introduzir um resultado.
5 "O gozo (jouissance) pode ser apreendido como um equivalente lacaniano da 'satisfação pulsional' postulada por Freud, englobando, ao mesmo tempo, prazer e sofrimento (que, na elaboração freudiana, se dividiam entre os distintos alvos da pulsão de vida e pulsão de morte). É preciso reconhecer, contudo, que se a introdução da noção de gozo por Lacan por um lado produz a unificação dos alvos pulsionais anteriormente divididos ou dispersos, inaugurando assim uma nova leitura dos textos freudianos, por outro não procura eliminar o caráter conflitante, antinômico, envolvido na própria satisfação da pulsão" (Mandil, 2003, p. 46).

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