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Revista Subjetividades

versão impressa ISSN 2359-0769versão On-line ISSN 2359-0777

Rev. Subj. vol.14 no.3 Fortaleza dez. 2014

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Sujeito, subjetividade e "ciência" em Freud e Lacan: algumas considerações teóricas prévias a uma intercessão-pesquisa no campo da saúde mental coletiva1

 

Subject, subjectivity and "science" in Freud and Lacan: some prior theoretical considerations to an intercession-research in the field of collective mental health

 

Sujeto, subjetividad y "ciéncia" de Freud y Lacan: algunas consideraciones teóricas previas en el área de la salud mental colectiva una intercesión-investigación

 

Sujet, subjectivité et «science» chez Freud et Lacan: quelques considérations théoriques précédentes à une intercession-recherche dans le champ de la santé collective

 

 

Waldir PéricoI; Abílio da Costa-RosaII

IGraduado em Psicologia pela UNESP - Campus de Assis, Aprimoramento Profissional em Saúde Mental e Saúde Pública pela Secretaria de Estado da Saúde do Estado de São Paulo, Mestre em Psicologia pela UNESP - Campus de Assis, Membro do "Laboratório Transdiciplinar de Intercessão-Pesquisa em Processos de Subjetivação e 'Subjetividadessaúde'" (UNESP - Campus de Assis) e Psicólogo da Secretaria de Saúde da Prefeitura Municipal de Presidente Prudente (SP)
IIProfessor Livre-Docente do departamento de Psicologia Clínica da UNESP - Campus de Assis, Psicanalista e Analista Institucional, Coordenador do "Laboratório Transdiciplinar de Intercessão-Pesquisa em Processos de Subjetivação e 'Subjetividadessaúde'" (UNESP - Campus de Assis)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Tendo a psicanálise de Freud e Lacan como referência, buscamos tecer considerações teóricas prévias a uma Intercessão-Pesquisa no contexto da Saúde Mental Coletiva. Para tal, esboçamos as teorizações de sujeito e subjetividade, bem como a visão de "ciência" e de produção de saber que se faz possível a partir destes conceitos. A psicanálise elucida um sujeito além do eu, na medida em que a fala deflagra o furo no discurso. Sujeito este que, por não se esgotar em um significante, sempre emerge do movimento simbólico ao ser representado por um significante para outros significantes. É por ser produzido a partir da cascata de significantes, como enxame de sentido, estando esta em constante movimento, que enunciamos a hipótese do processamento subjetivo. Falamos de subjetividade ativa, que não cessa de produzir novos significantes: produção de sentidos novos a partir dos efeitos-sujeito. Com a psicanálise, vemos uma revolução paradigmática no campo epistemológico, que coloca em relevo a produção subjetiva sempre pela via do sujeito. Possibilita uma práxis que se coloca em condição de tratar o Real pelo Simbólico; tratamento sempre parcial, uma vez que o Simbólico não tem o último significante capaz de dizer por completo o Real do sujeito. De tal modo, é a partir da perspectiva da castração simbólica que se pode conceber o que podemos denominar um campo "científico" psicanalítico: uma "ciência" não-toda. No Dispositivo Intercessor, a produção do saber na práxis está inevitavelmente atrelada a um saber-se por parte do sujeito, capaz de operar equacionamentos nos impasses de subjetivação vivenciados. Quanto ao saber da pesquisa, esse é produzido a posteriori e corresponde a uma reflexão de estatuto epistemológico sobre o processo de produção do saber na práxis clínica.

Palavras-chave: sujeito; subjetividade; modos de subjetivação; paradigma científico; psicanálise.


ABSTRACT

Taking psychoanalysis of Freud and Lacan as a reference, we seek to weave previous theoretical considerations of an Intercession-Research in the Collective Mental Health context. To this end, we outlined the theories of subject and subjectivity, as well as the vision of "science" and knowledge production that is made possible from these concepts. Psychoanalysis elucidates a subject beyond I (Ego/Moi), as the speech deflagrates the hole in the speech. A subject that is not limited to a signifier, but it emerges from the symbolic movement to be represented by a signifier to other signifiers. This is because it is produced from the cascade of signifiers, like a swarm of meaning and it is in constant motion, the reasons enunciated the hypothesis of subjective processing. We speak about active subjectivity, which continues to produce new signifiers: production of new meanings from the subject-effects. We see, with psychoanalysis, a paradigmatic revolution in the epistemological field, while laying emphasis on the subjective production always via the subject. It enables a praxis which is placed in the condition of treating the Real by the Symbolic; an only partial treatment since the Symbolic does not have the last signifier able to fully tell the Real of the subject. In this way, it is from the perspective of the symbolic castration that is conceivable what we may call a psychoanalytic "scientific" field: a no-whole "science". The production of knowledge on the praxis, in the Intercessor Device, is inevitably tied to a subject's knowledge of himself, who is capable of operating equations in the impasses of the experienced subjectivity. Regarding to the knowledge of the research, it is produced a posteriori, and corresponds to a reflection on the epistemological status about the process of production of knowledge on the clinical praxis.

Keywords: subject; subjectivity; modes of subjectification; scientific paradigm; psychoanalysis.


RESUMEN

A partir de la referencia del psicoanálisis de Freud y Lacan intentamos tejer consideraciones teóricas previas a una intercesión- investigación en el contexto de la Salud Mental Colectiva. Para ello, esbozamos las teorizaciones del sujeto y la subjetividad así como la visión de "ciencia" y de la producción de saber qué se hace posible a partir de estos conceptos. El psicoanálisis elucida un sujeto más allá del yo en la medida que la habla deflagra el agujero del discurso. Un sujeto que no se agota en un significante, pero emerge del movimiento simbólico al ser representado por un significante para otros significantes. Por ser producido desde la cascada de significantes como enjambre de sentido, estando la misma en constante movimiento, que enunciamos la hipótesis del procesamiento subjetivo. Hablamos de la subjetividad activa que no termina de producir nuevos significantes: producción de nuevos sentidos desde los efectos-sujeto. Con el psicoanálisis vemos una revolución paradigmática en el campo epistemológico que pone en relieve la producción subjetiva siempre por la vía del sujeto. Posibilita una praxis que se pone en condición de tratar el Real por el Simbólico; tratamiento siempre parcial ya que el Simbólico no tiene el último significante capaz de decir por completo el Real del sujeto. De tal manera, es desde la perspectiva de la castración simbólica que se puede concebir lo que podemos denominar de campo "científico" psicoanalítico: una "ciencia" no-toda. En el Dispositivo Intercesor la producción del saber en la praxis está inevitablemente unida a un saberse de parte del sujeto, capaz de administrar ecuacionamientos en los impedimentos de subjetivación vivenciados. Respecto al saber de la investigación, ese es producido a posteriori, y corresponde a una reflexión de estatuto epistemológico del proceso de producción del saber en la praxis clínica.

Palavras claves: sujeto; subjetividad; modos de subjetivación; paradigma científico; psicanálisis.


RÉSUMÉ

Ayant la psychanalyse de Freud et Lacan comme référence, on cherche produire des considérations théoriques précédentes à une Intercession-Recherche de la Santé Mentale Collective. Ainsi, on ébauche les théorisations du sujet et de la subjectivité, aussi que la vision de «science» et de production du savoir qui se rend possible à partir de ces concepts. La psychanalyse élucide un sujet au-delà du je, autant que la parole incite le trou dans le discours. Un sujet qui ne s'épuise pas en un signifiant, mais émerge du mouvement symbolique. C'est pour être produit à partir de la cascade de signifiants, comme essaim de sens, étant en constant mouvement, que l'on énonce l'hypothèse du processus subjective. On parle de la subjectivité active, que ne cesse pas de produire nouveaux signifiants: production de sens nouveaux à partir des effets-sujets. Comme révolution paradigmatique, la psychanalyse produit une révolution paradigmatique dans le champ épistémologique, ce qui met en relief la production subjecteve toujours à travers le sujet. Cela rendre possible une práxis que se met en condition de traiter le Réel par le Symbolique; traitement toujours partial, une fois que le Symbolique n'a pas le dernier signifiant capable de dire par complet le Réel du sujet. De tel façon, c'est à partir de la perspective de la castration symbolique que l'on peut concevoir ce que l'on appelle un champ «scientifique» psychanalytique: une « science» pas entière. Dans le Dispositif Intercesseur la production du savoir dans la práxis est inévitablement liée à un se savoir du sujet, capable d'opérer équations dans les impasses de subjectivisme vécus. Quant au savoir de la recherche, il est produit a posteriori, et correspond à une réflexion de statut épistémologique à propos du processus de production du savoir dans la práxis clinique.

Mots-clés: sujet; subjectivité; moyens de rendre subjectif; paradigme scientifique; psychanalyse.


 

 

Com Freud faz irrupção uma nova perspectiva que revoluciona o estudo da subjetividade e que mostra justamente que o sujeito não se confunde com o indivíduo. (Lacan, 1954-55/1985, p. 16)

Em se tratando do Homem só há produtores de conhecimento, portanto, não pode haver conhecimento do outro como objeto que não seja colonização aviltante. (Costa-Rosa, 2013, p. 123)

Se existe uma contribuição da psicanálise para a clínica da Saúde Mental Coletiva (SMC), como previa o próprio Freud (1919/1996c), esta já vem se configurando, mesmo que timidamente, nas últimas quatro décadas no contexto das propostas substitutivas ao que se convencionou chamar de Paradigma Psiquiátrico Hospitalocêntrico Medicalizador (PPHM). É a partir da psicanálise de Freud, revigorada e potencializada pela ótica de Lacan, que podemos vislumbrar uma clínica que tem em seu horizonte a produção de subjetividade singularizada e, consequentemente, os efetivos equacionamentos dos sintomas e demais impasses psíquicos que se apresentam nas instituições de tratamento. Partimos da perspectiva de que a psicanálise, a despeito de não ser o único, apresenta-se como o principal referencial teórico-técnico e ético-político para uma clínica dos processos de subjetivação na SMC.

Seguindo a proposta de Costa-Rosa (2008a; 2012b; 2013), utilizamos a concepção de "intercessor encarnado" para fazer referência ao trabalhador necessário ao horizonte ético-singularizante do Paradigma Psicossocial (PPS), paradigma que desponta dialética e rigorosamente alternativo ao seu antípoda: o PPHM2. Lançamos mão do conceito de "intercessão", pinçado da filosofia de Deleuze (1992), e o relemos principalmente - mas não somente - a partir da psicanálise, com a intenção de maximizarmos sua potência em termos de disposto de produção de subjetividade singularizada junto aos "sujeitos do sofrimento" e aos coletivos de trabalho institucional. Partindo dessa perspectiva, definimos as "intercessões" como sendo ações operadas por um trabalhador, qualquer que seja sua categoria profissional, posicionado a partir da ética psicossocial, definida por Costa-Rosa (2013) com base nas éticas psicanalítica e marxista: perspectiva que tem no horizonte a singular[iz]ação do sujeito, considerando, para tal, a produção de sujeito e de subjetividade enquanto "processamento subjetivo", passando, necessariamente, pela implicação subjetiva (Lacan, 1959-60/2008a) e sociocultural (Costa-Rosa, 2000; 2012b; 2013). Esse trabalhador "de um novo tipo", cujos referenciais teórico-técnicos superaram a relação sujeito-objeto, Costa-Rosa (2013) convencionou chamar de "trabalhador-intercessor". Trabalhador que, ao encarnar posições intercessoras de objeto a, "faz descaridade" (Lacan, 2003b, p. 518).

O Dispositivo Intercessor, como Intercessão-Pesquisa, é definido em dois momentos específicos: a Intercessão (Dispositivo Intercessor como Modo de Produção de subjetividade singularizada - DImpss), que "visa" à produção de subjetividade singular "protagonizada" pelo indivíduo e pelo sujeito3; e a Pesquisa (Dispositivo Intercessor como Modo de Produção do "conhecimento" - DImpc) que visa, a posteriori, produzir o saber sobre o processo de produção do saber na práxis. A Intercessão, como DImpss, é possível e necessária em dois planos: no campo da [ampliação da] "psicanálise em intensão" junto aos "sujeitos do tratamento" psíquico; e no plano da "psicanálise em extensão" nos coletivos de trabalho das instituições (trabalho em equipe). Estes dois momentos bastante delimitados do Dispositivo são inspirados no horizonte ético da psicanálise que visa o drible dos discursos da dominação (Discurso do Mestre, Discurso da Universidade e Discurso do Capitalista4) nos quais se baseia a Ciência, para possibilitar a colocação do sujeito no seu devido lugar de trabalho e "protagonismo" no processo de produção de subjetividade e saber. Desta forma, "é então indispensável que o analista[-intercessor] seja ao menos dois. O analista para ter efeitos [DImpss] e o analista que esses efeitos teoriza [DImpc]" (Lacan, 1974-75/Lição de 10/12/1974).

A intercessão ganha importância maior ao tomarmos os fenômenos que se nos apresentam como "processos de subjetivação", ou seja, como subjetividade em movimento significante (Costa-Rosa, 2012a). Dado o fato de que os possíveis impasses que esses processos podem apresentar noticiam certa parada na produção de sentido novo, a intercessão tem como "intensão" ética a retomada, ou maximização, da movimentação significante, necessária às demandas de processamento subjetivo advindas das injunções (impasses subjetivos) do Real (pulsão) e da realidade subjetiva (sócio-imaginária-simbólica); o que nos leva, necessariamente, para além dos princípios doença-cura (psicopatologia) e normal-anormal - filhos gêmeos do princípio cartesiano sujeito-objeto -, bem como da ética da adaptação social, caros ao PPHM.

As possibilidades de intercessões nos impasses de subjetivação e nos coletivos de trabalho pressupõem um trabalhador precavido principalmente, mas não exclusivamente - já que se trata de um trabalho em instituições5 -, pela psicanálise. A pertinência ética da utilização do Dispositivo Intercessor na SMC se dá a partir da necessidade de se pensar a especificidade de tal clínica que, diferentemente do lócus tradicional da psicanálise, está inserida em instituições, fato que não é sem implicações importantes (Freud, 1919/1996d; 1933/1996f; Oury, 2009). É nesses termos, aliás, que nos permitimos falar de ampliação do campo da "psicanálise em intensão" (Costa-Rosa, 2012a; Elia, 2010).

Nosso objetivo é tecer considerações teóricas prévias a uma Intercessão-Pesquisa no contexto da SMC, sobretudo a partir da psicanálise como espinha dorsal desse novo Modo de Produção de subjetividade e pesquisa. Faz-se necessário, portanto, passarmos pelas conceituações de sujeito e subjetividade, como concebidos pela psicanálise do campo de Freud e Lacan, bem como pela visão de "ciência" e da especificidade da produção de saber que se faz possível, e eticamente necessária, a partir desta perspectiva. Ao fim deste percurso, temos a intenção de apresentar nossa hipótese de trabalho segundo a qual a psicanálise, como clínica e como pesquisa, provém necessariamente das concepções de sujeito e de subjetividade. Do mesmo modo, pretendemos versar sobre como a psicanálise se posiciona quanto às possibilidades de produção do saber, ou seja: o quê, o quanto e como é possível saber; considerando, obviamente, a especificidade do saber do qual se trata na Intercessão (DImpss) e do saber "theórico" que se produz na pesquisa a posteriori (DImpc).

 

O Sujeito Desvendado

"Eu" é apenas um dos espasmos instantâneos do mundo. (Lispector, 2009, p. 178)

Uma concepção de sujeito tão sui generis como a que propõe a psicanálise só foi possível após o advento da Ciência Moderna, preconizada pelo racionalismo cartesiano no séc. XVII (Lacan, 1966/1998a). Para que o sujeito pudesse ser chamado de volta à sua casa no inconsciente, foi imprescindível a concepção de outro sujeito, suposta-mente consciente da certeza de si mesmo e da realidade. Há uma relação necessária entre o sujeito tal qual enunciou Descartes e o sujeito que Freud veio desvendar, no início do século XX (Lacan, 1964/2008b). Entretanto, trata-se de uma relação de superação dialética. Se a psicanálise pode ser considerada um dos efeitos reativos da Ciência, não sendo, portanto, integrante do seu campo epistemológico, é por propor uma subversão de tal campo pelo viés de uma concepção radicalmente nova de sujeito.

Em Viena, antes de Freud, buscava-se investigar nas histéricas o sujeito cartesiano. Nada encontravam, pois o importante se passava em Outra cena. Foi assim que Freud decidiu dar voz ao que se apresentava para além da razão. É este ato de Freud que abre possibilidade para o advento do sujeito do inconsciente, até então amordaçado, rejeitado por um discurso que eleva a razão e despreza tudo o que não se oferece como claro, límpido6. Freud subverte o sujeito cartesiano (Soler, 1997), pondo-o de cabeça para baixo e, tomando-o pelo avesso, traz à tona a dimensão subjetiva do dizer para além do dito. Assim, é para o sujeito recusado pelo racionalismo científico que Freud vai se voltar. O Cogito, a partir da psicanálise, não é mais o lugar da verdade do sujeito; é senão seu desconhecimento, imagem [re]velada de si mesmo. Apesar de Freud não ter feito referência direta a uma concepção de sujeito (Fink, 1998), esta pode ser possível por ser suposta nas entrelinhas do texto freudiano; questão da qual muito se ocupou Jacques Lacan ao longo de seus Seminários e Escritos.

 

O Processo De Análise: Da Alienação Imaginária à Separação Simbólica

Ali onde era o reino do sono, eu [je] devo advir, devir. (Lacan, 1967-68/2006, p. 93)

De início, vejamos o que nos diz o poeta: "De dia as coisas ficam em suspenso [...]. De noite a sua casa não é sua. E range como um navio [...]. Você é uma casa que mal conhece, você tem quartos em que nunca entrou" (Veríssimo, 1984, p. 93). O sujeito desvendado por Freud é o que deflagra a terceira grande ferida narcísica na onipotência humana, depois de Copérnico e Darwin: o eu não mais mestre absoluto em sua própria casa (Freud, 1917/1996e). Ferida ainda responsável pelas implacáveis resistências à psicanálise, principalmente no período histórico contemporâneo caracterizado por uma profunda ojeriza à dor. Freud enuncia que, paralelamente ao discurso do eu, num Outro discurso, um sujeito (que já gritava tanto nas fogueiras da inquisição quanto em Salpêtriére) "pede" vez e voz. Isso o fez perceber que há um discurso além do discurso, na medida em que os tropeços da fala enunciada deflagram intenções inconscientes que descentram o eu. Disso, aliás, decorre o princípio psicanalítico fundamental: o analisando diz sempre mais do que pensa saber. O saber inconsciente, estruturado como uma linguagem, possui gramática própria, diferente da consciente, à mercê do processo de funcionamento primário caracterizado pelos mecanismos de condensação (metáfora) e deslocamento (metonímia). Desses mecanismos derivam as formações de compromisso, entre o desejo e a censura, para enganar o eu consciente e realizar satisfações substitutivas. Processo no qual o eu do sujeito se acomoda - ao preço de se alienar - para não responder diretamente diante de um conflito psíquico, "não responder" que Freud (1925/1996c) chamou de "covardia moral" (fuga para a neurose) e Lacan (1959-60/2008a) formulou como um ceder do desejo singular. Respostas subjetivas a partir das quais o indivíduo acaba por mais repetir (mais-gozar) que diferir (desejo): dimensão da alienação à linguagem, que tende ao sentido tautológico, posto que enquanto o eu pensa que utiliza os significantes para dizer de si são os significantes que falam por "ele", em que o sujeito é refém do poder de repetição do significante (Quinet, 2008). É por isso que, ao recalcar sua dimensão de sujeito do [desejo] inconsciente, o eu não é dono da casa que habita: ali onde é alienado aos significantes é joguete do desejo do Outro. E se os sintomas-que-fazem-sofrer são efeitos do recalcamento de impasses subjetivos angustiosos, trata-se então de maximizar, pela regra da livre associação, as possibilidades de sua aparição e elaboração desses impasses. Mas como isso se processa em um tratamento analítico?

O surgimento de um saber inconsciente (S1) na fala do sujeito - em transferência com um analista que sustenta uma posição vazia de Saber-Poder - é o que traz um sentido novo cuja característica é a de não ser fixo, ao remeter, por livre associação, a outros significantes (S2). Em outros termos, quer dizer que o analista, abstendo-se de saber pelo outro, possibilita com que o sujeito produza o próprio saber, ao deslizar na sua cadeia significante para entrar em trabalho de decifração dos sintomas. Desta forma, as aparições de saber inconsciente na fala do sujeito em análise, situações em que isso fala dele (e nele), serão potenciais aberturas subjetivas para o sentido novo extrator do gozo angustioso. Portanto, se o sintoma é concebido como o que porta um saber ainda não sabido, o sujeito do inconsciente, que pulsa forçando entrada, é, pois, essa ocorrência perturbadora no domínio da consciência do eu que revela o inconsciente como diferir[-se], fazendo com "isso" deslocamento de sentido. Por isso, quanto mais nos afirmamos como eu mais nos alienamos.

O sujeito pode apresentar-se nos processos de subjetivação de duas formas: como sujeito fixado (alienação imaginária), refém do poder repetitivo dos significantes da demanda do Outro; ou como sujeito singularizado (separação simbólica), que assume o próprio desejo singular para além dessas fixações. Na primeira forma, "o desejo é o desejo do Outro", na segunda o desejo é desejo de Outra coisa, desejo como diferir constante, já que em tal perspectiva os significantes capazes de representar os objetos do desejo estão, metonimicamente, sempre se deslocando. Linguagem pressupõe desejo e vice-versa (Fink, 1998, p. 73). Se todo sujeito inserido na linguagem é impulsionado por desejo, resta saber se este está mais preso ao imaginário [da demanda do Outro] ou mais "livre" por sua relação com o Simbólico.

O desejo é, inicialmente, fixado pelo desejo do Outro: dos outros (mãe, pai, irmãos, avós, entre outros) elevados à condição de Outro. Outro com letra maiúscula, pois esses desejos são expressos, transmitidos e cravados por significantes. Portanto, se ele é pela linguagem tornado sujeito, é ao custo de ser encoberto na inicial e inevitável alienação aos significantes da demanda do Outro (como primeiro tempo da causação do sujeito).

Somos alienados na medida em que somos falados por uma linguagem que funciona, de certa forma, como [...] um dispositivo de gravação/montagem com vida própria; na medida em que nossas necessidades e prazeres são organizados e canalizados [...] pelas demandas de nossos pais (o Outro como demanda); e na medida em que nosso desejo surge como o desejo do Outro. (Fink, 1998, p. 9)

Nessa versão do sujeito, temos o "sujeito como fixado, como sintoma, como um modo repetitivo e sintomático de 'desfrutar' o gozo" (Fink, 1998, p. 11, grifo nosso).

Por outro lado, suponhamos um sujeito que, por não suportar mais viver na alienação imaginária do desejo fixado, a partir da eclosão de uma angústia, chega a fazer uma demanda de tratamento e encontra um trabalhador-intercessor. Esse sujeito terá a possibilidade de advir em sua singularidade ao ser dada a ele uma oferta transferencial que possibilitará com que chegue a fazer uma demanda de análise propriamente dita, que se dá quando, para além da demanda de alívio imediato, entrega-se ao deslize da associação livre. Esta maximiza as possibilidades de aparição do saber inconsciente. Se, do lado do analista, o tratamento deve ser conduzido na abstinência (Freud, 1915/1996b, p. 182) é porque somente não respondendo à demanda de alívio do sujeito que ele poderá, aos poucos, articular em sua fala os significantes primordiais da sua história, nos quais o seu desejo havia se fixado à demanda do Outro. Na situação analítica, impulsionado por uma causa pulsional (a) - em relação a qual o analista faz semblante -, o efeito-sujeito é o que aparece na fala do analisante como lampejo no vazio entre-significantes (S1 - - S2): o significante-mestre (S1) como enxame de significantes, estes que representam o sujeito para outros significantes (S2), é o que coloca o sentido em movimento, a partir do nonsense que é a abertura para o sentido novo. Somente dessa forma conseguirá, reposicionando-se em relação ao enigma do desejo do Outro que o determina, ir além da versão de sujeito fixado. Essa des-fixação advém porque, na perspectiva da separação simbólica evidenciada no tratamento, a tendência imaginária de totalização do sentido é colocada em xeque, operando um relativo divórcio entre o significante e o significado:

Tomemos um significante e fixemos seu significado com um significante. Se, em seguida, formos definir este último, vamos encontrar outro significante, e assim por diante. O inconsciente é constituído dessa forma: pelo desfilamento dos significantes, que deslizam sem cessar não se detendo em significados. (Quinet, 2008, p. 30)

Na dimensão do desejo singular, não há uma única significação que se sustente senão remetendo sempre a outra significação (Lacan, 1998b, p. 628), pois "[...] a significância é algo que se abre em leque" (Lacan, 1972-73/2008c, p. 25). O engano do indivíduo supostamente mestre de si, que conduz ao pior da alienação, é ele acreditar que é aquilo, e somente aquilo, que em um determinado momento lhe dá um sentido, uma identidade. A tendência do eu, do indivíduo, é querer parar a significação. Por outro lado, um sujeito singular é aquele que assume a responsabilidade pelo seu diferir inconsciente. O efeito-sujeito, na fala do indivíduo, que não se esgota em um significante (representando-o pontual e evanescentemente), é o que movimenta a cadeia significante. "O sujeito não é outra coisa [...] senão o que desliza numa cadeia de significantes" (Lacan, 1972-73/2008c, p. 55). Deslize, tanto no sentido da escorregadela, do equívoco, quanto no sentido de mutação. O efeito singularizante do inconsciente se processa no fato de que deslizamos nas palavras. Não nos relacionamos diretamente com as coisas, mas sim com significantes incumbidos de representá-las, todavia, não cabalmente. Nossa experiência como falantes nos mostra constantemente que tão logo tomamos a palavra começamos a perder a essência daquilo que pretendíamos dizer - nisso mesmo consistindo a potência do simbólico - porque o desejo, não se detendo em objetos, nos proporciona o sentido em movimento. A representação deve ser entendida como uma construção que dá ao mundo, e ao próprio sujeito, um sentido sempre novo, colorindo-os com significações diversas, sem que nenhuma possa ser apontada como última e verdadeira. E, no processo de aceder ao significante, algo fica estrutural e incessantemente fora da significação. No entanto, isso que fica fora passa a ser objeto "sempre-lá", causando o movimento do sujeito. De tal modo, como referiu Lacan, a riqueza do significante está no fato dele morder (simbolizar, metaforizar) o Real angustioso. "Aliás, a linguagem come o real" (Lacan, 1975-76/2007, p. 31). Essa tentativa incessante - impossível [em sua totalidade], mas não impotente [em parte] - é o que caracteriza a plasticidade simbólica necessária aos equacionamentos singularizantes dos também incessantes impasses de subjetivação que sempre se colocam para um indivíduo: dimensão do desejo singular, ou seja, da "perspectiva de deslizamento perpétuo de sentido que todo discurso que almeja abordar a realidade [de forma singular] é obrigado a se manter" (Lacan, 1957-58/1999, p. 83, grifo nosso).

 

O Sujeito Na Alienação E Na Separação: Lacan Além De Freud

Ao crescer o indivíduo liberta-se [separa-se] dos pais [...]. Existe, porém, uma classe de neuróticos cuja condição é determinada visivelmente por terem falhado nessa tarefa. (Freud, 1909/1996a, p. 219)

No Seminário 11, Lacan enuncia os processos referentes ao advento do sujeito: a alienação e a separação como "as duas operações fundamentais em que convém formular a causação do sujeito" (Lacan, 1998d, p. 854). No início do processo de constituição primária, o infans7, como condição para sua entrada no Simbólico e no laço social, abdica da condição de Ser todo-gozoso diluído no mortífero Desejo da Mãe-incondicional. O próprio corpo, primeiramente vislumbrado como imagem, é inscrito no significante, posto que o banho na linguagem cifra o corpo puramente pulsional, fazendo-o advir também como corpo no Imaginário e no Simbólico. Tal possibilidade depende de uma conjuntura favorável, relativa ao posicionamento do Outro da maternagem na relação com o seu desejo. Momento fundamental, mais lógico que cronológico, no qual ou se "nega" a entrada na subjetividade enquanto "ser" de/na linguagem - em que o autismo é a possibilidade mais aproximada -, ou se "escolhe" a alienação ao significante. No entanto, "ponham esse escolher entre aspas, porque o sujeito é tão passivo quanto ativo nisso, pela simples razão de que [ao menos inicialmente] não é ele quem manipula as cordinhas do simbólico" (Lacan, 1957-58/1999, p. 192, grifo do autor). Lacan versa sobre um momento crucial onde está em jogo uma "escolha forçada": ou nada [de sentido] ou uma parte [de sentido]. A "escolha" é forçada, já que a "alienação é o destino" daquele que fala (Soler, 1997, p. 62). No entanto, "perde-se" para poder ganhar. Para a "escolha forçada", Lacan (1964/2008b, p. 207) propõe o "dilema da bolsa ou a vida", explicitando metaforicamente a condição inevitável àquele que se constitui como sujeito no Simbólico: diante do ladrão, que promete matar caso não entregue a bolsa com o dinheiro, o sujeito só pode ser forçado a escolher pela vida em sua "falta-a-ser". A entrada no Simbólico, referida como separação (ser para ação), possibilita o desejo, por barrar o gozo do Outro.

Há sempre uma entropia inerente à produção (perda estrutural do objeto primário de gozo) e ao funcionamento da "máquina humana de subjetivar". No funcionamento da máquina, ou seja, nos processos de subjetivação ao longo da vida, a entropia, que Lacan chamou de "mais-gozar", será tanto maior em um sujeito quanto mais ele for fixado aos significantes do Outro. O imaginário é o que resiste à simbolização por fixar o sujeito ao objeto, deixando-o refém da estagnação demandante. Se a vida só é possível sem a "bolsa", esta poderá ou ser imaginária e repetitivamente demandada, ou simbólica e incessantemente deslocada para o horizonte, condensada no objeto a.

O sujeito estruturalmente constituído por recalcamento (Verdrängung), na dimensão da alienação imaginária, confunde o desejo do Outro com sua demanda (Lacan, 1961-62/2003c, p. 365); indício de que, apesar de ter estruturalmente se separado do Outro, separou-se de forma insuficiente. Eis o que o torna suscetível a constantes impasses na subjetivação. Desta forma, o neurótico, em relação ao Outro, impulsionado por uma imaginária "demanda-a-Ser", elege objetos concretos na realidade para sua fantasia, passando ao largo da metonímia desejante: nesse caso, o "objeto a" está mais distante de ser semblante no horizonte. "Essa linha do horizonte não é formulada no neurótico, e é por isso que ele é neurótico" (Lacan, 1957-58/1999, p. 510).

Mesmo que o sujeito, em seu processo primário de constituição, venha a se separar estruturalmente do Outro, é mais comum que a separação se processe de forma insuficiente, preservando, com isso, conteúdos imaginários importantes. Eis do que se trata na neurose. O sujeito ingressa no Simbólico e no laço social, mas com recursos de subjetivação que tendem à estaticidade típica ao registro Imaginário. É o sujeito em sua "normalidade" - que no plano ético-político apresenta-se como adaptação ao instituído social opressor (Althusser, 1984) -, vivendo e agindo sem [se] questionar, posto que os sintomas - inclusive à custa de inibições diversas - fazem sua função de velamento da angústia (Freud, 1926/2006) que, nem por isso, deixa de eventualmente aparecer de forma paroxística. Nossa hipótese, a partir da psicanálise, é de que aqueles que demandam tratamento na Saúde Coletiva são acometidos por impasses da subjetivação ocasionados pelo gozo angustioso que se desvela em função da perda da funcionalidade adaptativa do sintoma. No entanto, no Paradigma de Atenção Hegemônico (PPHM), em que o indivíduo impulsionado pela angústia, que é a manifestação clínica-subjetiva do sujeito, estaria potencialmente "pedindo" uma escuta intercessora, a psiquiatria-DSM - e as psicoterapias em geral, que estão no mesmo paradigma - suturam, ao dar a ele tanto um suprimento químico, quanto um suposto nome para isso que o faz sofrer. Desta forma, o sujeito é agenciado pelo saber enciclopédico-pedagógico-cuidador que o toma como objeto de estudo-diagnóstico-intervenção (Costa-Rosa, 2013). O que está em questão aqui, auxiliado pela ação do fármaco, é o processo de recapeamento do imaginário do sujeito, fazendo-o retornar à condição de alienação subjetiva e social, agora como colagem a um significante tautológico oferecido pela nosologia psicológica e psiquiátrica: "Você é isso, e nada mais!".

Na alienação, o sujeito petrificado pelo significante é o que imagina ser mestre na própria casa, e por esse motivo é o oposto do sujeito em análise. É o "ego forte" e adaptado, que Lacan (1967-68/2006, p. 28) diz ser necessário para ser um bom empregado. Trata-se da fixação aos significantes do desejo do Outro da linguagem que me antecede, sendo exatamente esse estranho, gozo do qual eu nada quero saber, o responsável por uma determinação que me escapa: e quanto mais me escapa, mais me determina. Para Freud (1917/1996e), quanto ao processo de separação simbólica, as formações do inconsciente como efeitos-sujeito vêm sempre nos mostrar que não somos mestres em nossa própria casa; e, à custa de sempre deflagrar no interior do eu essa fenda pulsante, são as rememorações e elaborações do recalcado da história do indivíduo, como processo de significação, as responsáveis pelo cessamento do poder de repetição do significante. No entanto, "[...] a rememoração da biografia, tudo isso só marcha até um certo limite, que se chama o real" (Lacan, 1964/2008b, p. 55). O acréscimo de Lacan - que não invalida a concepção freudiana, mas sim a maximiza - está em considerar a significantização (inscrição) de partes do gozo até então impalatáveis:

Lacan ultrapassa dialeticamente a concepção freudiana do sujeito dividido entre a consciência e inconsciente - o inconsciente como "outra cena" (recalcado da história individual) -, e introduz a noção de sujeito como corte, como efeito de enunciação, interdito nos enunciados; trata-se do sujeito que aparece como um significante no Outro (campo do sentido simbólico): lapso, esquecimento, sintoma, ou achado de sentido novo; também novo saber-fazer com o sintoma. Essa noção de sujeito expressa a noção de inconsciente como processo de produção de sentido inédito para o indivíduo. (Costa-Rosa, 2013, p. 243, grifo nosso)

Nesse ponto, é importante notar que qualquer sujeito constituído de/na linguagem - guardadas as devidas diferenciações quanto às modalidades de estrutura subjetiva -, está sujeito aos efeitos-sujeito (lapsos, atos falhos, sonhos, chistes e sintomas). No entanto, as possibilidades de efeitos produtivos singularizantes dependerão do fato do sujeito, para além de apenas sofrer [d]os efeitos-sujeito, poder acessar os efeitos dos efeitos-sujeito, ou seja, uma apreensão "[...] por onde tem lugar o retorno do efeito" (Lacan, 1967-68/s/d., p. 234, grifo nosso).

Deste modo, se "a alienação é o destino", a separação é eventual. Se é pela alienação que o sujeito advém fixado em significantes, é por meio do processo de separação que pode advir devir, tanto quanto possível, independentemente das amarras do desejo do Outro; que pode advir não mais como sentido fixado (adaptação) - apenas como potencialidade -, mas sim desejante (singularização). "Trata-se de tudo que a linguagem traz em si, que se manifesta nos momentos de criação significativa, e que já nela está em estado não ativo, latente" (Lacan, 1957-58/1999, p. 121, grifo nosso). Nessa perspectiva, o sujeito pode "se safar", pode "ser-devir" para além daquilo que estava determinado pelo Outro (Soler, 1997). Talvez possamos dizer que, na neurose, o sujeito paga um valor excedente (valor-a-mais) ao Outro como seu senhorio - e aí situamos o "mais-gozar" do seu sintoma -, para poder habitar a linguagem como sua casa. Assim, "se na alienação o sujeito é 'forçado' a escolher a linguagem como sua casa [onde, dada sua alienação, ele é inquilino], através da segunda operação - a separação - ele realiza uma intervenção 'ativa', atacando a própria rede de significantes para separar-se dela" (Souza, 2008, p. 47, grifo do autor), para somente assim vir a tomar posse, tanto quanto possível, da casa que habita.

Em vias de finalizar esse tópico, não podemos deixar de exprimir o que Roudinesco (2000) descreveu como a "derrota do sujeito" no momento histórico contemporâneo, em uma Formação Econômico-Social que tende a uma supressão da Lei Simbólica, em que a única "lei" é a de mercado; lei fajuta, pois faz rejeição da mediação simbólica, apresentando-se como imperativo ao gozo. "A mão invisível que regula o mercado [...] não tem regulação nenhuma possível pois não há lei, só imperativo" (Quinet, 2006, p. 40). Tomado como objeto - portanto, sem intermediação simbólica - pelos significantes da sociedade de massas (que inclui o Saber de Mestre da psiquiatria organicista-DSM), escravo da demanda consumista, preso ao Outro do apelo comercial, o indivíduo em sua dimensão singular (que inclui o sujeito) desaparece de cena como "protagonista" em sua produção subjetiva, bem como portador e produtor de uma historicidade. Predominância do Discurso do Capitalista (Lacan, 1969-70/1992b), que, por não fazer enlaçamento social, têm como efeitos os novos impasses subjetivos da atualidade: impasses do luto, pânicos, sintomas psicossomáticos e, sobretudo, as compulsões de vários dos tipos, com destaque para o alcoolismo e as toxicomanias (Costa-Rosa, 2013; Melman, 1992). No auge da alienação social proporcionada pelo Modo Capitalista de Produção, o que "mais-valia" para o indivíduo, sua posição de sujeito, lhe é expropriada:

São mensagens, letras falantes, gritos visuais, ordens de uso, abuso, reincidência [...], e fazem de mim homem-anúncio itinerante, escravo da matéria anunciada. Estou na moda. É doce estar na moda, ainda que a moda seja negar minha identidade [...]. Onde devo ter jogado fora meu gosto e minha capacidade de escolher, minhas idiossincrasias tão pessoais [...]. Hoje sou costurado, sou tecido, sou gravado de forma universal, saio da estamparia, não de casa, da vitrine me tiram, recolocam, objeto pulsante, mas objeto que se oferece como signos de outros. (Andrade, 2007, pp. 1252-4, grifo nosso)

Nenhum significante pode significar fixamente o sujeito e o seu objeto de desejo, uma vez que o significante, por não significar o significado, só lhe empresta uma roupagem temporária. O significante que empresta uma vestimenta para o sujeito, pelo fato de representá-lo para outro(s) significante(s), estaria submetido ao figurino ditado pela cadeia significante. Se "o sistema simbólico não é como uma vestimenta que se colaria às coisas" (Lacan, 1953-54/2009, p. 344, grifo nosso), a questão do sintoma neurótico seria relativa a uma limitação do acesso à variedade desse figurino: aqui, o sujeito, somente apreensível nas breves manifestações inconscientes, aprisionado ao eu do ente, seria sufocado por certo estacionamento no significante. Ao trabalhador-intercessor caberia, portanto, possibilitar as condições de restabelecimento ou maximização dessa movimentação.

Por fim, um vislumbre mais aproximado sobre o sujeito do [desejo] inconsciente: sujeito que, originado de uma divisão constituinte (spaltung) entre saber (Consciência) e verdade (Inconsciente), quando despido de demandas imaginárias de completude, é movido pelo diferir singular (desejo). Sujeito que advém em sua separação simbólica do Outro, cuja potencialização, operada por uma escuta analítica, possibilita ao indivíduo a condição de produzir sempre novas significações diante dos também sempre novos impasses da subjetivação. No que diz respeito à questão da interpretação, a partir da ética da psicanálise, trata-se de um sujeito para o qual não podemos falar, o qual não podemos interpretar (hermeneuticamente), dado o fato de ser [e]feito de enunciação: d' isso não se fala, pois isso fala! (Lacan, 1998a, p. 849). O sujeito evanescente, que transita na cadeia significante na fala do indivíduo, é como uma estrela cadente em final de queda, ao passo que, quando viramos os olhos para avistá-lo, o que vemos é somente o seu rastro, também a se apagar; todavia, não sem fazer efeitos de singularização, já que "[...] o que se chama de desejo, no ser humano, é impensável a não ser dentro dessa relação com o significante e os efeitos que ali se inscrevem" (Lacan, 1961-62/2003c, p. 192, grifo nosso). Dos efeitos-sujeito, o que podemos ter como legado são seus efeitos de singularização na subjetividade, em termos de produção de sentido novo e contínuo como significação e significantização ante o gozo angustioso.

 

A Subjetividade Como Processo De Subjetivação

Tal corrente no aparelho [psíquico], que parte do desprazer e visa o prazer, é o que chamamos de desejo. Afirmamos que nada exceto um desejo é capaz de colocar o aparelho em movimento. (Freud, 1900/2012, p. 626, grifo nosso)

Da concepção de sujeito, derivamos o que concebemos por subjetividade e seus processamentos. Se o eu é o lugar das identificações alienantes, o sujeito em sua singularidade pode advir pelo processo de subjetivação/separação. Se o sujeito é representado por um significante para outro(s) significante(s), é por se produzir na cadeia significante, e por esta ter a possibilidade do constante movimento, que enunciamos a hipótese do processamento subjetivo. É no gerúndio do tempo verbal que se conjuga a subjetivação singular. Já dizia Heidegger (1969) que "aquilo no que se sustenta o consistente, é o ser do sendo" (p. 88, grifo nosso). Se o processo de subjetivação é algo que não cessa é porque o sujeito "tem um pezinho" no Real, sendo este o que nunca cessa de não se inscrever (Lacan, 1972-73/2008c). Real pulsante, algumas vezes angustioso, motor das mudanças subjetivas. Lacan nos mostra que o significante não significa o sujeito: ele coloca o sentido em movimento capaz de extrair gozo angustioso. Lacan (1956-57/1995) refere que:

[...] a constelação significante opera mediante o que podemos chamar de um sistema de transformações, isto é, um movimento giratório que, se examinarmos mais de perto, cobre a cada instante o significado de uma maneira diferente e, ao mesmo tempo, parece exercer sobre este uma ação profundamente remanejadora. (p. 310, grifo nosso)

Para tal, é preciso que haja deslizamento na cadeia significante, no qual tais significantes vão constantemente se recombinar a fim de produzir sempre novos e contínuos efeitos de significação e significantização. Resta-nos enunciar que o objeto a, enquanto objeto causa do desejo, é o que faz movimentar o sujeito na incessante busca do sentido, sendo o desejo o lubrificante do deslize. Desejo que "renova-se" a cada encontro com o desejado. Se o gozo angustioso, na dimensão imaginária-tautológica-demandante, é a energia psíquica estagnada, dissipada, nas engrenagens da "máquina humana de subjetivar" - "porque o real, justamente, é [...], o que não para de se repetir para entravar essa marcha" (Lacan, 1974/1986, p. 22, grifo nosso) -, o sujeito do inconsciente, na metonímia desejante, aparece como movimentação da máquina.

Para os efeitos do que propomos apresentar neste tópico, faz-se inevitável retomarmos conceitos-chave da metapsicologia lacaniana. Para Lacan, os processos de subjetivação se dariam no entrelaçamento borromeano do que chamou de Real, Imaginário e Simbólico, pois "[...] sem esses três sistemas de referência não é possível compreender a técnica e a experiência freudiana" (Lacan, 1953-54/2009, p. 101). O Real não é a realidade psíquica, é o que "não tem remédio nem nunca terá", o que não tem um significante que sirva de socorro. O que aparece, portanto, como gozo, angústia não significantizada. O Real é também o que foi estruturalmente subtraído, subjetivado, funcionando como pulsação (uma das vertentes do objeto a). O Imaginário é relativo às imagens vindas de um momento lógico-subjetivo que Lacan denominou "estádio do espelho", auge do narcisismo humano na relação com o Outro da maternagem; é também, em sua tendência à Lógica do Signo, o lugar do eu e suas alienações, significações cristalizadas. Por fim, o Simbólico diz respeito a um sistema de representações calcado na linguagem, campo do Outro regido pela Lógica do Significante, que estrutura o desejo e autoriza nossa ascensão ao campo propriamente humano. O Real, se fosse possível de se experienciar integralmente, seria o sentido absolutamente estático; o Imaginário é o que tende ao sentido estático; e o Simbólico é caracterizado pelo sentido em movimento. Se o Real é todo, o Imaginário quer-ser-todo e o Simbólico é não-todo, segundo uma sutil metáfora de Durval Checchinato (1979), o "homem é estar entre o real (impossível) e o simbólico [possível]. O imaginário é o eixo da gangorra" (p. 12).

Lendo Freud, Lacan teoriza a existência de três modos de habitar a realidade imaginária-simbólica; modalidades estruturais do processo de constituição subjetiva, a saber8: a) o recalcamento (Verdrängung), b) a renegação (Verleugnung) e c) a foraclusão (Verwerfung). Estes modos seriam dependentes do desencadear de um momento primordial no "processo de constituição subjetiva primária", onde estaria em questão o nascimento do sujeito no campo Simbólico, ou seja, a Separação Simbólica que Lacan teoriza como o advento do significante da falta no Outro - S (). De cada uma dessas modalidades estruturais de constituição subjetiva deriva um modo específico de relação do sujeito com o significante e com o gozo. Os processos de subjetivação secundários se dariam ao longo da vida, após a constituição da "máquina humana de subjetivar"9segundo um desses três modos. O sujeito constituído por Verdrängung ascenderia ao Simbólico, acatando a Lei primordial da interdição do gozo por meio do que Lacan denominou "Metáfora Paterna" (substituição dos significantes do narcisismo pelo significante Nome-do-Pai) ou "processo de separação do Outro". Tal operação metafórica constituinte suprime a lei dos caprichos maternos para fazer advir a Lei Simbólica, cujo efeito é a relativização do gozo que se chama desejo. O sujeito constituído por Verleugnung também alcançaria o campo Simbólico, mas com uma atitude de renegação da Lei, buscando gozar por meio do desafio e da transgressão desta. Já o sujeito constituído por Verwerfung entraria no mundo Simbólico, sustentado por uma suplência terceira de teor imaginário-simbolizante, por conta da foraclusão do significante Nome-do-Pai, significante S2 em torno do qual se organizaria o estatuto propriamente simbólico de sua realidade psíquica. Assim, as injunções da vida cotidiana podem fazer desmoronar (desencadeamento foraclusivo) a sua máquina de subjetivar, restando como possibilidade de defesa o terreno arenoso da experiência do Imaginário sem o anteparo simbólico da fantasia inconsciente fundamental (que terá que ser reconstruída); neste caso, o sujeito é levado a uma demanda de reconstrução subjetiva, pela via do delírio (Freud, 1911/2010b, p. 94), diante da qual o trabalhador-intercessor não deve recuar. Neste ponto, importa destacar, reafirmando a hipótese de Costa-Rosa (2012a; 2013) sobre uma Clínica Crítica dos processos de subjetivação, que não se trata de atribuir ao modo de estruturação por Verwerfung nenhuma deficiência ou anormalidade quanto ao Simbólico. No contexto das suas últimas teorizações, ao falar das perversões, Lacan (1975-76/2007) faz menção aos modos estruturais de subjetivação como père-versions (versões do pai): modos diferentes de se posicionar frente ao significante da Castração Simbólica, dos quais derivam processos de subjetivação - com seus impasses e possíveis equacionamentos - específicos, bem como, desta forma, demandas também específicas de tratamento que ao trabalhador da Saúde Mental Coletiva será imprescindível conhecer para melhor instrumentar "posições intercessoras". Por fim, as manifestações psíquicas típicas dessas três estruturas subjetivas seriam, respectivamente, o sintoma, o fetiche e a alucinação (Quinet, 2006); manifestações que poderão se apresentar como impasses de subjetivação menores ou maiores.

Na clínica do recalcamento, o trabalho subjetivo "visaria" uma "separação adicional" (Fink, 1998), vislumbrando, com os avanços teórico-técnicos de Lacan, um para-além do sentido recalcado. Um tanto diferente é a situação do tratamento de sujeitos originariamente constituídos por foraclusão: após o desmoronamento, coloca-se em questão a possibilidade de produzir algo de castração/separação, capaz de aparelhar o gozo que tende à totalidade; em outros termos, está em questão produzir um sujeito (Miller, 1996; Quinet, 2006) cerzido novamente pela construção de uma singular e criativa metáfora delirante - guardadas as devidas proporções de tal possibilidade entre os diferentes tipos clínico-subjetivos desse modo de estruturação: esquizofrenia, paranoia e melancolia-mania. O que há em comum entre essas duas clínicas, a partir da ética da psicanálise, é o fato de que contra a angústia Real não há remédio, só constante [re]mediação imaginária-simbólica.

O diagnóstico psicanalítico é realizado sob transferência e enquanto função de compreensão diagnóstica para o posicionamento quanto à direção do tratamento. Não pode ser reduzido estritamente ao fenômeno nosográfico (como fazem a psiquiatria-DSM, e a psicologia disciplinar que lhe é correlata). Para a psicanálise, o diagnóstico é estrutural. Mesmo em Freud (1913/2010a), apesar de não haver ainda uma sistematização da noção de estrutura subjetiva - não obstante o fato disso já se esboçar -, encontramos o diagnóstico diferencial entre as estruturas subjetivas como ferramenta imprescindível quanto à estratégia de direção do tratamento. Se há uma estruturação psíquica constituinte, há que se considerar que "uma coisa é a estrutura ser irreversivelmente determinada, outra, é ser a economia do seu funcionamento sujeita a 'variações de regime'" (Dor, 1991, p. 25). Como sujeitos divididos, somos sempre efeito do significante. Como sugere Fink (1998, p. 10), temos que pensar onde termina a estrutura e começa algo que é novo, devir, "movimento absoluto do tornar-se" como refere Marx (1857/1984, p. 81). Se Lacan, mais enfaticamente na primeira parte do seu ensino, fala em estrutura, que é a relativa ao Outro da linguagem, é por este ser-na-falta que aquela é não-toda (fechada). Estrutura sempre aberta a possibilidades Outras de subjetivação. Modalidades da "máquina humana de subjetivar". O que carregam de comum, mesmo que cada uma ao seu modo, é a possibilidade do processo de subjetivação contínua.

 

Palavras Finais: Uma "ciência" Sem Palavra Final

Não, nossa ciência não é uma ilusão. Seria ilusão, porém, acreditar que pudéssemos conseguir em outra parte aquilo que ela não pode nos dar. (Freud, 1927/2010c, p. 133)

Com a psicanálise vemos uma revolução paradigmática no campo epistemológico. Diferentemente da Ciência inaugurada por Descartes - que segundo a leitura freudiana alentava a mesma pretensão atribuída aos deuses da religião - a psicanálise enuncia a possibilidade de-ser uma "ciência" não tão onisciente: "Nosso deus logos talvez não seja muito onipotente e cumpra apenas uma pequena parte do que seus antecessores prometeram" (Freud, 1927/2010c, p. 130). Uma "ciência" que, despida de ideais fálico-narcísicos pode, sempre a posteriori, produzir saber sobre a realidade se, primeiramente, faz intercessão, como coadjuvante (porém fundamental) em uma produção subjetiva sempre pela via do sujeito. Em O futuro de uma ilusão, Freud (1927/2010c) é contrariado por seu opositor fictício que afirma que o homem não se encontra na posição de dispensar a religião como consolo ante o fardo que lhe corresponde. Ao que responde Freud (1927/2010c): seria mais interessante ao homem ministrar o seu "doce - ou agridoce - veneno desde a infância" (p. 119), condição que exigiria a elaboração das demandas imaginárias do narcisismo e a consequente Castração Simbólica. A diminuição das demandas narcisistas de completude corresponderia ao que Freud (1927/2010c) chamou de "educação para a realidade" (p. 120). Realidade da falta-a-ser, acrescenta Lacan. As crenças místicas pautadas em discursos totalizantes de matiz imaginário, seja na religião, seja em uma Ciência messiânica (a exemplo das promessas de curas da farmacologia psiquiátrica respaldadas pelo discurso neurocientífico), ou ainda nas ofertas do consumismo, viriam ao encontro - e surgiriam - da demanda subjetiva de completude narcísica arraigada em maior ou menor grau nos indivíduos contemporâneos (Costa-Rosa, 2008b). Por um lado Outro, a psicanálise tem como fim a orientação ética de auxiliar o sujeito em análise a se encontrar diante do seu desamparo primordial (horror da castração) e o consequente reposicionamento subjetivo.

A concepção de "ciência" psicanalítica arquitetada pelo último Freud, já despido do ideário cientificista (Freud, 1933/1996f), bem como por Lacan, mostra-se como não totalizadora, pois contempla a incompletude estruturante inerente ao campo do Simbólico, uma vez que este é incapaz de proporcionar ao falante a possibilidade de dizer, por completo, o que é e o que quer. Trata-se de uma "ciência Outra", na medida em que a práxis psicanalítica é definida como ação realizada pelo homem que o coloca em condições de tratar o Real pelo Simbólico (Lacan, 1964/2008b); ação, entretanto, sempre parcial. Parcial, mas não - e por isso mesmo! - impotente (Lacan, 2003a; 1972-73/2008c). Se a Ciência também trata o Real pelo Simbólico é querendo fazer deste uma tampa para aquele, o que evidencia que Ciência e psicanálise não partem da mesma definição de Simbólico. Se Simbólico é concebido pela psicanálise a partir da teoria do significante, para a Ciência é estruturado pelo signo linguístico, que visa o casamento entre o significante e o significado, sendo que Lacan (1964/2008b, p. 203) se refere ao signo como aquilo que representa alguma coisa para alguém que sabe o seu sentido. O cientista sabe; já o psicanalista sabe o limite ético do seu saber: não poder saber pelo outro. É desta forma que o psicanalista "fracassa" lá mesmo onde o cientista [con]vence. No entanto, para Lacan (1970, p. 166), é nesse "fracasso" que consiste o sucesso da psicanálise10. Para a Ciência, o que não pode ser nomeado pelo seu campo discursivo é variável descartada, sem ver que o bebê desaparece no descarte da agua do banho. O que a Ciência rejeita, ao foracluir o sujeito de seu campo discursivo, é o próprio furo pulsante-desejante inerente ao sujeito banhado no Simbólico; em outros termos, é a própria dimensão subjetiva singular. Se o sujeito da psicanálise é o mesmo sujeito da Ciência é porque a psicanálise se ocupa com o rebotalho do discurso científico, ou seja, com isso que Lacan (1998c, p. 234) chamou de o retorno da verdade do sujeito na falha do saber [científico]. Então, a diferença fundamental entre Ciência e psicanálise consistiria no fato desta se ocupar exatamente daquilo que aquela persiste em deixar fora de seu campo prático e discursivo. Por isso, "a psicanálise não é uma ciência [...] exata" (Lacan, 1992a, p. 11). Ao teorizar sobre o limite entre Ciência e psicanálise, Lacan traz os pontos de divergência quanto ao estatuto da verdade: o dizer [a verdade] sobre o desejo é sempre semidizer. E é por ser sempre semidizer que o desejo é diferir, é devir. Assim, é a partir da perspectiva da Castração Simbólica que podemos conceber um campo "científico" psicanalítico: um discurso sem uma palavra derradeira sobre a verdade, dado que esta é somente acessível se não-toda e, por isso, sempre outra. Aliás, não por acaso os poetas foram os autores mais citados por Freud, pois disso eles bem sabem: "Tenho uma pena que escreve / Aquilo que eu sempre sinta. / Se é mentira escreve leve / Se é verdade não tem tinta" (Pessoa, 1994, p. 660).

Não podemos deixar de lembrar que toda pesquisa em psicanálise - e, portanto, a Intercessão-Pesquisa na Saúde Coletiva - é clínica, já que implica que o trabalhador-intercessor-pesquisador empreenda a intercessão, como poderíamos afirmar com Elia (2000), "[...] a partir do lugar definido no dispositivo analítico como sendo o lugar do analista, lugar de escuta e sobretudo de causa para o sujeito" (p. 23). Pesquisa que - nunca é demais ressaltar - é sempre a posteriori em relação à intercessão. Assim, o ponto central do método clínico psicanalítico está em ter reintegrado o sujeito, foracluído pelo discurso científico moderno, tendo a clínica, que inclui o sujeito do inconsciente, como o seu "campo de intercessão", e não "campo de pesquisa" (p. 24) como afirma o mesmo autor11. Se "a psicanálise faz em seu favor a reivindicação de que, em sua execução, tratamento e investigação coincidem" (Freud, 1913/2010a, p. 152), não devemos deixar de ressaltar algo fundamental, esboçado em Freud e radicalizado por Lacan: A necessidade de delimitarmos a "psicanálise em intensão", como a práxis propriamente clínica, e a "psicanálise em extensão", como um saber teórico produzido após o primeiro momento, que permite ao psicanalista questionar e implementar a teoria e ressituar-se novamente em outros momentos da práxis clínica. Isso porque o saber teórico da psicanálise não opera no momento da intercessão, o que seria tomar o outro como objeto de ação tirânica e/ou pedagógica e não enquanto no lugar do trabalho subjetivo: O saber que opera na intercessão é o saber produzido pelo sujeito diante do intercessor posicionado como "facilitador" desse processo. "Esse 'saber de sujeito' tem uma consistência absolutamente peculiar. Não permite que dele se "faça enciclopédia", [...] pois pertence ao sujeito que dele necessariamente se apropria no próprio ato da sua produção" (Costa-Rosa, 2013e p. 303). Desse saber nada sabe o trabalhador-intercessor-pesquisador, dado ser o inconsciente um saber que não se sabe. Não fazemos pesquisa do inconsciente, fazemos pesquisa a posteriori acerca do processo de produção da intercessão.

Em seu Seminário 17, Lacan (1969-70/1992b) enuncia que o discurso da Ciência Moderna se alicerça no Discurso da Universidade, colocando o saber no comando, ditando teorias universais sobre tudo e para todos, desembocando na objetificação do sujeito. Noutras vezes, o discurso da Ciência se assemelha ao Discurso do Mestre, quando esse Saber lhe possibilita um Poder sobre outrem (Clavreul, 1983). Já "a-cientificidade" da "psicanálise em intensão" propõe um laço social - Discurso do Analista - a partir do qual o sujeito analista se apaga para ser somente a causa do desejo, lugar de vazio central de Saber-Poder, possibilitando a transferência de trabalho subjetivo. Aqui, a produção do saber está inevitavelmente atrelada a um "saber-se". Ou ainda, sintônica à ética da psicanálise, uma "ciência Outra", a partir do Discurso da Histeria, se considerarmos que o psicanalista é impulsionado pela experiência da práxis a produzir/implementar o saber theórico12, agora no contexto do que Lacan chamou de "psicanálise em extensão". Uma "ciência Outra" se configuraria, portanto, em uma práxis a partir de dois momentos específicos. É a partir da "psicanálise em intensão", operado no laço social Discurso do Analista e da "psicanálise em extensão", no laço social Discurso da Histeria (Julien, 2002; Quinet, 2006; Regnault, 1989), que definimos os dois momentos da Intercessão-Pesquisa: No primeiro, atuamos a partir do "DImpss", sempre pela via da colocação do indivíduo e o sujeito no lugar do trabalho no processo de produção; no segundo, impulsionados pelas questões postas pela práxis intercessora, passamos ao "DImpc", então situados como sujeitos questionadores da theoria no lugar do agente do laço social. Nesse momento do Dispositivo Intercessor, visa-se tanto uma intercessão na práxis da Universidade quanto a transmissão do saber para formação de novos trabalhadores-intercessores-pesquisadores (Costa-Rosa, 2008a). Por fim, a essa altura, é praticamente desnecessário dizer que o "conhecimento" do qual se trata de produzir, como saber theórico, é radicalmente diferente do conhecimento paranoico oriundo da ciência cartesiana, que, como efeito de "colocar a carroça na frente dos bois", acaba sempre achando exatamente o que procurava.

Tratando os processos de subjetivação pelo viés estrutural, ouvimos os desavisados que, com o dedo em riste, acusam Lacan de estruturalista. Não veem que Lacan parte do estruturalismo antropológico e linguístico da sua época, superando-os dialeticamente. A fim de reconduzir a psicanálise ao essencial do discurso freudiano, vislumbrando seu para-além, mas servindo-se dele (Lacan, 1969-70/1992b), entre outras referências, Lacan se utiliza de conceitos caros à linguística estrutural - signo, significante e significado, cadeia significante, metáfora e metonímia - para continuamente subvertê-los, ao ponto de enunciar que não faz linguística, mas sim "linguisteria" (Lacan, 1972-73/2008c, p. 24). O Dispositivo Intercessor, como materialização de uma "ciência Outra", parte do fato de que Lacan é quem mais fez ampliações, tanto da "psicanálise em intensão" quanto da "psicanálise em extensão". Ora, partir da hipótese de que Freud e Lacan versam sobre "processos de subjetivação" - cujos impasses muitas vezes demandam, nas instituições de tratamento, a existência de trabalhadores-intercessores para que tais impasses possam ser subjetivados -, servindo-nos de conceituações da Filosofia, do Materialismo Histórico e da Análise Institucional, não seria continuar marchando no mesmo sentido?

 

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Endereço para correspondência:
Waldir Périco
Endereço: Rua Cândido Mota, nº 1610
Vila Rodrigues. Assis/SP. - CEP: 19807-200
E-mail: waldirperico@yahoo.com.br

Abílio da Costa-Rosa
Endereço: Avenida Dom Antônio, nº 2100, Parque Universitário
Assis/SP. - CEP: 19 806-900.
E-mail: abiliocr@assis.unesp.br

Recebido em: 10/12/2012
Revisado em: 22/09/2014
Aceito em: 22/09/2014

 

 

1 Trabalho elaborado a partir das discussões "theóricas" realizadas no "Laboratório Transdisciplinar de Intercessão-Pesquisa em Processos de Subjetivação e 'Subjetividadessaúde'" (UNESP-Assis). Abarca, também, parte das elaborações de uma pesquisa de Mestrado em Psicologia (Périco, 2014), orientada pelo prof. Dr. Abílio da Costa-Rosa e financiada pela "Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo" (FAPESP).
2 Importante frisar que a partir da proposta de análise paradigmática de Costa-Rosa (1987, 2000, 2013) redefinimos a Atenção Psicossocial como conjunto de ações de um novo paradigma, o PPS, cuja insurgência ainda está em curso; vislumbrado, portanto, como um passo além do conjunto de ações operado pela Reforma Psiquiátrica brasileira (RPb). Esta, apesar das importantíssimas mudanças que operou até o presente momento histórico, apresenta-se como um conjunto de práticas ainda intermediárias entre o PPHM e o PPS. Nossa hipótese base, igualmente à de outros importantes autores (Bezerra, 2013; Figueiredo, 1997; Alberti e Figueiredo, 2006; Rinaldi, 2005; Rinaldi e Bursztyn, 2011; Quinet, 2006; Viganò, 1999), é de que, apesar de operar certa ampliação da clínica no sentido da diversificação dos dispositivos clínicos, à RPb faltaria ainda uma ampliação da clínica stricto sensu, a partir da ampliação da concepção de sujeito. No entanto, para-além do que esses autores visualizam - sendo por isso mesmo que não diferenciam a RPb da Atenção Psicossocial -, Costa-Rosa é quem nos dá, com sua proposta de análise, a bússola que nos indica o sentido de tal ampliação rumo a um novo paradigma de produção (Périco; Costa-Rosa, 2013).
3 Falar em "protagonismo do sujeito", na perspectiva da psicanálise, demanda esclarecimentos teóricos. Como veremos ao longo deste artigo, o sujeito do inconsciente não é entificável, dado que aparece já se apagando. Trata-se do "sujeito definido como efeito do significante" (Lacan, 1964/2008b, p. 203). O "protagonismo do sujeito" expressa o fato de que é o sujeito - enquanto isso que pulsa entre dois significantes [S1-S2] e coloca o sentido em movimento na produção de sentido novo: "S1(S1(S1(S1
S2)))" (Lacan, 1972-73/2008c, p. 154) - que ocupa o lugar do trabalho no dispositivo analítico. Por outro lado, cabe ainda considerar que esses processos são "encarnados" num ente, ou seja, no "indivíduo que é afetado pelo inconsciente" (Lacan, 1972-73/2008c, p. 152). Assim, ao falarmos do "protagonismo do sujeito" fazemos uma menção à tese freudiana fundamental do "indivíduo mais o inconsciente".
4 Aqui fazemos referência à teoria dos Discursos como laços sociais de produção introduzidos por Lacan no Seminário livro 17: o avesso da psicanálise (Lacan, 1969-70/1992b).
5 Segundo Costa-Rosa (2000, 2008a, 2013), para lidar com as dinâmicas institucionais, um trabalhador-intercessor deverá estar instrumentado por outros campos básicos de saber: o Materialismo Histórico, a Análise Institucional francesa e a Filosofia da Diferença. Essa necessidade, inclusive, já é indicada por Freud (1933/1996f, p. 144) quanto à "ampliação" da psicanálise em outros contextos. Do Materialismo Histórico, por exemplo, vemos ressoar essa necessidade recomendada por Freud, já que "[...] a alienação não se revela apenas no resultado, mas também no processo da produção, no interior da própria atividade produtiva" (Marx, 1844/1993, p. 161, grifo do autor). Desta forma, um trabalhador-intercessor, necessariamente, nunca poderá ser um trabalhador alienado quanto às especificidades do Modo de Produção da Atenção da qual faz parte, bem como da natureza dos efeitos ético-políticos produtivos desse Modo.
6 Descartes (1637/1996) propõe "jamais acolher alguma coisa como verdadeira que eu não conhecesse evidentemente como tal [...] que não se apresentasse tão clara e tão distintamente a meu espírito, que eu não tivesse nenhuma ocasião de pô-lo em dúvida" (p. 78).
7 Do latim: aquele que não fala.
8 Neste ponto é preciso mencionar que algumas particularidades da teorização que se segue são inspiradas nos Seminários do prof. Dr. Abílio da Costa-Rosa, proferidos nos cursos de graduação e pós-graduação em psicologia da UNESP-campus de Assis.
9 O próprio Freud (1900/2012), quando estava a falar dos processos subjetivos oníricos, refere-se a uma "mecânica desses processos" (p. 627), o que legitima nossa metáfora do aparelho psíquico como "máquina humana de subjetivar". Da parte de Lacan (1954-55/1985), temos que a "máquina é a estrutura [...]. O mundo simbólico é o mundo da máquina" (p. 66).
10 Nas magníficas palavras da poetisa, temos uma definição da psicanálise como tratamento do Real angustioso pelo Simbólico: "Eu tenho à medida que designo - e este é o esplendor de se ter uma linguagem. Mas eu tenho muito mais à medida que não consigo designar. A realidade é a matéria-prima, a linguagem é o modo como vou buscá-la - e como não acho. Mas é do buscar e não achar que nasce o que eu não conhecia, e que instantaneamente reconheço. A linguagem é o meu esforço humano. Por destino tenho que ir buscar e por destino volto com as mãos vazias. Mas, volto com o indizível. O indizível só me poderá ser dado através do fracasso de minha linguagem. Só quando me falha a construção, é que obtenho o que ela não conseguiu" (Lispector, 2009, p. 176).
11 A nós é bastante claro que o prof. Dr. Luciano Elia, no texto em questão, não está afirmando que o "pesquisador-analista", como ele o denomina, faça pesquisa enquanto está na práxis clínica. Da nossa parte, trata-se apenas de fazer uma pontuação que achamos ser mais precisa quanto à delimitação dos dois momentos - teórica, técnica e eticamente - necessários à Intercessão-Pesquisa. A mesma ressalva fazemos à fala de Birman (1992), ao afirmar que "[...] a clínica psicanalítica é o lugar da pesquisa psicanalítica" (p. 22).
12 O saber "theórico" típico à psicanálise, diferentemente do saber epistémico da Ciência (Milner, 1996, p. 39), caracteriza-se por um saber incompleto e, por isso mesmo, sempre em movimento de construção dialética em relação à práxis de onde ele emerge.

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