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Revista Subjetividades

Print version ISSN 2359-0769On-line version ISSN 2359-0777

Rev. Subj. vol.15 no.3 Fortaleza Dec. 2015

 

Editorial

 

 

Leonardo Danziato

Universidade de Fortaleza - UNIFOR - Fortaleza - CE - Brasil

 

 

A Bio-política e os Comprometimentos Políticos dos Saberes

Neste terceiro e último número de 2015, a "Revista Subjetividades" oferece aos leitores e pesquisadores um espaço de pesquisa rebuscado e politizado, já que apresenta um Dossiê sobre "Bio-política e Subjetividades Contemporâneas", que busca interrogar criticamente uma série de planos da sociedade atual, desde algumas políticas públicas até as consequências dos discursos e práticas bio-políticas para o sujeito contemporâneo. Temos ainda, uma parte complementar onde observamos dois artigos, um relato de pesquisa e uma resenha.

Encaminhando a possibilidade de publicações "especiais" renovamos a política da revista em promover a perspectiva inquietante do saber, de forma a desvendar e debater os principais comprometimentos políticos dos saberes psicológicos, que nos dias de hoje parecem aliar-se a uma vertente tecnicista do conhecimento. Um saber que não se volta para avaliar a estrutura de sua gênese pode incorrer no equívoco de apenas encaminhar as ideologias pelas quais acredita poder se valorizar. Este parece ser a via pela qual se dirige boa parte dos saberes psicológicos, cegando-se com tecnicismos, bancando uma série de discursos bio-políticos e aderindo as práticas segregatórias das classificações.

Com este número eminentemente crítico e político, convidamos o leitor a se fazer presente nas cruciais discussões que a inevitável articulação entre psicologia, psicanálise e política encerra.

Alguns artigos tem um caráter de definição e articulação da bio-política com outros discursos e outras políticas. O interessante trabalho "Bio-política, Bioeconomia, Subjetividade: Uma Análise das Principais Transformações Laborais no Capitalismo Contemporâneo" de autoria de Pablo Severiano Benevides e Tainã Alcantara de Carvalho discute a emergência da economia política como saber imanente à Bio-política, e utiliza este debate para pensar as atuais formas de regulação e governo das populações, evidenciando as principais transformações ocorridas no mundo laboral. Sylvio Gadelha em "Bio-política, Biotecnologias e Biomedicina", discorre sobre articulação dessas três dimensões, considerando-as como características do novo capitalismo, ressaltando, "as continuidades e rupturas no exercício da bio-política, na transição entre as sociedades modernas, regidas por uma lógica disciplinar, e as sociedades contemporâneas, regidas por uma lógica do controle". Conclui denunciando uma articulação entre bio-política, biotecnologias e biomedicina, constituída no período que se estende do início do século XX até o nosso presente, com o intuito de driblar, contornar, evitar, ou superar a morte, isto é, a finitude humana. Em "Capitalismo e Angústia", Sonia Borges estabelece uma reflexão sobre possíveis relações entre a angústia e os impactos da normatividade social sobre as subjetividades. Utiliza-se da psicanálise e da arte como forma de resistência a esses fatos civilizatórios e aos interesses capitalistas. E concluindo esse bloco de artigos que nos fornecem uma definição e articulação da bio-política, Fernando de Almeida Silveira, Richard Theisen Simanke e Fernando A. Figueira do Nascimento no artigo "Transversalidades entre Psicologia e Disciplina em Vigiar e Punir de Michel Foucault" estudam de forma crítica a transversalidade entre psicologia e disciplina, analisando os efeitos disciplinares na reinvenção de corpos e almas e na produção do próprio sujeito psicológico. Denunciam, assim, os comprometimentos disciplinares dos saberes psicológicos.

Outro bloco de artigos esmiúça as veredas bio-políticas das denominadas políticas públicas. Debatendo a polêmica "Regulamentação da psicanálise...", Rodrigo Lyra e Heloisa Caldas, investigam as consequências do privilégio dado ao saber administrativo e burocrático na lógica do laço social contemporâneo, e entendem essa "vontade de regulamentação", como uma tentativa de responder aos sintomas. Numa outra perspectiva, mas ainda no âmbito das políticas públicas, Ricardo Delgado Marques de Lima, Maria Cristina Lopes de Almeida Amazonas e Luciana Leila Fontes Vieira no artigo "A Pessoa medicada e o HIV/AIDS...", interrogam as implicações do uso da medicação no processo de subjetivação das pessoas vivendo com HIV/AIDS (PVHA), assim como as peculiaridades dos processos, também bio-políticos, de adesão ao tratamento. Numa lógica muito semelhante, Kallen Dettmann Wandekoken, Bruna Ceruti Quintanilha e Maristela Dalbello-Araujo, no artigo "Bio-política na Assistência aos Usuários de Álcool e Outras Drogas", entendem assistência à saúde das pessoas que fazem uso abusivo de álcool e outras drogas em um Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPSad), também como estratégias bio-políticas, demonstrando através de uma pesquisa qualitativa, que a desinstitucionalização não logrou ultrapassar práticas tutelares e a lógica manicomial, que sutilmente operam através de formas de capturas bio-políticas, tais como a 'higienização das ruas', ou com o fortalecimento da dependência à instituição e a supremacia da burocracia em detrimento do cuidado. O artigo "Assistência Social Pública Brasileira: Uma Política da Autonomia, um Dispositivo Bio-político" de Virginia Serpa Correia Lima, Clara Virgínia de Queiroz Pinheiro e Sylvia Cavalcante também investiga o caráter bio-político da Política Nacional de Assistência Social/Sistema Único de Assistência Social - PNAS/SUAS, analisada enquanto um dispositivo, e concluem que "antes de ser uma política de emancipação do sujeito, pela instauração das condições de cidadania, é um dispositivo bio-político de normalização das condutas dos indivíduos em observância ao imperativo da autonomia".

Por outro ângulo da bio-política, naquilo que tange às consequências para o sujeito, o artigo "Quetes Identitaires dans notre Modernite", de Jean-Luc Gaspard, analisa a alienação do sujeito na civilização tecnocientífica e na economia de mercado, entendendo que tal alienação promove o ego e suas façanhas imaginárias. Serve-se de uma crítica aos efeitos da instalação do discurso científico na contemporaneidade que anuncia uma mudança radical nas possibilidades de subjetivação, mudança especialmente observada em relação ao corpo e a identidade. Num visada mais histórica, o trabalho "Drogas, Bio-política e Subjetividade: Interfaces entre Psicanálise e Genealogia" da autoria de Raul Max Lucas da Costa, Leonardo Danziato, realiza um percurso genealógico do consumo de drogas, desde os tempos antigos, até sua consideração bio-política na modernidade e na contemporaneidade. A partir daí discutem a categoria do toxicômano, constituída na fronteira entre a medicina e o direito, e que por isso mesmo, possibilita intervenções policiais e higienistas próprias do "Estado de Exceção". Concluem com a proposição de que as toxicomanias estão atreladas a um agenciamento bio-político próprio do dispositivo de gozo da pós-modernidade.

Complementando este número histórico da nossa revista, dois artigos debatem duas questões crucias da nossa contemporaneidade: a questão ambiental e as formas de subjetivação da assim denominada geração Y

O trabalho "A Incerteza do Futuro e a Questão Ambiental na Contemporaneidade" de Maria Fernanda Zanatta Zupelar e Maíra Arantes Leite Wick considera a crise ambiental dentro de uma perspectiva mais ampla, ou seja, como uma crise da civilização moderna. Estabelece relações entre a questão ambiental, a educação ambiental e a insegurança de como será o tempo futuro. As autoras apostam, assim, na educação ambiental como uma via que possibilitaria as mudanças desejadas e necessárias a fim de reverter o quadro da crise socioambiental, mesmo considerando que não se deve a ela atribuir toda as responsabilidade por tais mudanças.

Em "Formas de Subjetivação Contemporâneas e as Especificidades da Geração Y", André Verzoni e Carolina Lisboa exploram as formas de subjetivação no recorte da juventude que tem sido chamado de Geração Y, ou seja, essa geração que faz uso constante de tecnologias digitais. Utilizando-se da psicanálise discutem os efeitos para esses processos de subjetivação, recusando qualquer padronização e estereótipos.

No relato de pesquisa intitulado "Experiências Estético-terapêuticas em Terapia Ocupacional: Um Relato de Experiência", Meire Luci da Silva, Thais Munholi Raccioni e Késia Maria Maximiano de Melo, descrevem a experiência do uso das oficinas artísticas como recurso terapêutico ocupacional junto a usuários do Serviço Residencial Terapêutico (SRT) do interior de São Paulo. Buscam assim, promover a articulação entre a arte e a Terapia Ocupacional, como espaço de reprodução, experimentação e reinvenção de modos de vida.

Por fim, oferecemos ao nosso leitor a intrigante resenha do documentário "Arquitetura da Destruição", realizado por Bruno Curcino Hanke e Humberto Moacir de Oliveira. Buscam destacar a segregação cotidiana na sociedade atual, partindo da tese lacaniana de 2003 exposta na Proposição de 9 de Outubro de 1967 sobre o Psicanalista da Escola, que indica três pontos que deveriam ser preocupação dos psicanalistas: uma escola de formação em psicanálise hierarquizada, o Complexo de Édipo e os campos de concentração. Estabelecem de uma forma preocupante um paralelo entre o esvaziamento do sujeito promovido pelo campo de concentração com o esvaziamento produzido pela lógica mercadológica. Trata-se, portanto, de um inquietante trabalho que bem poderia constar na mesma lógica do Dossiê "Bio-política", mas que por uma questão de estilo, preferimos publicá-lo ressaltando seu caráter de resenha.

Os editores da "Revista Subjetividades", orgulhosos pela presteza e qualidade desta publicação, não poderiam deixar de agradecer a todos os nossos colaboradores, autores e pareceristas, que possibilitaram esta edição histórica, e que esperamos possa marcar de forma contundente os estudos e pesquisas em psicologia.

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