SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.16 número2O cinismo como metáfora da culturaCaracterização do abuso sexual em clientela do CREAS índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista Subjetividades

versão impressa ISSN 2359-0769versão On-line ISSN 2359-0777

Rev. Subj. vol.16 no.2 Fortaleza ago. 2016

http://dx.doi.org/10.5020/23590777.16.2.93-104 

ESTUDO TEÓRICO

 

O lugar do sofrimento no discurso da medicina biotecnológica contemporânea1

 

The place of suffering in the discourse of contemporary biotechnology

 

El lugar del sufrimiento en el discurso de la medicina biotecnológica contemporánea

 

Le lieu de la souffrance dans le discours de la medecine biotechnologique contemporaine

 

 

Mariama Augusto Furtado (Lattes)I; Ana Maria Szapiro (Lattes)II

IPsicóloga, Especialista em Saúde Pública (ENSP/FIOCRUZ), Doutora em Psicossociologia pelo Programa EICOS de Pós-Graduação/UFRJ. Professora Substituta do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro
IIPsicanalista; Mestre em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-Rio; Doutora em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-Rio; Pós-doutora pela Université Paris VIII (Paris, Fr). Professora associada da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ no Instituto de Psicologia e professora do Programa de pós-graduação em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social, EICOS-UFRJ

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo teórico pretende analisar o lugar do sofrimento no discurso da medicina biotecnológica contemporânea. Para isso, recuperamos historicamente o processo de construção dos diferentes modos de compreender o sofrimento, analisando o olhar sobre o sofrimento inaugurado pelo discurso médico. Em seguida buscamos compreender as transformações operadas no discurso da medicina anatomopatológica moderna em direção ao que denominamos de medicina biotecnológica. Nessa passagem observamos mudanças no modo de compreender o sofrimento, que devem ser examinadas tomando como referência o contexto de transformações mais amplas em curso na pós-modernidade. É neste contexto que exalta valores ligados à eficiência, produtividade efelicidade que o sofrimento passa a ser visto como uma patologia a ser corrigida. Com efeito, um processo de contínua expansão dos diagnósticos vem trazendo para o campo da psicopatologia comportamentos comuns e estados subjetivos quenão eram concebidos como doença.

Palavras-chave: medicalização; pós-modernidade; saúde; sofrimento.


ABSTRACT

This theoretical study intends to analyze the place of suffering in the speech of contemporary biotechnology medicine. For this, we have historically recovered the process of building the different ways of understanding suffering, analyzing the gaze on the suffering inaugurated by medical speech. Next, we try to understand the transformations in the speech of modern anatomopathological medicine towards what we call biotechnological medicine. In this passage we observe changes in the way of understanding suffering, which must be examined having as reference the context of broader transformations underway in post-modernity. It is in this context that exalts values linked to efficiency, productivity and happiness that suffering is seen as pathology to be corrected. In fact, a process of continuous expansion of diagnoses has brought to the field of psychopathology common behaviors and subjective states that were not conceived as disease.

Keywords: medicalization; post-modernity; health; suffering.


RESUMEN

Este trabajo teórico pretende analizar el lugar del sufrimiento en el discurso de la medicina biotecnológica contemporánea. Para esto, recuperamos históricamente el proceso de construcción de los diferentes modos de comprender el sufrimiento, analizando la mirada sobre el sufrimiento estrenado por el discurso médico. A la continuación buscamos comprender las transformaciones operadas en el discurso de la medicina anátomo-patológica moderna en dirección a lo que llamamos de medicina biotecnológica. En este punto observamos cambios en el modo de comprender el sufrimiento, que deben ser evaluados tomando por referencia el contexto de transformaciones más amplias en curso en la post-modernidad. Es en este contexto que exalta valores relacionados a la eficiencia, productividad y felicidad que el sufrimiento pasa a ser visto como una patología a ser corregida. De hecho, un proceso de constante expansión de los diagnósticos traen al campo de la psicopatología comportamientos comunes y estados subjetivos que no eran reconocidos como enfermedad.

Palabras clave: medicalización; post-modernidad; salud; sufrimiento.


RÉSUMÉ

Cette étude théorique veut analyser la place de la souffrance dans le discours de la médecine biotechnologique contemporaine. Pour cela, nous avons historiquement récupéré le processus de construction des différentes manières de comprendre la souffrance, en analysant le regard sur la souffrance inaugurée par le discours médical. Ensuite, nous avons cherché comprendre les transformations opérés dans le discours de la médecine anatomopathologique moderne vers ce que nous avons appelé de médecine biotechnologique. Dans ce passage, nous avons observé des changements dans la façon de comprendre la souffrance, qui doit être examinée en fonction du contexte des transformations plus larges en cours dans la post-modernité. C'est dans ce contexte qui exalte des valeurs liés à l'efficacité, à la productivité et à la bonheur que la souffrance est considérée comme une pathologie à corriger. En effet, un processus d'expansion continue des diagnostics apportent au champ de la psychopathologie des comportements courants et des états subjectifs que n'ont été pas conçus comme maladie.

Mots-clés: médicalisation; postmodernité; santé; souffrance.


 

 

Ao longo da história, de diferentes modos, o homem convive com suas dores e se delicia com seus prazeres, buscando dar sentido a esses estados no curso de uma existência. Prazer e dor: o pêndulo da condição humana. Como disse Freud (1930/1997), embora o homem almeje a felicidade, a experiência do sofrimento faz parte da vida. Tomamos aqui a noção de sofrimento no sentido dado por Freud quando tratou do mal-estar como experiência humana incontornável. Na perspectiva freudiana, há um antagonismo inconciliável entre as exigências pulsionais e as restrições impostas pelo processo civilizatório. O conflito entre pulsão e cultura seria, assim, a síntese da problemática humana. A exigência de renúncia pulsional própria à vida coletiva, através dos interditos e dos limites, torna a experiência do sofrimento parte da condição humana. Os interditos, no entanto, se manifestam diferentemente nas diferentes culturas, nos diferentes tempos históricos.

Quando destacamos a palavra "experiência", compreendemos o sofrimento como algo que atravessa o sujeito, como um fenômeno que ele experiencia e que pode se referir a uma dor física ou psíquica, ambas produtoras de uma "experiência de sofrimento", uma vivência de mal-estar, de limite, daquilo que constrange, com o qual temos que produzir formas de lidar, e que atravessa o organismo como totalidade mente-corpo, e não como dimensões separadas.

Quando sinto dor física, ela produz sofrimento. E quando a dor é psíquica também pode afetar meu corpo por inteiro. É sobre essas diferentes formas de lidar com a experiência de sofrimento que queremos interrogar aqui. Como compreendemos hoje essa experiência e que recursos produzimos para lidar com ela? Que deslocamentos vem sofrendo essa experiência e que lugar ocupa na subjetividade contemporânea?

Os diferentes modos pelos quais o homem significa o sofrimento e lida com ele devem ser situados no contexto nos quais ocorrem, assim é que o discurso do cristianismo medieval, por exemplo, compreendia o sofrimento como meio de conduzir o homem à salvação. A partir da modernidade, assistiu-se a uma significativa mudança no sentido do sofrimento, abrindo-se um novo cenário onde o conhecimento médico-científico sobre o corpo e sobre as causas das doenças proporcionou meios de controlar ou mesmo eliminar a dor.

Num longo percurso, pouco a pouco o homem deixou a aceitação do sofrimento como condição de salvação para uma concepção na qual essa experiência veio a adquirir um estatuto de algo patológico. De fato, a modernidade promoveu o deslocamento daquela concepção do sofrimento como salvação, própria ao discurso religioso, para um discurso onde caberia ao homem, através do conhecimento científico, livrar-se do sofrimento. Assim, o cuidado com a vida adquiriu uma importância fundamental, e a busca pela felicidade transformou-se, como também afirma Freud (1930/1997), em um objetivo maior a ser alcançado através do conhecimento e da razão.

Para esta análise, nos concentramos em três momentos, de modo a examinar os deslocamentos nos sentidos atribuídos à experiência do sofrimento. O primeiro momento, na época medieval, em que o sofrimento - e também a morte - eram tomados como naturais, faziam parte da vida humana. O segundo momento, marcado pelo advento da modernidade, no qual o surgimento da medicina inaugurou um novo olhar sobre o sofrimento e sobre a morte, que passaram a ser objetos de conhecimento e intervenção. E, por fim, o momento atual, resultado de desdobramentos da medicina moderna, no qual o sofrimento passa a ser patologizado, devendo assim ser corrigido. Esse último momento configura o foco de nossa análise. Interessa-nos revisitar historicamente os diferentes sentidos do sofrimento a fim de acompanhar suas transformações e as condições que tornaram possível a emergência de um novo olhar sobre o sofrimento, tal como se apresenta hoje.

Em "O Nascimento da Clínica", Foucault (2004) ressalta que o olhar médico, característico da modernidade, resultou na produção de uma forma de subjetividade não mais ancorada na perspectiva de uma alma infinita, de um sofrimento que faz parte da vida natural, mas de uma percepção e visibilidade do corpo que o insere numa posição singular com relação à morte, que, por sua vez, conduz o homem a uma experiência subjetiva que o concebe em sua finitude, repensando sua relação com a dor e o sofrimento. A modernidade, por assim dizer, traz com ela uma nova forma de experimentar a dimensão corpórea, de compreender a morte e de intervir sobre a dor e o sofrimento, os quais se acentuaram e ganharam novas dimensões no contexto contemporâneo, que Lyotard (2006) definiu como "condição pós-moderna".

Nesse sentido, seguindo as pistas deixadas por Lyotard (2006), compreendemos que a crise das grandes narrativas de legitimação trouxe uma mudança significativa nos modos de pensar sobre a condição humana, sobre a saúde, a doença, o corpo, a morte e sobre o modo de intervir no sofrimento. Assim, é fundamental analisarmos a passagem da medicina moderna para o que chamamos aqui de medicina biotecnológica pós-moderna, com suas rupturas e continuidades, de modo a examinar aí seus efeitos sobre o lugar da experiência do sofrimento hoje.

 

A Medicina Moderna e a Tomada da Vida Como Valor

A palavra sofrimento vem do latim sufferire, que quer dizer aguentar, levar, carregar. Nesse sentido, sofrer remete etimologicamente à experiência se suportar, de conviver com. Vergely (2000), em "O sofrimento", diz que "sofrer quer dizer ter dor". Dor física no corpo, pois esse é subitamente atacado, ferido, lesionado do exterior ou interior, por doenças ou qualquer outra forma de acometimento. Dor também na alma, porque diversas são as intempéries que assolam a vida emocional do homem e que produzem dor: perder um ente querido, separar-se de um amor, etc. E, por fim, dor na vida toda, pois o mundo em que vivemos, a vida que levamos, as escolhas que fazemos, as contradições da sociedade, a violência, as injustiças, as tragédias, a miséria, as relações de trabalho, etc., são assuntos que igualmente nos perturbam.

Muitas vezes somos levados a nos perguntar: por que a vida parece tão pesada? Por que o corpo adoece? Por que temos que perder entes queridos para a morte? Por que morremos? Se a vida é uma dádiva, por que tantos sofrimentos?

Na cultura ocidental, buscou-se responder a tais perguntas construindo um relato de que fazia parte da vida sofrer; e, mais do que isso, de que o sofrimento se fazia necessário. Foi particularmente a narrativa cristã da cultura ocidental que contribuiu para a construção desse modo de enxergar o sentido e o lugar do sofrimento. A concepção de sofrimento, nesse sentido, era de que este resultava de uma queda original na matéria e no sensível. A encarnação em um corpo nos imporia um limite gerado pela doença e pela morte, levando-nos a paixões que produzem sofrimento.

O sofrimento se instituiu no Cristianismo como um meio purificador do amor misericordioso. A história dos santos, dos personagens notáveis por suas bondades, está repleta de exemplos do modo como o homem saía engrandecido, renovado e mais forte de uma dificuldade extrema que parecia capaz de abatê-lo para sempre. O sofrimento possuía um sentido de engrandecimento, de evolução pessoal.

Vergely (2000) considera que a relação com o sofrimento presente nessa época traduz as características do modo como o homem cristão antigo enfrentava e produzia sentido para o mundo obscuro e de pouco controle das inseguranças que vivia. Para o autor, enquanto outrora era o sofrimento que propiciava a evolução do homem, hoje a tecnociência e a felicidade são requisitadas para realizar essa tarefa. Há, nesse longo percurso, um conjunto de transformações importantes de serem analisadas no que tange à relação com morte e à tomada da vida como valor. Essas mudanças produziram significativos efeitos na relação do homem com o sofrimento.

Para Elias (1993), foi lento o percurso que culminou numa inversão radical onde a dor e o sofrimento passaram a ser objeto de piedade e de comiseração, levando o homem a afetar-se com o sofrimento do outro. Neste sentido, o autor chama atenção para o fato de que, no Antigo Regime, o sofrimento, a morte, a dor, a fome e a miséria não mereciam o apreço e o respeito do modo aristocrático de enxergar o mundo.

Ainda segundo Elias, o advento da sociedade de corte marcou o surgimento de um indivíduo que passou a se submeter às normas sociais e a controlar seus impulsos. Disso resultou, para o autor, uma mudança em todo o molde social. Assim, Elias (1993) caracterizou o processo civilizatório como um processo que produziu mudanças nos modos de significar o sofrimento, a miséria e a dor, que, até então, não constituíam um problema e tampouco eram tomados como objeto de conhecimento.

Já Foucault (2008) analisa esta problemática do ponto de vista da passagem de um poder soberano a um poder disciplinar. No poder soberano, a morte era algo da ordem do inevitável e natural, assim como a vida do homem medieval, representado através da expressão que o autor denomina como "fazer morrer e deixar viver". Na modernidade, essa atitude de "deixar viver", que sinalizava a negligência com a dimensão do cuidado com a vida, deu lugar às práticas disciplinares e regulamentadoras, com o objetivo que ele denominou de "fazer viver": despertar o valor de zelar pela vida, controlando a proliferação das doenças, combatendo o sofrimento e a morte.

O advento da modernidade assinalou, assim, uma mudança significativa com relação aos momentos precedentes da história, uma vez que a dimensão da vida natural, a zôê, tornou-se objeto dos mecanismos de poder do Estado, o objeto de uma biopolítica (Agamben, 1998). A modernidade inaugurou esse novo olhar sobre a vida, a saúde, a morte e, por fim, sobre o sofrimento. A tomada da vida como valor e a potencialização da apreensão da zôê emergem como questões fundamentais no contexto da análise sobre o lugar do sofrimento.

O saber médico, nesse contexto, tornou-se um poderoso instrumento de estabelecimento de uma cultura da higiene pública, introduzindo nas populações o aprendizado de noções de higiene. Não só a vida, mas também a morte foi medicalizada, passando a ser percebida como resultado de uma ineficiência na arte de governar as populações, como negatividade e como um desafio a ser enfrentado pelo saber médico. Assim, uma das grandes características do governo das sociedades modernas, já desde o século XVIII, foi ocupar-se da gestão do bem-estar físico da população, com vistas a garantir a saúde e aumentar a longevidade (Foucault, 2008).

Com isso, novas formas de aliviar as dores e combater a morte, cada vez mais ligadas aos recursos técnicos e médicos emergentes, tornavam-se de fato capazes de minimizar o sofrimento. O avanço no conhecimento sobre os processos vitais permitiu um maior controle sobre as epidemias e sobre os males que, de uma maneira geral, causam sofrimento na vida do homem. O conjunto de informações e conhecimentos que acumulamos aumentou consideravelmente, de tal forma que buscamos cada vez mais controlar os processos de envelhecimento, morte e as causas do sofrimento.

O surgimento da medicina anatomopatológica promoveu importantes transformações no conceito de saúde, que resultaram num processo lento de desnaturalização do sofrimento e da morte, trazendo uma nova perspectiva de intervenção sobre o corpo. Em "O Nascimento da Clínica", encontramos as bases arqueológicas sobre as quais Foucault (2004) construiu sua análise acerca das condições de possibilidade do surgimento da medicina anatomopatológica moderna e das rupturas operadas por ela com relação ao saber sobre a doença que lhe antecedeu. A medicina moderna inaugurou, segundo Foucault (2004), um novo campo da experiência subjetiva, que está intimamente relacionado ao modo como o corpo passou a ser compreendido e capturado por esse saber.

A nova compreensão sobre a saúde e a doença que emergiu na medicina moderna marcou uma série de transformações que podem ser compreendidas a partir de alguns aspectos, dentre os quais, para os fins desta análise, merecem destaque: 1. Espacialização da doença no corpo: deslocamento do espaço de configuração da doença da medicina clássica para a medicina moderna, desaparecendo a ideia de um "ser da doença", isto é, da doença como uma essência nosográfica, e emergindo a noção de um "corpo doente"; 2. A morte como objeto de investigação: desde então a vida do homem passou a ser estudada à luz dos estudos sobre os cadáveres; 3. Desnaturalização da dor e do sofrimento, que passaram a ser tomados como objetos de intervenção. Nesse sentido, o sofrimento antes compreendido como uma contingência da vida humana, algo irremediável e ao mesmo tempo natural com o qual lidava o homem, passa a ser um problema a ser tratado. A morte e o sofrimento passam a ser combatidos a partir de uma clínica que desponta no horizonte paradigmático de uma medicina que surge localizando no corpo e na profundidade orgânica o conhecimento sobre a doença (Foucault, 2008). Esse deslocamento, por sua vez, resultará igualmente numa concepção de saúde que irá se referir a um funcionamento normal dos organismos e dos comportamentos. E a doença será, daí em diante, tratada como um desvio da normalidade.

 

Medicina Biotecnológica e Condição Pós-moderna: Rearranjo de Práticas e Discursos.

Podemos entrever relações diferentes com o corpo, a morte e o sofrimento na medida em que os discursos científicos sutilmente se deslocam de uma medicina anatomopatológica moderna para uma medicina que estamos denominando de "biotecnológica pós-moderna". Nosso objetivo é compreender tais deslocamentos discursivos, articulando-os às mudanças no que diz respeito aos modos com que lidamos hoje com a experiência de sofrimento.

Não devemos considerar, entretanto, que essas transformações decorrem de uma ruptura fundamental com o projeto da modernidade. Pelo contrário, parece-nos que a passagem para o que denominamos de "medicina biotecnológica pós-moderna" resulta de uma radicalização do projeto da medicina anatomopatológica moderna, encontrando nela sua condição de possibilidade. Buscaremos, deste modo, compreender as nuances que operam descontinuidades e novas produções discursivas, sem deixar de considerar as bases epistemológicas que nos apontam continuidades e convergências com aquilo que foi inaugurado no horizonte do pensamento moderno.

Tomamos como referência o conceito de pós-modernidade formulado por Lyotard (2006) e retomado por Dufour (2005), ambos ressaltando que efetivamente assistimos hoje a uma lenta e progressiva transformação do solo de valores que sustentava o projeto da modernidade. Para Lyotard (2006), a ciência que se revelou ao homem moderno ganhou novos contornos em nosso tempo. A partir da segunda metade do século XX, assistimos a notáveis modificações no discurso da ciência provocadas pelo efeito das transformações tecnológicas sobre o estatuto do saber.

A filosofia moderna elegeu como uma de suas questões principais a pergunta sobre o que é o conhecimento, deixando em segundo plano as questões ontológicas diante das gnoseológicas. Consequentemente, fez da filosofia um metadiscurso de legitimação da própria ciência, que fundamenta as perguntas próprias ao campo da epistemologia. A partir de então, desenvolveu-se um conjunto de discursos, a que a ciência passou a ter que recorrer para legitimar-se, como saber: razão, totalidade, verdade, progresso, etc.

Para Lyotard (2006), no cenário pós-moderno, a fonte de todo conhecimento passou a ser a "informação". Em decorrência disso, a ciência passou a ser nada mais do que um modo de organizar, estocar e distribuir certas informações. Com isso, os critérios legitimadores da produção científico-tecnológica da era pós-industrial deslocam-se para novos discursos, como: aumento da potência, eficácia, otimização das performances, sistema, etc.

Esse autor destaca o movimento pós-moderno de deslegitimação do estatuto do saber e da prevalência do critério de desempenho: "esta é a filosofia positivista da eficiência" (Lyotard, 2006, p. 99). Desta maneira, o crivo da cientificidade se desloca para as descobertas que forem úteis do ponto de vista da técnica, que tiverem valor de uso do ponto de vista do mercado, e que tiverem funcionalidade e produzirem certo tipo de informação que possa ser traduzível na linguagem que as máquinas informacionais compreendem; de tal forma que hoje falamos em "tecnociência".

O resultado da hegemonia da técnica sobre a ciência, retomando a perspectiva de Lyotard (2006), é uma concepção operacional da ciência que passa a vigorar a partir do final do século XIX. A pesquisa científica passa a ser condicionada pela aplicabilidade técnica e pelas possibilidades dadas pela máquina informacional. O que escapa a aplicabilidade ou transcende tais possibilidades tende a não ser considerado operacional nem útil.

Lyotard (2006) nomeia como "deslegitimação" o processo de deterioração dos dispositivos modernos de explicação da ciência, e caracteriza a pós-modernidade situada em relação à crise dos relatos. Em suas palavras, "considera-se pós-moderna a incredulidade em relação aos metarrelatos. (...) A função narrativa perde seus atores, os grandes heróis, os grandes perigos, os grandes périplos e o grande objetivo" (Lyotard, 2006, p. xvi).

Não obstante, analisa Lyotard (2006), uma vez que vivemos uma crise dos relatos e da função narrativa - que outrora organizavam o laço social-, que as sociabilidades passam a ser geridas também sobre matrizes de input/output, ou seja, sobre uma lógica de funcionalidade do sistema, de operatividade das relações, de eficácia dos jogos de poder e maior performance individual. Ele alerta, porém, que "a aplicação deste critério a todos os nossos jogos não se realiza sem algum terror, forte ou suave: sede operatório, isto é, comensurável, ou desaparecei" (Lyotard, 2006, p. xvii).

A narrativa pós-moderna parece assim mais interessada na pergunta "para que serve?", do que na pergunta ontológica "o que é isso?", ou na pergunta histórica "por que isso?". Há, do ponto de vista filosófico, um deslocamento da pergunta pelo [ser] em direção a uma pergunta pelo [fazer]. Do [porque] ao [para que]. O que, de certa forma, é compatível com o que Lyotard (2006) anunciou como sendo um modo de fazer ciência submetido às demandas do mercado.

Matriz da tecnociência, a cibernética correspondeu, por sua vez, ao projeto de busca pelo conhecimento centrado no controle operacional, cujo alcance começamos a enxergar na atualidade. As investigações no campo da cibernética têm sempre uma finalidade prática, de modo que há entre seus estudiosos e críticos uma falta de consenso com relação à utilização do termo ciência para determiná-la. Ela se constitui justamente como uma tecnociência, que poderia ser definida antes de tudo como uma arte de garantir a eficácia da ação (Lafontaine, 2004).

Lafontaine (2004) nos convida a pensar, em seu texto "O Império Cibernético", sobre o mundo que se descortina a partir do projeto cibernético, cujos efeitos na cultura não se podia imaginar o alcance. Os pioneiros da cibernética anunciaram um mundo sem fronteiras, voltado para a comunicação e para a troca de informação, povoado por seres híbridos (como as máquinas inteligentes, robôs e ciborgues).

Esse foi, por assim dizer, o propósito do projeto cibernético formulado por Norbert Wiener no pós-guerra, que assumiu,como destacou Lafontaine (2004), a dimensão de um segundo Renascimento, uma vez que inaugurou um novo paradigma, cuja extensão abarca em si as descobertas técnicas e científicas de sua época, expandindo-se para diversos domínios da vida humana. O modelo informacional proposto por Wiener (1954) pouco a pouco se expandiu e hoje representa um hegemônico campo paradigmático.

Assim, após a revolução industrial e com o advento da revolução das tecnologias de informação e computação operada pela cibernética, vivemos a era da mais recente revolução biotecnológica. Ao falarmos em revolução biotecnológica, nos referimos aos avanços no campo da engenharia genética, que promoveram enormes transformações a partir da capacidade tecnológica crescente de decodificar e manipular o DNA, e ainda aos avanços em campos como a biologia molecular, a neurociência cognitiva, as ciências do comportamento e a neurofarmacologia. Trata-se de uma "revolução" no sentido das transformações estruturais nos modos como produzimos conhecimento sobre a vida humana, sobre a fonte das nossas emoções e comportamentos e, consequentemente, sobre como manipulá-los.

Com o advento da biologia molecular, as doenças passaram a ser representadas como algo inscrito no código genético, convergindo os estudos para o campo da genética, de modo que passamos a buscar a causa das doenças em partes cada vez mais "invisíveis" e internas do corpo, marcadas nos genes. Assistimos, com isso, a uma miniaturização dos espaços do corpo e, a partir de então, os transplantes e o poder de alimentar o corpo vivo com técnicas de simulação tornou-se possível. Por fim, com a nanotecnologia, o corpo assumiu a precisão e a potência da própria tecnologia. Esse conjunto de transformações provoca, sem dúvida, mudanças nas concepções de saúde e doença, assim como na relação com o corpo e com a morte, com a dor e o sofrimento.

Analisando o enorme avanço biotecnológico contemporâneo, Pedro (2009) identifica um projeto voltado ao prolongamento indefinido da vida e até mesmo a busca pela imortalidade. A autora sustenta que a dimensão da vida, uma vez que é colocada em escala nanométrica, acaba produzindo uma zona de indistinção entre o que é animado e inanimado, logo entre o vivo e o não vivo.

As intervenções moleculares tornam-se, de certo modo, determinantes da personalidade, dos humores e das patologias. Em suma, daquilo que definimos como saúde, resultando na produção de novas técnicas e terapêuticas capazes de manipular esses estados. Tais técnicas e práticas prometem corrigir e reprogramar aquilo que somos. Como argumenta a autora, as intervenções nanobiotecnológicas "fabricam a existência" (Pedro, 2009, p.70).

A biocibernética promete a possibilidade de superação da frágil e perecível condição humana, uma vez que sustenta a viabilidade de uma sociedade na qual a técnica pode nos conduzir à superação dos limites da imperfeição humana. Em seu livro, Wiener (1954) afirma que a desorganização e o caos que ameaçam a sociedade se assemelham ao mal agostiniano da imperfeição, que "não é em si mesmo uma força, mas antes a própria medida da nossa fraqueza". Logo, os traços da imperfeição, da irracionalidade, da dominação da vontade sobre a razão, da finitude, do corpo doente, do sofrimento, encarnam as vestes dos inimigos a serem combatidos pela técnica. O combate contra a fraqueza humana está, portanto, no coração do projeto sustentado pelos cibernéticos e da episteme pós-moderna.

Os avanços na produção de conhecimento nas áreas da engenharia genética, da robótica e da inteligência artificial possibilitaram que a atual tecnociência avançasse no projeto de remodelagem do ser humano, que já havia sido iniciado lá no surgimento da medicina anatomopatológica moderna, com seu projeto de curar doenças e na sua ambição por modificar, melhorar e prolongar a vida.

Essas questões nos convidam a uma ampla reflexão sobre o complexo cenário epistemológico da atualidade, cujos efeitos discursivos percebemos nas transformações da cultura, que nos conduzem à emergência de um novo olhar sobre o sofrimento e sobre os modos de enfrentá-lo, e à uma medicina capaz de assimilar em seu discurso essas mudanças em curso. Medicina que reflete e, ao mesmo tempo, participa da produção deste novo contexto, que marca a subjetividade contemporânea. É, portanto, nesse cenário que localizamos a medicina biotecnológica pós-moderna, a partir da qual podemos pensar a emergência de um novo modo de experimentar a relação com o sofrimento.

Ao se apoiar no discurso tecnocientífico pragmático, a medicina biotecnológica pós-moderna parece então colocar-se a pergunta "para que serve o sofrimento?". Não o "por quê?" do sofrimento, mas sim como resolvê-lo de modo a se ter uma performance compatível com o tempo acelerado que vivemos hoje, buscando o alívio da dor e a maximização do prazer.

Das transformações assinaladas anteriormente, podemos derivar reflexões que podem nos conduzir a pensar sobre a emergência de uma nova concepção de saúde. O que significa ser saudável hoje? De que maneira o discurso da medicina biotecnológica participa da construção de um ideal de saúde perfeita e do modo como lidamos hoje com o sofrimento?

O conceito de saúde inaugurado no projeto biomédico moderno dizia respeito ao funcionamento do organismo em conformidade com as constantes fisiológicas e a definição de seu padrão de normalidade. Nessa perspectiva, a saúde era definida como o oposto da doença, ou seja, um fenômeno que só seria percebido quando sentíssemos sua ausência. Em decorrência desse modelo, compreendia-se a doença como uma entidade biológica, materializada num corpo fisiológico. Tal concepção de saúde/doença se estabeleceu como princípio fundamental da ciência médica moderna desde o raiar do século XVIII até o início do século XX. Entretanto, a partir de meados do século XX, vimos surgir, pouco a pouco, uma série de transformações que acabam por promover mudanças importantes nas concepções de saúde.

Um dos marcos importantes desse processo foi a proposição feita pela Organização Mundial da Saúde, em 1946, quando lançou sua definição de saúde como um estado de completo bem-estar físico, psíquico e social, não consistindo somente na ausência de enfermidades ou de doenças. A definição proposta pela OMS introduziu um conceito amplo de saúde que buscava integrar os determinantes sociais da doença nas ações políticas. Na tentativa de renovar o pensamento sanitário, propôs a incorporação de novos modelos de atenção, centrando-se na perspectiva ampla do cuidado integral. Além disso, o conceito de "completo bem estar" refletia, de certa maneira, uma aspiração nascida dos movimentos sociais do pós-guerra. A saúde, nesse contexto, deveria expressar o direito a uma vida plena e sem privações.

Outro importante marco no deslocamento conceitual e das práticas em saúde foi o surgimento, nos anos 70, do campo que ficou conhecido como "Promoção da Saúde", o qual consolidou a introdução de um conceito amplo de saúde, configurando-se numa política que busca formular ações sociais e econômicas que operem na redução dos riscos de adoecer.

O discurso sanitário contemporâneo, que se expressa tanto na definição da OMS quanto nas proposições do campo da Promoção da Saúde, amplia o conceito de saúde propondo que as condições fundamentais para tal são: paz, felicidade, alimentação e nutrição, renda, ecossistema estável, recursos sustentáveis, justiça social e equidade, boas condições de trabalho, oportunidades de educação ao longo de toda a vida, ambiente físico limpo, apoio social para famílias e indivíduos, moradia e saneamento.

Nessa concepção, saúde significa mais do que não estar doente. Ter saúde envolve uma concepção de vida com qualidade, o que inclui bem-estar físico, mental e social expressos em sua máxima potência. As noções de felicidade, qualidade de vida, bem-estar passam a fazer parte do que significa "ser saudável", o que conduz, de passagem, a uma acentuada reverência a um estado de saúde perfeito, expresso na definição inaugurada pela OMS, que foi posteriormente assimilada e difundida pelo discurso da Promoção da Saúde (OPAS, 1986).

A escolha por uma concepção ampla de saúde promove repercussões também na produção subjetiva contemporânea. O cuidado com a saúde passou a ser uma preocupação destacada na contemporaneidade, atravessando os diferentes segmentos sociais, num acento expressivo quanto ao cuidado com o corpo e seu funcionamento otimizado. Estabelecendo, de passagem, novas formas de relação com a dor e o prazer, com a vida e a morte.

Na modernidade, o olhar médico era voltado fundamentalmente para prevenir-tratar-curar, ou seja, aliviar a dor e prevenir a doença. Hoje, essa tríade não desaparece evidentemente, embora sua importância esteja reduzida face à ênfase dada ao processo de promover-gerir-superar. Portanto, trata-se agora de evitar a dor, promover a saúde e alcançar uma gestão otimizada da saúde e das performances individuais, o que significa um empenho para além da prevenção e cura das doenças, mas um esforço de superação em busca de um completo estado de bem-estar, tal como anuncia a definição ampliada de saúde da OMS ("a saúde é um completo estado de bem estar biopsicossocial, não consistindo apenas em ausência de enfermidade"). Se a medicina moderna possuía como objeto a doença, a medicina pós-moderna possui como objeto a saúde, num horizonte onde viver uma vida saudável se confunde com o próprio projeto de felicidade (Szapiro, 2005).

Alcançar a saúde perfeita e uma vida plena e livre do sofrimento se torna uma meta no momento em que a medicina, na condição pós-moderna, adquire novas conformações. Ter saúde se torna quase que sinônimo de ter felicidade e, consequentemente, o sofrimento se torna uma doença a ser combatida e tratada.

A acentuada reverência ao estado de saúde perfeito foi possível graças à extraordinária ampliação do uso de tecnologias nas práticas médicas no decorrer do século XX. Assim, a medicina do século XXI participa da construção e da chegada de um homem que quer ser perfeito, com o corpo manipulável por técnicas, inclusive de simulação, e que tem à sua disposição potentes reguladores do humor.

Para Sfez (1996), se um dia chegar a atingir de fato a imortalidade, esse homem não precisará mais de Deus nem da moral, nem de nenhuma outra narrativa transcendente que possa responder à pergunta sobre o sentido da vida. A "utopia da saúde perfeita" vem, portanto, fundar novas certezas num mundo desprovido de referenciais. O fim das grandes narrativas (Lyotard, 2006; Dufour, 2005) seria o princípio e a condição de possibilidade da utopia da saúde perfeita enquanto ela se torna o meio e a finalidade. Saúde para a vida e viver para estar em boa saúde.

A queda dos referenciais simbólicos - nos quais assentávamos as explicações e o sentido para a morte, o sofrimento e, enfim, para constituição do laço social - tem resultado num conjunto de efeitos que buscamos compreender. Dessas complexas transformações, que fazem eco em diversas áreas, destacamos aqui um efeito relativo aos processos de subjetivação: a transformação da vida e do bem-estar em valores em si mesmo.

Nesse mesmo sentido, Szapiro (2005) argumenta que a negação das referências simbólicas faz emergir um sujeito cuja vida passa a ser regulada e administrada a partir da centralidade dos aspectos biológicos. Para a autora, a produção de sentido para a vida estaria hoje contida nas recomendações e prescrições que anunciam o que pode estar ao alcance de todos, a saber, o cuidado com o próprio corpo e a saúde, com a ausência do sofrimento e da dor. Sem referências, esse sujeito adere de bom grado ao novo discurso da "saúde perfeita" e a todas as exigências e sacrifícios que se imponham para a conquista de uma vida saudável.

O alcance da vida saudável e o lugar que o discurso da promoção da saúde ocupa nas políticas e nas práticas de saúde impõem uma austera gestão dos riscos, que devem ser administrados individualmente, sendo cada vez mais responsabilidade do próprio indivíduo cuidar do seu bem-estar. A busca incansável pela saúde, tornando-se um imperativo, produz, com efeito, a intolerância à dor e a patologização de experiências de sofrimento, que antes eram consideradas como parte da vida.

 

O Mal-estar na Cultura do DSM-V e a Medicalização da Vida

Com as transformações que se consolidaram ao longo do século XIX, anunciadas por Foucault (2004) em "O Nascimento da Clínica", foram dadas também algumas das condições para o surgimento da psiquiatria moderna e, junto a ele, a patologização da loucura e das experiências de sofrimento. Da concepção de loucura como desrazão para a concepção de alienação, o louco estava preparado para se transformar na figura do doente mental.

A importância da emergência da psiquiatria no campo das ciências humanas é, para Foucault (2013), o fato de que promoveu um conhecimento objetivo e científico da "verdade" do homem, visto que a loucura como fenômeno patológico se tornou um objeto do saber científico pela primeira vez. Essa é uma virada notável na problemática do lugar do sofrimento.

A loucura passou a ser considerada uma doença mental, e a psiquiatria assumiu a autoridade de criar categorias diagnósticas que passam a descrever as mais diversas experiências de mal-estar psíquico. Junto com a nova definição da loucura como doença mental (Foucault, 2013), funda-se uma concepção da localização anatômica dos fenômenos e transtornos mentais, acompanhando as transformações em curso no discurso anatomopatológico da medicina moderna.

A medicina mental esforçou-se para marcar a originalidade de seu objeto, de seus métodos e de sua abordagem com relação à medicina geral. Isso significou, já no século XIX, a delimitação de um espaço específico para seu exercício e para o tratamento da loucura, que era o hospício. A exigência da especificidade das instituições e da formação psiquiátrica, explica Castel (1987), se deve ao fato da psiquiatria ser uma medicina "não como outra", justamente porque ela diz respeito à doença mental, que, por sua vez, não é uma doença "como outra qualquer".

Notemos que, ao mesmo tempo em que buscava demarcar sua especificidade com relação à medicina geral, a psiquiatria buscou na medicina os alicerces para a constituição "científica" do seu saber sobre a mente humana. Como explica Castel (1987), o alienismo procurou na medicina do século XVIII o modelo de suas nosografias: classificação de sintomas e procura de uma etiologia das doenças mentais; assim como buscou na medicina moderna as bases anatomopatológicas para a localização das doenças mentais em áreas do cérebro.

A objetivação do fenômeno da loucura pelo discurso médico científico produz seus efeitos de poder à medida que a psiquiatria passa a assumir o lugar de proferir e desvelar a verdade sobre a loucura, a qual, sendo uma doença, precisa ser tratada e medicada. Não só a doença mental, mas as demais experiências de sofrimento psíquico passam a ser objeto da psiquiatria, demandando igualmente tratamento e medicalização.

Segundo Didier Fassin (1998), a medicalização é uma construção social e uma transformação cultural. Ela consiste em conferir uma natureza e uma explicação médica aos fenômenos que concernem a outras dimensões da vida humana que não a saúde. Desse modo, quando usamos a palavra medicalização estamos nos referindo a uma normalização dos comportamentos baseada em normas higiênicas.

A medicalização como dispositivo se traduz em uma transformação na cultura visto que as questões sociais, os comportamentos, as emoções e as relações passam a ser pensadas a partir do binômio "normal - patológico". A extensão da medicalização traduz, na forma de patologias, fenômenos que antes faziam parte do viver humano. A medicalização é também um fato político através do qual as sociedades são governadas e é feita a gestão das populações, como analisou Foucault (2008) a respeito da biopolítica como modo de regulamentação da vida. O saber médico-psiquiátrico, como saber científico, detém a verdade sobre a loucura, a infância, a adolescência, a sexualidade, a delinquência, o trabalho e as relações familiares.

De que maneira o discurso médico se impõe como legítimo modo de gestão da ordem social? Para Fassin (1998), no nível cultural, a medicalização da sociedade implica na redefinição de um conjunto de questões sociais a partir de termos médicos; e, no nível político, a medicalização implica na legitimação dessa redefinição através da identificação do discurso médico-científico como lugar da verdade.

Assim sendo, o processo de medicalização que teve início no século XIX e se intensificou ao longo do século XX, hoje adquire destaque maior devido não somente à legitimidade do discurso médico-científico como portador da verdade, mas também ao valor central que o lugar da saúde adquiriu nas sociedades contemporâneas (Szapiro, 2005). Como vimos, a saúde passou a conter uma definição cada vez mais ampliada e um status privilegiado no escopo dos valores e preocupações nas sociedades atuais, assumindo um lugar imperativo e objetivo prioritário. A busca pela saúde hoje abarca a otimização das faculdades de cada um e a potencialização das condições e estilos de vida.

É nesse sentido que Aïach (1998) considera a ideologia da saúde um fenômeno totalizante, devido à extensão do discurso médico a quase todos os aspectos de ordem social e de ordem psíquica. Segundo o autor, não somente a medicina moderna e científica triunfou enormemente sobre as medicinas ditas tradicionais, como ela ocupou uma grande parte do espaço social, despertando enorme interesse por tudo que diga respeito à saúde (Aïach, 1998).

Como assinala Bezerra (2010), a medicina se volta hoje para o tema da qualidade de vida, pautada que está em medidas superlativas de bem-estar, ou seja, em uma ideia de um sentir-se mais que bem, que resultaria da eficácia na gestão da vida e do controle do sofrimento. Assim, os discursos de patologização do sofrimento inerente à vida acabam se expandindo, confundindo a fronteira entre tratamento e aperfeiçoamento pessoal mediado pela regulação biotecnológica. Os mais diferentes aspectos que envolvem o viver humano, como solidão, tensões familiares, ansiedade, desafios profissionais, dificuldades de relacionamento e problemas sexuais, tornaram-se hoje problemas que passaram, inclusive, a receber o status de distúrbios, ou transtornos, tornando-se medicamente inscritos e descritos através de categorias diagnósticas.

Compreendida como um conjunto de discursos e práticas historicamente constituídos, a psiquiatria retrata e ao mesmo tempo fabrica a dinâmica normativa do contexto sociocultural no qual se encontra, produzindo, no campo da subjetividade, dispositivos que regulam os modos de compreensão do sofrimento e as formas de agir sobre ele. A classificação de doenças mentais começou nos asilos, que, desde o final do século XVIII, com Pinel, foram o lugar privilegiado de intervenção sobre a loucura. Até o final do século passado ainda era basicamente nos hospitais que essas categorias nosográficas eram aplicadas. Contudo, com o surgimento dos psicofármacos e com o aparecimento do manual de diagnóstico nos Estados Unidos, que conhecemos hoje como DSM, esse quadro foi progressivamente alterado.

Tais manuais tinham por objetivo buscar superar a fragmentação que se apresentava no campo psiquiátrico, criando um vocabulário único e universalmente aceito, o que sem dúvida produziu efeitos de normalização. Argumenta Bezerra (2010) que foi o modelo americano que se tornou a fonte hegemônica e praticamente inquestionável da classificação de transtornos psiquiátricos.

Desde então assistimos a um significativo aumento do número de diagnósticos no campo da psiquiatria, que abarcam hoje quase todos os aspectos da vida, de modo que um número cada vez maior de pessoas torna-se potencialmente portadora de algum transtorno. Para se ter uma rápida ideia, o DSM-II/1952/1968 catalogava um total de 160 categorias. Em 2000, esse número saltou para 374, com o DSM-IV.

Essa constatação do aumento do número de diagnósticos a cada revisão do Manual nos leva a refletir sobre as formas crescentes de medicalização de quase todas as experiências subjetivas e a consequente aceitação de sua manipulação biotecnológica. A multiplicação dos estados considerados patológicos demonstra que a noção de normalidade se tornou ainda mais controversa, e que qualquer desvio poderá ser descrito como um transtorno.

Paulatinamente, as categorias que antes eram complexas e herméticas, cujo domínio e manejo eram habilidade para poucos, tornaram-se simples e amplamente difundidas. Hoje, as pessoas conhecem, falam e se autodiagnosticam baseadas nas informações midiáticas propagadas a respeito, em buscas na internet e nos demais meios de difusão. O vocabulário psiquiátrico se vulgarizou. Com isso, um número cada vez maior de pessoas passou a ter seu sofrimento descrito e tratado em termos médicos.

A publicação da nova edição do DSM-V, em 2013, versão que contém por volta de 450 categorias, provocou inúmeras discussões acerca do caráter normativo de suas classificações, pautadas numa crescente patologização do mal-estar subjetivo. Se compararmos as versões do DSM de 1952 até o de 2013 constataremos um vertiginoso aumento das categorias ao longo dos últimos anos, e que provavelmente não deve parar por aqui. O fato notável é que parece que o sofrimento, os desânimos, as simples manifestações da dor de viver tornaram-se intoleráveis em uma sociedade que enfatiza o bem-estar como meta. Num contexto de exaltação de valores ligados ao bem-estar e à felicidade, o sofrimento passa ser considerado patológico.

O novo manual diagnóstico, com sua surpreendente lista de transtornos relativos a problemas de relacionamento, rompimentos familiares, violência doméstica ou sexual, problemas profissionais e discriminação, denota uma exclusão do lugar do sofrimento psíquico, transformado que foi em "mau funcionamento". Dessa forma, subtrai-se uma narrativa do sofrimento que tecia e ligava os assuntos da vida, fazendo dela uma história única e singular. O mal-estar, capturado e classificado como transtorno, deve então ser apenas corrigido.

Aqui podemos retomar a questão na sua raiz filosófica, de modo a resgatar a problemática do sofrimento e retirando-a do campo do transtorno, que o reduz a um problema cuja solução será delegada aos recursos técnicos disponíveis. Trata-se, assim, de interrogar sobre o debate ontológico que está na raiz desse deslocamento do sentido do sofrimento.

Da ampliação dos diagnósticos decorre a necessidade de ampliação de procedimentos técnicos, em geral medicamentosos, que convidam a um esvaziamento da importância da relação com o paciente, da escuta de sua palavra singular e da dimensão humana do sofrimento, reduzidas que ficam à busca de recursos técnicos eficazes e à interrogação de determinações biológicas que, em muitos discursos, parecem absolutas.

Com o aprimoramento das biotecnologias aplicadas ao campo da saúde, a medicina parece se tornar cada vez mais capaz de apagar a dor física, de controlar e normalizar os comportamentos e os estados afetivos, de modo que a ideia de fazer com que pessoas saudáveis também possam fazer uso delas ganhou o imaginário social, criando uma espécie de "moral pragmática da melhor eficácia", onde o consumo de medicamentos parece se afirmar como um recurso comum para a funcionalidade dos comportamentos. Bezerra (2010) nomeou isso como "psiquiatria cosmética". Nesse sentido, os diagnósticos e os medicamentos, quando usados a serviço de uma economia da performance, distanciam-se da complexidade que exige o cuidado com o sofrimento.

O papel ocupado atualmente pelas estratégias de expansão da indústria farmacêutica merece atenção especial, porque tende a influir na difusão de um discurso que patologiza e medicaliza todas as formas de inquietação e inadaptação à normalização. A resolução farmacológica das tensões e da dor manifesta-se, nesse sentido, através de uma intolerância contemporânea a qualquer forma de desprazer e mal-estar.

 

Considerações Finais

A pós-modernidade não é, como já sublinhamos, a época que inaugura o projeto de busca do bem-estar e da felicidade, pois essa busca se confunde com o próprio projeto humano imerso em sua condição (Freud, 1930/1997). Mas foi, sem dúvida a modernidade que consagrou a esta busca um novo discurso, depositando na razão técnica a conquista de um mundo melhor, um mundo de bem-estar para o homem. Nesse sentido, o nascimento da medicina moderna inaugurou, de fato, um novo olhar sobre o sofrimento, reconhecendo aí um campo de intervenção central ao projeto moderno.

Mas, se o discurso da modernidade descortinava e prometia um futuro de progresso através do conhecimento, nele habitava um homem que compreendia o sofrimento e o mal-estar senão como destino, pelo menos como contingência da sua humanidade. A pós-modernidade, entretanto, parece convidar-nos a abandonar esta contingência humana, propondo uma nova concepção do homem, em que a experiência do sofrimento passa a ser concebida como uma patologia a ser corrigida.

A passagem para o que chamamos aqui de "medicina biotecnológica pós-moderna" parece ocorrer, justamente, na recusa da renúncia pulsional, tal como postulada por Freud (1930/1997), como condição para o viver coletivo. Ficamos assim livres para superar os próprios limites da condição humana. A descoberta do mapa genético parece ter sido, portanto, um passo importante na direção dessa mudança. As categorias ligadas ao limite do conhecimento do homem sobre o homem foram abolidas pouco a pouco, num movimento de liberação do sofrimento enquanto testemunho da fragilidade da contingência que implica ser humano.

Assim, o envelhecimento, a morte e o sofrimento são hoje tomados, sobretudo, como problemas a serem superados através dos recursos que nos oferecem as descobertas no campo das biotecnologias. Nesse cenário, o sofrimento vai tomando um novo lugar.

Ao se apoiar no discurso tecnocientífico pragmático, a medicina biotecnológica pós-moderna não estaria mais interessada no sentido do sofrimento, mas em resolver a pergunta "para que serve o sofrimento?", cuja resposta apontaria para a inutilidade dessa experiência para uma boa gestão de si, de modo que corrigi-la parece o caminho mais eficaz. Assim, o pensamento utilitário contemporâneo acaba reduzindo as questões da vida humana a um simples problema a ser resolvido tecnicamente, buscando no alívio da dor e na maximização do prazer suas boas justificativas.

Como sublinhou Castel (1987), vivemos um momento de banalização das instituições e das técnicas da medicina mental no seio da medicina geral, o que acaba promovendo mudanças importantes no que diz respeito ao lugar do sofrimento e ao modo como ele vem sendo apropriado pelo discurso médico quando tratado como doença. A psiquiatria, nessa perspectiva, passou a ser também uma medicina do indivíduo em sofrimento através da generalização das formas de dor psíquica transformadas em transtornos, abarcando os mais diversos aspectos da vida humana, tratados no âmbito da medicina geral.

A banalização das categorias diagnósticas, antes restritas ao seio hermético da medicina mental, substitui a prática de tratamento por uma prática de expertise da medicina em geral. As diversas expertises e orientações psicoterapêuticas se expandem numa nova "cultura psicológica", no seio da qual as fronteiras entre o normal e a patologia se diluem e a totalidade da existência torna-se matéria de tratamento.

A análise sobre o sofrimento no âmbito da medicina geral, traduzindo hoje o "mal-estar psíquico" na forma de "transtornos do comportamento", faz do sofrimento individual um estado que demanda respostas imediatas. A noção de transtorno enfatiza as performances sociais, ou seja, baseia-se na medida da eficiência do comportamento com pretensão objetiva em detrimento de uma concepção do sofrimento psíquico que deve ser inscrito numa ordem simbólica, e que, portanto, não se reduz à adaptação eficaz às demandas do meio social.

Esboça-se uma gestão previsível de perfis humanos, de modo que o saber médico-psicológico proporciona um código científico de objetivação das diferenças no esforço de normalização do sujeito. Diante do objetivismo médico, diz Castel (1987, p.95), "são remetidos para o esquecimento todos os esforços para alcançar a pessoa sofredora em sua relação problemática com o sentido, a linguagem, o simbolismo". A narrativa moderna do sofrimento consistia justamente naquilo que tecia e ligava os assuntos da vida, fazendo dela uma história única e singular. Ao tornar-se doença, subtraiu-se do sofrimento seu sentido e singularidade.

A análise da expansão e hegemonia do paradigma biomédico e biotecnológico a todos os domínios da vida humana permite vislumbrar o aparecimento de uma nova forma de subjetividade nas nossas sociedades, marcada pela eficácia, performance, flexibilidade e superação dos limites, que converge com os ideais da expansiva sociedade de mercado ultraliberal. É nesse contexto que se constitui a medicina que aqui denominamos como biotecnológica pós-moderna, com a qual vemos se descortinar um novo modo de experimentar e conceber o sofrimento.

Não se trata aqui de aludir a uma vida com sofrimento, como esse fosse o caminho para uma "verdadeira" relação consigo mesmo ou para uma espécie de salvação. Interessa-nos pensar sobre os deslocamentos na relação com o mal-estar, entendendo que, nesse movimento, encontramos pistas fundamentais para compreendermos os processos de subjetivação da época atual. Neste sentido, sublinhamos que a tecnociência precisa ser discutida, de modo a não reduzirmos a questão ao imperativo de nos adaptarmos aos avanços técnicos e para que possamos problematizar o mundo que estamos construindo. A questão remete, sobretudo, à pergunta sobre aquilo que estamos nos tornando, sobre o sentido das transformações que se anunciam no que diz respeito aos seus efeitos sobre a condição humana e sobre o viver juntos. Como ressalta Agamben (2009), o verdadeiro contemporâneo é aquele que é capaz de manter com seu tempo uma relação de não coincidência, de estranhamento.

 

Referências

Agamben, G. (1998). O poder soberano e a vida nua - homo sacer. Lisboa: Editorial Presença.         [ Links ]

Agamben, G. (2009). O que é o contemporâneo? e outros ensaios. Chapecó: Argos.         [ Links ]

Aïach, P. (1998). Lesvoies de lamédicalization. In P. Aïach; D. Delanoë, L'ére de lamédicalisation - Ecce homo sanitas. Paris: Ed. Economica.         [ Links ]

Bezerra Jr, B. (2010). A psiquiatria e a gestão tecnológica do bem-estar. In J. Freire Filho (Org), Ser feliz hoje: Reflexões sobre o imperativo da felicidade (pp. 117-134). Rio de Janeiro: Editora FGV.         [ Links ]

Castel, R. (1987). A gestão dos riscos: Da anti-psiquiatria a pós-psicanálise. Rio de Janeiro: Editora Francisco Alves.         [ Links ]

Dufour, D-R. (2005). A arte de reduzir as cabeças. Rio de Janeiro: Companhia de Freud.         [ Links ]

Elias, N. (1993). O processo civilizador: Formação do Estado e civilização (Vol. 2). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.         [ Links ]

Fassin, D. (1998). Avant-propos. Les politiques de la médicalisation. In P. Aïach, D. Delanoë, L'ére de lamédicalisation - Ecce homo sanitas. Paris: Ed. Economica.         [ Links ]

Foucault, M. (2004). O nascimento da clínica (6 ed.). Rio de Janeiro: Forense Universitária.         [ Links ]

Foucault, M. (2008). Nascimento da biopolítica. São Paulo: Martins Fontes.         [ Links ]

Foucault, M. (2013). História da Loucura: Na idade clássica. São Paulo: Perspectiva.         [ Links ]

Freud, S. (1997). O Mal- Estar na Civilização. In. Edição Standard das Obras Completas de Sigmund Freud (Vol. XXI). Rio de Janeiro: Imago Ed. (Originalmente publicado em 1930)        [ Links ]

Lafontaine, C. (2004). O império cibernético: Das máquinas de pensar ao pensamento máquina. Lisboa: Instituto Piaget.         [ Links ]

Lyotard, J. F. (2006). A condição pós-moderna. Rio de Janeiro: José Olympio.         [ Links ]

Organização Panamericana da Saúde. (1986). Carta de Ottawa. (Link)        [ Links ]

Pedro, R. (2009). Tecnologias da vida: Os novos sujeitos. In A. M. Szapiro. Clínica da pós-modernidade: Formas de subjetivação, de violência e de dessimbolização. Rio de Janeiro: Bapera.         [ Links ]

Sfez, L. (1996). A saúde perfeita: Crítica de uma nova utopia. São Paulo: Edições Loyola.         [ Links ]

Szapiro, A. M. (2005). Em tempos de Pós-Modernidade: Vivendo a vida saudável e sem paixões. Estudos e Pesquisas em Psicologia(1), 5. (Link)        [ Links ]

Vergely, B. (2000). O sofrimento. São Paulo: EDUSC.         [ Links ]

Wiener, N. (1954). Cibernética e sociedade: O uso humano dos seres humanos. São Paulo: Editora Cultrix.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Mariama Augusto Furtado
End.: Rua Santa Amélia n. 50 apt 101 bloco 01, Tijuca
Rio de Janeiro, RJ, CEP: 20260-030
Email: mariama.furtado@gmail.com

Ana Maria Szapiro
End.: Rua Gustavo Sampaio 710/202
Rio de Janeiro, RJ, CEP: 22010-010
Email: anaszapiro@uol.com.br

Recebido em: 20/01/2016
Revisado em: 26/04/2016
Aceito em: 25/05/2016

 

 

1 Pesquisa financiada pela CAPES

Creative Commons License