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Revista Subjetividades

versão impressa ISSN 2359-0769versão On-line ISSN 2359-0777

Rev. Subj. vol.16 no.2 Fortaleza ago. 2016

http://dx.doi.org/10.5020/23590777.16.2.105-116 

RELATOS DE PESQUISA

 

Caracterização do abuso sexual em clientela do CREAS

 

Characterization of sexual abuse in clientele of CREAS

 

Caracterización del Abuso Sexual en clientes del CREAS

 

Caracterisation de l'abus sexuel sur la clientele du CREAS

 

 

Marlene Magnabosco Marra (Lattes)I; Liana Fortunato Costa (Lattes)II

IUniversidade de Brasília
IIUniversidade de Brasília

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Buscou-se caracterizar o perfil de 15 famílias de baixa renda que vivenciaram a situação de abuso sexual e estavam sendo atendidas no CREAS, ressaltando-se o tempo vivido por elas entre a revelação da violência sexual e o início do atendimento. Utilizou-se como instrumentos entrevistas semiestruturadas com as famílias e dados dos prontuários destas. Estatísticas descritivas simples foram utilizadas como forma de sistematização dos dados. Os resultados assinalam que as vítimas são predominantemente do sexo feminino; tinham em média oito anos quando o abuso ocorreu; e foram vítimas de abuso sexual intrafamiliar. As famílias são eminentemente chefiadas por mulheres, sendo estas quem comumente acompanham as filhas em sua trajetória desde a revelação até o atendimento pelas intuições especializadas. Nesta amostra constata-se que a criança vive o abuso em uma média de dois anos e que da revelação à notificação ocorre mais um período de tempo, que dura em média um ano e seis meses. Conclui-se que intervalo de tempo entre a revelação do abuso sexual e as providências para o atendimento são vividas em função da assimilação do ocorrido, além da necessária reorganização familiar, física e/ou emocional. Importante apontar para a mudança na celeridade do atendimento pelos órgãos públicos, após a revelação do abuso sexual na comunidade e dos efeitos propulsores em direção ao papel protetor dos diferentes agentes.

Palavras-chave: violência; família; abuso sexual; intervenção psicossocial.


ABSTRACT

The study aimed to characterize the profile of 15 low-income families who experienced sexual abuse and were being treated at CREAS, highlighting the time they lived between the disclosure of sexual violence and the beginning of treatment. Semi-structured interviews with the families and data of the records of these families were used as instruments. Simple descriptive statistics were used as a form of data systematization. The results indicate that the victims are predominantly female; were about eight years when the abuse occurred; and were victims of intrafamily sexual abuse. Families are eminently headed by women, who are the ones who usually accompany the daughters in their trajectory from the revelation to the assistance by the specialized intuitions. In this sample it is verified that the child lives the abuse in an average of two years and that from the revelation to the notification another period of time takes place, which lasts on average one year and six months. It is concluded that the time interval between the disclosure of sexual abuse and the measures for care are lived due to the assimilation of the occurrence, besides the necessary familiar, physical and / or emotional reorganization. It is important to point out the change in the celerity of care by public agencies after the revelation of sexual abuse in the community and the propelling effects towards the protective role of the different agents.

Keywords: violence; family; sexual abuse; psychossocial intervention.


RESUMEN

Fue caracterizado el perfil de 15 familias de bajos ingresos que vivieron la situación de abuso sexual y estaban siendo atendidas en el CREAS, señalando el tiempo vivido por ellas entre la revelación de la violencia sexual y el inicio del atendimiento. Como herramienta fueron utilizadas entrevistas semiestructuradas con las familias y datos de los historiales clínicos de ellas. Como forma de sistematización de los datos fueron utilizadas estadísticas simples. Los resultados demuestran que las víctimas son predominantemente del sexo femenino; tenían en media 8 años cuando ocurrió el abuso; y fueron víctimas de abuso sexual intrafamiliar. Las familias son encabezadas mayoritariamente por mujeres, siendo estas las que acompañan las hijas en su trayectoria de la revelación hasta el atendimiento por las instituciones especialistas. En este muestreo se percibe que la niña vive el abuso en media por dos años y que de la revelación hasta la notificación ocurre más un período de tiempo, que suele ser en media de año y medio. Se concluye que el intervalo de tiempo entre la revelación del abuso sexual y las medidas para el atendimiento son vividas en función de la asimilación del ocurrido, además del necesario reordenamiento familiar, físico y/o emocional. Importante apuntar para el cambio en la rapidez del atendimiento por los órganos públicos, después de la revelación del abuso sexual en la comunidad y de los efectos propulsores en dirección a la función protectora de los diferentes agentes.

Palabras clave: violencia; familia; abuso sexual; intervención psicosocial.


RÉSUMÉ

Nous avons cherché caractériser le profil de quinze familles à faible revenu qui ont vécu la situation d'abus sexuels et ont été soignées au CREAS, en mettant en relief le temps vécu par eux entre la révélation de la violence sexuelle et le début du service. Nous avons utilisé comme instrument des entretiens semi-structurés avec des familles, et aussi, avec des donnés trouvés dans leurs dossiers médicaux . Statistiques descriptives simples ont été utilisés comme moyen de systématisation des données. Les résultats indiquent que les victimes sont principalement des femmes; elles avaient, en moyenne, huit ans quand l'abus a eu lieu; et elles ont été victimes de violence sexuelle intrafamiliale. Les familles sont principalement dirigées par des femmes, et ceux sont eux qui accompagnent souvent ses filles dans leur trajectoire depuis la révélation de l'abus jusqu'aux soins par les intuitions spécialisées. Dans cet exemple est possible voir que l'enfant vit l'abus, en moyenne, par deux ans et que depuis la révélation jusq'à la notification il se produit une période de temps, qui dure, en moyenne, un an et six mois. Il en résulte que l'intervalle de temps entre la révélation d'abus sexuels et les arrangements pour les soins sont vécues en raison de l'assimilation de l'événement, en addition à la nécessaire réorganisation familiale, physique et/ou émotionnelle. Il faut attirer l'attention au changement de la vitesse dans le soins des agences publiques après la révélations d'abus sexuel au sein de la communauté, bien comme aux effets propulseurs en direction au rôle protecteur des différents agents.

Mots-clés: violence; famille; abus sexuels; intervention psychosociale.


 

 

A violência sexual contra crianças e adolescentes implica a prática de um ou mais crimes e sugere aspectos complexos que assolam a vida das famílias que a vivenciam. Em se tratando de maus tratos, o abuso sexual é visto como uma das principais formas de violência contra crianças e adolescentes, e sabe-se que esse comportamento sexual está vinculado ao desrespeito à pessoa e aos seus limites. O abuso sexual indica uma situação em que um adulto utiliza-se de uma criança ou adolescente para sua satisfação sexual (Habigzang & Koller, 2011). Esta violência acontece com maior frequência no interior das famílias, sendo praticada pelo pai, padrasto, tio, avô ou pessoa íntima das relações familiares, isto é, alguém que a criança ou adolescente ama e em quem confia. A sedução é a forma mais usada para envolver a criança que, a princípio, não estabelece diferenciação entre as formas de carinho e amor daquele membro da família, que poderá ser, ou não, um pedófilo (Baptista, França, Costa, & Brito, 2008; Costa, Penso, Rufini, Mendes, & Borba, 2007; Faleiros, 2008; Habigzang & Koller, 2011; Maniglio, 2009; Serafim, Saffi, Achá, & Barros, 2011).

As estimativas mais recentes apontam que 150 milhões de meninas e 75 milhões de meninos menores de 18 anos experimentaram vivências sexuais forçadas e outras formas de violência sexual envolvendo contato físico (UNICEF, 2012a). Uma pesquisa multipaíses denominada "Together for girls: sexual violencefactsheet" (UNICEF, 2012b), revela que a prevalência de sexo forçado como primeira experiência sexual das adolescentes menores de 15 anos varia entre 11% e 48%. Em um estudo realizado entre seis cidades da América Latina, cerca de 3% a 10% dos homens, com idade entre 19 e 30 anos, relataram terem sido vítimas de abuso sexual na infância, ocorrido entre quatro e nove anos de idade. Estes mesmos estudos, realizados pela Organização das Nações Unidas (ONU), constatam que a violência contra crianças e adolescentes ainda é frequentemente silenciada em função da escassez de dados estatísticos e primários que revelem a magnitude dessa problemática.

Estima-se que a cada ano no Brasil 0,26% da população sofre violência sexual, o que indica que há anualmente 527 mil tentativas ou casos de estupro consumados, dos quais 10% são reportados à polícia. Tal informação é consistente com os dados do anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP, 2013), que apontou que, em 2012, foram notificados 50.617 casos de estupro no Brasil. Com isso, as estratégias governamentais costumam ser fragmentadas e pouco resolutivas devido à escassez de recursos financeiros, redundando em medidas nem sempre satisfatórias (Waiselfisz, 2008). Segundo o Plano Plurianual 2008-2011 (Ministério do Planejamento, 2007), registraram-se 156 mil denúncias, das quais 32% são de violência sexual contra crianças e adolescentes.

Como ferramenta para organização das políticas públicas com relação ao atendimento à população que vivencia situações de violência por ocorrência do abuso sexual, criou-se um sistema de assistência social participativo e descentralizado, denominado Serviço Único de Assistência Social (SUAS) (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome [MDS], 2005). O SUAS, como modelo de gestão, visa promover e ampliar o acesso e a cobertura do atendimento. As demandas e necessidades sociais de responsabilidade da assistência social são direcionadas aos serviços em seus equipamentos públicos: os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e os Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS). Este último se configura como um serviço de proteção social de média complexidade.

Este artigo tem o objetivo de apresentar a caracterização de clientela vítima de abuso sexual atendida em um Centro de Referência Especializada de Assistência Social (CREAS). Buscou-se traçar o perfil dessa clientela, com ênfase no tempo vivido por essas famílias entre o processo que vai da revelação ao atendimento.

Esse tempo tem sido considerado pelas famílias como uma medida de prontidão e /ou de indisponibilidade para a ação, uma vez que o atendimento a essa população se alonga trazendo graves consequências às famílias, as quais não sabem o que fazer e como proceder com a vítima, o ofensor e com as relações familiares, que se desestruturam e tomam novos rumos, deixando a todos em grandes constrangimentos. O estudo e a investigação do tempo entre a revelação e o atendimento se torna necessário no sentido de que novas ferramentas psicossociais devem ser criadas e utilizadas para que o atendimento, nesta fase do processo, -se mais eficaz e as ações sejam mais efetivas.

 

Método

Adotou-se um estudo de corte transversal, estatístico descritivo, dos dados primários obtidos em entrevistas diretamente com as famílias, assim como dos dados secundários, obtidos nos prontuários do CREAS onde as entrevistas foram realizadas. O contexto dessa pesquisa foi o CREAS de uma grande capital do centro-oeste. Os serviços prestados às famílias e aos indivíduos no âmbito da assistência social no Brasil ocorrem com base na estrutura apresentada pela Política Nacional de Assistência Social (Ministério do Desenvolvimento Social, 2005) e pela Lei n° 12.435 de 6 de julho de 2011 - Lei do Sistema Único de Assistência Social (Brasil, 2011). Os casos de abuso sexual são atendidos pelos CREAS segundo orientação da Resolução n°109, 11 de novembro de 2009, que aprova a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais (Brasil, 2009).

Participantes

Os participantes desse estudo foram 15 famílias que buscaram o CREAS como referência para os direitos das crianças e adolescentes. As famílias atendidas nessa instituição são aquelas com baixa renda familiar, muitas delas em extrema pobreza material, basicamente as mesmas que buscam atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS). A realidade dessas famílias é de exclusão social e vivência de desigualdade de oportunidades, como mostra o estudo de Pinho (2012) em CREAS do Distrito Federal, que indica que grande parte das famílias: é beneficiária de algum programa de transferência de renda do governo; relata situações de gravidez e vivências de relações sexuais fora de uma união formal; baixa escolaridade entre os adultos presentes; dificuldades de acesso a serviços de saúde e, principalmente, o educacional, com atraso significativo no percurso escolar das crianças e adolescentes. Outro aspecto é o grande número de famílias chefiadas por mulheres, que assumem dupla jornada de trabalho. A criança ou adolescente vítima geralmente reside apenas com a genitora e outras crianças na casa. Tal como demonstrou Pinho (2012), o contexto deste estudo se constitui pela carência e pela falta material vivida por famílias atendidas pelas instituições públicas

Instrumentos

Como instrumento para a pesquisa, utilizou-se a entrevista semiestruturada (de cunho narrativo) com as famílias. A entrevista semiestruturada e narrativa permite ao pesquisador abordar o mundo empírico do entrevistado de um modo abrangente (Bruner, 1991; Chase, 2011). Para Flick (2009), esse método considera que os entrevistados possuem uma "teoria subjetiva", isto é, um montante de conhecimento complexo acerca do tema em estudo. A entrevista narrativa é um método de pesquisa de tradição qualitativa com pressupostos de validade e fidedignidade baseado em diferentes concepções. A entrevista narrativa segue um esquema autogerador, um instrumento de geração de dados.

Cada entrevista teve duração aproximada de uma hora e trinta minutos, e consistiu de perguntas abertas para que a família pudesse narrar suas histórias de violência. O roteiro norteador da entrevista foi especialmente elaborado pelas autoras para este estudo e consistiu de itens como: Gostaria que vocês se apresentassem. É a primeira vez que estão aqui? Vocês têm alguma ideia do que vamos conversar hoje? Que história vocês vão nos contar sobre quando descobriram a violência na família, o abuso sexual? Como foram vivendo com essa violência, uma vez que já sabiam do que tinha acontecido? Como vocês se sentem sabendo que serão atendidos, pelos profissionais do CREAS, para tratar da questão do abuso sexual? O que vocês esperam ou imaginam que irá mudar em suas vidas?Vocês gostariam de me contar mais alguma coisa? Este roteiro foi apresentado a todos os membros da família presentes na entrevista, inclusive à vítima.

Utilizou-se ainda a leitura dos prontuários dessas famílias (análise cocumental) para complementação das informações da vítima, das informações referentes à configuração familiar e ao abuso sexual. Os prontuários são documentos onde se faz o registro de todos os dados das visitas domiciliares, da entrevista de acolhimento e de todos os demais acompanhamentos e serviços realizados pela equipe do CREAS comas famílias. Esses documentos (entrevista e prontuários) foram então utilizados com a perspectiva de conhecer e acessar narrativas construídas nas situações de abuso sexual no tempo entre a revelação e o atendimento.

Procedimentos

Adotou-se como critério de organização da demanda a ser atendida a diversidade de famílias, tal como revela o estudo de Pinho (2012), e que estão expostas nas tabelas 1, 2, 3 e 4. O encaminhamento se faz por diferentes instâncias da justiça, da assistência social e pela rede de garantia dos direitos da criança e do adolescente. O atendimento aconteceu em diferentes tempos na instituição, dependendo da demanda e da disponibilidade da equipe do CREAS, que também está ligada a outras demandas emergentes. O acesso aos participantes ocorreu por meio de entrevistas de acolhimento, que tiveram como objetivos: o estabelecimento de vínculo da família com a instituição, a orientação sobre o programa específico para situação de abuso sexual, e o esclarecimento sobre o motivo do encaminhamento e do atendimento especializado que a instituição oferece às famílias vítimas de abuso sexual. Foram realizadas 15 entrevistas com 15 famílias. Segundo o cronograma anual da instituição, as famílias são acolhidas periodicamente com o intuito de organizar o atendimento psicossocial que virá a seguir. Algumas famílias já faziam parte de outros programas de repasse de auxílio financeiro, como bolsa família, auxílio moradia e outros.

Todas as famílias foram convocadas para participar da entrevista, o que não significa o comparecimento de todos. A tendência de comparecimento foi da mãe, da vítima e mais alguns membros, principalmente as crianças menores, uma vez que a mãe não tem com quem deixá-las. Embora nem toda a família esteja presente, considera-se aqueles que comparecem à entrevista como o grupo familiar. O que se passa nas interações entre essas pessoas é representado pelo que a mãe traz à entrevista, atendendo ao que Minuchin, Colapinto. e Minuchin (2000) falam sobre a acomodação da interação familiar. Foram realizadas 15 entrevistas com a participação dos técnicos do CREAS. Em cada encontro foi contextualizado o momento da entrevista, com apresentação da equipe e permissão para gravação de áudio, seguida da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e demais documentos.

Procedimentos de Análise dos Dados

A análise de dados se deu por meio de um estudo qualitativo e exploratório, que utiliza estatística descritiva para compreensão de dados obtidos em entrevistas e prontuários da instituição. Os dados foram analisados por descrição de frequências simples e médias/desvio-padrão com a perspectiva de levantar informações objetivas a respeito de intervalos de tempo, de modo a se reconstituir informações sobre o tempo e as vivências experimentadas no intervalo entre a revelação e o momento do atendimento.

Cuidados Éticos

A presente pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Ciências Humanas da Universidade de Brasília, atendendo à Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), via Plataforma Brasil, com o número de parecer 223.032. A referida aprovação incluiu o termo de compromisso assinado pela Secretaria de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda (SEDEST). Foram providenciados para todos os participantes envolvidos, incluindo a autorização dos pais para a participação das crianças e adolescentes: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido; Termo de Autorização para os Familiares e/ou Responsáveis; Termo de Assentimento para os adolescentes e Termo de Autorização para Utilização de Imagem e Som de Voz para fins de pesquisa.

 

Resultados e Discussão

A estatística descritiva aqui apresentada permitiu conhecer o perfil das crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual acolhidos pela instituição pública, suas famílias e a violência vivenciada. Foi possível a construção de três resultados: o primeiro referente à vítima (tabela 1); o segundo referente à configuração familiar (tabela 2) e um terceiro com relação ao abuso sexual (tabelas 3 e 4). Esses três resultados foram construídos a partir do objetivo de se mapear qual a vivência da família entre a ocorrência do abuso e a sua revelação, e posterior encaminhamento para atendimento.

Informações Sobre a Vítima

As informações sobre as vítimas oferecem um quadro mais específico para se compreender as características de cada criança ou adolescente, como idade, sexo, escolaridade e local de nascimento, dados importantes para identificar quem são e em que situação se encontravam no momento do abuso sexual.

Com relação às informações elencadas na tabela 1, verifica-se a predominância e concentração de casos de abuso sexual em meninas, dado que corrobora estudos anteriores (Costa et al., 2007; Furniss, 2002; Habigzang & Koller, 2011; Ministério da Saúde, 2012; Pincolini & Hutz, 2014). Os adultos do sexo masculino são os principais ofensores. O abuso sexual perpetrado por adolescentes geralmente é cometido por irmão, por primo ou por meio irmão. Também os meninos são abusados, em menor proporção, principalmente quando se trata de abuso sexual intrafamiliar. Em relação a maior incidência de abuso sexual no sexo feminino, alguns autores explicam que a sociedade brasileira adota a concepção machista de culpar aquelas vítimas na faixa etária de 12 a 18 anos de idade. Os ofensores preferem adolescentes e crianças mais jovens, uma vez que a imaturidade dessas vítimas as torna mais vulneráveis à agressão (Habigzang & Koller, 2011; Serafim et al., 2011; Vertamatti et al., 2013).

Observou-se que os impactos dessa vivência para a saúde mental das vítimas é controverso. Entre autores, produtores de estudos extensos na literatura, é consenso que a violência sexual apresenta efeitos mínimos ou nenhum efeito aparente para algumas vítimas. Enquanto que, com outras vítimas, há um aumento do risco do desenvolvimento de transtorno mental e comportamentos autodestrutivos (Baptista et al., 2008; Furniss, 2002; Gerko, Hughes, Hamil, & Waller, 2005; Habigzang & Koller, 2011; Maniglio, 2009; Pincolini & Hutz, 2014; Serafim et al., 2011). A problematização dessa temática mostrou que as famílias vivem e expressam suas violências, independentemente das culturas em que estão inseridas, e que a dimensão subjacente que determina para a criança a identificação das situações de maus tratos e a gravidade do dano potencial é como ela significou esse ato violento visto ou sofrido, e não o tipo de maus tratos (físico, sexual, negligência ou emocional). Daí decorre a ideia de que se devem criar possibilidades para adaptar intervenções e atender às diferentes atitudes e perspectivas de diversos grupos sócio-culturais (Baptista et al., 2008; Furniss, 2002; Gerko et al., 2005; Habigzang & Koller, 2011; Maniglio, 2009; Pincolini & Hutz, 2014; Serafim et al., 2011).

Quando se restringe à análise das informações consideradas críticas(como é a situação da família que apresentou duas vítimas e da família em que uma mesma vítima foi abusada por dois de seus membros), esses fatores podem ser considerados determinantes para a ocorrência de agravos cada vez maiores. Há a presença constante de alto risco, contribuindo para uma caracterização do ambiente no qual predominam sentimentos de medo e de desamparo.

Nesta pesquisa, a escolaridade de grande parte das crianças e adolescentes está compatível com a idade cronológica, corroborando os dados sociodemográficos e estudos dos autores Bella e Salmasi de Lagucik (2007), Costa et al. (2007), Furniss (2002), Habigzang e Koller (2011) e Penso, Costa, Almeida e Ribeiro (2009). Outro fator que se ressalta é a vulnerabilidade das crianças e adolescentes com relação às condições materiais, como mostra a tabela 2, relativa aos salários com que vivem essas famílias e aos programas de transferência de renda dos quais fazem parte. Reitera-se, no entanto, que o fenômeno da violência possui causas múltiplas, complexas e correlacionadas aos determinantes sociais e econômicos, como desemprego, baixa escolaridade, concentração de renda e exclusão social; além de fatores culturais que perpetuam valores do patriarcado (Ferreira, 2007; Holmes & Slap, 1998; Koller & De Antoni, 2004; Pincolini & Hutz, 2014).

Informações Sobre a Configuração Familiar

Os dados sobre a configuração familiar apresentam a possibilidade de se conhecer a dinâmica de relações e eventos que se passam com a família durante a vivência do abuso sexual (tabela 2).

Tal como demonstrou Pinho (2012), o contexto deste estudo se constitui pela carência e pela falta material vivida por famílias atendidas pelas instituições públicas, como são as 15 famílias aqui estudadas. São famílias pobres materialmente ou em condição de extrema pobreza, com uma renda média de menos de meio salário mínimo. Dessas 15 famílias, 10 são recebedoras dos programas de transferência de renda não contributiva e/ou participam de demais serviços (66,6%). A escolaridade de 10 crianças e adolescentes está compatível com sua idade cronológica e a escolaridade dos familiares das vítimas abrange desde o nível sem instrução (três pessoas do sexo masculino) até o ensino superior completo (uma pessoa do sexo feminino). A escolaridade média entre os membros da família é o ensino fundamental. Das quinze famílias entrevistadas, oito são naturais da cidade na qual acontece a pesquisa, uma família é da região norte, uma família é da região sudeste, e cinco famílias são da região nordeste. A idade dos membros da família varia desde 6 meses aos 59 anos.

A configuração familiar assim se apresenta: uma família com duas pessoas, cinco famílias com quatro pessoas, três com cinco pessoas, duas famílias com seis pessoas e quatro com sete pessoas. As pessoas que compõem a família são pai/padrasto e/ou companheiro, mãe, filhos/filhas, meio-irmão, avô/avó e tio. No total, tem-se uma média de cinco pessoas por família. A literatura menciona a correlação entre o número de pessoas na mesma habitação e a incidência de abuso sexual, evidenciando que quanto maior é o número de pessoas residentes na mesma habitação maior é o risco de abuso (Costa, Penso, Conceição, Rocha, & Williams, 2017).

A presença de membros da família extensa surge como uma característica do contexto da cidade na qual a pesquisa ocorre, uma vez que subsiste uma política de assentamento, em que várias famílias dividem lotes de terra doados pelo governo (Pincolini & Hutz, 2014; Penso, Costa, Conceição, & Carreteiro, 2013). Na impossibilidade de recursos para custear cuidadores adultos ou instituições para a educação das crianças pequenas, as famílias pobres costumam se organizar em redes de apoio mútuo, composta por pessoas em torno da casa onde as crianças circulam, presumindo-se uma maior facilidade para a ocorrência de situações de abuso.

A respeito da configuração familiar: 1) em seis famílias a vítima vive com a mãe, o pai/padrasto e/ou companheiro da mãe e os irmãos (40%). Dessas seis famílias, quatro casais são formados por companheiros/padrastos e dois são pais biológicos das vítimas; 2) em duas famílias a mãe não está presente, em uma família as vítimas moram com a avó, e, em outra, com o pai e madrasta (13,3%); 3) em sete famílias a mãe não mora com o companheiro e é responsável pelos filhos (46,6). É a mãe a figura que comumente acompanha as filhas em sua trajetória, desde a revelação até o atendimento pelas intuições especializadas. Correlação semelhante ocorre quando se observam os indicadores de quem participou da entrevista. Fica evidente a importância da mãe nesse processo. O compromisso da figura materna com a filha pode estar fundamentado nas características de vulnerabilidade vividas também pela maioria das mães (Cantelmo, Cavalcante, & Costa, 2011; Costa et al., 2007; Santos & Dell' Aglio, 2009; Weiss, 2010).

Antes da revelação do abuso sexual, verificava-se a presença de outros membros da família extensa, como tio, tia, avô, avó e meio-irmão. Após a revelação da situação de abuso, apenas três famílias mantiveram outros membros, como avó e avô. O estado civil das famílias, em relação à mãe, fica assim configurado: duas casadas, duas divorciadas, uma separada, duas amasiadas, uma relação estável e sete solteiras. Sobre a ocupação das mulheres responsáveis na família, destaca-se que: quatro são "do lar", uma é auxiliar de cozinha, uma é auxiliar de limpeza, cinco são diaristas, uma é costureira, uma é prestadora de serviço comunitário, uma é estagiária, e uma é design de festa infantil. Nessas famílias, seis responsáveis estão sem emprego e duas são aposentadas. A mulher ou o marido/companheiro trabalham e ganham salário mínimo em quatro famílias. Em uma família apenas o irmão mais velho trabalha, e, em outra, a mãe é ex-presidiária e faz trabalho comunitário. Em uma família a mãe é autônoma.

Outra questão importante é a presença da vítima na entrevista de acolhimento, gerando uma oportunidade de já ser iniciado um trabalho com perspectiva interventiva e terapêutica, uma vez que a vítima participa da composição da narrativa da vivência sofrida e agora contada por ela e pela mãe. Ações das mães, mesmo que pontuais, são vistas pela criança e/ou adolescente como uma forma de atenção ao que se está vivendo. Este indicador tem altíssimo valor, uma vez que as mães já foram e/ou continuam muitas vezes sendo vistas como cúmplices da situação de abuso. Poucos estudos mostram essa distorção, que poderia ser mantida, caso não se considerasse a dificuldade dessas mães e suas limitações para lidarem com tais circunstâncias, visto que muitas delas também foram abusadas, mal tratadas e abandonadas em suas trajetórias de vida. No entanto, elas se apresentam como a pessoa mais próxima da vítima e como aquela que tem iniciativa para a atitude protetiva (Cantelmo et al., 2011; Costa et al., 2007; Costa, Junqueira, Meneses & Stroher, 2013; Santos & Dell' Aglio, 2009).

Aponta-se ainda para a importância da credibilidade dada pela mãe à narrativa da criança/adolescente, bem como da sua reação quando da revelação, potencializando ou minimizando os efeitos do abuso e os efeitos da revelação. Sabe-se também que este momento, o da revelação, é crucial para todo o desenrolar do processo a seguir, emboraa mãe nem sempre consiga afastar o ofensor do convívio com a criança, o que revela a dinâmica conjugal no sistema familiar. Das 15 entrevistas, sete abusos sexuais ocorreram na própria casa da vítima, isto é "debaixo de minhas saias", como dizem algumas mães (Arango & Correa, 2009; Costa & Penso, 2010; Santos & Dell' Aglio, 2009). Esses estudos têm salientado que, apesar de todas essas considerações, a mãe pode atuar como importante mediadora dos efeitos do abuso nas vítimas, auxiliando no processo de recuperação.

Informações Sobre o Abuso Sexual

A organização dos dados sobre o abuso sexual (tabelas 3 e 4) permitiu conhecer um pouco do que se passa com a criança ou adolescente vítima de abuso sexual e sua família, além da qualidade do tempo e dos processos vividos entre a ocorrência do abuso sexual, a denúncia, a notificação e o atendimento em instituição pública.

É importante assinalar que todas as famílias foram encaminhadas pelas instituições da rede de garantia dos direitos da criança: Delegacia de polícia (DP), Conselho tutelar (CT), Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), escola e Ministério Público (MP). Embora o CT seja apontado pela literatura como o principal órgão de encaminhamento ou de contato das famílias (Espindola & Batista, 2013), a DP foi a instituição mais procurada pelas famílias neste estudo. Pode-se pensar que as famílias ainda consideram a questão do abuso sexual como caso de polícia, e não de direitos humanos, como foi encontrado por Holmes e Slap (1998) em um estudo no contexto norte-americano.

Relatos nacionais e internacionais descrevem situações de maior incidência nos casos de abuso intrafamiliar, quando comparado ao extrafamiliar, tal como aqui observado (Baptista et al., 2008; Bella et al., 2007; Costa et al., 2007; Gerko et al., 2005, Habigzang & Koller, 2011; Omer, 2011; Pelisoli, Pires, Almeida, & Dell'Aglio, 2010; Serafim et al., 2011; Vertamatti et al., 2013; Weiss, 2010). O abuso sexual intrafamiliar é considerado uma forma de violência que dificulta ainda mais a sua revelação, ainda que essa dinâmica seja rapidamente interrompida. O fato do ofensor ser alguém conhecido da família agredida é considerado um fator determinante para o atraso da chegada aos serviços de notificação. Isto se justifica principalmente pela humilhação, medo da desorganização e da destruição da vida familiar.

Os principais fatores desencadeadores e mantenedores da violência intrafamiliar consistem em pais e mães abusados ou negligenciados em suas famílias de origem, abuso de drogas e condutas delinquentes, estresse, desemprego, mães passivas e/ou ausentes, isolamento social, pais que sofrem transtornos psiquiátricos, diminuição do rendimento escolar, famílias reconstituídas, falta de comunicação, dentre outros (Holmes & Slap, 1998). Estes dados corroboram a situação da mãe nas 15 famílias, em relação às suas vivências de violência sexual, física e outros transtornos, que atingem gravemente a condição do funcionamento familiar.

Estudos mostram, porém, que o aspecto que mais possui impacto negativo como fator de desencadeamento do abuso sexual é a ausência de vigilância e da presença dos pais na vida dos filhos (Omer, 2011). As formas de violência que mais coexistem com os abusos sexuais são: negligência, abuso físico e abuso psicológico. Muitas vítimas mantêm essas vivências guardadas pela vida afora, trazendo consequências transgeracionais (Penso & Costa, 2008). Com relação ao abuso sexual extrafamiliar, outros fatores impedem sua notificação. A criança é duplamente vitimada: primeiro, pela ocorrência da violência e, segundo, pela incredulidade, que muitas vezes ocorre entre familiares e profissionais que atuam na situação (Habigzang & Koller, 2011; Hatzenberger & Koller, 2008). A idade da vítima, o tipo de abuso (intrafamiliar ou extrafamiliar), o medo das consequências negativas e a responsabilidade diante do abuso estão conectados com o período que as vítimas levam para revelar a violência.

É interessante destacar que a violência sexual ainda é vista como um tabu e um escândalo social, permanecendo restrita ao meio familiar no qual ela ocorre. A família, por vergonha e por medo, tenta não desvelar a crise que prevê como desorganizadora. Ela é também pressionada por outros problemas em curso, os quais impedem que o processo de revelação tenha um contínuo natural, que seria: a criança se preparar para contar sua vivência, buscar uma pessoa de sua confiança, contar sua história e receber proteção imediata. A pessoa para quem a criança contou seu segredo faz a notificação e a criança é levada a um profissional para acolhimento e avaliação. Este processo, em relatos da literatura, dura de seis meses a um ano, no máximo.

Nesta amostra, constata-se que a criança vive o abuso em uma média de dois anos, e que da revelação à notificação ocorre mais um período de tempo, que dura um ano e seis meses em média, porém encontrou-se um caso que levou dez anos para ser denunciado. O intervalo de tempo entre a revelação do abuso sexual e as providências para o atendimento parecem ser vividas em função da assimilação do ocorrido, além da necessária reorganização familiar, física e/ou emocional, para que, em um segundo momento, seja possível a busca de apoio, de proteção e de cuidados (Costa et al., 2013; Hershkowitz, Lanes, & Lamb, 2007; Plummer, 2006; Santos & Dell'Aglio, 2010)

Quando as famílias chegam ao atendimento, apresentam-se impactadas pela revelação, confusas, distanciadas da situação e preocupadas com a nova realidade. Há necessidade de um tempo de elaboração psíquica do conflito. O tempo necessário para a mudança é vivido em interação familiar (Boscolo & Bertrando, 1996). É um período de espera, de busca de compreensão do que aconteceu e de prontidão para a tomada efetiva de ações. A mãe, responsável pelo cuidado da criança, demora a desencadear a proteção muitas vezes porque é ela também que terá que fazer opções de rompimentos afetivos. É ela ainda a pessoa que terá que dar conta do acúmulo de ações decorrentes da revelação. O tempo é empregado em negociações subjetivas, íntimas e familiares, em uma preparação para o advento de uma exposição da intimidade que leva todos ao âmbito da responsabilização jurídica.

Da denúncia ao encaminhamento, pode-se interpretar que, desde a aprovação do Plano Nacional de Enfrentamento a Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes, no ano 2000, (Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes, 2013), muitas conquistas significativas foram registradas, contudo foi somente em 2011 que as notificações de violência doméstica, sexual e outras passaram a ser feitas de forma padronizada e universal. A partir de quando é feita a denúncia, pode-se ver uma agilidade do processo. A realização de acolhimento tem sido agilizada pelas instituições de atendimento especializado, de modo a atender a gravidade da problemática e a sequência do tratamento.

Na complexidade do contexto social vivido pelas famílias em condição de violência sexual, incluindo os laços afetivos e protetivos, percebem-se crenças que desencadeiam e favorecem o abuso sexual e crenças que mantêm o abuso sexual, com distorções que contribuem para o desenvolvimento e manutenção de sintomas, culpas e medos. Todos os dados sociodemográficos abordados neste artigo são relevantes e corroboram a vulnerabilidade das situações e os riscos a que muitas crianças e adolescentes provenientes de camadas populares financeiramente desfavorecidas estão expostos.

 

Considerações Finais

O intervalo de tempo entre a revelação e o atendimento é o período que a família vive sua maior desordem relacional, psicológica e espacial. Se não houver um acompanhamento familiar, há um atraso substancial no restabelecimento da proteção. Após a revelação do abuso à mãe e desta aos órgãos responsáveis pela política de proteção à infância e adolescência, a família se recolhe em seu sofrimento, pois o que foi tornado público não corresponde ao que a família está vivendo em sua intimidade, em relação aos sentimentos, pensamentos e significados construídos ao longo do tempo. O intervalo de tempo entre a revelação do abuso sexual e o atendimento pode ser considerado uma medida de prontidão ou de indisponibilidade para a ação.

Quanto mais as famílias publicizam suas situações de violência sexual, buscando legitimidade para seu sofrimento, mais haverá implicações para elas, para os setores de atendimento e para a comunidade. É sempre uma via de mão dupla. Na medida em que se fortalecem, forma-se um elo de organização que possibilita a celeridade dos atendimentos nas instituições. A maior celeridade nos acolhimentos das situações de abuso sexual nas instituições especializadas consolida os documentos e diretrizes do Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes (Conselho Nacional do Ministério Público, 2013), que se articula com os Direitos Humanos.

O texto apresenta um limite: um número pequeno de famílias entrevistadas, isto é, uma pequena amostra. Portanto, não podemos fazer generalizações. Apresenta, no entanto, virtudes no sentido de que traz impressões importantes acerca do comportamento e das vivências das famílias, da qualidade do tempo de espera vivido entre o abuso sexual e o atendimento, e do modo como a família reverte suas narrativas no sentido de garantir qualidade na convivência entre seus membros e, consequentemente, a manutenção da família. Estes aspectos indicam e favorecem a criação de metodologias que utilizem narrativas como uma proposta de intervenção para o atendimento e para o desenvolvimento de políticas públicas referentes ao período de tempo em que as famílias silenciam e sofrem em função da revelação e, muitas vezes, da manutenção da violência.

As narrativas possibilitam às famílias escutarem suas próprias histórias, considerá-las. Nesse sentido, compartilham do processo de construção da realidade que se faz nas vivências de rotina, das interações e trocas sociais, ao longo do ciclo de vida da família e de muitas gerações. A família necessita ser considerada e entendida como a família de cada um e vista como especial e específica ao tomá-la como objeto de nossa prática.

 

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Endereço para correspondência:
Marlene Magnabosco Marra
End.: Endereço: SQSW 100 Bloco B Apartamento 203, Cruzeiro
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Liana Fortunato Costa
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Recebido em: 21/11/2015
Revisado em: 20/03/2016
Aceito em: 09/05/2016

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