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Revista Subjetividades

versão impressa ISSN 2359-0769versão On-line ISSN 2359-0777

Rev. Subj. vol.17 no.1 Fortaleza jan. 2017

http://dx.doi.org/10.5020/23590777.rs.v17i1.5287 

ESTUDOS TEÓRICOS

 

A tragicidade do sujeito do discurso

 

The tragicity of the subject of the speech

 

La fatalidad del sujeto del discurso

 

La tragédie du sujet du discours

 

 

Dionéia Monte-Serrat (OrcID)I; Leda Verdiani Tfouni (Lattes)II

IProfessora Assistente Especialista Unaerp; Doutorado Sanduíche Sorbonne Nouvelle Paris 3
IIMaster of Arts in Language Acquisition (MA) pela University of California, doutora em Ciências (Linguística) pela Universidade Estadual de Campinas e Professora Titular sênior da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Os conceitos de discurso e tragicidade nos remetem aos conceitos de ideologia e de sujeito na atualidade. Utilizamos a perspectiva teórica da Análise do Discurso de Michel Pêcheux (1988b) para analisar a constituição do sujeito sob efeito de sentidos entre interlocutores determinados sócio-historicamente e interpelados pela ideologia. A tragicidade do sujeito do discurso sob a perspectiva discursiva pode ser concebida no paradoxo do funcionamento do mecanismo de interpelação, que dá origem ao sujeito. Este, ao mesmo tempo em que se acredita autônomo e livre, tem sua liberdade emaranhada em determinações econômicas ou sociais. A esse sujeito, tomado como "evidência descritiva" da ideologia, contrapõe-se o sujeito que se constitui no discurso. Esse último oferece resistência ao destino trágico do idealismo, cuja função é tentar apagar outros sentidos possíveis. Embora a interpelação pela ideologia mascare o caráter material do sentido - impondo a transparência de sentido, o sentido único -, Pêcheux (1988b), p. 255) traz um alerta sobre a possibilidade de resistência e revolta dentro do processo de assujeitamento, pois, para ele, a ideologia existe "sob a modalidade da divisão, ela só se realiza na contradição". O deslocamento ideológico, o imprevisível, interrompe a perpetuação das repetições do ritual ideológico. Esse acontecimento, sob a perspectiva da psicanálise - que concebe o sujeito como dividido, e não centrado -, permite compreender o sujeito do discurso sob a dimensão de "efeito do significante" (Lacan, 1998, p. 196) e nos leva a concluir que a subjetividade é um lugar que cumpre dupla função: a de evidenciar o assujeitamento e a de evidenciar a subversão do sujeito, rompendo o círculo vicioso do idealismo, fazendo interromper o destino trágico do sujeito capturado pela interpelação ideológica.

Palavras-chave: subjetividade; ideologia; assujeitamento; análise do discurso; psicanálise.


ABSTRACT

The concepts of discourse and tragicness in the present time refer us to the concepts of ideology and subject. We use the theoretical perspective of the Discourse Analysis of Michel Pêcheux (1988b), to analyze the constitution of the subject under the effect of senses between socio-historically determined interlocutors and interpellated by the ideology. The tragicness of the subject of discourse on the discursive perspective can be conceived in the paradox of the functioning of the mechanism of interpellation, which gives rise to the subject: while he believes to be autonomous and free, has his freedom entangled in economic or social determinations. To this subject taken as "descriptive evidence" of ideology, we oppose the subject that constitutes the discourse. The latter offers resistance to the tragic destiny of idealism whose function is to try to erase other possible meanings. Although the interpellation by ideology masks the material character of meaning - imposing the transparency of meaning, the single meaning -, Pêcheux (1988b, p. 255) brings an alert about the possibility of resistance and revolt within the process of subjection, because, for him ideology exists "under the modality of division, it only takes place in the contradiction". The ideological shift, the unpredictable, interrupts the perpetuation of the repetitions of ideological ritual. This event, from the perspective of psychoanalysis - which conceives the subject as divided and not centered - allows us to understand the subject of discourse under the dimension of "effect of the signifier" (Lacan, 1998, p. 196) and leads us to conclude that subjectivity is a place that fulfills a dual function: evidencing the subjection one and the subversion of this, breaking the vicious circle of idealism, thus interrupting the tragic destiny of the subject captured by the ideological interpellation.

Keywords: subjectivity; ideology; subjection; speech analysis; psychoanalysis.


RESUMEN

Los conceptos de discurso y fatalidad en la actualidad llévanos a los conceptos de ideología y de sujeto. Utilizamos la perspectiva teórica del Análisis del Discurso de Michel Pêcheux (1988b), para analizar la constitución del sujeto bajo efecto de sentidos entre interlocutores determinados histórico-socialmente e interrumpidos por la ideología. La fatalidad del sujeto del discurso bajo la perspectiva discursiva puede ser concebida en la paradoja del funcionamiento del mecanismo de interrupción, que origina el sujeto: este, al mismo tiempo en que se cree autónomo y libre, tiene su libertad enredada en determinaciones económicas o sociales. A este sujeto tomado como "evidencia descriptiva" de la ideología contraponemos el sujeto que se constituye en el discurso. Este último ofrece resistencia al destino trágico del idealismo cuya función es intentar borrar otros posibles sentidos. Aunque la interrupción por la ideología enmascare el carácter material del sentido - imponiendo la transparencia de sentido, el sentido único -, Pêcheux (1988b, p. 255) trae un alerta sobre la posibilidad de resistencia y revuelta dentro del proceso de sometimiento, porque, para él, la ideología existe "bajo la modalidad de la división, ella se realiza solo en la contradicción". El desplazamiento ideológico, el imprevisible, interrumpe la perpetuación de las repeticiones del rito ideológico. Este suceso, bajo la perspectiva del psicoanálisis - que concibe el sujeto como dividido y no centrado -, permite comprender el sujeto del discurso bajo la dimensión de "efecto del significante" (Lacan, 1998, p. 196) y llévanos a concluir que la subjetividad es un lugar que cumple doble función: la de evidenciar el sometimiento y la de evidenciar la subversión de este, rompiendo el círculo vicioso del idealismo, interrumpiendo el trágico destino del sujeto capturado por la interpelación ideológica.

Palabras clave: subjetividad; ideología; sometimiento; análisis del discurso; psicoanálisis.


RÉSUMÉ

Les notions de discours et tragédie d'aujourd'hui nous renvoient aux concepts de l'idéologie et du sujet. Nous utilisons la perspective théorique de l'Analyse du Discours, de Michel Pêcheux (1988b), pour examiner la constitution du sujet sous l'effet du sens entre interlocuteurs socio-historiquement determinés et interpellés par l'idéologie. La tragédie du sujet du discours sous la perspective discursive peut être conçue dans le paradoxe du fonctionnement du mécanisme d'interpellation, qui donne lieu au sujet: le sujet a sa liberté emmêlé dans des déterminations économiques ou sociaux, au même temps qu'il se croit indépendent et libre. À ce sujet considéré comme une «preuve descriptive» de l'idéologie, nous comparons le sujet qui s'est conçu dans le discours. Ce dernier offre une résistance au destin tragique de l'idéalisme dont la fonction est d'essayer de supprimer d'autres sens possibles. Bien que l'interpellation par l'idéologie déguise le caractère matériel du sens - en imposant la transparence du sens, le sens unique -, Pêcheux (1988b, p. 255) apporte un avertissement sur la possibilité de résistance et de rébellion dans le processus de sujétion, car, pour lui, l'idéologie existe «sous la modalité de la division, elle ne se réalise que dans la contradiction». Le changement idéologique, l'imprévisible, interrompt la perpétuation des répétitions du rituel idéologique. Cet événement, du point de vue de la psychanalyse - qui conçoit le sujet comme divisé et pas centré - permet de comprendre le sujet du discours sous la diménsion de «l'effet du signifiant» (Lacan, 1998, p. 196). Cet événement nous amène, aussi, à conclure que la subjectivité est un endroit qui répond à double fonction: mettre en évidence la sujétion et mettre en évidence son subversion, en faisant rompre le cercle vicieux de l'idéalisme, en arrêtant le destin tragique du sujet capturé par l'interpellation idéologique.

Mots-clés: subjectivité; idéologie; sujétion; analyse du discours; psychanalyse.


 

 

Como apreendemos o trágico na modernidade? Como se explica esse fenômeno? Propomo-nos, neste artigo, o desafio de articulá-lo ao conceito de discurso, o que no leva a desenvolver também os conceitos de ideologia e de sujeito. Em um percurso em que utilizamos a teoria materialista dos processos discursivos de Pêcheux (1988b) para elaborar um raciocínio em que estabelecemos uma analogia de funcionamento entre conceitos discursivos desenvolvidos por Michel Pêcheux e conceitos psicanalíticos desenvolvidos por Lacan, pretendemos explicar como se constitui o sujeito e o que significa a tragicidade do sujeito do discurso no sentido de esconder algo para deixar em evidência uma "face idealizada", uma "face falsa".

Analisamos o fato de que tragicidade e sujeito andam juntos e que, quando o observamos sob uma perspectiva diferente daquela que é posta pelo conceito galileano (o qual é concebido como o sujeito origem de seu dizer), damo-nos conta de que estamos tratando de um sujeito que não nasce pronto (Elia, 2004), mas se constitui ao enunciar. Constitui-se no discurso e é interpelado pela ideologia, a qual, embora tida como fluida, de difícil compreensão, não pode ser concebida apenas como uma visão de mundo, devendo ser entendida como um "mecanismo estruturante do processo de significação" (Orlandi, 2003, p. 96), como algo que interfere efetivamente na constituição do sujeito, contribuindo para que ele carregue uma tragicidade consigo.

Colocadas essas premissas, entendemos ser necessário explicitar o que vem a ser discurso segundo a teoria da Análise do Discurso (AD) (Pêcheux, 1988b, p. 214). Pêcheux, filósofo francês dos anos 60-80, desenvolveu o conceito de discurso como efeito de sentidos entre interlocutores determinados socio-historicamente e interpelados pela ideologia. Para ele, no processo discursivo, os indivíduos são interpelados em sujeitos falantes pela identificação (do sujeito) com a formação discursiva (FD) que o domina.

Podemos compreender, então, a tragicidade do sujeito do discurso sob o paradoxo do funcionamento desse mecanismo de interpelação da ideologia: quando esta interdita uns sentidos, naturaliza outros, trazendo à tona e constituindo um sujeito em que existe o "trabalho do impensado no pensamento" (Pêcheux, 1988b, p. 194).

 

Tragicidade e Sujeito

Tentar compreender a tragicidade do sujeito do discurso é tarefa que provoca mal-estar, pois nos leva a refletir sobre a origem ideológica do sujeito. Ele se acredita autônomo e livre, porém tem sua liberdade emaranhada nas determinações econômicas ou sociais sem se dar conta disso, pois lhe é dada a "maneira pela qual se deve constituir a si mesmo como sujeito [...], agindo em referência aos elementos prescritivos que constituem o código" (Foucault, 2007, p. 27).

Quando Pêcheux (1988b) fala em sujeito, leva em conta o contexto social e histórico em que ele está inserido, o que se distingue do conceito de indivíduo (concebido separadamente do contexto em que interage).

A tragicidade não diz respeito ao indivíduo em sua particularidade, mas à constituição do sujeito no confronto com um poder de instância maior, que impõe sutilmente as "estruturas ideológicas da racionalidade" (Pêcheux, 1982/2011, p. 118). Um poder que impõe a ocupação de posições e funções nos discursos (Foucault, 1969, p. 261); que faz com que o sujeito deixe de ser o "motor da história" para ser "produto de sutis e ininterruptos mecanismos de controle e vigilância" (Foucalt, 1976, p. 135). Segundo esses pressupostos, podemos compreender como se dá a constituição do sujeito em algo que "sustenta certos valores estéticos e responde a certos critérios de estilo" (Foucalt, 1984, p. 16-17). Ele passa por um processo de "internalização" do controle externo, de modo que condutas, atitudes, sentimentos e motivações acabam se transformando em princípios a serem seguidos, e acabam por reduzir, sem que o sujeito se dê conta, a possibilidade de exercitar uma consciência crítica (Haroche, 2003).

Pêcheux (1988b) descreve esse processo de internalização do controle externo ao afirmar que o sujeito é afetado por dois tipos de esquecimentos. O esquecimento de número 1, inconsciente, um esquecimento ideológico em que o sujeito enunciador pensa que os sentidos das palavras têm origem nele mesmo e pensa que ele está no controle desses sentidos. ,

Sob esse funcionamento discursivo descrito por Pêcheux podemos vislumbrar a situação em que o sujeito se encontra: a de não ter a capacidade de perceber que os sentidos das palavras são preexistentes, são determinados pela ideologia. Segundo Carvalho (2008, pp. 51-52), há uma ilusão formalista que recai sobre o discurso no sentido de tornar "necessário" que se utilize o raciocínio silogístico fazendo, por exemplo, a enunciação do sujeito equivaler a operações lógicas e linguísticas. Existe, nesse processo, uma armadilha idealista que faz confundir os traços linguísticos da enunciação com o sujeito empírico.

Enquanto se pensa o discurso de um sujeito supostamente "dono de si mesmo e responsável por suas escolhas" (Gregolin, 2005) é possível observar com Pêcheux (2002) que, no campo dos discursos "logicamente estabilizados", existe manipulação das significações de tal maneira que o caráter oscilante do sentido permaneça fechado na ideologia dominante, restando como "lugar de pura reprodução de sentidos" (Pêcheux, 1982/1999, pp. 1-24).

 

O Sujeito Contemporâneo

Segundo Domingues (2000), a subjetividade autônoma do homem da modernidade desvigora o trágico, torna-o impossível pelo fato de eliminar a polaridade de seus pressupostos: o homem e a realidade. Para eliminar essa polaridade, algo se perde, algo é aniquilado no sujeito contemporâneo.

Seria, então, o sujeito contemporâneo um simulacro? Seria algo que está "ao mesmo tempo em si e fora de si"? (Machado, 2011). O século XIX, como século da história, fez surgir o homem que se vê "confrontado com um tempo que lhe era alheio mas que o carregava diante das coisas". A história veio humanizar "o tempo tornando-o o tempo dos homens" (Nicolazzi, 2011), para que esses mesmos homens façam "história, mas não a história que eles querem ou acreditam fazer", pois estão determinados "a pensar e fazer livremente o que não podem deixar de fazer ou pensar, e sempre através da eterna repetição de uma evidência descritiva" (Pêcheux, 1988b, p. 295).

 

A Ciência e o Sujeito

Para pensarmos o sujeito, precisamos refletir sobre as ciências, pois elas é que inauguraram "uma relação do 'pensamento' com o real" (Pêcheux, 1988b, p. 193). Michel Pêcheux (1988b, p. 192) afirma que não existe um estado de inocência na origem das ciências, porque as teorias descritivas colocam o "sempre-já", a "matéria-prima" teórica como conceito fundador de uma ciência. Segundo esse autor, a ciência produz um corte epistemológico como um "ponto de não-retorno" (Pêcheux, 1988b, p. 199).

A partir desse papel inaugural da ciência, Pêcheux acusa a existência de um paradoxo do discurso: o da construção sem sujeito, que "a um só tempo, exibe e deixa em suspenso o efeito 'cego' dessa mesma determinação enquanto efeito-sujeito" (Pêcheux, 1988b, p. 199). É assim que descreve um processo em que "nomes e expressões se apagam, com a referência [supostamente]'evidente' a seus objetos", enquanto outros aparecem como que "deslocados", "incongruentes" (Pêcheux, 1988b, p. 194). O "mito idealista" faz coincidir o sujeito consigo mesmo; assegura a correspondência do sentido entre o vivido (concreto) e os enunciados supostamente universais da linguagem, como: "todo animal é racional ou privado de razão = todo número é par ou ímpar = toda proposição é verdadeira ou falsa = toda linha é reta ou curva" (Pêcheux, 1988b, p. 234, nota 13). Esse "mito da neutralidade científica" exclui qualquer referência a "situações" e deixa subsistir somente "um puro sistema 'coerente' de propriedades lógicas". Sob esse raciocínio, Pêcheux (1988b, p. 198) afirma que o "discurso da ciência" apaga o sujeito, que há nele um sujeito "presente por sua ausência".

 

Sujeito e Discurso

Temos, até aqui, dois pontos de vista sobre o sujeito do discurso: um que já é dado pela ciência - o impossível de uma "'forma-sujeito' tomada na História como 'processo sem Sujeito nem Fim'" (Pêcheux, 1988b, p. 302), tomado como "evidência descritiva" da história; e outro que se constitui no "estranho ruído" da repetição dessa "evidência descritiva" - é o sujeito que se constitui no discurso e oferece resistência ao destino trágico do idealismo. Essa possibilidade de resistência "se sustenta na divisão do sujeito, inscrita no simbólico" (Pêcheux, 1988b, p. 302) e permite que ele escape das "malhas redutoras" que fazem da sociedade uma "unidade coerente" (Zoppi-Fontana, 2005, pp. 44-46).

Quando se propõe a estudar o discurso, Pêcheux (1988a, pp. 119-125) não ignora que existe uma "eficácia material do imaginário" nas supostas evidências da semântica que levam o sujeito a "se reconhecer" como homem (Zoppi-Fontana, 2005, pp. 44-48).

O dilema lógico que impera nos discursos sob a forma da disjunção exclusiva "ou...ou", faz parecer que há duas opções: o sentido literal, "sentido dominante que se institucionaliza como produto da história" (Orlandi, 1987, p. 144) e outros sentidos supostamente marginais. O funcionamento disjuntivo aprisiona o sujeito ao sentido dominante, sustenta sua tragicidade e produz um apagamento dos outros sentidos possíveis. Pêcheux (1975, p. 127) chama de "mito continuísta empírico-subjetivista" esse processo de "apagamento progressivo da situação por uma via que leva diretamente ao sujeito universal, situado em toda parte e em lugar nenhum, e que pensa por meio de conceitos".

O sujeito contemporâneo está assujeitado à língua, considerada como um "campo de forças" em que são constituídos os processos ideológicos (Pêcheux, 1982/2011, p. 119), que levam à exclusão daquilo que é particular, individual, para, em seu lugar, estabelecer o universal indeterminado (Zoppi-Fontana, 2005, p. 50). Nesse caso, "supõe-se que todo sujeito falante sabe do que se fala", porque os enunciados produzidos em espaços logicamente estabilizados refletem "propriedades estruturais independentes de sua enunciação" (Pêcheux, 2002, p. 31).

O sujeito se inscreve nos "'jogos de linguagem' [...] dos sentidos e dos paradoxos da enunciação" (Zoppi-Fontana, 2005, p. 50) quando ocupa o espaço administrativo, jurídico, econômico, político. Ele não percebe que está sob um princípio que funda o funcionamento ideológico, o qual o subordina incondicionalmente (Haug, 1980) e lhe impõe o funcionamento discursivo lógico-disjuntivo (ou...ou).

Essa disjunção no discurso traz um a priori para o gesto de interpretar do sujeito (Pêcheux, 2002, pp. 29-32) e o constitui em espaços discursivos "logicamente estabilizados" sob a impressão de um mundo "semanticamente normal" (idem).

 

Ideologia e Discurso

A teoria da Análise do Discurso (Pêcheux, 1988b) põe em destaque o papel central e organizador do conceito de ideologia, compreendida como lugar de junção da constituição do sentido com a constituição do sujeito, para observar a compulsão pela repetição que a ideologia comporta. Essa repetição provocada pelas Ciências Sociais retira dos indivíduos a capacidade de refletir sobre sua condição de existência, possibilidade de escolha e sobre sua resistência; recalca as noções de sentimentos, sensibilidades e bens subjetivos por medo de não saber trabalhar sobre a complexidade de objetos que nascem do intangível (Haroche, 2003).

No discurso do capitalismo, por exemplo, o político trabalha sem fronteiras preestabelecidas, fragilizando o indivíduo e colocando o Estado para cuidar de seu bem-estar. O discurso capitalista trabalha nas "fronteiras da língua, do significado dos enunciados e da posição sujeito" (Pêcheux, 1983a, p. 385), de modo a remover os "pontos discursivos de submissão/assujeitamento ideológico", lugares onde se poderia enunciar a resistência. O discurso que sustenta o imaginário do consumo é, por exemplo:

o da publicidade, que, doravante onipresente, incita os indivíduos a apropriarem-se realmente desses bens ou a sonhar que podem fazê-lo caso sejam muito caros. O discurso publicitário, cinicamente, faz o indivíduo crer que é o herói e o futuro beneficiário de uma busca pelo preenchimento de uma falta (seu desejo profundo) e que ele pode obter esse objeto de busca graças ao auxílio mágico que é o produto apresentado. De uma sociedade de produção, na qual as relações de força eram marcadas pelos destinos dos exploradores e dos explorados, teríamos passado a uma sociedade de consumo, na qual o indivíduo se libera da fatalidade de seu "grupo de origem", que o cravava a seu destino, para viver segundo um "grupo de referência" ideal, que lhe dá a ilusão de sua liberdade, de um novo poder, e a possibilidade de se sonhar "possuidor". (Charaudeau, 2006, p. 257)

Com discursos genéricos dirigidos aos indivíduos, o discurso capitalista interfere na estrutura das formas linguísticas em que uma "ausência" trabalha nas "relações de dominação/resistência" (Zoppi-Fontana, 2005). É na língua que se "inscreve a eficácia omni-histórica da ideologia" (Pêcheux, 1982, p. 8). Segundo afirma Pêcheux (1978, p. 266), no "terreno da linguagem, a luta de classes é uma luta pelo sentido das palavras, expressões e frases. Os processos de reprodução ideológica produzem o sentido supostamente evidente e constituem o "sujeito pleno de sentido, origem de si mesmo, de seu pensamento, gestos e palavras" (Pêcheux, 1983a, p. 383).

Debord (1997, p. 14) dá à nossa sociedade o nome de "sociedade do espetáculo" ao desvincular a ideologia da ideia de ilusão, de representação equivocada, para denunciar que há uma estruturação antecipada da nossa percepção da realidade, que torna a relação social indiscernível de uma mediação por imagens. Nesse caso, a eficácia da ideologia se relaciona ao fato de permanecer oculta sob a estratégia da referência a alguma evidência. Ela não pode ser tomada apenas como uma ilusão (Adorno, 1996, p. 13).

Zoppi-Fontana (2005, pp. 55-56) chama de malditos os textos de Pêcheux que sacodem o ponto em que a semântica toca na política. São textos que mostram a resistência de um "sujeito ardente" à tragicidade do esforço das "máquinas de classificar" em aprisioná-lo, enquadrá-lo numa identidade previsível "do discurso administrativo, do direito, do consenso, do jogo democrático, das liberdades individuais, do livre mercado, da guerra preventiva, da produtividade acadêmica"; "identificações individualistas e universalizantes que fazem do sujeito mero suporte biológico de deveres e direitos".

Pêcheux tenta modificar a prática das Ciências Sociais quando estuda os sentidos e estabelece uma relação entre o simbólico e o político. Ele explica que a linguagem é materializada na ideologia e a ideologia se manifesta na linguagem (Orlandi, 2005, p. 10).

O autor (Pêcheux, 1988b, p. 152) também descentraliza o conceito de subjetividade e critica, através de sua teoria materialista do processo discursivo, o sentido evidente estabelecido pela ideologia dominante. Ao relacionar linguagem e exterioridade, ligar o dizer às suas condições de produção, Pêcheux dá novo suporte teórico para a ideologia. Define o interdiscurso (relação linguagem/exterioridade) como "memória discursiva, o já-dito que torna possível todo o dizer"; "um saber discursivo [...] que produz seus efeitos por intermédio da ideologia e do inconsciente" (Orlandi, 2005, p. 11), como algo que significa antes, em outro lugar e independentemente (Pêcheux, 1988b).

Podemos afirmar com Foucault (1972, p. 536) que há uma verdade do homem muito silenciosa e ameaçadora: uma verdade debaixo de toda verdade, a mais chegada ao nascimento da subjetividade e capaz de comprometer os códigos da língua, de modo que a palavra se desdobre, acrescente um suplemento mudo que enuncia silenciosamente.

Essa tensão entre o sentido estabelecido e supostamente transparente e o não-sentido faz da AD uma "disciplina maldita", divisor de águas entre as diversas abordagens discursivas (Zoppi-Fontana, 2005, p. 51).

O fato de a Análise do Discurso apoiar seus elementos conceituais na ideologia como um conceito estrutural, leva-nos a compreender o homem como um "animal ideológico", em quem se realiza a transparência do sentido por meio da interpelação ideológica que constitui sujeito e sentido. Embora a interpelação pela ideologia mascare o caráter material do sentido (Zoppi-Fontana, 2005), Pêcheux (1988b, p. 255) vê a possibilidade de resistência e revolta dentro do processo de assujeitamento, pois, para ele, a ideologia existe "sob a modalidade da divisão, ela só se realiza na contradição".

 

Formações Discursivas, Inconsciente e Sujeito

Segundo Pêcheux (1982), não existe uma "máquina discursiva de assujeitamento", porque os discursos são afetados por determinações inconscientes. Existe a possibilidade de uma "desestruturação-estruturação" nas filiações sócio-históricas dos discursos. O deslocamento ideológico, o imprevisível, interrompe a perpetuação das repetições do ritual ideológico.

O sujeito pode, por um lado, passar pelo processo de assujeitamento, de identificação com uma formação discursiva que lhe fornece a evidência de um sentido e/ou silencia algum sentido; e pode, por outro lado, rejeitar a evidência de sentido.

A "desidentificação" do sujeito corresponde (Pêcheux (1988b, p. 217) ao fato de que os conceitos científicos não têm "um só sentido" no funcionamento do discurso. Quando ocorre a "desidentificação" do sujeito, ocorre o "desarranjo-rearranjo" das formações ideológicas (FIs) e das formações discursivas (FDs).

A contribuição teórica de Pêcheux quanto à identificação ou desidentificação do sujeito com as formações discursivas está em unir inconsciente e ideologia, relacionando a última ao conceito lacaniano de "Significante Mestre" (Roudinesco & Plon, 2011, pp. 1018-1020), que representa o elemento significativo do discurso (consciente e inconsciente) que determina os atos, as palavras e o destino de um sujeito sem que ele se dê conta, e à maneira de uma nominação simbólica (separado do significado, como uma letra, uma palavra símbolo sem significação).

Esse Significante Mestre (S1) de que trata Lacan, é retirado do grande Outro1 e corresponde a um princípio de homogeneização, de socialização (Soler, 2011). Lacan (1955/1998a), apresenta, associado ao conceito de grande Outro, como o lugar onde o sujeito se constitui, sendo este último "representado por el significante en una cadena que lo determina"2 (Roudinesco & Plon, 2011, p. 786), ou seja, tendo origem numa tragédia comum e à espera de ser reconhecido como sujeito.

Quando trata especificamente do sujeito do inconsciente, Lacan passa a diferenciá-lo de todos os outros sujeitos fabricados e engendrados pela história da filosofia, concebendo-o como inconsciente e contrapondo-o ao que o próprio Lacan (1964/1998b, p. 135) rotula de "função do cogito cartesiano com o termo aborto ou homúnculo", ilustrando essa função como uma "recaída [...] que consiste em tomar esse eu do cogito pelo homúnculo que, há muito tempo, é representado [...] no interior do homem, do famoso homenzinho que o governa, que é quem dirige o carro".

Ao introduzir o discurso como algo em cujo funcionamento opera inconsciente e ideologia, Pêcheux articula na língua, como base material do discurso, a individualidade do sujeito e a natureza social de sua existência. Lugar onde os mecanismos linguísticos produzem "as ilusões que colocam o sujeito no centro e origem de seus pensamentos e de suas intenções" (Alcalá, 2005, p. 16).

A teoria da Análise do Discurso toma a linguagem sob a ideia de "descontinuidade, de não-coincidência entre a ordem natural e a ordem humana". Reelabora a noção da ideologia conceituando-a como "trabalho simbólico-e-político" que opera na/pela língua e cuja eficácia provém do fato de funcionar pela ordem do inconsciente, recalcando a instância política, como se a sociedade fosse um "mero sistema em funcionamento" (Alcalá, 2005, pp. 17-18).

Considerar que os sentidos não emanam das coisas do mundo faz compreender que "a passagem entre a ordem natural e a ordem humana não [é] direta, transparente nem homogênea" (Alcalá, 2005, p. 19); faz compreender a existência do "caráter político [...] histórico e contingente dos mecanismos que regulam a vida social" (Alcalá, 2005, p. 20). O triplo registro - história, língua e inconsciente -, elaborado por Pêcheux (1983b) para confrontar com o "mito omni-eficiente do sujeito psicológico" (Gregolin, 2005, p. 10) traz à tona a tragicidade do paradoxo em que o sujeito, sob o assujeitamento ideológico, é pensado dentro da ilusão de "estrategista, consciente, racional e lógico-operatório" (Gregolin, 2005, p. 10).

Pêcheux nos faz duvidar do sentido supostamente único e transparente, e nos faz refletir sobre a existência de "processos ideologicamente heterogêneos, contraditórios, assimétricos e deslocadores", os quais fazem emergir diferentes acontecimentos, novos sentidos, cujas fronteiras são provisórias e "sem demarcações a priori", que pressupõem a "Ordem do Significante, o registro do simbólico, que aponta para a perpetuação do inconsciente" (Pêcheux, 1982/2011, p. 118).

 

O Sujeito da Psicanálise no Discurso: para Compreender a Interrupção do Destino Trágico do Sujeito

A análise do funcionamento discursivo do sujeito, sob as perspectivas teóricas da Análise do Discurso de Michel Pêcheux e da Psicanálise lacaniana, permite vislumbrar a característica de tragicidade nesse funcionamento, uma vez que, de um lado, o sujeito ocupa lugares de antemão, que lhe foram colocados pelo grande Outro, que o constituem a partir de uma determinação, e, de outro, há o funcionamento do inconsciente, conforme lição de Mariani:

O conceito de sujeito em questão remete também para o sujeito dividido da psicanálise, ou seja, um sujeito como efeito de linguagem, falado pelo inconsciente. Citando Lacan - "só há causa daquilo que falha" -, Pêcheux dirá que a categoria de sujeito da análise do discurso deve considerar essa causa [do que falha], na medida em que ela se "manifesta" incessantemente e sob mil formas (o lapso, o ato falho etc.) no próprio sujeito, pois os traços inconscientes do significante não são jamais "apagados" ou "esquecidos", mas trabalham, sem se deslocar, na pulsaçãosentido/non sens do sujeito dividido. (Mariani, 2003/2012, s. p.)

A perspectiva da psicanálise nos leva a observar o sujeito do discurso sob a dimensão de "efeito do significante" (Lacan, 1964/1998b, p. 196). Leva-nos a concluir que a subjetividade é um lugar que cumpre dupla função: a de evidenciar o assujeitamento e a de evidenciar a subversão do sujeito. Mariani (2003/2012) explica como se dá a inscrição do sujeito no simbólico:

Trago, então, as pistas deixadas por Pêcheux ao retomar Lacan e Althusser (Pêcheux, 1988b, p. 163): o sujeito, quando diz "eu" ("ego"), o faz a partir de sua inscrição no simbólico e inserido em uma relação imaginária com a "realidade" do que lhe é dado a ser, agir, pensar. Tal relação estabelecida com a "realidade" é da ordem do imaginário, algo que se produz após a entrada do sujeito no simbólico e impede que o sujeito perceba ou reconheça sua constituição pelo Outro, ou seja, o sujeito não percebe que se encontra convocado a se colocar no simbólico e partir do simbólico para dizer "eu" e para se referir a um mundo já simbolizado. Ora, o que se tem aqui, como já foi dito, é uma anterioridade do simbólico produzindo o assujeitamento do sujeito ao campo da linguagem, ou, dizendo de outra maneira, o que se tem é uma dependência do sujeito ao significante. Importa realçar nesse momento da reflexão que tanto para a psicanálise quanto para a análise do discurso, o sujeito não é um a priori: o que se coloca como ponto de partida é o Outro, ou seja, a o Outro da linguagem e da historicidade (memória). (Mariani, 2003/2012)

Não se trata, pois, de um sujeito cartesiano, consciente e autônomo, mas de um sujeito constituído pela linguagem, que não é causa ou origem de si mesmo. A manifestação do inconsciente abre oportunidade para que surja algo novo. O inconsciente "faz jogar sem cessar a ruptura entre os conceitos e a linguagem que os encena" (Leite, 2005, p. 79), produz "continuamente uma formidável disjunção [...] entre a língua e o processo de conceitualização" (Rey, 1981, p. 159). Nessa dupla função da subjetividade, apontada pela psicanálise, está delineada a economia simbólica, de modo que, de tempos em tempos, sejamos capazes "de romper o círculo vicioso que gera o fechamento 'totalitário'" (Zizek, 1996, p. 34). Esse rompimento só é possível quando tomamos o sujeito sob o conceito da Análise do Discurso: como "uma posição material linguístico-histórica produzida em meio ao jogo contradições e tensões sócio-históricas" (Mariani, 2003/2012).

O trabalho de "fechamento" de sentido no processo discursivo passa despercebido ao sujeito do discurso, pois é um processo que traz embutido o imaginário do lugar social da formação discursiva (FD). Desse modo, o discurso só passa a ter sentido, só poderá ser compreendido, se estiver se referindo a uma determinada formação discursiva (FD). Logo, se se remeter a enunciados que obedeçam às mesmas normas de formação daquilo que pode e deve ser dito a partir de um lugar social historicamente determinado (Pêcheux, 1988b). O sentido supostamente "claro" é construído sem que o sujeito se dê conta, dando a ele a ideia de que é sujeito centrado.

A linguagem usada, os sentidos apreendidos, os sujeitos envolvidos em determinado texto não são "transparentes", mas resultam de um processo em que a língua, a história e a ideologia se entrelaçam. Isso pode ser resumido da seguinte forma: o lugar que o sujeito ocupa no discurso é determinado por uma formação discursiva (FD) (aquilo que o sujeito disse se relaciona a outros enunciados que obedecem às mesmas normas de formação), que é produto de formações ideológicas (FIs) (conjunto de formações discursivas interligadas), que são determinadas pela formação social (FS) (série de relações de membros de determinada comunidade em determinado momento da história, que podem ser de antagonismo ou de dominação). (Monte-Serrat, 2013)

Guy Le Gaufey (2010, p. 32) exemplifica esse processo de "fechamento" de sentido na língua francesa, em que o verbo "fazer" introduz um sujeito anterior ao sujeito, a fim de que o sujeito seja provocado a atuar. O autor explica:

Esta sutileza gramatical se parece com o drama comum a todas as administrações totalitárias, que têm necessidade de agentes responsáveis para multiplicar seu poder, mas não deixam a esses agentes a autonomia necessária para uma decisão inteligente: assim os "fazem fazer" muitas coisas. Num âmbito mais amplo, há o problema do sujeito jurídico, que deve, ao mesmo tempo, existir para além da lei, para recebê-la e admiti-la como tal, mas ao mesmo tempo não pode ser mais que sua criação, sua criatura, e não pode mover-se além de seu aval nem pode jamais voltar-se contra ela. (Gaufey, 2010, p. 32, tradução nossa)3

O funcionamento das representações e do "pensamento" nos processos discursivos, para Pêcheux (1988b, p. 125), parte da ideia de que existe o "o efeito ideológico 'sujeito'" e não um "'sujeito' ideológico como 'sempre-já dado'". Para o autor, a "subjetividade, a discursividade, e a descontinuidade ciências/ideologias" são regiões interligadas. Ele afirma:

Sejamos precisos: o que o idealismo impossibilita compreender é, antes de tudo, a prática política e, igualmente, a prática de produção dos conhecimentos (assim como, por outro lado, a prática pedagógica), ou seja, precisamente, as diferentes formas pelas quais a "necessidade cega" (Engels) se torna necessidade pensada e modelada como necessidade (Pêcheux, 1988b, p. 131, grifos do autor).

"O discurso da ciência sustenta o mote de que 'tudo é possível', sustenta a "ilusão de um ego-sujeito-pleno em que nada falha". No entanto, precisamos lembrar de que "a ordem do inconsciente não coincide com a da ideologia" (Pêcheux, 1988b, p. 301), que o "non-sens do inconsciente" nunca é "inteiramente recoberto nem obstruído pela evidência do sujeito-centro-sentido", pois ambos "não são sucessivos [...] mas estão inscritos na simultaneidade de um batimento, de uma 'pulsação' pela qual o non-sens do inconsciente não pára de voltar no sujeito e no sentido que nele pretende se instalar" (Pêcheux, 1988b, p. 300).

Para concluir, ao utilizarmos a analogia como um procedimento de raciocínio para estabelecer similitudes entre o funcionamento da "tragicidade" e a descrição da constituição do sujeito na materialidade discursiva, observamos um paradoxo que revela a "potência" de uma pulsação de um sujeito do cogito e um sujeito do inconsciente. Em nossa análise, o percurso teórico percorrido tem mais importância do que o próprio desvelamento da máscara ambígua do trágico, pois é na "potência" da "pulsação sentido/non-sens do sujeito dividido" que propomos a interrupção do destino trágico do sujeito do discurso, capturado pela interpelação ideológica. É no momento em que "o 'sentido' é produzido no 'non-sens' pelo deslizamento sem origem do significante", no momento em que surgem falhas no ritual, em que surge "uma palavra por outra", em que surge algo "de outra ordem", que se pode perceber aquilo que vem infectar a ideologia dominante (Pêcheux, 1988b, p. 301), impondo uma "quebra" ao domínio do paradoxal. "Domínio do ambíguo, do indefinido, do contraditório, universo do engano - por sua própria essência, pois, indefinível -, eis o trágico" (Neves, 2006, p. 18), agora com o seu percurso paradoxal desvendado.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Dionéia Monte-Serrat
Email: di_motta61@yahoo.com.br

Leda Verdiani Tfouni
Email: lvtfouni@ffclrp.usp.br

Recebido em: 13/06/2016
Revisado em: 04/11/2016
Aceito em: 25/01/2017

 

 

1 "Término utilizado por Jacques Lacan para designar um lugar simbólico - el significante, la ley, el lenguage, el inconsciente o incluso Dios - que determina al sujeto [...] em su relacaión com el deseo". (Roudinesco & Plon, 2011, p. 785)
2 Representado pelo significante em uma cadeia que o determina (tradução nossa).
3 Esta sutileza gramatical se parece al drama común a todas las administraciones totalitarias, que tienen necesidad de agentes responsables para multiplicar su poder, pero no conciben dejar a esos agentes la autonomía necesaria para una decisión inteligente: así les "hacen hacer" muchas cosas. De forma aún más amplia, es el problema del sujeto jurídico, que debe al mismo tiempo existir más Allá de la ley, para recibirla y admitirla como tal, pero al mismo tiempo no ser más que su creación, su criatura incluso, y no moverse más que en su aval sin poder jamás volverse contra ella (Gaufey, 2010, p. 32).

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