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Revista Subjetividades

Print version ISSN 2359-0769On-line version ISSN 2359-0777

Rev. Subj. vol.17 no.1 Fortaleza Jan. 2017

http://dx.doi.org/10.5020/23590777.rs.v17i1.5157 

RELATOS DE PESQUISA

 

Desdobramentos do ensino acadêmico para a formação psicanalítica: contribuições da clínica ofertada em hospital geral

 

Developments in academic education for psychoanalytic training: contributions of the clinic offered in a general hospital

 

Desdoblamientos de la enseñanza académica para la formación psicoanalítica: contribuciones de la clínica ofrecida en hospital general

 

Développements de l'enseignement académique pour la formation psychanalytique: contributions de la cliniques offerts dans des hôpitaux généraux

 

 

Claudia Maria de Sousa Palma (Lattes)

Prof.ª Adjunta do Departamento de Psicologia e Psicanálise da Universidade Estadual de Londrina - UEL, Pós-Doutora - Laboratório de Psicopatologia Fundamental da Universidade de Campinas - UNICAMP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente artigo se interessa pelos efeitos do ensino acadêmico, sustentado na metapsicologia freudiana, nos aportes lacanianos e na clínica psicanalítica desenvolvida em instituição de saúde pública. Para tanto, dialoga com dois trabalhos realizados, respectivamente, em dois hospitais gerais: uma pesquisa com pacientes atendidos por profissionais em especialização, que pretende problematizar os efeitos de tratamento nos pacientes atendidos, e um projeto de extensão que problematiza as condições de ensino da clínica a partir do encontro de discentes com os dispositivos de tratamento e seus efeitos. A partir desse diálogo, o trabalho destaca as nuances da formação clínica acadêmica no campo psicanalítico, atendo-se às consequências de que, se a experiência com a clínica é uma das condições à formação de um analista, um analista é condição à instauração da situação analítica que ao tratamento interessa. Discute a implicação desse fator nos efeitos produzidos na clínica ofertada em instituição, acrescendo-se, na análise, o cenário institucional com sua variedade clínica e suas demandas curativas, que, por um lado, de somam à formação, por outro, solicitam um preparo do profissional se o horizonte é um tratamento analítico na sua distinção às abordagens terapêuticas e assistenciais. Sobre esse ponto, o artigo resgata os indicadores freudianos quanto aos limites de apreensão à vertente clínica da psicanálise, na universidade, alinhando-se à análise pessoal do profissional como dispositivo fundamental. Considerando a especificidade da proposta acadêmica na graduação, propõe um dispositivo de ensino ao manejo com o saber inconsciente que interessa à clínica psicanalítica.

Palavras-chave: formação do analista; clínica psicanalítica em instituição de saúde; formação psicanalítica acadêmica.


ABSTRACT

This article is interested in the effects of academic education, based on Freudian metapsychology, on Lacanian contributions and on the psychoanalytic clinic developed in a public health institution. In order to do so, it is in dialogue with two works carried out, respectively, in two general hospitals: a research with patients attended by professionals in specialization, who intends to problematize the treatment effects in the patients attended, and an extension project that problematizes the teaching conditions of the clinic from the meeting of students with the treatment devices and their effects. From this dialogue, the work highlights the nuances of academic clinical training in the psychoanalytic field, taking into account the consequences that if the experience with the clinic is one of the conditions for the formation of an analyst, an analyst is a condition for the establishment of the analytical situation approach to treatment. It discusses the implication of this factor in the effects produced in the clinic offered in an institution, adding, in the analysis, the institutional scenario with its clinical variety and its curative demands, which, on the one hand, of adding to the formation, on the other, request a preparation of the professional if the horizon is an analytical treatment in its distinction to the therapeutic and care approaches. On this point, the article rescues the Freudian indicators regarding the limits of apprehension to the clinical aspect of psychoanalysis, in the university, aligned with the personal analysis of the professional as a fundamental device. Considering the specificity of the academic proposal in the undergraduate course, it proposes a teaching device to the management with the unconscious knowledge that interests to the psychoanalytic clinic.

Keywords: analyst training; psychoanalytic clinic in a health institution; academic psychoanalytic training.


RESUMEN

Este trabajo se interesa por los efectos de la enseñanza académica, sostenida en la metapsicología freudiana, en los aportes lacanianos y en la clínica psicoanalítica desarrollada en instituciones de salud pública. Para tanto, dialoga con dos trabajos realizados, respectivamente, en dos hospitales generales: una investigación con pacientes atendidos por profesionales en especialización, que pretende problematizar los efectos de tratamiento en los pacientes atendidos, y un proyecto de extensión que problematiza las condiciones de enseñanza de la clínica desde el encuentro de discentes con los dispositivos de tratamiento y sus efectos. Con este dialogo, el trabajo resalta los matices de la formación clínica académica en el campo psicoanalítico, ateniéndose a las consecuencias de que, si la experiencia con la clínica es una de las condiciones a la formación de un analista, un analista es condición a la implementación de la situación analítica que al tratamiento interesa. Discute la implicación de este factor en los efectos producidos en la clínica ofrecida en instituciones, añadiendo en el análisis el escenario institucional con su variedad clínica y sus demandas curativas que, por un lado, se suman a la formación, por otro, solicitan una preparación del profesional si el horizonte es un tratamiento analítico en su distinción a los enfoques terapéuticos y asistenciales. Sobre este punto, el artículo rescata los indicadores freudianos cuanto a los límites de aprehensión a la vertiente clínica del psicoanálisis, en la universidad, alineándose al análisis personal del profesional como dispositivo fundamental. Considerando la especificidad de la propuesta académica en el grado, propone un dispositivo de enseñanza a la gestión con el saber inconsciente que interesa a la clínica psicoanalítica.

Palabras clave: formación del analista; clínica psicoanalítica en institución de salud; formación psicoanalítica académica.


RÉSUMÉ

Cet article s'intéresse par les effets de l'enseignement académique, soutenu par la métapsychologie freudienne, avec les contributions lacaniennes e de la clinique psychanalytique développée dans des institutions de santé publique. À cette fin, cet article dialogue avec deux travaux realisés dans deux hôpitaux généraux: une enquête avec des patients vus par des professionnels en train de faire spécialisation, qui vise à examiner les effets du traitement chez les patients, et un projet d'extension qui analyse les conditions de l'enseignement de la clinique à partir du rencontre des élèves avec le traitement et ses effets. À partir de ce dialogue, la recherche met en évidence les nuances de la formation clinique académique dans le domaine psychanalytique, en attirant l'attention aux conséquences d'avoir l'expérience avec la clinique comme l'une des conditions pour la formation d'un analyste. Donc, un analyste est la condition pour l'instauration de la situation analytique qu'intéresse au soin. Cet article traite de l'implication de ce facteur dans les effets produits dans les cliniques offerts dans des institutions, en ajoutant, dans l'analyse, le cadre institutionnel avec sa variété clinique et ses revendications, qui, d'une part, sont ajoutées à la formation, d'autre part, nécessitent une préparation professionnelle si l'horizon est un traitement analytique dans sa distinction dans les approches thérapeutiques et assistantielles. Sur ce point, l'article prend les indicateurs freudiennes quant aux limites d'appréhension à la source clinique de la psychanalyse, chez l'université, en s'alignant à l'analyse personnelle du professionnel comme dispositif fondamental. En considérant la spécificité de la proposition académique au premir cycle, on propose un dispositif d'enseignement de la gestion avec le savoir inconscient qui intéresse à la clinique psychanalytique.

Mots clés: formation de l'analyste; clinique psychanalytique en institution de santé; formation psychanalytique académique.


 

 

A questão que motiva este artigo é resultado do interesse pela psicanálise desenvolvida nas esferas públicas de saúde, especificamente no que concerne à oferta de formação psicanalítica a partir de uma proposta acadêmica e seus desdobramentos na clínica concomitantemente ofertada em instituição de saúde.

Duas experiências orientam as reflexões que se seguem: a primeira, enquanto pesquisadora interessada nos efeitos do tratamento ofertado por psicólogos, inseridos numa especialização em clínica psicanalítica, a pacientes atendidos no Ambulatório de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de Campinas; e a segunda, enquanto coordenadora e supervisora de um projeto de extensão desenvolvido por estudantes de psicologia interessados na aproximação teórica e clínica à psicanálise, no Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Londrina.

A partir dessas duas experiências distintas, que se articulam no ponto de discussão da formação clínica psicanalítica, pretende-se problematizar a relação entre os tempos iniciais de uma formação, por meio de uma proposta acadêmica, e as condições de oferta/efeitos da clínica psicanalítica, interrogando as possibilidades de intervenção no inconsciente através da operação com os dispositivos da associação livre e da transferência nesse tempo inicial de proximidade à clínica psicanalítica.

Quando Lacan (1998a), em seu texto sobre a direção do tratamento e os princípios de seu poder, define o tratamento psicanalítico como aquele dispensado por um psicanalista, ele nos convida a refletir sobre o tratamento prestado por um praticante em psicanálise, entendendo praticante como alguém implicado em conhecer ou mesmo já decidido pela clínica psicanalítica, iniciando um percurso que depende de um trabalho clínico inclusive.

Tal problematização faz-se relevante quando consideramos a cota a pagar do analista, como destaca Lacan (1998a), para a instauração da situação analítica, em que ele paga com palavras para que a operação analítica as eleve a seu efeito de interpretação; paga com sua pessoa, emprestando-a como suporte aos fenômenos; e paga ainda com a suspensão de seu mais íntimo.

Até que se chegue a essa condição de pagamento à vista de todo o montante de uma formação que provoque um ponto de conclusão, que permite a apreensão de uma nomeação -psicanalista -, o que temos são cotas parceladas, distribuídas pela trajetória formativa. Cotas que, para uns, são levadas até um ponto de conclusão, mas, para outros, se mantém num parcelamento confortável sem fim. Havendo ainda aqueles para os quais permanece numa modalidade que varia da intermitência ao abandono do pagamento da cota necessária.

Tomando essa perspectiva - da cota que se dispõe quando nos colocamos na experiência com a clínica psicanalítica - o trabalho pretende destacar essas nuances da formação a partir de uma pesquisa que analisa os efeitos de tratamentos ofertados por praticantes em psicanálise e de uma atividade de extensão que interroga as condições da formação acadêmica para o exercício da clínica.

A condição de formação na clínica psicanalítica, quando inserida no cenário público da saúde, amplifica-se, pois a sustentação da situação analítica do lado do clínico, num cenário orientado pela demanda de supressão imediata da dor/sintoma acrescida de uma direção assistencial, encarece a cota necessária. Se nesse cenário a formação (supervisão, análise, estudo teórico) e a experiência clínica são postos à prova continuamente por diferentes vias (pacientes, familiares, equipe, instituição), a presença de profissionais iniciantes no trabalho clínico interroga a oferta de uma clínica psicanalítica.

O presente trabalho, portanto, orienta-se num esforço de transmissão e de abertura ao debate público sobre o campo das vicissitudes da formação na clínica psicanalítica, a partir de uma oferta acadêmica, especialmente quando praticada no âmbito público.

Para tanto, iniciamos com uma experiência de extensão, cujo acento está numa reflexão teórica sobre algumas consequências à formação inserida nas balizas acadêmicas quando do início de uma aproximação à atividade clínica. Posteriormente, apresentamos uma pesquisa empírica sobre os efeitos da clínica ofertada por praticantes na psicanálise, sustentados numa formação acadêmica, respondendo às reflexões de um segundo tempo na aproximação à clínica.

 

A Experiência de Extensão

Durante a graduação em psicologia na Universidade Estadual de Londrina, as atividades em extensão, muitas vezes, são a primeira inserção do discente na clínica. Nessa via, oferta-se atendimento psíquico a pacientes atendidos pelo Serviço de Psicologia, como uma modalidade formativa que visa à aproximação do discente aos dispositivos de tratamento estabelecidos pela clínica psicanalítica, destacando-se a associação livre e a operação sob transferência.

O projeto é dirigido aos discentes de 4º e 5º anos, com a proposta de atendimento individual psicanalítico a adultos encaminhados por diferentes clínicas médicas ao Serviço de Psicologia. No encaminhamento, a regularidade clínica que se destaca diz respeito às "condições emocionais do paciente", avaliadas como impeditivas ao restabelecimento do bem-estar.

Ou seja, o médico que encaminha e o paciente que solicita o tratamento esperam a solução da afetividade que intervém desfavoravelmente no adequado funcionamento medicamentoso e/ou vivencial, demanda que também é compartilhada pelos discentes, sobretudo quando a questão psíquica se articula a condições materiais e/ou orgânicas socialmente penosas. Os atendimentos recebem supervisão grupal e, paralelamente, são propostos encontros teórico-clínicos sobre a metapsicologia e as especificidades da clínica psicanalítica na instituição.

Nesse tempo de encontro com a clínica, o discente já se encontra no final de sua graduação, tendo bem inscrita a necessidade de uma busca pelo "saber como fazer" que as disciplinas teóricas parecem não revelar.

Freud (1987b), problematizando sobre o ensino da psicanálise na universidade, esclarece que as aulas teóricas dogmáticas e críticas permitem uma oportunidade restrita para a efetivação de experiências práticas, sublinhando que o estudante jamais apreende a psicanálise propriamente dita, apreendida com a análise pessoal, nos estudos teóricos oferecidos pelos institutos especializados e as atividades clínicas supervisionadas. Já naquela época, concluía o que é possível na universidade: aprender algo sobre a psicanálise e a partir da psicanálise na direção de que esse novo campo do conhecimento possa somar às práticas médicas, especialmente a psiquiatria.

Tal indicação também opera no campo da psicologia, em que a metapsicologia predominantemente é utilizada a fim de somar às práticas psicológicas. Entretanto, os estágios clínicos ofertados a estudantes de psicologia, interessados na psicanálise propriamente, assumem outra característica na medida em que se desvinculam das práticas psicológicas de tratamento, estabelecendo, assim, um campo novo, pois propõem uma clínica psicanalítica num cenário formativo em que o próprio Freud desenha como impróprio.

Com efeito, o que Freud parece destacar como sendo próprio à psicanálise na universidade tangencia a parte do conhecimento psicanalítico a ser aplicado em outros campos, somando a perspectiva da ciência, em que saber, verdade e certeza fazem as balizas de um mestre pleno a serviço da funcionalidade do mundo.

Configuração absolutamente distinta da oferta de formação dos institutos, balizados por uma orientação ao sujeito castrado, em que falta, por conta da estrutura, um saber a ser transmitido. Logo, não há sutura possível, e a operação com o viver irá implicar num ponto in-sabido, campo da diferença à abordagem do saber quando cotejado ao conhecimento ofertado pela ciência. Campo da meia verdade e, portanto, da aposta (Lacan, 1992).

Nessa perspectiva, os discentes envolvidos no projeto, motivados pelos indicadores formativos da ciência, procuram insistentemente por uma revelação de um conhecimento-mestre garantidor de um fazer clínico, a-guardado como uma verdade que acaba por produzir uma redução da clínica psicanalítica a um conjunto de técnicas a serem aplicadas a fim de resolver o mal-estar do sujeito. No equívoco da redução à técnica, a interrogação do discente recai sobre o esperado a se alcançar na perspectiva da cura do mal-estar.

A necessária reorientação da rota implica retomar a resposta de Lacan quando interrogado sobre os efeitos de um tratamento analítico. Lacan (2003) subverte a pergunta "o que esperar" para a interrogação "de onde esperar", estabelecendo o ponto de relevância da questão, não no conteúdo a se produzir, mas no lugar de onde tal produção pode advir.

Assim, onde devem estar paciente e analista para que uma intervenção no inconsciente se efetue, ou seja, a especificidade da clínica psicanalítica? Se o sujeito estiver num lugar de interrogação implicado com sua divisão e o analista num lugar propício à efetivação da transferência que convida à cena a divisão do sujeito, o efeito que se espera é a surpresa de uma fala reveladora produzida no/pelo encontro.

A constatação freudiana de que o pulsional excede à condição de operação com a linguagem, com o campo simbólico, demonstra a presença de uma divisão, uma não coincidência entre saber e verdade, ou, conforme Lacan, entre o significante e o objeto a. Como sublinha Machado Pinto (2006), a verdade é mais o efeito decorrente de um encontro entre o sujeito que tenta se dizer pela sucessão significante e o real de sua satisfação pulsional. Assim, a verdade só pode ser lida nas entrelinhas sem que se possa apreender por nenhum saber sabido.

Logo, como se ensina um saber não sabido, "isso" que, como indica Lacan (1985b), não se trata de aprendizado, estabelecendo a distinção entre saber e aprender. "Isso" que apenas se materializa na experiência de uma análise, e ainda de modo fugaz, é uma questão que ganha consistência nessa experiência de extensão, visto que "isso" não se ordena nas demandas acadêmicas de aprendizagem.

Por essa via, talvez tenhamos que tomar de forma radical a resposta de Lacan, (2003) à pergunta sobre o que se espera de uma análise, um analista, enquanto um lugar forjado na experiência de uma análise, lugar no inconsciente, que guarda a especificidade de orientar a clínica àquilo que "não tem nome nem nunca terá", à operação com o circuito pulsional.

Tal condição, a análise do profissional, se está posta nos institutos de formação psicanalítica, não encontra sustentação na oferta da clínica psicanalítica desenvolvida nos cursos de graduação em psicologia. Pode ser utilizado como um dos critérios para a escolha de estagiários, mas não como condição, considerando os entraves legais no seu manejo.

Cota essa que também faz falta à apreensão da metapsicologia no campo das disciplinas teóricas, pois sem a implicação com uma experiência de análise, não é difícil o discente oscilar entre uma apropriação equivocada, às vezes apaixonada e arrogante do campo clínico, reduzindo-o a um saber hermético, e uma destituição também apaixonada, com uma desvalorização equivocada de elementos da metapsicologia, como o complexo de Édipo, alinhado ao absurdo quando apreendido pela via estritamente imaginária.

Nesse cenário, o projeto de extensão pretende somar a reflexão sobre a formação a partir de elementos colhidos no seguinte enquadre metodológico de trabalho: a) caracterização dos critérios de entrada no projeto - nos três últimos anos, 20 discentes foram distribuídos em: interessados em "conhecer a clínica psicanalítica" e bom desempenho teórico nas disciplinas (entendendo como bom desempenho condição de interrogação, interesse e produção com os conceitos); bom desempenho teórico, decisão pela formação posterior no campo analítico e análise pessoal; bom desempenho teórico e análise pessoal, mas sem necessariamente a decisão prévia em continuar com a formação em psicanálise depois de formados; b) modalidade de trabalho: supervisão coletiva (dois a quatro discentes) dos casos atendidos semanalmente, oferta de uma vez por semana; c) estudo teórico; d) compromisso de apresentação de um trabalho pertinente às atividades desenvolvidas.

Dessa experiência, a supervisão e o estudo teórico ofereceram, para os discentes que conseguiram certa permanência na condição de não saber inerente ao encontro clínico psicanalítico, a oportunidade de reconfigurar a expectativa em dominar uma técnica e a clínica enquanto um conhecimento a ser adquirido na externalidade da experiência do tratamento.

Nesses casos, a experiência com os dispositivos do silêncio que intervém na direção da fala que interessa e o distanciamento ao lugar pedagógico ou assistencial pôde oferecer a oportunidade do encontro com a associação livre e a interpretação "inesperada" por parte do discente, ou seja, não regida pelo domínio prévio de um conhecimento a ser aplicado, promovendo efeitos no sintoma que mantinham paciente e discente no tratamento. Vale destacar que os discentes que participaram por dois anos do projeto eram favorecidos no encontro com tal experiência na clínica.

Nos discentes em que a insistência em governar ou educar predominava, muitas vezes somando-se ao não envolvimento com a própria experiência nos dispositivos clínicos da psicanálise, acentuava-se a frustração com o lugar necessário de não afirmação à demanda de cura do outro, numa dificuldade em sustentar um tratamento além do tempo das entrevistas iniciais, que giravam em torno de quatro a seis encontros. A escolha pela não continuidade na formação psicanalítica pareceu-nos decisiva nesse grupo que faz uso da experiência de extensão para concluir a não pertinência desse modo de trabalho a partir de valores terapêuticos de intervenção. Configuração que também nos parece relevante nesse tempo de oferta a partir de uma proposta acadêmica.

 

A Experiência em Pesquisa

No Ambulatório de Psiquiatria do HC - Unicamp, o Serviço de Psicanálise foi constituído com a finalidade de transmissão e pesquisa psicanalítica, além do atendimento aos pacientes do ambulatório. No ano de 2007, uma pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética da Instituição foi estabelecida sobre os efeitos do tratamento analítico a partir dos atendimentos realizados pelos psicólogos em especialização no serviço que, durante um ano, dirigiam o tratamento.

A especificidade dos profissionais em especialização na clínica psicanalítica interessava partindo da seguinte questão: quais os efeitos de um tratamento que utiliza os princípios da psicanálise, num cenário distinto da criação original do método e é ofertado por um iniciante sustentado por uma proposta acadêmica de formação?

A fim de responder a tal problema de pesquisa, orientamos o estudo à criação de um dispositivo de entrevista, proposto pela pesquisadora e não pelo profissional que conduzia o tratamento, favorecedor da marcação dos efeitos do tratamento. Essa primeira fase da pesquisa foi publicada (Palma, Jardim, & Oliveira, 2011) e, para o presente artigo, interessa-nos apresentar os resultados colhidos com o dispositivo, articulando-os com a condição inicial de formação clínica dos profissionais e a especificidade do cenário público da saúde.

Tal especificidade tem motivado importantes trabalhos que convergem para a pertinência do tratamento na instituição, apresentando os respectivos dispositivos criados em resposta à diferença de enquadre, como o manejo de sessões por semana e horários, conforme destaca Figueiredo (1997); a criação de recursos ao estabelecimento da privacidade como, por exemplo, nos atendimentos em enfermarias, segundo propõe Moretto (2002); e também propostas clínicas para o manejo do tempo de tratamento, como em Bueno e Pereira (2002).

Esses estudos sublinham a presença de um analista como a condição distintiva dos tratamentos e não as especificidades institucionais, as quais podem ser manejadas através da produção de novos dispositivos que permitam a instauração da situação analítica. Considerando a presença desses dispositivos de manejo clínico, nossa finalidade foi articular os resultados com as nuances da formação acadêmica a fim de transmitir algo sobre esse campo tão complexo que diz respeito aos efeitos de um tratamento psicanalítico.

Desse modo, um interesse próximo ao de Lacan quando se propõe a analisar o discurso analítico, destacando que "não se trata de torná-lo oficial, trata-se de descobri-lo e torná-lo oficiante, isto é, operante pela via da transmissão" (Lacan, 1985a, p. 40).

Essa é uma das discussões mais difíceis com relação à psicanálise certamente, porque uma coisa é a experiência analítica enquanto tal, e outra é a transmissão, em particular aos interlocutores não psicanalistas, de uma experiência que se constitui numa prática original de enfrentamento do Real e que não pode pautar-se em resultados de adequação adaptativa com valores pré-fixados.

Convidar à cena os sintomas na direção do campo pulsional é convocar a relação do sujeito com o Outro. Essa relação originária e instituída no campo simbólico ancora o aforismo lacaniano: "o inconsciente está estruturado como uma linguagem". Entretanto, essa é uma cena a ser estabelecida com o sujeito, inicialmente entregue às identificações ancoradas no imaginário, em que a mestria e a retirada do que não se ordena pela via da compreensão encaminha o pedido de tratamento.

O inconsciente, como sintetiza Vegh (2001), é composto por elementos separados, e não contínuos, dispostos para formar frases, constituindo-se como um conjunto de significantes engendrados no campo do Outro e que, na análise, ordenam-se em discurso a partir dos dispositivos da associação livre e da transferência. Dessa forma, produzem um inesperado e não sabido, instaurando os efeitos de re-significação e, num segundo tempo lógico, quando da operação com a incidência pulsional, uma mudança de posição subjetiva frente ao Outro.

Diante isso, a efetividade de um tratamento psicanalítico responde aos efeitos desse primeiro tempo lógico de um deslocamento de lugar, donde o sujeito poderá forjar um novo encontro com as palavras, ou seja, com o sentido, encontro que o desloque de sua mesmice neurótica tecida pela predominância das identificações imaginárias. A produção oral espontânea como eixo fundante da psicanálise foi na pesquisa realizada também utilizada como meio para a abordagem dos efeitos de um tratamento.

No presente artigo, a finalidade é trazer ao debate a necessidade de pesquisas sobre a relação entre a formação iniciante no campo analítico e a clínica, sobretudo na saúde, orientada aos efeitos terapêuticos, em que se destacam os limites no estabelecimento da situação analítica, da cena do inconsciente, sobretudo no cenário institucional, com seus indicadores universais de saúde e adaptação.

Procedimento: A Instauração do Tratamento e das Entrevistas de pesquisa

A organização do Serviço de Psicanálise contava com a oferta de um curso de especialização em clínica psicanalítica para profissionais de diferentes áreas da saúde. A oferta contemplava estudos teóricos, atendimento clínico e supervisão de analistas convidados a participar do curso. Os critérios de ingresso contavam com a experiência, ainda que inicial, na clínica psicanalítica, e com a análise pessoal, configurando um grupo selecionado de profissionais decididos pela formação nessa orientação teórica.

Quanto aos atendimentos, havia um dispositivo de atendimento anual que poderia ser renovado por mais um ano a partir da atualização da demanda do interessado. O número de sessões e o tempo delas eram estabelecidos caso a caso, incluindo-se as contingências sociais e clínicas. Todo o trabalho dos praticantes recebia supervisão na modalidade grupal, dois ou três profissionais, em que faziam rodízio nas apresentações dos casos.

Para a pesquisa, estabelecemos dois momentos para a coleta, que foram constituídos pelas etapas dos procedimentos éticos de esclarecimento e do aceite do paciente. No instante inicial, com a experiência do tratamento, uma ou duas entrevistas eram realizadas e, no momento final, um ou dois encontros. A escolha desses dois momentos para a coleta dos dados levou em conta, sobretudo, a discussão freudiana sobre a técnica, em que Freud (1987a) utiliza o jogo de xadrez como analogia ao que se é possível demonstrar com a prática psicanalítica: as aberturas e os finais podem ser mais claramente teorizados, sendo o período intermediário impossível de formalização técnica.

A partir dessa organização e considerando a produção oral espontânea como eixo norteador para a análise dos efeitos de um tratamento, nosso problema de pesquisa era como obter a fala que interessa à psicanálise, veiculada apenas sob transferência, através de poucos encontros com a pesquisadora, ou seja, com alguém que não iria dirigir o tratamento.

Em relação à transferência, Lacan destaca que "a ausência de um analista no horizonte não destitui a presença dos efeitos de transferência exatamente estruturáveis como o jogo da transferência na análise" (Lacan, 1998b, p. 120). Considerando a incidência desses efeitos fora da experiência do tratamento, considerou-se a hipótese de que tais manifestações de um tratamento poderiam atualizar-se nas entrevistas de pesquisa frente a uma escuta e intervenção sob os mesmos princípios. Porém, como fazer com aqueles que não estabeleceram tal experiência transferencial de abertura do inconsciente?

A apresentação de pacientes interroga a possibilidade de se efetuar um diagnóstico sob transferência, indicando, todavia, como destacam Figueiredo e Tenório (2002), que o analista, pode atingir o mais-além dos fenômenos ao não abrir mão do seu lugar e do trabalho de produzir certa fala, diferenciando-se, portanto, a entrevista psicanalítica da psiquiátrica. "Trata-se de que na apresentação (entrevista) psicanalítica essa fala é produzida num certo registro da transferência, no registro de um certo (sic) endereçamento. Aí reside a tentativa do mais além dos fenômenos" (Figueiredo & Tenório, 2002, p. 42)

Com essa aposta de lugar para a analista-pesquisadora, um estudo piloto com 11 casos foi estabelecido a fim de problematizar a pertinência do método proposto. Os resultados permitiram concluir a pertinência do método da pesquisa, de abordagem dos efeitos produzidos com o tratamento a partir de entrevistas iniciais e finais, enquanto uma oferta de escuta e intervenção sustentada no convite à associação livre, na escuta do excluído, no forçamento de uma implicação do sujeito para com sua queixa, e na transferência ao saber do inconsciente (Palma, Jardim, & Oliveira, 2011).

Desse modo, nas entrevistas iniciais com a população do estudo, dois norteadores foram utilizados: falar sobre a vida/falar sobre o que trazia ao tratamento. A partir desses disparadores, a pesquisadora efetuava marcações discursivas, interrogações sobre a implicação do sujeito com o narrado, convidando o surgimento de uma narrativa própria, produto da cena do inconsciente, portanto, deslocada do eixo imaginário.

No segundo momento, ao final do tratamento, o interesse era verificar se houve alguma ressignificação ou até modificação na posição subjetiva, em particular se era possível identificar algum movimento do eu inicialmente suturado pelas imagens narcisistas cristalizadas pela psicopatologia em favor do aparecimento de um sujeito dividido, destacando-se, para tanto, uma nova relação com suas próprias palavras e discurso.

Resultados: Sobre os Efeitos da Clínica Ofertada

Dos 27 pacientes entrevistados no início de 2007, dois desligaram-se por motivo de mudança, sete por impossibilidade em cumprir com o horário e seis desistiram antes do primeiro trimestre, não apresentando interesse em participar da entrevista final. Assim, a evolução de 12 pacientes analisados, partindo da escuta das narrativas gravadas nas entrevistas iniciais e finais, resultou no estabelecimento de três posições subjetivas quanto aos efeitos destacados nas narrativas: implicada, queixante, ausente.

As respectivas posições foram formuladas a partir das elucidações teóricas de Soler (2002) em sua aula sobre as variantes da destituição subjetiva e também construídas em articulação com as alterações (ou não) na vida e nas perspectivas existenciais do sujeito.

A posição que chamaremos de "implicada" denota, por sua vez, a presença de uma interrogação autodirigida, trazendo à cena a dúvida e uma perda de segurança, instituindo-se um sujeito indeterminado, S barrado, em que o sofrimento se assenta no encontro com os estados de inibição, impotência e angústia. Nessa posição, o sujeito espera que o tratamento lhe permita findar com a indeterminação, não mais pela via da sutura, mas pela via da produção de condições para se fazer com a falta de saber pondo termo, assim, à procrastinação e à impotência. Logo, para além dos efeitos terapêuticos, revela-se uma mudança de posição subjetiva frente ao Real, traduzida pelos efeitos propriamente analíticos do tratamento. Tal posição seria um indicativo pertinente da incidência do dispositivo analítico na direção do que se espera propriamente com essa clínica.

A posição "queixante" contempla um indivíduo preocupado em manter seu eu identificado ao sintoma que lhe tampona o mal-estar estrutural, aparecendo o sofrimento através de uma queixa sobre algo do outro que faz vacilar a eficiência do tamponamento. Nessa posição, o sujeito espera do tratamento os meios para alterar o cenário externo apenas, ou ainda não se perturbar com tal incidência. Portanto, um efeito terapêutico de alívio, obtido na direção estrita de uma restituição do tamponamento.

A posição que denominamos como "ausente" diz respeito a uma ausência de subjetivação, que Soler (2002) vai abordar como um sujeito destituído pelo Real, mas não restituído pela elaboração de um tratamento. Isso implica ao sujeito um lugar de objeto a partir de uma destituição, pela ciência, pela política ou pela economia, em que o resultado é um indivíduo aniquilado de sua condição desejante e/ou em risco significativo de sua condição vivente. Nessa posição, a narrativa mantém-se fixa na concretude dos eventos e a impossibilidade de mudança dessa condição implica numa ausência de efeito da palavra.

A Posição de Implicação

Encontramos um único sujeito, entre os doze estudados, que se deslocou para a posição de implicação a partir da condição queixante de sua narrativa inicial, denotando a instauração da situação analítica, da cena inconsciente, de uma interrogação não refletida pelo outro enquanto indicador de resposta.

Considerando a segunda entrevista, após dez meses de tratamento, o sujeito pôde se implicar com a narrativa e recompor seu cenário descritivo, em que os personagens da trama se diversificam ganhando, inclusive, conotações afetivas que não apresentavam na primeira entrevista. Com efeito, diferentemente da condição anterior de relato das consequências dos eventos externos sobre o sujeito, o qual constituía uma estrita falta-a-ter, na segunda entrevista, uma falta-a-ser circunscreve-se a partir da frustração com os lugares materno e paterno na vida do sujeito, podendo se constituir uma hipótese diagnóstica própria, relacionada, então, à paralisação frente à vida, narrada na primeira entrevista.

A oportunidade de se deixar falar - e de ser escutado por alguém em posição de transferência -, diferentemente de ser falado através dos eventos, favorece uma mudança de posição subjetiva, em que a fonte do sofrimento é deslocada do outro impeditivo para a impotência do sujeito no manejo da vida. Ele toma a intervenção como instrumento para suas produções, e não como necessidade de resposta, como é comum em pacientes no início de um tratamento em que a situação analítica ainda não se estabeleceu. A direção da narrativa não é previsível, aparecendo a incidência da associação livre.

A Posição de Queixa

Esta posição conta com oito pacientes em tratamento psiquiátrico concomitante, sendo cinco com significativa melhora sintomática e sem interesse pela continuidade do tratamento psíquico, e três que mantém um interesse pela continuidade, sem que apareça na narrativa melhora da queixa ou responsabilidade pelo mal-estar. Os conteúdos das narrativas são evidentemente muito distintos, mas a estrutura discursiva de cada um se mostra inalterada na entrevista final, com uma narrativa sem o reconhecimento, ainda que implícito, de suas implicações com o narrado.

A causa destacada para os suplícios com a vida oscila entre "verdades" universais e inelutáveis que determinam o destino - "toda mulher é assim"-, e o recurso a fatalidades definitivamente traçadas e cristalizadas: "esse jeito meu de ser é ruim, puxei à minha mãe, ela também é assim, como a minha vó, isso não tem mais jeito, não"; ou "ele é assim há 50 anos, não vai mudar, tenho é que me acostumar".

Com efeito, na entrevista inicial, a queixa revelava algum grau de abertura na sutura que mantinha o sujeito até então, a partir dos sintomas de ansiedade, inibição e depressão. Entretanto, os dados do segundo momento indicavam a não operação de uma retificação da posição dos sujeitos, apesar da presença de efeitos terapêuticos, isto é, alívio dos sintomas-queixa em cinco pacientes.

Desses cinco pacientes, foi possível constatar em três a melhora, ou mesmo a extinção, dos fenômenos de ansiedade, insegurança e depressão, obtidos provavelmente ao custo da restauração de sutura do eu, sem um movimento de interrogação e implicação sobre os próprios sofrimentos e sintomas, fazendo suficiente tal melhora sintomática. Um dado que se soma a essa perspectiva diz respeito à medicação, presente nesses três pacientes e em outros dois pacientes que desistiram do tratamento psicanalítico antes do estabelecido de um ano, dispondo-se apenas ao encontro final para a pesquisa, como combinado, permanecendo somente com o acompanhamento psiquiátrico. Todos os cinco avaliam positivamente a medicação para a condição de melhora.

Considerando ainda essa posição discursiva desimplicada e queixante, dos oito pacientes, três destacaram-se pela ausência de efeitos terapêuticos, mas com a presença de uma necessidade de manutenção dos encontros como meio de alívio: "é bom pra mim vir, eu desabafo". Além disso, manteve-se a mesma fala factual, destacando-se, em todos, descrições exaustivas, chegando a recusas de corte no discurso, com evidente ansiedade perante o limite à fala. Configurações narrativas que se repetem no segundo momento, indicando uma ausência de efeitos observáveis no discurso, associada à condição de conforto com o "desabafo", sustentando o interesse pelos encontros.

A Posição de Ausência de Subjetivação

Compõe-se de três pacientes, sendo que um deles apresenta um quadro neurológico, com a fala pastosa e de difícil clareza, em que a suposta questão "tentei me matar três vezes" não se articula à esfera psíquica, mantendo-se as queixas no campo estritamente orgânico. O paciente desiste do tratamento psicanalítico. Nesse caso, a inoperância medicamentosa em um quadro de organicidade evidente interroga a pertinência do encaminhamento.

Nos dois outros, a narrativa é crua e conformada, destacando-se pouca ou nenhuma demanda pelo tratamento psíquico, em que a fala não parece intencionar sentido ao sujeito nem se endereçar ao outro. Para o escopo do trabalho, a posição referenciada diz respeito a não incidência do tratamento como possibilidade ao sujeito de uso do aparelho psíquico para tratar da angústia.

Essa experiência de pesquisa, apesar de seu caráter inicial, destaca alguns indicadores importantes à clínica. Dos 27 casos inicialmente avaliados, apenas 12 se mantiveram de algum modo no serviço, em que a necessidade da presença contínua do paciente para o tratamento aparece como um limitador significativo, estabelecido por condições de realidade que se antecipam e se sobrepõem às condições subjetivas e que, quando comparados à dinâmica do Ambulatório de Psiquiatria, em que o paciente retorna em intervalos mensais ou ainda maiores, aparecem como entraves.

Dos 12 casos, apenas um revelou transformações no sentido propriamente psicanalítico de resposta aos dispositivos da transferência e da associação livre. O restante dos entrevistados não se deslocou claramente do lugar inicial, ainda que um número considerável (6) tenha destacado a existência de efeitos terapêuticos enquanto melhora adaptativa (3), ou manutenção das queixas sem piora e com certo alívio em poder "falar de" (3). Outros três pacientes não apresentaram qualquer alteração substancial, mesmo no plano sintomatológico, e dois desistiram, optando pela permanência apenas da abordagem medicamentosa.

 

Discussão dos Resultados

Os dados que emergem da pesquisa sugerem a dificuldade do paciente em manter-se e fazer a experiência analítica, quando não se efetiva a apropriação do circuito pulsional na trama queixante, recolocando, assim, o sujeito nos desordenamentos da própria vida. Soma-se a essa dificuldade a especificidade da proposta psiquiátrica de intervenção, mais rápida e indolor, que frequentemente incide na condição sintomática de um modo que o sujeito não encontra sentido na abordagem verbal ao mal-estar. Tal configuração atualiza-se na experiência com a extensão, em que a oferta medicamentosa, quando inoperante à restituição do bem-estar, ao dirigir o encaminhamento, mantém a busca pela psicoterapia na mesma perspectiva passivo-curativa.

Por outro lado, diferente da presença de efeitos analíticos a partir da oferta de um tratamento, as experiências dos discentes com a clínica na proposta de extensão acabam por se restringir às aproximações intermitentes aos dispositivos de silêncio, acolhimento ao "impróprio" da narrativa, suspensão da pessoalidade e marcação de equívocos, em que o paciente acaba por experimentar apenas os efeitos terapêuticos de uma escuta não orientada pelos indicadores pedagógicos ou morais de controle.

Assim, ainda que a formação inicial do profissional, interesse do artigo, não tenha sido efetivamente investigada na pesquisa, ela se faz presente como elemento a ser interrogado. No âmbito da formação acadêmica proposta aos profissionais, dois fatores decisivos à formação de um analista(análise pessoal e trabalho clínico estabelecido), compõem os critérios de inclusão na especialização e podem associar-se à maior desenvoltura desses profissionais com os dispositivos psicanalíticos propostos quando cotejados com a experiência dos discentes em estágio.

Entretanto, os limites na presença dos efeitos propriamente analíticos nos tratamentos propostos em ambas as experiências coloca-nos a refletir sobre as condições de oferta de formação acadêmica para o exercício da clínica psicanalítica.

Com efeito, o modo como se organizam as formações acadêmicas parece limitar as possibilidades de apreensão da clínica psicanalítica, quais sejam: o tempo breve de início e fim previamente estabelecido, sejam dos estágios clínicos ou dos cursos de especialização; os procedimentos para a obtenção de títulos, em que a média permite a obtenção do grau, mas não necessariamente corresponde à condição mínima da cota necessária ao exercício da clínica psicanalítica; a carga horária contratada, a ser compartilhada em supervisões coletivas que ofertam a supervisão do trabalho, e não do praticante. Portanto, ainda que as supervisões coletivas sejam modalidades interessantes ao aporte do conhecimento, são impróprias à abordagem da experiência singular de cada um com os efeitos que recebe da clínica.

Nessa perspectiva, também a não obrigatoriedade da análise pessoal impede a experiência com os dispositivos do tratamento, a apreensão do cerne da clínica, na carne, ponto in-formulável, vinculado às condições de operação com o não saber, na direção da experiência com seus efeitos no circuito pulsional e na historicidade do sujeito.

Como operar na cena inconsciente sem essa experiência? Sem poder ocupar esse campo simbólico, como se deslocar do eixo imaginário? Tal cenário acadêmico, alinhado aos indicadores imaginários de autorização do trabalho clínico, pressiona a redução da clínica à esfera de um conhecimento a ser desvelado e aprendido por amostragem, problema importante a partir das supervisões coletivas.

Tais fatores parecem compor a aposta dos institutos específicos de formação analítica para a apreensão da metapsicologia e da clínica, sustentados claramente na trilogia análise pessoal, supervisão individual e grupos de trabalho para formação teórica como dispositivos de desvio à verticalidade do discurso universitário em direção ao saber pleno e universal, à abordagem do saber inconsciente, singular e solitário.

Especificamente na experiência de extensão, a condição inicial do graduando em psicologia, capturado pelo discurso universitário, tende a predominar, reduzindo a clínica ao aprendizado nunca alcançado de um procedimento que, na verdade, não existe enquanto técnica a ser dominada para aplicação, empobrecendo e limitando significativamente a experiência psicanalítica quando essa perspectiva insiste.

Por outro lado, a proposta acadêmica à formação psicanalítica é uma oportunidade significativa para o interessado se aproximar do campo clínico, via estágios e especializações, podendo desconstruir as expectativas equivocadas e estabelecer uma decisão pela formação a ser buscada, nos moldes estabelecidos por Freud, no que tange ao tripé análise pessoal, supervisão e estudos teóricos a serem desenvolvidos em institutos específicos de formação.

 

Considerações Finais

O diálogo com essas duas experiências favoreceu a problematização das modalidades de oferta acadêmica de ensino da clínica psicanalítica. A pesquisa, a partir da dificuldade em operar com o campo da avaliação da clínica psicanalítica, desenha com seus resultados indicadores para a reflexão da nossa prática na instituição. Entretanto, também aponta o limite na utilização de dispositivos de avaliação, uma vez que nos pareceu possível a marcação de uma posição discursiva em relação com um viver. O tempo de apenas um ano, as condições da própria pesquisadora, as contingências de vida não descritas pelos sujeitos avaliados, enfim, elementos que podem intervir no estabelecimento e marcação dos efeitos, não se objetivaram no dispositivo de entrevista proposto.

Assim, a finalidade desta discussão, a partir da pesquisa apresentada, é uma aproximação com a complexidade do campo da avaliação clínica em psicanálise, posto que seu objeto estrito, o campo pulsional, não responde necessariamente às ordenações objetivantes dos recursos de avaliação.

Por outro lado, partindo da extensão, posta em diálogo com a experiência de pesquisa, a finalidade foi somar às possibilidades de transmissão da psicanálise no campo acadêmico, considerando os entraves destacados, principalmente no que se refere à entrada no campo do inconsciente para os acadêmicos sem a via da análise pessoal.

Nesse sentido, promover a aproximação com o campo do inconsciente a partir dos produtos ofertados na cidade parece relevante, sobretudo nesse primeiro tempo com a clínica, em que o discente, muitas vezes, sequer "sabe" o que é a angústia, a desorganização inerente, a pressão pulsional e seus desdobramentos. Então, o encontro com o cinema, a literatura e a arte, com produções integradas na linguagem que versam sobre um fazer, sobre alguma tessitura com esses elementos, tem se constituído como apostas promissoras.

De outra forma, essas imagens oportunizam o encontro que tem o efeito de um real. Uma orientação que Lacan propõe, como sublinha Brousse (2014), é a abordagem do imaginário/real na sua diferença ao mundo imaginário. A imagem, segundo a autora, vela a condição estrutural do corpo fragmentado, imagem externa cuja função é mascarar ou oferecer unidade ao que não tem, funcionando como uma imagem global do corpo à qual jamais o sujeito irá se identificar totalmente.

Nessa via, essas produções da cidade parecem cumprir a função dupla de des-velar o campo do real de forma a poder ser apreendido numa modalidade de pensamento que encontra o que não buscava, o campo do "sem solução", que solicita um fazer, pois, quando consideramos a perspectiva do ensino acadêmico, trata-se de o pensamento encontrar o que busca, isto é, a lição ensina quando o sujeito aprende a solucionar o problema.

Ambas as experiências, compondo com as questões pertinentes ao cenário público e aos dispositivos de oferta do tratamento, apontam para a complexidade da formação de um analista, na medida em que a experiência de tratamento, ao solicitar a entrada também do profissional na situação analítica, requer um a mais que não se encontra nas modalidades teóricas de formação na universidade, trazendo à atualidade a indicação freudiana quanto aos pilares da formação para o exercício da clínica psicanalítica para além dos efeitos terapêuticos.

 

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Endereço para correspondência:
Claudia Maria de Sousa Palma
Email: cacaupalma@gmail.com

Recebido em: 12/06/2016
Revisado em: 10/01/2017
Aceito em: 24/03/2017

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