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Revista Subjetividades

versión impresa ISSN 2359-0769versión On-line ISSN 2359-0777

Rev. Subj. vol.18 no.3 Fortaleza sept./dic. 2018

http://dx.doi.org/10.5020/23590777.rs.v18i3.7453 

RELATOS DE PESQUISA

 

Representações sociais do trabalho informal para trabalhadores por conta própria

 

Social representations of informal working for self employed workers

 

Representaciones sociales del trabajo informal para trabajadores por cuenta propia

 

Représentations sociales du travail informel pour travailleurs indépendants

 

 

Tatiana de Lucena Torres (Lattes)I; Pedro F. Bendassolli (Lattes) (OrcID)II; Fellipe Coelho Lima (Lattes)III; Daniele de Souza Paulino (Lattes)IV; Ana Paula Freitas Fernandes (Lattes)V

IPós-doutorado em Psicologia Social, e Professora Adjunta no curso de psicologia da Universidade Federal da Paraíba
IIPós-Doutorados por Université Paris IX, Instituto de Psicologia da UNB, e Centre for Cultural Psychology. Professor Adjunto da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
IIIDoutorado em Psicologia e Professor Adjunto da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
IVDoutoranda em Psicologia pela UFRN, Psicóloga na Secretaria Municipal do Trabalho e Assistência Social - SEMTAS/Núcleo de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto da cidade do Natal/RN
VGraduanda em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Estima-se que um terço da população brasileira desempenha atividades informais. Essa modalidade de trabalho envolve questões psicossociais e ideológicas específicas, como também representações sociais. O presente estudo objetiva caracterizar as representações sociais do trabalho informal para trabalhadores que estão inseridos nesse tipo de atividade, além de suas práticas sociais e identitárias, considerando a perspectiva da Teoria das Representações Sociais (TRS). O estudo foi exploratório e descritivo, circunscrito na abordagem qualitativa, com a participação de dez trabalhadores, os quais foram entrevistados de forma não diretiva. As narrativas foram analisadas com auxílio do IRAMUTEQ, um software de análise textual. Foi possível identificar três diferentes eixos representacionais: (a) história de vida e laboral, (b) intergeracionalidade da informalidade e (c) liberdade e precariedade do trabalho. As representações sociais do trabalho informal apresentam perspectiva hegemônica, mas também traduzem a atividade de trabalho como algo do humano, que identifica os trabalhadores, e que é insubstituível.

Palavras-chave: representação social; trabalho informal; psicologia do trabalho.


ABSTRACT

It is estimated that one-third of the Brazilian population performs informal activities and this modality of work involves specific psychosocial and ideological issues, as well as social representations. The present study aims to characterize the social representations of informal work for workers who are included in this type of activity, as well as their social and identity practices, considering the perspective of Social Representation Theory (TRS). The study was exploratory and descriptive, circumscribed in the qualitative approach, with the participation of ten workers interviewed in a non-directive manner. The narratives were analyzed with the help of IRAMUTEQ, a textual analysis software. It was possible to identify three different representational axes: (a) life and work history, (b) inter-generational of informality and (c) freedom and precariousness of work. The social representations of informal work have a hegemonic perspective, but also translate the work activity as something human, which identifies workers, and which is irreplaceable.

Keywords: social representation; informal work; psychology of work.


RESUMEN

Se calcula que un tercio de la población brasileña desempeña actividades informales. Este tipo de trabajo envuelve cuestiones psicosociales e ideológicas específicas, como también representaciones sociales. El objetivo de este trabajo es caracterizar las representaciones sociales del trabajo informal para trabajadores que están metidos en este tipo de actividad, además de sus prácticas de identidad, considerando la perspectiva de la Teoría de las Representaciones Sociales (TRS). El estudio fue de exploración y descriptivo, circunscripto en el enfoque cualitativo, con la participación de diez trabajadores, los cuales fueron encuestados de forma no directiva. Las narrativas fueron analizadas con la ayuda del IRAMUTEQ, un software de análisis textual. Fue posible identificar tres distintos ejes representacionales: (a) historia laboral y de vida, (b) intergeneracionalidad de la informalidad y (c) libertad y precariedad del trabajo. Las representaciones sociales del trabajo informal presentan perspectivas hegemónicas, pero también traducen la actividad de trabajo como algo del humano, que identifica los trabajadores, y que es insubstituible.

Palabras clave: representación social; trabajo informal; psicología del trabajo.


RÉSUMÉ

On estime qu'un tiers de la population brésilienne travaille de manière informelle. Cette modalité de travail implique des problèmes psychosociaux et idéologiques spécifiques, bien comme des représentations sociales. La présente étude vise à caractériser les représentations sociales du travail informel pour les travailleurs inclus dans ce type d'activité, ainsi que leurs pratiques sociales et identitaires, dans l'optique de la Théorie de la Représentation Sociale (TRS). L'étude a été exploratoire et descriptive, circonscrite dans l'approche qualitative, avec la participation de dix travailleurs interviewés de manière non directive. Les récits ont été analysés à l'aide d'IRAMUTEQ, un logiciel d'analyse textuelle . Il était possible d'identifier trois axes de représentation différents: a) l'histoire de la vie et du travail, b) l'inter-générationnalité de l'informalité et c) la liberté et la précarité du travail. Les représentations sociales du travail informel ont une perspective hégémonique, mais traduisent également l'activité de travail en quelque chose d'humain, qui identifie les travailleurs et qui est irremplaçable.

Mots-clés: représentation sociale; travail informel; psychologie du travail.


 

 

O trabalho informal, caracterizado pelo assalariamento por conta própria, ou seja, sem contrato formal de trabalho, compreende um conjunto de práticas laborais, tais como contratação sem registro em carteira, trabalho em domicílio, exercício de trabalho autônomo sem inscrição na previdência e comércio ambulante (Cardoso, 2013; Krein & Proni, 2010). O surgimento de tais práticas possui íntima relação com a consolidação e o desenvolvimento do modo de produção capitalista. No Brasil, por exemplo, o trabalho informal mantém um elemento histórico, que se confunde com a própria constituição do mercado de trabalho do país, e compreende parcela considerável da população economicamente ativa (PEA). No ano de 2016, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), identificou que 38,8% dos trabalhadores brasileiros estavam na informalidade (IBGE, 2017).

A informalidade ainda agrega características geracionais, além de cor/raça e escolaridade. Não é incomum identificar unidades produtivas informais familiares e trajetórias de vida que fazem referência ao trabalho dos pais (também informal) e a aspectos que remetem ao trabalho infantil (Gómez, 2011). Essa economia ainda é composta de forma predominante por negros e pardos, e por pessoas que estudaram até o ensino fundamental (68,9%) (IBGE, 2017; Menezes & Dedecca, 2012).

Por sua complexidade e abrangência, o modo de produção informal é considerado um campo rico em questões psicossociais, ideológicas e subjetivas, que demandam observação e estudo sistemático, uma vez que o trabalho em si se mostra como uma esfera importante de constituição da identidade e das relações entre os seres humanos (Druck, 2013; Sato (2013). Sendo assim, a informalidade tem se apresentado, nos últimos anos, como uma temática importante no meio acadêmico e no âmbito de definição de políticas públicas.

A partir dos anos 1990, a discussão em torno do trabalho informal ganhou novos contornos no contexto de profundas mudanças econômicas e no mercado de trabalho. O avanço da informalidade no Brasil, nessa época, esteve associado a dois fatores principais: (a) ao ambiente econômico de crescimento instável e (b) a transformações ocorridas no capitalismo contemporâneo, que resultaram em uma mudança no papel do Estado e das instituições públicas e, dessa forma, uma flexibilização das relações de trabalho. Nesse contexto, trabalhadores de atividades formais, que se encontravam amparados pelos dispositivos legais, migraram para atividades informais, em que passaram a estar vulneráveis às condições precárias de trabalho, principalmente pela ausência de proteção das leis sociais e trabalhistas da regulação estatal (Krein & Proni, 2010). Em outras palavras, o surgimento dessas práticas pode ser atribuído ao contexto da reestruturação produtiva, que é permeado por uma diversidade e heterogeneidade nos modos do emprego da força de trabalho no processo de produção, ou seja, novos modos de geração de mais-valia têm sido mais frequentes no mundo moderno e, dentre eles, destaca-se o trabalho informal (Alves & Tavares, 2006; Antunes, 2011).

As atividades de trabalho informais caracterizam o que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) denomina de "economia informal" (Antunes, 2015; Cacciamali, 2000; Krein, 2013). A citada heterogeneidade das formas de trabalho desse setor, como também o seu crescimento e expansão, tem fomentado o surgimento de novas políticas públicas, com o intuito de compreender e modificar as relações de trabalho que vigoram no país. Nesse mesmo esforço, algumas apreensões conceituais são desenvolvidas com o intuito de caracterizar e explicar aquela economia. Dessa forma, identificamos que, para uma determinada perspectiva, a economia informal é erroneamente relacionada à pobreza, desconsiderando o dinamismo e a geração de renda que lhe são próprios. Na verdade, o que está em questão aqui, não é o quanto de renda um trabalhador informal produz, mas sob que condições de trabalho ele se encontra. De forma semelhante, a noção de trabalho informal é fortemente considerada como contraponto ao ordenamento que regulou as relações de trabalho e a seguridade social no Brasil. Sendo assim, muitas vezes o informal é visto como sinônimo de ilegal. Esses exemplos revelam as dificuldades de conceituação e categorização do trabalho informal frente aos novos e heterogêneos arranjos produtivos. Essa realidade torna as interconexões entre o formal e o informal ainda mais complexas, desafiando a construção de instrumentos adequados para apreensão das próprias mudanças no mundo do trabalho (Costa, 2010).

Segundo Cacciamali (2000), o termo "setor informal" vem sendo aplicado na literatura especializada, especialmente latino-americana, de uma maneira abrangente. Parte expressiva dos estudos enfoca, primordialmente, as características e a organização de pequenas e microempresas de bens e serviços, enquanto que outra parte considera exclusivamente o fenômeno do assalariamento ilegal, ou seja, sem registro na carteira de trabalho. Nesse contexto, é necessário ressaltar as complicações e violações trazidas à vida dos trabalhadores informais por jornadas exaustivas de trabalho, pelas condições concretas de trabalho, pela instabilidade de vínculo, pela remuneração e infraestrutura precárias, pela exposição a acidentes e pela desvalorização do trabalho exercido (Coutinho, Borges, Graf & Silva, 2013; Menezes & Dedecca, 2012). Ao mesmo tempo, o trabalho informal realizado em locais e condições de instabilidade demanda, do trabalhador por conta própria, capacidade de adaptação e flexibilidade. Xavier, Falcão e Torres (2015), em estudo realizado com vendedores ambulantes, identificaram que, a depender de variáveis (como horário, dia da semana, época do ano, tipo e demanda de consumidores, e infraestrutura disponível), os trabalhadores mobilizam e desenvolvem diferentes competências e habilidades.

Além da aprendizagem, o trabalho informal também mobiliza representações por quem o pratica. No que diz respeito a essas concepções, Gómez (2011) identificou que, entre os trabalhadores por conta própria, o trabalho independente é tido como um ideal alcançado, o qual garante algumas vantagens, como a de ser o próprio chefe, de gerir e organizar o tempo de trabalho, e de aumentar os rendimentos, buscando uma melhoria das condições de vida. O trabalho ainda é visto como sobrevivência e como ocupação do tempo. Em pesquisa realizada por Coelho-Lima (2016), para além de garantir o consumo, o trabalho também foi compreendido como uma forma de combater o ócio. Para os trabalhadores por conta própria investigados, o trabalho ainda se destacou em seu valor social, como fonte de contato e interação social e também como forma de passar o tempo e ocupar a mente, possibilitando um afastamento dos problemas provenientes de outras esferas de vida.

Pelo exposto, compreendemos que o campo do trabalho informal é atravessado por produções de práticas e saberes que são impressos na cultura e na sociedade por meio de representações. Isso significa dizer que existe uma produção de conteúdos simbólicos e subjetivos sobre a informalidade, os quais enfatizam, entre outras coisas, os seus aspectos positivos, como a autonomia e o espírito de empreendedorismo (Gómez, 2011; Malaguti, 2000).

As representações, por sua vez, estão situadas na Teoria das Representações Sociais (TRS), e são sociais e construtivas, ou seja, são mais do que a soma de consciências de indivíduos e mais do que reflexos de uma realidade ideológica já dada. A TRS tem como enfoque os diferentes sentidos e significados atribuídos pelas pessoas a objetos (humanos, sociais, ideais ou materiais), bem como a relação de tais significações entre si e com o mundo contemporâneo, além das diferentes consequências do estabelecimento de tais relações (Jovchelovitch, 2015). Assim, as representações sociais (RS) se fazem como uma simbolização dos objetos sociais, caracterizada por ser legítima expressão do sujeito e da sociedade em que está inserido. Portanto, as representações sociais são produzidas e circulam na sociedade por meio da linguagem, produzindo cultura, valores e modelos (Jodelet, 2001).

Segundo Jodelet (2001), as RS são fenômenos, informativos, cognitivos, ideológicos, normativos, crenças, valores, opiniões, imagens, etc., sempre ativados e em ação na vida social. Elementos que são organizados sempre sob a aparência de um saber que diz algo sobre a realidade, orientando e organizando as condutas e as comunicações sociais. Da mesma forma, as RS intervêm em processos variados, como: a difusão e a assimilação dos conhecimentos; o desenvolvimento individual e coletivo; a definição das identidades sociais; a expressão dos grupos e as transformações sociais. Percebe-se, assim, que as RS não se enquadram em uma ideia de representação determinadora e imutável, pois, da mesma forma que elas constituem e caracterizam um indivíduo ou grupo, também são transformadas por estes, apresentando, portanto, uma perspectiva dialógica.

Especificamente, a construção das representações sociais envolve dois processos sociocognitivos importantes: a objetivação e a ancoragem (Jodelet, 2001). A objetivação permite que algo conceitual se torne real por meio da materialidade, concretizando o conceito. Ao objetivar uma abstração, por exemplo, as pessoas já não se situam apenas em relação ao conceito em si, mas a uma série de fenômenos que esse conceito envolve e que, a partir de então, é bem compreendido por elas. Já o processo de ancoragem consiste na integração cognitiva do conceito no sistema de pensamento já constituído, tornando familiar um conceito ou objeto representado (Crusoé, 2004).

Conforme Bôas (2004), quando ocorre a construção da imagem referente a um determinado objeto, é necessário ancorá-la a um sistema de pensamento já existente, como, por exemplo, em determinadas crenças antigas. Sendo assim, o mecanismo da ancoragem, conforme foi teorizado por Moscovici (1961), está atrelado à construção histórica de cada sujeito. A partir daquilo que já conhecemos e das relações sociais que mantemos, é possível darmos sentido aos conceitos novos que surgem ao nosso redor.

Pelo exposto, compreende-se que o trabalho informal é uma atividade situada em um contexto social e cultural, amplamente difundida e praticada, a qual se consolida para o sujeito trabalhador a partir de processos de sentidos e significados, mediados culturalmente e, ao mesmo tempo, singularizados pela trajetória biográfica de cada um. Portanto, a informalidade se configura como um campo de construção de representações, as quais permitem uma aproximação à realidade vivenciada pelos trabalhadores informais e aos discursos e práticas que sustentam essa realidade. Considerando o exposto, o presente estudo objetiva caracterizar as representações sociais do trabalho informal para trabalhadores que estão inseridos nesse tipo de atividade laboral, além de suas práticas sociais e identitárias, evidenciando aspectos concretos e subjetivos da atividade de trabalho no contexto informal.

No âmbito da Psicologia Organizacional e do Trabalho (POT), esta investigação se faz importante, sobretudo diante do fato de que essa área tradicionalmente produz suas teorizações e constructos levando em consideração sua aplicação em contextos formais de trabalho. Dessa forma, a aproximação a situações de trabalho informais possibilita novas reflexões teóricas e empíricas para a área.

 

Método

O presente estudo apresenta um delineamento exploratório, descritivo e de abordagem qualitativa. A parte empírica do estudo aconteceu durante o segundo semestre de 2015 e fez parte de um estudo mais amplo sobre desemprego e trabalho informal.

Participantes

Dez trabalhadores do setor informal participaram do presente estudo. A composição da amostra foi definida a partir da saturação teórica (Fontanella, Luchesi, Saidel, Ricas, Turato & Melo, 2011), ou seja, quando não foi identificado o surgimento de novas categorias qualitativamente significativas quanto aos grupos temáticos de interesse, foi encerrada a composição do conjunto de participantes. Os entrevistados trabalhavam no momento da pesquisa em dois bairros do centro de uma cidade do nordeste brasileiro. Há nesses locais uma grande concentração de lojas com bancas de mercadorias nas calçadas das ruas ou em boxes em centros logísticos populares.

Os critérios de inclusão adotados foram: (a) ser maior de 18 anos de idade; (b) estar há no mínimo 6 meses na atividade; (c) ser trabalhador por conta própria (com ou sem registro de MEI); (d) trabalhar no setor de comércio ou prestação de serviços; (e) trabalhar em pequenas unidades econômicas ou familiares, ou seja, eles tinham que ser donos do negócio, sem nível de gerência superior e participar ativamente do processo de trabalho.

Conforme ilustra a Tabela 1, os entrevistados se dividiram, paritariamente, entre homens e mulheres. Com exceção de dois participantes, todos possuíam mais de 40 anos de idade, com escolaridade que variou de ensino fundamental incompleto até ensino superior incompleto. O entrevistado mais novo (29 anos) possuía escolaridade mais alta, chegando a cursar o primeiro semestre do curso de Sistemas de Informação.

As atividades desenvolvidas foram diferenciadas, mas todos pertenciam ao setor de prestação de serviços, destacando-se a atividade de venda como a mais realizada pelos entrevistados. Em comum, todos os entrevistados iniciaram sua vida laboral muito cedo, alguns ainda na infância, outros na adolescência. Além disso, destacou-se o fato de que todos foram iniciados no mundo do trabalho pela família, de modo que alguns ainda trabalham com os pais, tios, irmãos ou filhos, realizando, em sua maioria, a mesma atividade há, no mínimo, 10 anos.

Também ficou evidente que a atividade no trabalho informal sempre acompanhou os entrevistados, embora alguns tenham tido experiências no mercado formal, inclusive com carteira de trabalho assinada. Na maioria das vezes, o trabalho informal foi um recurso utilizado no momento do desemprego ou como opção de aumento de renda.

Instrumentos

Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com posicionamento não diretivo do entrevistador. Tais entrevistas foram realizadas nos locais de trabalho dos participantes, com duração que variou de 30 minutos a 1 hora. As questões da entrevista envolviam quatro grupos temáticos: (a) trajetória profissional e pessoal; (b) um dia típico de trabalho (aspectos prescritos, instrumentos, contexto material e social); (c) sentido do trabalho (imagens, gírias, conceitos sobre o que seria trabalho para o participante, aspectos positivos e negativos da atividade exercida, planejamentos futuros); e (d) síntese da entrevista para o respondente, destacando os principais pontos e validando as informações concedidas.

De forma geral, as entrevistas versaram sobre três temáticas que se completavam e que nem sempre seguiram a mesma ordem para todos os entrevistados. As temáticas foram: biografia do trabalhador, descrição da atividade de trabalho, sentidos e significados do trabalho.

 

Procedimentos

Coleta de dados

Uma vez em campo, foi realizado o contato inicial com o trabalhador, no qual se explicava a pesquisa, falava-se sobre o sigilo dos dados e esclarecia-se ao participante que ele poderia desistir a qualquer momento de sua participação, seguindo todos os preceitos éticos definidos na Resolução 510/2016 do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa. Durante as entrevistas, o entrevistador assumiu uma postura não diretiva, de modo a privilegiar as narrativas dos entrevistados. Dessa forma, mesmo se tratando de um roteiro semiestruturado, as falas dos participantes se apresentaram, na maioria das vezes, como narrativas.

Análise dos dados

O material textual da entrevista foi transcrito, gerando um conteúdo extenso de análise. Diante disso, optou-se pela análise lexicográfica do texto com auxílio do software IRAMUTEQ (Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires), de modo a captar os sentidos e contextos, mas considerar as aproximações e distanciamentos gerados pelas narrativas captadas nas entrevistas.

A análise textual facilitada pelo IRAMUTEQ permite análises textuais simples e análises estatísticas mais criteriosas (Camargo & Justo, 2013). Para a análise do conteúdo das narrativas das entrevistas do presente estudo, foi utilizada a Classificação Hierárquica Descendente (CHD), que compara o vocabulário semelhante e distinto, considerando o contexto dos grupos; e a análise de similitude, que estabelece uma conexão entre as palavras, compondo uma estrutura para as narrativas.

Considerações éticas

Antes do início da entrevista, os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), além do Termo de autorização para gravação de voz, mas a necessidade de uma assinatura foi questionada muitas vezes, considerando que alguns dos participantes associavam o papel do entrevistador com a ação de fiscalização da prefeitura. O projeto teve registro CAAE 57006316.6.0000.5537 e foi aprovado com Parecer nº 1.713.088.

 

Resultados

Para a análise do conteúdo das 10 entrevistas, foi constituído um corpus textual a partir da transcrição das narrativas sobre o trabalho informal, compondo um texto monotemático, o qual foi analisado com auxílio do software IRAMUTEQ. Ao todo, foram 10 textos em 56 páginas de transcrição, 839 segmentos de texto, com 3.066 formas distintas e 28.789 ocorrências de palavras, gerando uma média de 6 ocorrências de palavras por forma. O software de análise textual reteve 736 segmentos de texto (ST) (87,72%) do total do corpus, dividindo-os, num total de cinco partições, gerando 6 classes, como observa-se na Figura 1. As palavras maiores indicam maior frequência e associação com a classe. Para a descrição das classes e a construção do dendrograma, foi considerado o valor do χ23,84, com nível de significância de p<0,05, e a frequência das palavras maior ou igual a 6 (média aproximada de ocorrência por forma), ou com 100% na classe.

Para explanação sobre os conteúdos e contextos de cada classe, optou-se pela descrição por ordem de partição do corpus, ou seja, seguiu-se a ordem de composição de cada classe no dendrograma.

Classe 6 - A Importância da Especialização

A classe 6 representa 14,7% do corpus e as palavras que mais contribuíram para a sua constituição foram: cabelo e cortar. A classe 6 foi influenciada pela narrativa do participante que trabalha no salão de beleza (Participante 9). O entrevistado destacou a importância de uma especialização para a execução de um trabalho com melhor qualidade para os clientes, considerando, inclusive, a possibilidade de aprender outro idioma, como no caso do entrevistado em questão, que já morou em outros países e que pretende voltar a trabalhar no exterior.

Na classe 6 também parece evidente uma preocupação do participante com a concorrência, por isso busca melhorar a qualidade do serviço prestado e, assim, aumentar o número de clientes. Na narrativa, a atividade realizada no salão de beleza é comparada com outras atividades que, segundo o entrevistado, possuem maior status social e melhor rendimento, como a do profissional de medicina. Alguns trechos da narrativa do participante 9 ilustram tal comparação:

(...) Meu trabalho é como se fosse o trabalho de um clínico geral. Eu faço cortes em geral, mas, por exemplo, trança no cabelo e alguns penteados eu já não faço!

(...) Eu corto cabelo, um médico corta uma pessoa, então a responsabilidade dele é maior, precisa estudar mais. O trabalho dele é bem mais estressante do que o meu! (Participante 9)

A comparação é utilizada pelo entrevistado para valorizar o próprio trabalho e ao mesmo tempo, descrever sua preocupação em estudar e se especializar, vinculando os ganhos financeiros e reconhecimento no trabalho ao estresse e responsabilidade, ou seja, à medida que obtém mais conhecimento pode assumir maiores responsabilidades e, portanto, alcançar rendimentos maiores. O trabalho é caracterizado como uma atividade de esforço, que quanto mais árduo e difícil, maior deve ser o seu reconhecimento e seu retorno financeiro, como o trecho da narrativa ilustra:

(...) Todo trabalho é estressante. Quanto mais você ganha, mais você tem que se especializar! Todo trabalho você tem que fazer com dedicação. Não existe trabalho fácil. Se fosse fácil, não era trabalho, era descanso! (Participante 9)

Classe 5 - Rotina de Trabalho

A classe 5 representa 15,1% do corpus e as palavras que mais contribuíram para a sua constituição foram: manhã, hora, almoço e sábado. Por sua vez, as categorias que colaboraram para a sua formação foram: adultos de meia-idade (40 a 49 anos) que trabalham com familiares e que estudaram até o ensino médio.

Nessa classe, os entrevistados falaram sobre a sua rotina. Em geral, iniciam o expediente de trabalho no turno da manhã, trabalham mais de 8 horas por dia e reservam um tempo pequeno para o almoço, cerca de meia hora. A rotina revelada pelos entrevistados é cansativa, e alguns excedem 44 horas de trabalho semanal, pois informam que precisam aproveitar o dia e as oportunidades. O que fica claro nas falas de alguns entrevistados:

(...) Compro uma quentinha para o almoço, gasto 10 reais todo dia (...) Eu trabalho de segunda a domingo (Participante 4).

(...) Eu ganho por dia. Sábado (e) domingo, principalmente domingo, no final de semana aqui fica cheio! (Participante 9)

A rotina de trabalho dos participantes é evidenciada como oscilante: ora muita agitação, marcada pelo pouco tempo para realizar todas as atividades (compras, organização, exposição de mercadorias, atendimento aos clientes, fazer as alimentações, realizar pagamentos), e ócio em outros momentos, causado pela sensação de "nada para fazer".

As próximas narrativas inseridas na classe 4 também apresentam a explicação financeira para descrever a entrada no mercado de trabalho e a conexão entre a trajetória laboral e a trajetória de vida, de modo que revelam uma entrada precoce no mundo do trabalho, justificada pela necessidade financeira que parece se repetir a cada nova geração.

Classe 4 - Informalidade de Geração a Geração

A classe 4 representa 17,5% do corpus e as palavras que mais colaboraram para a sua constituição foram: filho, ano, Deus, mãe, graça, roupa e pai. As categorias que mais interferiram para a sua formação foram: adultos de meia-idade (40 a 49 anos), casados e separados, mulheres com filhos e que realizavam atividades de venda de roupas e bonecas.

Nessa classe, os trabalhadores fizeram referência à presença dos filhos com eles em suas atividades. Alguns dos filhos ainda estudam, outros já concluíram curso técnico ou ensino superior, e continuam no ramo mesmo assim, seja ajudando os pais, seja com seu próprio negócio. Os entrevistados trazem, também, em seus discursos que, se tivessem tido oportunidade, teriam estudado mais. Muitos precisaram trabalhar desde a infância, por causa da realidade financeira dos seus pais, e não tiveram como se dedicar aos estudos. Uma das entrevistadas relata: "Se eu tivesse tido a oportunidade, eu teria feito administração de empresas, para eu poder até trabalhar em escritório, mas dentro da minha área" (Participante 8).

Destaca-se o relato repetido de que, embora os filhos tenham melhor escolaridade, a maioria se encontra, atualmente, trabalhando na economia informal, repetindo, muitas vezes, a mesma atividade desenvolvida pelos pais. Tal aspecto parece revelar que a mudança educacional nas famílias, ainda que implique numa mudança na cidadania e nas oportunidades de trabalho, ainda não conseguiu ser transformadora e capaz de modificar as realidades dos filhos dos trabalhadores participantes da pesquisa.

Esse aspecto suscita reflexões sobre qual o significado e qual o papel do trabalho na vida dessas pessoas. Em algumas entrevistas, os pais revelam orgulho por seus filhos terem estudado mais e serem mais "cultos". No entanto, defendem que os filhos precisam trabalhar e ganhar dinheiro. Se a profissão não lhes oferece boas oportunidades, eles podem e devem sempre procurar o trabalho informal, uma vez que o sustento da família se constitui nesse contexto.

Classe 2 - O Trabalho Inerente ao Homem

A classe 2 representa 18,7% do corpus e as palavras que mais contribuíram para a sua constituição foram: ganhar, dinheiro e achar. Por sua vez, as variáveis que cooperaram para a sua formação foram: homens, com idade entre 30 e 39 anos, com filhos e ensino médio completo.

Apesar dos pontos negativos da atividade, a maioria dos entrevistados afirmou que continuariam trabalhando se ganhassem na loteria. Eles concebem o trabalho como algo inerente ao homem, algo que faz parte de suas vidas. Salientam em seus discursos que não estão no trabalho dos sonhos, pois, para ganhar bem, precisam trabalhar muito, uma realidade oposta à vivenciada por algumas áreas de atuação, nas quais se trabalha poucas horas e se ganha bem, como os cargos de concursos públicos. Ao falar desse aspecto, um dos entrevistados menciona: "O trabalho dos sonhos para mim seria um trabalho no governo, porque você trabalharia pouco, ganharia bem, faria greve, trabalharia um tempo. Teria mais tempo para minha família, entendeu?" (Participante 7).

Tipicamente, o senso comum é permeado por incoerências, e isso fica claro no posicionamento dos participantes quando representam o "trabalho" em suas narrativas. Ao mesmo tempo em que o trabalho é um meio de ganhar dinheiro e sobreviver, uma atividade por vezes árdua e difícil, muitos dos participantes alegam que não deixariam de trabalhar mesmo que possuíssem muito dinheiro. Praticamente todos eles afirmaram que continuariam trabalhando por conta própria por meio da expansão do negócio atual, enquanto que apenas uma pessoa disse que pararia definitivamente de trabalhar.

Embora a representação social mais hegemônica e coletivamente mais consolidada seja o vínculo entre dinheiro e trabalho, percebemos que o trabalho também é uma atividade que preenche a vida das pessoas e que, ao que parece, não pode ser substituída por nenhuma outra atividade.

O relato das vidas dos participantes se confunde com o relato de suas experiências laborais, indicando que, para esse grupo de pessoas, o trabalho permeia várias outras áreas da vida. A família nasceu e se desenvolveu no ambiente de trabalho, com quase todos os seus membros inseridos no trabalho informal. Os amigos fazem parte desse contexto e as vivências relatadas apresentam um híbrido que confunde as experiências em outras dimensões da vida (família, religião, lazer, cultura) com o contexto do trabalho informal.

A flexibilização tão presente em todos os setores do mercado de trabalho, aparece como característica típica do trabalho informal. Os horários, o local de trabalho, as relações trabalhistas e com os clientes, são sempre muito flexíveis e mutáveis, exigindo que o trabalhador tenha que se adaptar muito rapidamente às mudanças.

Classe 3 - Os Desafios da Venda e Troca de Mercadorias

A classe 3 representa 15% do corpus e as palavras que mais contribuíram para a sua constituição foram: livro, compra, olhar, espaço, gente, repor, comprar e vender. Por sua vez, as variáveis que contribuíram para a sua formação foram: pessoas com mais de 50 anos, casados e com baixa escolaridade.

A entrevistada 10 explica sobre como organiza o processo de comercialização de livros em seu negócio, pois é dona de um sebo. Nessa realidade, a venda de livros nem sempre se dá por dinheiro: às vezes, efetiva-se por meio da troca, numa revisitação ao escambo, tão utilizado nos tempos coloniais e, agora, atualizado como permuta de mercadorias e/ou serviços: "(...) Eu tanto posso trocar por dinheiro, como posso trocar por dois livros. A pessoa vem, leva meu livro e deixa dois. O meu lucro é um livro!" (Participante 10).

Segundo os participantes, as condições de trabalho também interferem na estrutura e desenvolvimento laboral, e se caracterizam como uma dificuldade para um trabalho mais digno, aspectos que será apresentado na classe a seguir.

Classe 1 - Os Clientes e o Ambiente de Trabalho

A classe 1 é a mais representativa do corpus (19%) e as palavras que mais contribuíram para a sua constituição foram: cliente, jeito e negativo. Por sua vez, as variáveis que contribuíram para a sua formação foram mulheres de meia-idade (40 a 49 anos) que tinham filhos.

Na classe 1, os entrevistados demonstram consideração por seus clientes. Muitos já têm sua clientela formada e, às vezes, adquirem produtos tendo em mente um cliente específico para comprá-los. Os entrevistados afirmam que não são raras as vezes que se tornam amigos de seus clientes.

Os trabalhadores trazem também, em seus discursos, que o principal ponto negativo de seu trabalho é a infraestrutura, especificamente as más condições de higiene e estrutura do ambiente laboral. Muitos trabalham em boxes, ou mesmo nas ruas, e estão vulneráveis ao calor, chuva e aos acidentes: "(...) Então, para mim, tudo que flui daqui é positivo - é o meu lucro, é o cliente, que eu ganho no dia a dia, e de negativo só esse setor em que eu trabalho!" (Participante 8).

Os participantes esclarecem que algumas habilidades e competências são desenvolvidas durante a atividade de trabalho no setor informal, por exemplo: identificar o perfil do cliente, desenvolver estratégias de cooperação e competição, etc. De fato, o trabalho informal, na perspectiva do próprio trabalhador, apresenta-se como um meio de sustentar financeiramente a família, mas também como um contexto de aprendizado, muito embora se vincule a uma infraestrutura muito precária e que torna o trabalho igualmente precário.

Na intenção de identificar as conexões entre as palavras e a estrutura do corpus textual, também foi utilizada a análise de similitude. Essa análise é alinhada com a Teoria dos Grafos e demonstra as conexões entre os elementos textuais (Marchand & Ratinaud, 2012). Com base nas narrativas das entrevistas, o software desenvolveu a Figura 2, que demonstra os elementos mais organizadores do texto.

É possível observar na Figura 2 que se destacaram duas palavras organizadoras: pessoa e trabalhar, as quais apresentaram forte conexão entre si. Depreende-se pela organização da imagem, que no trabalho informal, as atividades estão centralizadas na figura do trabalhador, que é a pessoa que atua em todas as atividades laborais (compra, venda, controle de estoque, divulgação, etc.), algo que caracteriza o perfil do trabalhador por conta própria. Por outro lado, a ação de trabalhar apresenta o significado mais hegemônico da relação trabalho e dinheiro (pagar, ganhar e carteira), visto que a estrutura textual indica um grande enfoque no "fazer do trabalho", ou seja, no seu objetivo: sobreviver.

No entanto, é possível identificar nuances que revelam uma subjetividade na forma de fazer e nos sentidos construídos a partir dessa ação. Para alguns participantes, a atividade de trabalho contribui para o seu desenvolvimento enquanto pessoa, sendo uma oportunidade de aprendizagem, de criar vínculos afetivos e de aproximação familiar.

Ao mesmo tempo, aquela ação ainda é permeada por uma perspectiva de tempo, rotina e permanência no trabalho informal. É uma atividade que se revela na imprevisibilidade do aqui e agora, na qual os trabalhadores são levados a adotar a perspectiva de viver um dia de cada vez, sem muitos planejamentos (dia, ano), mas que também se caracteriza pelas relações afetivas (gostar, viver, gosto, filho).

 

Discussão

Segundo Costa (2010), desde os primórdios da formação do mercado de trabalho livre no Brasil, grande parcela da população ativa nunca conseguiu se efetivar no mercado de trabalho formal e, logo em seguida, a economia industrial e a regulamentação desse mercado também excluiu os trabalhadores rurais e outras categorias de trabalhadores urbanos. Esse é um fenômeno que também apresenta algumas características sociais, entre elas, a da baixa escolaridade, também encontrada no presente estudo (Menezes & Dedecca, 2012).

No que diz respeito ao trabalho, para os participantes desta pesquisa, o trabalho informal não se caracteriza como algo externo e distante de suas realidades. Pelo contrário, eles falam com propriedade sobre essa forma de trabalho, tanto por estarem inseridos nela, quanto por terem aprendido esse ofício com gerações que os antecederam. Portanto, para esse grupo, as representações são funcionais e efetivas, uma vez que, quando os participantes falam do trabalho informal, falam do próprio trabalho e de si mesmos. Ao mesmo tempo, também discorrem sobre um conceito social, construído com base nas relações estabelecidas na teia social de relacionamentos. Esse aspecto denota um aspecto defendido por Moscovici (2010), de que as representações sociais são transmitidas e são produtos de uma sequência de elaborações e mudanças que ocorrem no percurso temporal, sendo resultado de sucessivas gerações.

Esse aspecto geracional não se resume apenas na reprodução automática de uma atividade que passa de pais para filhos; envolve também a representação dela dentro de uma teia social, cultural e histórica estruturada a partir do trabalho informal. A vida laboral de alguns dos entrevistados está situada na informalidade desde a infância, época em que muitos deles começaram a desenvolver trabalhos dessa natureza. Diante disso, o processo de ancoragem envolvida na construção das representações sociais sobre a informalidade faz referência a todo o contexto apresentado (Jodelet, 2001).

Ao mesmo tempo, o aspecto objetivo da representação se faz presente quando os entrevistados definem o que é o trabalho informal para eles por meio da materialidade da atividade que realizam, concretizando o conceito (Jodelet, 2001). Há, em primeiro lugar, uma valorização do trabalho por conta própria como um ideal a ser alcançado. Assim como identificado por Gómez (2011), os entrevistados da presente pesquisa enfatizam a liberdade para abrir o "comércio" na hora e nos dias que quiserem, sem ter nenhum "chefe" lhes dando ordens, além da possibilidade de se empenharem mais nas vendas, fornecendo um melhor atendimento e, consequentemente, um aumento da renda. No entanto, diante dos resultados encontrados, é possível perceber que tal liberdade não se concretiza na prática, uma vez que a maioria dos entrevistados trabalha mais de 8 horas por dia e afirma não poder adoecer, por dificuldades de conseguir um substituto e, assim, manter a média de renda diária.

Ainda no que diz respeito às representações sobre o trabalho, os participantes objetivam a atividade informal como um sacrifício, de "sol a chuva" e sem descanso. Semelhante aos resultados encontrados por Coelho-Lima (2016), o trabalho aqui foi associado à noção de sobrevivência, dinheiro e combate ao ócio. Essas relações contrapõem o trabalho à noção de "vagabundo", ou seja, a ideia de que quem não trabalha não tem uma utilidade social, visto que não possui uma maneira digna de viver e que, portanto, depende constantemente da ajuda de terceiros. Na presente pesquisa, observou-se que essa associação permitiu que, praticamente, todos os entrevistados afirmassem que não deixariam de trabalhar mesmo que ganhassem na Mega-Sena.

Na presente pesquisa, assim como identificado por Coelho-Lima (2016) e Xavier, Falcão e Torres (2015), os trabalhadores por conta própria valorizam o que, para eles, é a existência de seu negócio: os clientes. Com eles, os vendedores desenvolvem uma relação de amizade, a qual se configura como um dos aspectos positivos que visualizam no trabalho informal. É para esses mesmos clientes que aqueles organizam sua atividade de trabalho, aprendendo competências e habilidades que facilitem essa interação e culminem na venda, como exposto nas falas da classe 1. Não foi incomum encontrar trechos que fizeram referência a atividades tais como: identificar o perfil do cliente, agir educadamente e proporcionar facilidades aos consumidores, entre outras, que denotam que, em um contexto de flexibilidade e incerteza, faz-se necessária uma adaptação.

Se, por um lado, os trabalhadores informais valorizam sua atividade devido à interação com o cliente, aos maiores rendimentos, à autonomia e à liberdade, por outro lado, reconhecem os aspectos positivos do trabalho formal, por garantir renda fixa, estabilidade, rotina e jornadas menos longas. Essa tensão também se revela nos planos para os filhos, pois, ao mesmo tempo em que os entrevistados desejam que os descendentes estudem e alcancem uma melhor colocação profissional, veem na informalidade uma porta sempre aberta para esses últimos, caso não consigam uma inserção formal ou necessitem aumentar os rendimentos.

Nesse cenário, seja para os trabalhadores, seja para seus filhos, a informalidade se configura como uma saída diante das dificuldades presentes no mercado formal, como a crise financeira, o desemprego, os baixos salários, a rigidez da rotina de trabalho e as poucas possibilidades criativas. O trabalho informal, figura então, como uma atividade que permite maior controle sobre o modo de operá-la. Contudo não elimina as dificuldades inerentes a um trabalho com rendas imprevisíveis, falta de seguridade social e exposição a riscos ocupacionais (Coutinho, Borges, Graf & Silva, 2013).

Além disso, o cotidiano desses trabalhadores é construído a cada dia. Vivenciam o presente e possuem uma perspectiva incerta no futuro. Eles idealizam um contexto menos precário e com maior garantia legal no trabalho formal, mas apresentam uma visão positiva do próprio trabalho, mesmo diante das adversidades, pois revelam que gostam do que fazem, possuem ganhos salariais superiores ao trabalho formal, algumas vezes, e concebem no trabalho um modo de viver.

Diante disso, é possível levantar um questionamento acerca da funcionalidade dessa objetivação: É notório que os trabalhadores por conta própria compreendem bem sobre as habilidades de compra e venda de produtos e de oferta de seus serviços, mas até que ponto estão conscientes de que suas condições de trabalhos são precárias e estão demasiadamente excluídos das disposições estabelecidas pela legislação trabalhista?

Considerando o exposto, o presente estudo objetivou caracterizar as representações sociais do trabalho informal para trabalhadores que estão inseridos nesse tipo de atividade. Por meio da trajetória laboral dos participantes, do seu contexto pessoal e social, foi possível identificar as representações sociais criadas em torno do trabalho informal.

A teoria das representações sociais contribuiu para o estudo do trabalho informal, visto que compreendeu subjetivamente e, sobretudo, coletivamente, os fenômenos do mundo atual. As representações sociais do trabalho informal envolveram uma perspectiva hegemônica (trabalho é dinheiro e sobrevivência), mas também algumas particularidades, como: trabalho é fazer-se enquanto humano; é ser útil; fazer o que gosta; ajudar outras pessoas; entre outras. Para os trabalhadores do setor informal, o trabalho é um meio de subsistência que deve dar dignidade para quem trabalha, por isso almejam que seus filhos tenham uma situação laboral diferente de sua realidade. Mas, aparentemente, as novas gerações, embora mais escolarizadas, continuam permanecendo no trabalho informal. Portanto, novos estudos envolvendo as relações familiares e a intergeracionalidade no trabalho informal poderiam contribuir para compreender como esse fenômeno tem se desenvolvido e se as características encontradas no presente estudo poderiam ser aprofundadas em outros contextos laborais, regionais e culturais.

Dentre as limitações deste estudo, aponta-se que outras análises realizadas pelo software, como a análise fatorial e a nuvem de palavras, poderiam enriquecer a discussão aqui apresentada. Além disso, por se tratar de uma primeira aproximação ao tema da informalidade por meio das representações sociais na área da POT, é evidente que a discussão gerada não se esgota na presente investigação. Aspectos identitários, por exemplo, podem ser mais bem trabalhados e discutidos em futuras investigações.

Por fim, vale destacar a importância de uma investigação como esta na área de POT, a qual, tradicionalmente, volta-se para a investigação de contextos organizacionais. A aproximação acadêmica de trabalhadores submetidos a situações laborais diferenciadas representa um enriquecimento teórico e prático indiscutível para a área.

 

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Recebido em: 26/06/2017
Revisado em: 10/07/2018
Aceito em: 06/08/2018

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