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Revista Subjetividades

versão impressa ISSN 2359-0769versão On-line ISSN 2359-0777

Rev. Subj. vol.19 no.1 Fortaleza jan./abr. 2019

http://dx.doi.org/10.5020/23590777.RS.V0I0.E7923 

RELATOS DE PESQUISA

 

Sentimento de comunidade e pobreza rural no nordeste, norte e sul do Brasil 1

 

Community feeling and rural poverty in the northeast, north and south of Brazil

 

Sentimiento de comunidad y pobreza en la huerta de nordeste, norte y sur de Brasil

 

Sentiment de communauté et pauvreté rurale dans les nord-est, le nord et le sud du Brésil

 

 

Verônica Morais Ximenes (Lattes)I; Alexsandra Maria Sousa Silva (Lattes)II; Carlos Eduardo Esmeraldo Filho (Lattes)III; Andréa Esmeraldo Câmara (Lattes)IV; Janailson Monteiro Clarindo (Lattes)V

IProfessora Titular da Graduação e da Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC), Doutora em Psicologia pela Universidad de Barcelona, pós doutora pela UFRGS e pesquisadora do CNPq - PQ2
IIDoutoranda e Mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC)
IIIDoutorando em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e Mestre em Saúde Pública pela Universidade Estadual do Ceará (UECE)
IVMestranda em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC)
VDoutorando e Mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo tem como objetivo analisar a relação entre o sentimento de comunidade e a pobreza rural em três municípios, sendo um do Nordeste, um do Norte e outro do Sul do Brasil. A pesquisa, de caráter quantitativo, contou com a participação de 1.113 sujeitos, que responderam a questionários compostos por um instrumento de Pobreza Multidimensional e pelo Índice de Sentimento de Comunidade. Foram realizadas análises estatísticas: Teste T, Anova, Teste de Correlação de Pearson e Estatísticas Descritivas. O sentimento de comunidade esteve presente de forma moderada/alta nos municípios P (Nordeste) e C (Sul) e de forma moderada/baixa no Município H (Norte). O fator Filiação do Sentimento de Comunidade, relacionado à vinculação das pessoas com a comunidade e ao sentimento de fazer parte do grupo, apresentou as maiores médias nos três municípios e na amostra geral, seguido pelo fator Ligações Emocionais Compartilhadas. Na análise das dimensões presentes na pobreza multidimensional, as três dimensões Trabalho/Renda, Subjetiva e Saúde foram as que apresentaram correlação significativa e negativa com o sentimento de comunidade. Na amostra geral, os seus resultados apontam para uma correlação negativa entre sentimento de comunidade e pobreza multidimensional. Diante dessa constatação, ao analisar o sentimento de comunidade, é importante incorporar esses dimensões da pobreza multidimensional, a fim de compreender melhor o impacto da pobreza na vida das pessoas.

Palavras-chave: pobreza; sentimento de comunidade; rural.


ABSTRACT

This study aims to analyze the relationship between community feeling and rural poverty in three municipalities, one in the Northeast, another in the North and the other in the South of Brazil. The quantitative research involved the participation of 1,113 subjects, who answered questionnaires composed of a Multidimensional Poverty instrument and the Community Sentiment Index. Statistical analyses were performed: T-Test, Anova, Pearson Correlation Test, and Descriptive Statistics. Community feeling was present moderately/high in the municipalities P (Northeast) and C (South) and moderately/low in Municipality H (North). The Affiliation Factor of Community Feeling, related to the association of people with the community and the feeling of being part of the group, presented the highest averages in the three municipalities and the general sample, followed by the Shared Emotional Bonds factor. In the analysis of dimensions present in multidimensional poverty, the three dimensions of Work / Income, Subjective, and Health were those that presented a significant and negative correlation with community feeling. In the general sample, their results point to a negative correlation between community feeling and multidimensional poverty. In light of this, when analyzing community feeling, it is important to incorporate these dimensions of multidimensional poverty to better understand the impact of poverty on people's lives.

Keywords: poverty; feeling of community; rural.


RESUMEN

Este trabajo objetiva analizar la relación entre el sentimiento de comunidad y la pobreza en la huerta en tres municipios: uno en Nordeste, uno en Norte y otro en el Sur de Brasil. La investigación, de tipo cualitativo, conto con la participación de 1.113 sujetos, que contestaron a cuestionarios compuestos por un instrumento de Pobreza Multidimensional y por el Índice de Sentimientos de Comunidad. Fueron realizados análisis estadísticos: Test T, Anova, Test de Correlación de Pearson y Estadísticas Descriptivas. El sentimiento de comunidad estuvo presente de forma moderada/alta en los municipios P (Nordeste) y C (Sur) y de forma moderada/baja en el municipio H (Norte). El factor Filiación del Sentimiento de Comunidad, relacionado a la vinculación de las personas con la comunidad y al sentimiento de hacer parte del grupo, presentó las mayores medias en los tres municipios y en la muestra general, seguido por el factor Conexiones Emocionales Compartidas. En el análisis de las dimensiones presentes en la pobreza multidimensional, las tres dimensiones Trabajo/Renta, Subjetiva y Salud fueron las que presentaron correlación significativa y negativa con el sentimiento de comunidad. En la muestra general, sus resultados indican una correlación negativa entre sentimiento de comunidad y pobreza multidimensional. Ante esta constatación, al analizar el sentimiento de comunidad, es importante incorporar estas dimensiones de la pobreza multidimensional, con el fin de comprender mejor el impacto de la pobreza en la vida de las personas.

Palabras clave: pobreza; sentimiento de comunidad; huerto.


RÉSUMÉ

Cette étude a pour objectif d'analyser la relation entre le sentiment d´appartenance au communauté et la pauvreté rurale dans trois municipalités brésiliennes, l'une au Nordeste, l'une au Norte et l'autre au Sul du Brésil. La recherche quantitative a eu la participation de 1 113 sujets, qui ont répondu aux questionnaires composés par un instrument de Pauvreté Multidimensionnelle et par l'indice de Sentiment d´appartenance à la Communauté. Des analyses statistiques ont été effectuées: Test T, Analyse de Variance (ANOVA), test de Corrélation de Pearson et des Statistiques Descriptives. Le sentiment d'appartenance à la communauté était présent modérément / haut dans les municipalités P (Nordeste) et C (Sul) et modérément / bas dans la municipalité H (Norte). L'indice de sentiment d'appartenance à la communauté lié à l'association de gens à la communauté et au sentiment de faire partie du groupe a présenté les moyennes les plus élevées dans les trois municipalités et dans l'échantillon général, suivies de l'indice Liens Émotionnels Partagés. Dans l'analyse des dimensions présentes dans la pauvreté Multidimensionnelle, les trois dimensions Travail/Revenu, subjective et santé on présenté un rapport significative et négative avec le sentiment de communauté. Dans l'échantillon général, les résultats indiquent une corrélation négative entre le sentiment d'appartenance à la communauté et la pauvreté multidimensionnelle. À la lumière de ces résultats, à l'analyse du sentiment de communauté on doit ajouter les dimensions de la pauvreté multidimensionnelle afin de mieux comprendre l'impact de la pauvreté sur la vie des gens.

Mots-clés: pauvreté; sentiment de communauté; rural.


 

 

A comunidade é uma categoria que, desde o início do Século XX, vem sendo estudada por diferentes campos, como Antropologia e Sociologia, nos quais, mesmo considerando aspectos de interação social, sobressai o enfoque territorial (Góis, 2005). Na Psicologia Comunitária, a comunidade pode ser reconhecida como lugar social e existencial, cenário de constituição da subjetividade e dos modos de vida dos sujeitos que convivem (Moura Jr., 2015). Segundo Góis (2005), é um espaço de convivência duradoura, formada por sujeitos que dividem experiências e outros elementos em comum, como a história e o modo de vida, compartilhando território, valores, identidade de lugar e sentimento de pertença. Farias e Pinheiro (2013) apontam a ideia que comunidades e vizinhanças são caracterizadas pelo grau de sentimento de comunidade.

Amaro (2007) retoma os escritos de Sarason (1974) e apresenta o conceito de sentimento de comunidade e sua centralidade para a Psicologia Comunitária com o propósito de explicar os laços entre as pessoas e a comunidade, e como esse sentimento pode contribuir para prevenir que os sujeitos experimentem emoções negativas, como solidão, e não desenvolvam modos de vida destrutivos, sendo fundamental para a construção de vínculos na comunidade. Trata-se de um fenômeno complexo e dinâmico, que depende de vários elementos, como valores, influências externas, história do lugar e relações grupais.

Quando nos referimos ao sentimento de comunidade, partimos do conceito apresentado por McMillan & Chavis (1986) a partir das seguintes dimensões: Filiação, que se refere ao sentimento de pertença; Influência, que pressupõe o quanto a comunidade é influenciada por seus membros e vice-versa; Integração e Satisfação das Necessidades, que diz respeito ao nível de satisfação das necessidades dos sujeitos a partir dos recursos que a comunidade lhes disponibiliza; Ligações Emocionais Compartilhadas, que são as emoções, histórias e experiências partilhadas, geradoras de vínculos entre pessoas de uma mesma comunidade.

O sentimento de comunidade pode ser compreendido como sendo qualitativamente diferente de um contato esporádico entre vizinhos (Chaskin, Brown, Venkatesh & Vidal, 2001). É um sentimento desenvolvido ao longo do tempo, mantendo-se e fortalecendo-se a partir de relações significativas entre moradores de uma mesma comunidade. Com isso, podemos constatar que essa relação entre as pessoas pode levá-las ao envolvimento com problemas e situações em comum de uma forma geral, caracterizando uma vivência comunitária, que contribui significativamente para o aumento do sentimento de comunidade e identidade de lugar (Elvas & Moniz, 2010). Alves (2014) afirma que a vivência do sujeito em um lugar contribui para o crescimento pessoal e social, visto que favorece a satisfação das necessidades de vida.

Os estudos sobre sentimento de comunidade vêm se expandindo e se ampliando para diversos contextos, respaldando uma relevância histórica e atual. Alguns estudos vêm apontando, ainda, a importância do sentimento de comunidade para a qualidade de vida (Elvas & Moniz, 2010), como uma ferramenta mediadora na convivência com a realidade de pobreza (Moura Jr., Cidade, Ximenes & Sarriera, 2014), favorecendo uma maior coesão entre as pessoas que compartilham a história e a identidade social (Montero, 2004).

Estudos apontam a relação do sentimento de comunidade em distintos grupos de pessoas. Para Alcântara, Abreu e Farias (2015), o sentimento de comunidade pode ser pensado na realidade dos moradores de rua, que produzem vinculação entre si e em relação ao seu lugar de moradia. Sarriera, Moura Jr., Ximenes e Rodrigues (2016) afirmam que o sentimento de comunidade funciona como preditor do bem-estar psicológico com a população de crianças. Nepomuceno, Barbosa, Ximenes e Cardoso (2017) retratam uma correlação positiva entre sentimento de comunidade e bem-estar psicológico em populações rurais quando comparadas com populações urbanas em situação de pobreza.

Assim, no caso desta pesquisa, há um recorte para quem vive na realidade de pobreza rural, salientando suas peculiaridades psicossociais. Neste estudo, entende-se que a carência monetária não deve ser o único critério para definir se o sujeito é pobre, pois essa concepção é limitada e revela elementos ideológicos, políticos e psicológicos específicos (Ximenes, Moura Jr., Cruz, Silva & Sarriera, 2016).

É necessário conceber a pobreza com base na visão multidimensional (Sen, 2000), que a considera para além da carência monetária e envolve as privações relacionadas ao acesso à saúde, esporte, lazer, educação, emprego e renda. Nessa perspectiva, também é importante considerar o sujeito detentor de potencialidades psicológicas, sociais e culturais (Moura Jr., Cidade, Ximenes & Sarriera, 2014) que, diante de fontes de apoio, fortalece-se na relação com seu contexto e, assim, constrói condições para a transformação da realidade de pobreza que o oprime.

Ao observar os contextos urbanos e rurais, podem-se notar distinções quanto à manifestação dessa pobreza, dada também as diferenças entre os modos de vida dos sujeitos que vivem em cada uma dessas realidades. O contexto rural possui características bem específicas, tais como menor contingente populacional, economia agrícola ou marcada pela pluriatividade, o que tende a aproximar as pessoas, contribuindo com relações colaborativas no que tange à comercialização, ao transporte e aos modos de cuidado e espiritualidade partilhados (Ximenes, Moura Jr., Cruz, Silva & Sarriera, 2016). Além disso, as comunidades rurais possuem menor porte e diferenciam-se em suas dinâmicas espaciais e formas de sociabilidade, implicando em diferentes modos de subjetivação que, por sua vez, repercutem nas relações de pertencimento e de identidade de lugar (Leite, Macedo, Dimenstein & Dantas, 2013). Soma-se a isso a pouca cobertura das políticas públicas e os problemas causados por conta disso, que deixam de ser meramente naturais e climáticos, passando a ser, também, agravados por questões políticas, como a seca ou as enchentes, dependendo do tipo de ruralidade, o que gera impactos psicológicos e sociais no modo de vida, sobretudo, das pessoas pobres.

Essa relação entre senso de comunidade e pobreza rural pode engendrar possibilidades de opressão e enfrentamentos, dadas as condições de desenvolvimento psicossocial dos sujeitos envolvidos nessa díade e o modo como cada um cria suas estratégias de enfrentamento à pobreza rural, que se manifesta de forma peculiar em cada território do país. Dessa maneira, esse artigo tem como objetivo analisar a relação entre o sentimento de comunidade e a pobreza rural em três municípios, nas regiões Nordeste, Norte e Sul do Brasil.

 

Método

Trata-se de uma pesquisa quantitativa que retrata a diversidade e a complexidade da realidade de três municípios em três regiões do Brasil.

Participantes

O Brasil tem 16,2 milhões de pessoas que vivem na extrema pobreza (IBGE, 2011). Há uma concentração de pessoas em extrema pobreza nos municípios de porte médio (10.000 a 50.000 habitantes) que estão localizados nas regiões rurais. Do total de brasileiros residentes no campo, um em cada quatro se encontra em extrema pobreza (25,5%) (IBGE, 2011). A extrema pobreza se distribui da seguinte forma na zona rural: Norte (56%), Nordeste (52%), Sul (39%), Centro-Oeste (33%) e Sudeste (21%) (IBGE, 2011). Essas informações respaldam a escolha das regiões Norte e Nordeste, já que elas possuem maior porcentagem de população em extrema pobreza. Em relação à escolha dos municípios rurais para a pesquisa, teve como critério parcerias institucionais que viabilizaram o acesso à população pesquisada, já que realizar a pesquisa em contextos rurais exige uma maior rede de apoio do que pesquisa em contextos urbanos.

A pesquisa foi feita em três municípios rurais em três regiões do país, sendo o município P localizado na Região Nordeste; o município H, na Região Norte; e o município C, na Região Sul. A população do município P, no Nordeste, é de 35.400 habitantes (IBGE, 2011), dos quais 14.006 vivem na zona rural, e foram pesquisados 14 distritos rurais. O município H, do Norte, conta com 44 227 habitantes, sendo 13.726 que vivem na zona rural, localizada a 590 km de Manaus, às margens do Rio Madeira, e participaram da pesquisa 20 distritos rurais. O município C, do Sul, está localizado no oeste do Paraná, com 292.372 habitantes, sendo 16.156 moradores da zona rural, e foram pesquisados 3 distritos rurais.

Na amostra geral, foram aplicados 1.156 questionários ao todo, sendo 397 coletados no município P (Nordeste), 386 no município H (Norte) e 373 no município C (Sul). Desse total, 1.113 foram considerados válidos para a análise, pois 43 questionários estavam respondidos de maneira incompleta. Dos participantes, 777 eram mulheres (69,8%) e 328 homens (29,5%), com idades entre 18 e 101 anos (M=42,25; DP=17,58). Os critérios de inclusão da pesquisa foram: ter idade a partir de 18 anos, morar em um dos referidos municípios e autorizar sua participação através da assinatura do termo de consentimento.

Procedimentos para construção e análises dos dados

Os questionários foram aplicados através de visitas domiciliares em cada município. Para isso, contou-se com o apoio de profissionais que trabalhavam nas políticas públicas de Saúde, Assistência Social e Educação, além de líderes comunitários e moradores em cada um desses municípios. As perguntas dos questionários eram fechadas e abordavam dados de identificação pessoal e socioeconômica, um instrumento de mensuração do Índice de Pobreza Multidimensional (IPM) e outro instrumento para medir o Sentimento de Comunidade.

O instrumento de pobreza multidimensional buscou mensurar o nível de pobreza dos participantes a partir de 24 itens agrupados nas dimensões: habitação, escolaridade, trabalho/renda, saúde e aspectos subjetivos da pobreza. Os itens são pontuados de 0 a 1, cuja leitura revela que, quanto mais próximo de 1, maior é o nível de pobreza multidimensional da pessoa. Esse questionário foi ampliado a partir do instrumento elaborado por Ximenes, Moura Jr., Cruz, Silva e Sarriera (2016). Como dito, também foi utilizado o Índice de Sentimento de Comunidade, o qual foi desenvolvido McMillan e Chavis (1986) e formado por 12 itens que englobam quatro fatores do sentido de comunidade: filiação; ligações emocionais compartilhadas; influência; e integração e satisfação de necessidades. Os itens são avaliados de forma contínua, em uma escala Likert de 0 a 4, sendo discordo muito, discordo, nem concordo e nem discordo, concordo e concordo muito. Essa escala já foi utilizada no Brasil por Sarriera, Moura Jr., Ximenes e Rodrigues (2016), e os resultados de sua pesquisa foram importantes impulsionadores da realização desta. Outro dado importante para este estudo foi apresentado por Chipuer e Pretty (1999), que encontraram nas suas pesquisas com a escala de Sentimento de Comunidade, o Alfa de Cronbach de 0.70 com amostra de adultos e adolescentes.

Os dados provenientes dos questionários aplicados nos municípios P, H e C foram organizados em um banco de dados, com auxílio do software Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 20.0, em que foram realizadas as seguintes análises: Teste T, Anova, Teste de Correlação de Pearson e Estatísticas Descritivas para análises comparativas do Sentimento de Comunidade e das dimensões do IPM nos diferentes municípios.

No que tange à dimensão ética, consideramos a Resolução 510, de abril de 2016, do Conselho Nacional de Saúde, a qual regulamenta pesquisa com seres humanos. Desse modo, esta pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa, sendo aprovada com CAAE 46474715.5.1001.5054 e Parecer n. 1.233.648.

 

Resultados

Frente aos 1.113 sujeitos que responderam aos questionários e foram considerados válidos, a média geral do Índice de Pobreza Multidimensional (IPM) da amostra, considerando os três municípios, foi 0,30 (DP=0,11). Os resultados apontaram que as médias do IPM foram: em P, M=0,32 e DP =0,11; em H, M=0,31 e DP = 0,11; e em C M=0,28 e DP = 0,11, tendo o teste ANOVA apontado diferenças significativas entre as médias de P e C (p= 0,000) e H e C (p=0,000), sem diferença entre as médias de P e H (p=0,447). Como dissemos, o IPM varia de 0 a 1, de modo que, quanto mais próximo de 1, maior a pobreza multidimensional; e quanto mais próximo de zero, menor o estado de pobreza multidimensional. A fim de proceder a essas comparações, fizemos a divisão da amostra em dois grupos, sendo um com os 50% mais pobres e o outro com os 50% menos pobres, o que permitiu a definição de um ponto de corte. Para a amostra total, esse ponto de corte foi 0,29. Para o município P, o ponto de corte foi 0,31; para o H foi 0,29 e, para o C foi 0,26, de modo que as pessoas abaixo desse ponto são consideradas menos pobres multidimensionais e as pessoas com média acima desse ponto, mais pobres.

Se considerarmos as médias do IPM para cada uma das dimensões na amostra geral, conforme mostra a Tabela 1, podemos perceber que as dimensões Trabalho e Renda (M= 0,69; DP=0,28) e Educação (M=0,55; DP=0,27) são as que apresentam maiores médias de pobreza multidimensional, enquanto que a dimensão Subjetiva (M=0,33; DP=0,18) possui uma média menor, mas ainda assim apresenta valor alto, acima do ponto de corte. Já Saúde (M=0,19; DP= 0,17) e Habitação (M=0,22; DP= 0,15) foram as dimensões com menores médias, abaixo do ponto de corte.

A amostra de cada município apresenta resultados semelhantes à amostra total, com exceção do município P, que apresenta um valor de maior importância na dimensão Habitação (M=0,30; DP=0,15). Comparando as médias entre os municípios, na dimensão Educação houve diferença significativa entre P e H (p=0,016) e P e C (p=0,024). Da mesma forma, a dimensão Subjetiva apresentou diferença significativa entre P e H (p=0,010) e P e C (p=0,030), mas sem diferença significativa entre H e C (p=1). Na dimensão Saúde, houve diferença significativa entre P e C (p=0,018) e H e C (p=0,000), e não houve significância na diferença entre P e H (p=0,597). Na dimensão Habitação, as diferenças foram significativas na comparação entre as médias de todos os municípios (p=0,000).

Ao analisar as três dimensões com maiores médias é possível compreender os elementos mais importantes da pobreza multidimensional na amostra pesquisada. No que diz respeito à dimensão Trabalho e Renda, na amostra total, os itens que apresentaram maiores médias foram os relacionados à remuneração: "Qual a sua renda per capita?" (M=0,66; DP=0,33) e "Você está exercendo algum tipo de trabalho remunerado?" (M=0,71; DP=0,35). Os itens "Você já precisou vender alguma coisa dentro de casa para comer?" (M=0,25; DP=0,43) e "Você já precisou pedir dinheiro para poder comer?" (M=0,20; DP=0,40) apresentam médias baixas. Os resultados, considerando as amostras de cada município, são semelhantes.

Já na dimensão Educação, tanto para a amostra total como para as amostras dos municípios, o "tempo de frequência na escola" (M=0,76; DP=0,24) foi o item que mais afetou o IPM, enquanto o item "algum adulto frequentou a escola por mais de 9 anos?" (M=0,33; DP=0,47) apresentou menor média. Por fim, na dimensão Subjetiva, os itens "Como você se considera, pobre, nem pobre/nem rico, rico?" (M= 0,62; DP=0,26), "O dinheiro na sua casa é suficiente para viver bem?"(M= 0,41; DP=0,49) e "Você encontra ajuda no CRAS?"(M= 0,75; DP=0,38) foram os itens que tiveram maiores médias. Na comparação entre os municípios, houve uma maior diferença no item "Você encontra ajuda no CRAS?", no qual o município H (M= 0,92; DP=0,22) apresentou uma média alta quando comparada aos municípios P (M= 0,73; DP=0,36) e C (M= 0,58; DP=0,43).

Em relação ao sentimento de comunidade, a média geral foi igual a 2,63 (DP=0,58), o que apontou para um nível moderado/alto. Já no que se refere à média do sentimento de comunidade em cada município, P obteve a maior média (M=2,79, DP= 0,51), com um nível moderado/alto, seguido por C (M=2,70, DP=0,59), com um nível moderado/alto, e H (M=2,40, DP=0,57) com um nível moderado/baixo. O teste da Anova, cujos resultados estão expostos na Tabela 2, tomando como variável dependente a categoria sentimento de comunidade e como variável independente a categoria município, demonstrou que há diferença significativa entre P e H e entre C e H. No entanto não há diferença significativa entre P e C.

Conforme a Tabela 3, na amostra total, como em todos os municípios, os fatores que apresentaram maiores pontuações foram Filiação e Ligação Emocional Compartilhada, com um nível moderado/alto. Em todos os municípios, as médias desses fatores foram maiores do que a média geral do Sentimento de Comunidade, sendo que, no município P, apareceu com um nível alto no fator Filiação. Já o fator Integração e Satisfação de Necessidades aparece em seguida, com as médias menores, com um nível moderado/baixo, mas próxima à média geral de Sentimento de Comunidade. O fator Influência apareceu com as menores médias, tanto na amostra total como nas amostras de cada município, todas com valor abaixo de 2, o que aponta para um nível baixo.

Na comparação entre municípios, o município P apresenta as maiores médias nas dimensões Filiação, Ligações Emocionais Compartilhadas e Influência, enquanto o município C aparece com maior média no fator Integração e Satisfação de Necessidades. Os resultados do município H demonstram menores médias em todos os fatores, com exceção dos correspondentes à dimensão Influência, que apresenta dois itens com maiores médias do que os demais municípios e do que a amostra total: "Você se importa com o que os seus vizinhos pensam das suas ações?" e "Você não tem nenhuma influência sobre como é esta comunidade?", conforme Tabela 3.

Conforme pode ser observado na Tabela 4, os itens do índice de Sentido de Comunidade com maiores valores foram "Você se sente em casa nesta comunidade?" (M=3,04; DP=0,95) e "Você consegue reconhecer muitas pessoas que vivem nessa comunidade?" (M=3,00; DP=0,95), ambos correspondentes ao fator Filiação. Os itens do fator Ligações Emocionais Compartilhadas com maiores médias foram o "Para você é muito importante viver nessa comunidade" (M=2,92; DP=0,97) e "Você espera viver nesta comunidade por um longo período" (M=2,89; DP=1,12).

A análise de correlação de Pearson demonstrou uma correlação positiva entre renda per capita e sentimento de comunidade, ou seja, considerando somente a dimensão monetária, os resultados afirmam que, quanto maior a renda, maior o sentimento de comunidade (r= 0,89, p<0,05). Já considerando as dimensões vistas no cálculo do IPM, a fim de testar a relação entre Pobreza Multidimensional e Sentimento de Comunidade, obteve-se correlação negativa entre as duas variáveis (r= - 0,159, p<0,05), que significa que há uma correlação inversa entre Pobreza Multidimensional dos participantes e Sentimento de Comunidade, embora seja um valor de efeito pequeno (r < 0,3), ou seja, a correlação é fraca (Tabela 5).

A mesma correlação foi feita considerando cada município, para fins de comparação entre os municípios, a partir da qual evidenciamos que, em C e P, a correlação foi negativa e significativa. A correlação maior se deu em C (r= -0,239), seguida de P (r= -0,173). Já em H não houve correlação significativa (p > 0,05).

Nas correlações feitas, considerando separadamente cada dimensão da Pobreza Multidimensional (Tabela 5), obtivemos correlações inversas significativas do Sentimento de Comunidade com a dimensão Trabalho e Renda, com a dimensão Subjetiva e com a dimensão Saúde. Com relação à dimensão Subjetiva, dois itens apresentaram correlação significativa: "Quanto você se sente rejeitado pelos outros pela condição financeira?" (r= -0,139; p< 0,05) e "Quanto você sente que as pessoas lhe tratam injustamente pela sua condição financeira?" (r= -0,110; p< 0,05)". Já no que se refere à dimensão Trabalho e Renda, apenas os itens "Quanto você ganha por mês?" (r=0,101; p=0,001) e "Atualmente, você está exercendo trabalho remunerado?" (r=0,067; p=0,027) apresentam correlação significativa com o Sentimento de Comunidade. Na dimensão saúde, somente um item apresentou resultado significativo: "Você consegue atendimento médico ou de outros profissionais quando precisa" (r= 0,188; p=0). Em todos esses casos, no entanto, a correlação é frágil (r < 0,30). Por outro lado, percebemos correlações positivas fortes entre o IPM total e as dimensões Saúde (r= 0,720; p< 0,05), Subjetiva (r= 0,688; p< 0,05) e Habitação (r= -0,630; p< 0,05), e correlação média entre IPM total e dimensão Trabalho e Renda (r= 0,380; p< 0,05).

 

Discussões

No que se refere à correlação negativa entre Pobreza Multidimensional e Sentimento de Comunidade, verificamos, a partir das conclusões de Moura Jr. (2015), que esses resultados podem estar relacionados com as implicações das privações de recursos e de capacidades nas relações entre os moradores da comunidade. Isto está consoante à visão de Góis (2008), ao destacar que as privações de recursos básicos provocam problemas diversos, como desagregação familiar e comunitária, desorganização social, conflitos de vizinhança e diminuição do sentimento de comunidade.

Uma explicação dessa correlação negativa entre Pobreza Multidimensional e Sentimento de Comunidade está na importância da dimensão Subjetiva, que possui um impacto psicossocial, pois quanto maior é a dimensão Subjetiva, menor é a pobreza. Os aspectos mais importantes nessa correlação foram os relacionados ao sentimento de ser rejeitado ou maltratado em decorrência da condição financeira, que demonstra que esses fatores prejudicam as relações comunitárias. Além disso, os aspectos subjetivos apresentaram, também, uma média maior que a média geral, o que demonstra um grande peso das implicações psicológicas da pobreza para os sujeitos. Os itens da dimensão Subjetiva "Percepção subjetiva da pobreza" e "O dinheiro na sua casa não é o suficiente para viver bem" tiveram médias altas, pois se acredita que o fato deles se considerarem pobres também está relacionado à questão da renda, já que esse é um critério geral utilizado para definir as condições de pobreza, principalmente do ponto de vista das políticas públicas. Outro item presente na dimensão subjetiva foi "Você encontra ajuda no CRAS?", cujos resultados mostraram que os sujeitos não percebem o CRAS como fonte de apoio institucional. Muitos dos sujeitos pobres não têm tanto conhecimento das políticas de Assistência Social e de seus equipamentos, com as nomenclaturas oficiais, dificultando-lhes reconhecer os impactos dessas políticas em seus cotidianos. Além disso, pontuamos a importância do fortalecimento de vínculos, como elemento fundamental para esse reconhecimento da política pública como fonte de apoio social (Silva, Feitosa, Nepomuceno, Silva, Ximenes & Bomfim, 2016).

Esses dados seguem as conclusões de Moura Jr. (2015) que entende que a vergonha e a humilhação, relacionadas com a vivência da situação de pobreza, prejudicam o sentimento de comunidade. No entanto, o sentimento de comunidade também aparece como um recurso para enfrentamento, o que pode explicar o fato de que a maior média de Sentimento de Comunidade foi encontrada no município P, que também teve maior pobreza multidimensional. Compreendemos, portanto, que as redes sociais e as relações comunitárias são instrumentos para lidar com a condição de pobreza. Svartman e Galeão-Silva (2016) destacam que as relações, a organização comunitária e os movimentos coletivos constituintes do Sentimento de Comunidade funcionam como estratégias de resistência à humilhação social.

Quanto à dimensão do Trabalho e Renda, as médias deram altas, porém o alto desvio padrão demonstra que se trata de uma amostra consideravelmente heterogênea. A pobreza unidimensional emerge como o "caminho de definição deste fenômeno ao estabelecer a deficiência de renda como indicador de pobreza" (Moura Jr. et al., 2014, p. 343). A renda tem sido, historicamente, o critério mais usado para separar os pobres e os não pobres, tanto sob o ponto de vista científico, quanto sob o ponto de vista popular e do senso comum. Assim, a renda e o trabalho são aspectos preponderantes para determinação da condição de pobreza do sujeito.

Já a dimensão Educação pode ser discutida a partir do conceito de pobreza multidimensional, definida por Sen (2000) a partir de vários aspectos para além da renda, tais como a falta de acesso à saúde, à educação, à alimentação, à cultura, ao lazer, à habitação, dentre outros direitos básicos. É evidente que essa pobreza multidimensional reflete em limitações nas condições de vida dos sujeitos e sugere que as desigualdades educacionais estão intimamente relacionadas com as desigualdades sociais e culturais. Sen e Kliksberg (2010) afirmam que há um círculo vicioso em que a baixa renda está vinculada ao baixo nível educacional, pois os mais pobres têm suas vidas caracterizadas pela ausência de oportunidade, pois precisam trabalhar desde cedo e possuem uma parca e precária inserção no mercado de trabalho legalizado. Dessa forma, considera-se que a educação é um aspecto revelador das condições de pobreza e que as desigualdades sociais são representativas das desigualdades educacionais. Por outro lado, isto também sinaliza que a educação pode ser um caminho fundamental para superação da condição da pobreza.

As médias do Sentimento de Comunidade, tanto na amostra geral, como nos três municípios pesquisados, apresentaram valores moderados. O município P foi o que apresentou maior média geral e também maiores médias nos fatores Filiação, Ligações emocionais compartilhadas e Influência, indicando que os sujeitos têm um alto sentimento de pertença à comunidade, que é estimulado pelos vínculos construídos com o lugar, pelo nível de interferência que eles exercem na comunidade e vice-versa.

Na pesquisa de Nepomuceno et al. (2017), a média de sentimento de comunidade na área rural se apresentou maior do que na comunidade urbana. Dentre os três municípios pesquisados, o município P é tido como o mais rural, visto que tem maior proporção de moradores na área rural (IBGE, 2011). Com isso podemos considerar que, quanto maior a ruralidade, maior tende a ser o Sentimento de Comunidade, pois a relação do sujeito com o lugar de moradia está atravessada por sua relação de proximidade, pertença e afeto com o lugar e as pessoas. Os moradores do município P vivem com base na agricultura de subsistência, não possuem transporte público, possuem pouco acesso a políticas públicas e há uma proximidade física e emocional dos moradores, que é muito importante para a vivência diária, pois as relações de cooperação e solidariedade são essenciais para sua sobrevivência.

No município C, a realidade social comunitária se difere dos demais municípios, de modo que os moradores se utilizam de uma tecnologia avançada de produção, que se volta principalmente para o mercado externo ou para as agroindústrias, cuja finalidade maior é obtenção de lucro. A reestruturação técnica-econômica interfere na vida das pessoas do território e produz novas ruralidades. Na realidade desse município, caracterizada pelo agronegócio, podemos perceber que esse tipo de relação de trabalho é bem diferente da agricultura familiar, já que a base do agronegócio é a exploração da terra para obtenção de lucro, o que leva à produção em larga escala para fins, não de consumo direto, mas, prioritariamente, de comercialização (Batalha, Marchesini, Rinaldi & Moura, 2005). Isto pode explicar a maior pontuação na dimensão Satisfação das Necessidades, do Sentimento de Comunidade, no município C, de modo que os sujeitos percebem que suas necessidades são atendidas em decorrência do acesso à renda, oriunda do agronegócio, e também do maior acesso às políticas públicas.

Nepomuceno et al. (2017) comparam o sentimento de comunidade em áreas urbanas e rurais de um município do Nordeste, demonstrando uma diferença significativa, como maior média para as comunidades rurais. Os autores compreendem essa diferença devido ao fato de que o contexto urbano apresenta maior mobilidade, bem como, mais individualismo e alto índice de violência, quando comparado às características das comunidades rurais. Nessas comunidades, os moradores constroem relações afetivas mais próximas, tanto na família como entre vizinhos, havendo, geralmente, um reconhecimento por nome entre os moradores (Ximenes & Moura Jr., 2013). Outra explicação pode estar relacionada ao aspecto de produção econômica e da partilha com o outro, pois, segundo Silva et al. (2016), nas comunidades rurais, prevalece a lógica da reciprocidade, destacando-se os laços de sangue, parentesco, vizinhança e amizade. Wanderley (2014) concorda com essa ideia ao afirmar que na zona rural brasileira destaca-se a produção agrícola, o trabalho e o modo de vida das comunidades, que, por sua vez, se vinculam às relações familiares e de vizinhança.

Nas análise das médias mensuradas para cada item e dos fatores da escala de Sentimento de Comunidade, percebemos que os itens com índices mais elevados foram dois: um relacionado à dimensão Filiação, mais especificamente relacionado ao "sentir-se em casa na comunidade", e o outro relacionado ao reconhecimento de pessoas na comunidade. Dessa forma, percebemos que o sentimento de pertença e a vinculação entre as pessoas foi o que mais se destacou na amostra geral, indicando um potencial de vinculação e participação na comunidade. Segundo Hombrados-Mendieta e Lopez-Espigares (2014), o sentimento de comunidade implica na identificação das pessoas com o lugar em que moram, caracterizando-se pelo sentimento de pertença a esse lugar. Os autores demonstram que, em lugares com elevado sentimento de comunidade, há também uma maior motivação para participação e uma maior percepção de controle sobre o bairro.

Por outro lado, o fator Influência apresentou menores médias, seguida do fator relacionado à Integração e Satisfação de necessidades, que também apresentou médias de moderada à baixa, com exceção do item "Você acha a sua comunidade um bom lugar para viver?", que obteve uma alta pontuação. Esses resultados corroboram o estudo de Gonçalves (2009) em que o autor, ao comparar o sentimento de comunidade em zonas urbanas e rurais, concluiu que o sentimento de pertença é mais forte na zona rural, enquanto na zona urbana há uma percepção de maior satisfação de necessidades do que no campo, muito provavelmente devido a maiores oportunidades de escolha de grupos e comunidades por parte dos indivíduos. Esses resultados seguem os achados de Nepomuceno et al. (2017).

Nos itens relacionados ao fator Ligações emocionais compartilhadas, os municípios P e C apresentaram médias altas. Elvas e Moniz (2010) afirmam que o sentimento de comunidade é influenciado, diretamente, por alguns componentes como a família, os amigos, a escola, os vizinhos e o bairro, responsáveis pelo nível de satisfação com a vida que o sujeito vivencia. Dessa forma, tanto as relações familiares como as interações com vizinhos são aspectos fundamentais para a construção do sentimento de comunidade (Gonçalves, 2009) que, por sua vez, é fortalecido à medida que os sujeitos partilham ligações emocionais e satisfazem suas necessidades entre si.

 

Considerações Finais

Este artigo tem como relevância a realização de uma pesquisa em contextos rurais, que não são muito estudados pela Psicologia, sendo de grande importância para as políticas públicas nesses contextos. Os seus resultados apontam para uma correlação negativa entre Sentimento de Comunidade e Pobreza Multidimensional, ou seja, quanto mais pobre, menor tende a ser o sentimento de comunidade na amostra geral. A maior média de sentimento de comunidade foi do município P, o que aponta para especificidades regionais, como uma maior presença de características rurais, que devem ser levadas em conta na análise dos contextos de cada município. Na análise das dimensões presentes na Pobreza Multidimensional, as três dimensões Trabalho/Renda, Subjetiva e Saúde foram as que apresentaram correlação significativa e negativa com o Sentimento de Comunidade. Diante dessa constatação, ao analisar o Sentimento de Comunidade é importante incorporar essas dimensões do IPM a fim de compreender melhor o impacto da pobreza na vida das pessoas.

O Sentimento de Comunidade esteve presente de forma moderada/alta nos municípios P (Nordeste) e C (Sul), e de forma moderada/baixa no município H (Sul). O fator Filiação, do Sentimento de Comunidade, relacionado à vinculação das pessoas com a comunidade e ao sentimento de fazer parte do grupo, apresentou as maiores médias nos três municípios e na amostra geral, seguido do fator Ligações emocionais compartilhadas. Isto indica a importância do sentimento de pertença ao lugar e das relações afetivas de proximidade, que podem ser considerados recursos fundamentais para o enfrentamento das condições de pobreza na zona rural. Dessa forma, consideramos que os resultados desta pesquisa podem produzir reflexões no sentido de criar novas estratégias e intervenções, de modo a fortalecer o sentimento de comunidade, a fim de potencializar a capacidade de enfrentamento dos indivíduos e grupos em situação de pobreza nas áreas rurais.

Além disso, identificamos a necessidade de ampliar a pesquisa para municípios da Região Sudeste e Centro-Oeste, pois poderá apresentar um panorama geral do país, que não foi retratado neste artigo, como também a comparação entre municípios rurais e urbanos, que favorece uma visão ampla das diferenças contextuais da realidade vivenciada pelas pessoas em situação de pobreza. A incorporação da diversidade de grupos e de etnias também pode ser um aspecto importante a ser pensado em futuras pesquisas.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Verônica Morais Ximenes
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Carlos Eduardo Esmeraldo Filho
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Andréa Esmeraldo Câmara
Email: andreaesmeraldo@hotmail.com

Janailson Monteiro Clarindo
Email: janailson21@gmail.com

Recebido em: 10/05/2018
Revisado em: 15/01/2019
Aceito em: 04/02/2019
Publicado online: 02/08/2019

 

 

1 Agradecimentos ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação – MCTI e ao Ministério da Educação, por intermédio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, pelo financiamento da pesquisa, e ao CNPq pelo financiamento da bolsa PQ da primeira autora.

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