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versión impresa ISSN 2359-0769versión On-line ISSN 2359-0777

Rev. Subj. vol.19 no.1 Fortaleza enero/abr. 2019

http://dx.doi.org/10.5020/23590777.rs.v19i1.e7257 

RELATOS DE PESQUISA

 

O mototaxista no mundo do trabalho: precarização, desemprego e informalidade

 

The mototaxi drivers in the world of work: precariousness, unemployment and informality

 

El moto-taxista en el mundo del trabajo: precariedad, desempleo y informalidad

 

Le conducteur de taxi-moto dans le monde du travail: précarité, chômage et informalité

 

 

Abílio Rezende Macedo (Lattes)I; Felizardo Tchiengo Bartolomeu Costa (Lattes)II; José Sterza Justo (Lattes)III

IMestrando em Psicologia pela UNESP
IIDoutor em Psicologia pela UNESP. Docente do Intituto Superior politécnico - Tundavala (Angola) e da Escola de Formação de Professores do município dos Gambos, província da Huíla (Angola)
IIIMestre e Doutor em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atualmente é professor Livre-Docente do Curso de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista (UNESP)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste artigo é problematizar a informalidade no trabalho do mototaxista como um dos mecanismos de precarização do trabalho nos dias atuais. Parte-se do princípio de que a reorganização contemporânea do trabalho, ocasionada pelo avanço do capitalismo, tem levado à introdução de novas formas de exploração do trabalhador e de precarização do trabalho, às vezes, sem que se aperceba. Foi desenvolvida uma pesquisa qualitativa, com uso de técnica de observação direta e realização de entrevista com roteiro semiestruturado, realizadas no ambiente de trabalho dos mototaxistas. Para tratamento dos dados, utilizou-se a análise de conteúdo. Os resultados apontaram diversas dificuldades enfrentadas por esses trabalhadores no dia a dia de trabalho. Foi salientado pelos entrevistados as longas horas de trabalho, a instabilidade frente à atividade e o risco recorrente de se envolverem em acidentes de trânsito. Contudo alguns afirmaram que preferem esse tipo de trabalho, sem vínculo empregatício com a empresa ou o patrão, porque se sentem mais livres e com maior autonomia. Concluiu-se que o trabalho do mototaxista, enquanto um trabalho precário e informal, possui múltiplas facetas. Pelo olhar deles mesmos, trata-se de um trabalho ao qual se recorre, frequentemente, como última alternativa diante do desemprego, com pouca segurança e proteção social, no entanto que traz uma sensação de liberdade e autonomia maior do que o trabalho formal, amparado pelas leis trabalhistas.

Palavras-chave: mototaxista; precarização; trabalho.


ABSTRACT

The article aims to problematize the informality in the job of the mototaxi driver as one of the mechanisms of work precarization in the present days. It is assumed that the contemporary reorganization of labor, brought about by the advance of capitalism, has led to the introduction of new forms of exploitation of the worker and precariousness of work, sometimes without realizing it. A qualitative research was developed, using a direct observation technique and an interview with a semi-structured script carried out in the working environment of mototaxis. For the data treatment, the content analysis was used. The results pointed out several difficulties faced by these workers in their day to day work. The interviewees stressed the long working hours, the instability in relation to the activity and the recurrent risk of being involved in traffic accidents. However, some have stated that they prefer this type of work, without an employment relationship with the company or the boss, because they feel freer and with greater autonomy. It was concluded that the work of the mototaxi driver, as precarious and informal work, has multiple facets. By their own eyes, it is a job that is often used as a last alternative to unemployment, with little security and social protection, but which brings a sense of freedom and autonomy greater than formal work, supported labor laws.

Keywords: mototaxi driver; precariousness; job.


RESUMEN

El objetivo de este trabajo es problematizar la informalidad en el trabajo de moto-taxista como uno de los mecanismos de precarización del trabajo en los días actuales. Partimos del principio de que la reorganización contemporánea del trabajo, causada por el avance del capitalismo, llevó a la introducción de nuevas formas de exploración del trabajo, a veces, sin que se note. Se desarrolló una investigación cualitativa, con uso de técnicas de observación directa y realización de entrevista con un plan semi-estructurado, realizadas en el ambiente de trabajo de los moto-taxis. Los datos fueron tratados por el análisis de contenido. Los resultados indicaron muchas dificultades enfrentadas por estos trabajadores en el día a día de trabajo. Los entrevistados resaltaron las largas horas de trabajo, la inestabilidad ante la actividad y el riesgo recurrente de involucrarse en accidentes de tránsito. Sin embargo, algunos afirmaron preferir este tipo de trabajo, sin vínculo con la empresa o el jefe, porque se sienten más libres y con mayor autonomía. Concluimos que el trabajo de moto-taxis, aunque precario e informal, posee múltiples facetas. Por la mirada de ellos mismos, se trata de un trabajo a lo cual se recurre, frecuentemente, como última alternativa ante el desempleo, con poca seguridad y protección social, que trae, sin embargo, una sensación de libertad y mayor autonomía que el trabajo formal, amparado por leyes del trabajo.

Palabras claves: moto-taxista; precarización; trabajo.


RÉSUMÉ

L'objectif de cet article est attirer l´attention sur l'informalité dans le travail du conducteur de taxi-moto, et son rôle comme un des mécanismes de précarisation du travail actuellement. On suppose que la réorganisation contemporaine du travail, provoquée par le progrès du capitalisme, a causé des nouvelles formes d'exploitation du travailleur, bien comme la précarité du travail, parfois, on ne se rend pas compte. Une recherche qualitative a été développée en utilisant une technique d'observation directe et aussi un entretien avec un scénario semi-structuré. La recherche a été réalisée dans l'environnement de travail des conducteurs de taxi-moto. Pour le traitement des données, l'analyse du contenu a été utilisée. Les résultats ont mis en évidence plusieurs difficultés rencontrées par ces travailleurs dans leur travail quotidien. Les travailleurs interrogés ont souligné les longues heures de travail, l'instabilité inhérente à l'activité et le risque fréquent d´accidents de circulation. Cependant, certains conducteurs de taxi-moto ont préféré travailer sans relation de travail avec une entreprise ou avec un chef d'entreprise, car ils se sentent plus libres et jouissent d'une plus grande autonomie. On a pu conclure que le travail du conducteur du taxi-moto, en tant que travail précaire et informel, présente de multiples aspects. C'est à leurs yeux un travail souvent utilisé comme dernière alternative au chômage, avec peu de sécurité et de protection sociale. Néanmoins, c´est un travail qui apporte un plus grand sentiment de liberté et d'autonomie quand comparé au travail formel, soutenu par les lois du travail.

 Mots-clés: conducteur de taxi-moto; la précarité; travail.


 

 

"se obscuros e monótonos dias assombravam os que procuravam a segurança, noites insones são a desgraça dos livres" (Bauman, 2004, p. 10).

Atualmente, observa-se o crescimento da exploração da força de trabalho mediante exigências cada vez maiores de produtividade, facilitadas pelas novas configurações do trabalho decorrentes da lógica capitalista. A flexibilização dos vínculos e das relações de trabalho, a desregulamentação, a minimização dos direitos trabalhistas, a terceirização, o desemprego estrutural e o empreendedorismo de subsistência, dentre outras formas de precarização, irrompem com bastante força na atualidade. Se o trabalho é primordial enquanto "condição de existência", então a precarização tornou-se "condição de existência de milhares de trabalhadores" espalhados pelo mundo afora, sujeitos ao modo capitalista de produção. Este artigo busca problematizar a informalidade no trabalho do mototaxista como um dos mecanismos de precarização do trabalho nos dias atuais. Pretende-se analisar experiências de trabalho de mototaxistas situando-as dentro das atuais condições de informalização e precarização do trabalho.

Os Liames da Precarização no Capitalismo Contemporâneo

No Brasil, as transformações nas relações de trabalho com a chamada restruturação produtiva, iniciada na década de 1980 e que toma impulso na década seguinte (Lessa, 2000), têm conduzido a uma crescente precarização do trabalho.

De acordo com Cacciamali (2001) e Cacciamali e Britto (2002), a liberalização do comércio e o aumento da competitividade introduzem não somente mudanças nos métodos de produção e nos processos de trabalho, mas também produzem relações compatíveis com a necessidade de redução de custos. Nesse sentido, a informalidade passa a ser um dos caminhos seguidos pela precarização, por meio da criação de unidades produtivas com base familiar, trabalho autônomo, empregos domésticos, entre outros.

O setor informal abarca um conjunto de atividades autônomas destinadas à produção e à prestação de serviços, caracterizando-o como trabalho "por conta própria" (Cardoso, 2000; Ferreira, 2000). Também se destaca, no setor informal, a facilidade de ingresso. Não há exigência de grande qualificação para o exercício de atividades informais, tais como o comércio de rua/ambulante, pequenas unidades produtivas urbanas, prestação de serviços, entre outras. O trabalho informal nos coloca diante de uma das várias facetas da precarização do trabalho.

O termo setor informal foi criado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) (Mendes & Campos, 2004), na sua 15ª Conferência Internacional, realizada em 1972. Ele surge como resultado dos relatórios da análise da situação do trabalho no Gana e Quênia, no âmbito do Programa Mundial de Empregos. Segundo Mendes e Campos (2004), o relatório descrevia a existência de um grande número de "trabalhadores pobres" que produziam bens e serviços sem reconhecimento de suas atividades, sem registro ou proteção regulamentada pelas autoridades públicas.

Noronha (2003) defende que, mesmo referindo-se apenas ao trabalho informal (em vez de mercado informal), ainda permanecem muitas questões, no entanto evita-se, pelo menos, a complexidade da economia informal em geral, pois, em sua opinião, as interdependências entre economia e trabalho informal não constituem motivo para tratá-las como fenômeno único. O autor ainda propõe que a informalidade seja distinguida de acordo com as abordagens econômicas e sociológicas (normativas). Noronha (2003) divide o trabalho informal em três abordagens distintas: a) velha informalidade (subemprego), que entende a informalidade como derivada da condição de país em desenvolvimento, em que muitas atividades não são suficientemente atrativas para o investimento capitalista; b) informalidade neoclássica, que considera o trabalho "informal" o resultado natural da busca por maximização de lucros por empresas em países com extensivo código de trabalho e elevado custo indireto da folha salarial, e c) nova informalidade, que resulta de mudanças nos processos de trabalho, novas concepções gerenciais e organizacionais, e novos tipos de trabalho, que não exigem tempo nem locais fixos.

No que concerne às abordagens sociológicas e normativas, o autor identifica a constituição dos seguintes tipos de informalidade: aquela ligada à pobreza, que se caracteriza como o resultado de tentativas antigas da OIT de criar conceitos que incluíssem as atividades informais como forma de trabalho, porém com uma conotação pejorativa; a jurídica, tal como a neoclassista, preocupada com a regulação do trabalho, abordagem típica da área jurídica e de cientistas políticos e a informalidade da globalização, na qual se entende que as características do trabalho são, na essência, as mesmas de antes.

Alves (2011) classifica o trabalho informal desempenhado em: trabalhadores informais tradicionais, casos em que o trabalho é o meio de sobrevivência da família, sem a contratação de assalariados; trabalhadores assalariados sem registro, quando se trata de pessoas contratadas à margem das leis que regulamentam o mercado de trabalho; trabalhadores autônomos ou por conta própria, geralmente mais qualificados, com meios próprios e que também recorrem à família para incrementar a força de trabalho, e o pequeno proprietário informal, que diferencia dos trabalhadores autônomos, pois entende que há empresas pequenas que possuem considerável número de trabalhadores assalariados.

Não parece haver a intenção em apresentar o setor informal como totalmente marginal, pois se entende que ele é uma interface do setor formal. Para Mendes e Campos (2004), ele não existe aleatoriamente, mas faz parte de uma cadeia produtiva do setor formal, desde os insumos básicos até o produto, distribuição e comercialização, como elos de uma corrente.

Cacciamali e Britto (2002), analisando as mudanças estruturais resultantes de sucessivos processos de desmantelamento das relações de trabalho, enfatizam que são levadas a cabo por meio da flexibilização, seguindo, no Brasil, uma tendência de outros países. Cerca de 68% das empresas brasileiras utilizam alguma modalidade de trabalho flexível, principalmente nos setores industrial e de serviços, sendo a terceirização a estratégia mais utilizada (56%). Essas empresas alegam a redução do custo do trabalho.

Ainda segundo Cacciamali (2001), o processo de informalidade aparece por meio de um conjunto variado de fenômenos, dentre os quais se destacam:

maiores taxas de desemprego; ii) intermitência entre inatividade e participação no mercado de trabalho; iii) novas modalidades de contrato coletivo e individual para a mão de obra assalariada; iv) práticas de subcontratação ou de terceirização realizadas por meio de contratos comerciais; v) contratos não registrados ou verbais, acordados à margem das leis trabalhistas -; vi) expansão de pequenos estabelecimentos sem delimitação da relação capital-trabalho; e vii) e trabalhos por conta própria. (Cacciamali, 2001, pp. 6-7)

Cada país tem suas peculiaridades, considerando-se, sobretudo, a questão de ter ou não se constituído como uma sociedade salarial. Desse modo, no caso do Brasil e de outros países da América Latina, a expansão dos pequenos estabelecimentos produtivos, o autoemprego, o serviço doméstico e o trabalho sem carteira assinada são manifestações usuais do processo de informalidade (Cacciamali, 2001).

Em meados de 1980, e mais intensamente a partir de 1990, o Brasil passou a apresentar um elevado número de trabalhadores sem contrato formal de trabalho. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE realizada em 1981, os trabalhadores sem carteira de trabalho assinada representavam cerca de 28% da população ocupada. A partir dos anos 1990, estudos internacionais apontavam que trabalhadores jovens, idosos e pouco qualificados representavam a parte mais significativa dentro da informalidade (Funkhouser, 1996; Pagés & Márquez, 1998).

No Brasil, o estudo de Barros, Sedlacek e Varandas (1990) revelou que empregos sem registro na carteira de trabalho eram mais fáceis de encontrar, contudo com uma duração menor. Na mesma perspectiva, o estudo de Amadeo, Gill e Neri (2000) revelou que esses empregos informais, em comparação com o setor formal, tinham uma taxa de rotatividade elevada. Considerando-se os trabalhadores sem carteira de trabalho, não remunerados e aqueles que trabalham por conta própria, Neri (2002) aponta uma correlação entre a informalidade e a incidência de pobreza.

Segundo Antunes (1995), a classe trabalhadora, na contemporaneidade, possui uma configuração heterogênea, marcada pela fragmentação e pela precarização. Tais características manifestam-se através da intensificação da exploração dos trabalhadores dentro do contexto do subemprego e do desemprego (Antunes & Alves, 2004). Os autores também afirmam que não se trata do fim do trabalho, mas de outra conformação do trabalho.

Como sugerem os estudos de Carneiro e Henley (2001) e Tannuri-Pianto e Pianto (2002), tratando-se da informalidade, dependendo do grupo de trabalhadores que se está focando, há uma intrínseca relação entre o contexto de segmentação do mercado de trabalho e a escolha pessoal de cada sujeito.

A crescente informalidade e precarização do trabalho culmina com a reforma da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 2017 (Lei nº 13.647). Sob o argumento da necessidade de atualização das leis trabalhistas para adequá-las à nova realidade do mercado de trabalho e ao novo estágio do capitalismo foram feitas mudanças substanciais na legislação visando a flexibilizar a jornada de trabalho, vínculo empregador-empregado, remuneração, entre outras (Dultra, 2017). Tais mudanças praticamente oficializaram e legalizaram situações de trabalho antes consideradas precárias, informais e ilegais. Segundo enfatiza Carvalho (2017, p. 87), prevaleceu:

[...] a lógica que trata a mercadoria força de trabalho como se fosse um bem qualquer, que devesse ser remunerada meramente como um aluguel de serviços, independentemente das necessidades da pessoa que realiza o serviço durante o período em que ele não é prestado. [...] Em vez de ampliar as possibilidades de formalização por meio de políticas públicas voltadas para a produtividade do trabalho, procura-se tornar legais trabalhos precários, sob o risco de precarizar trabalhos que hoje se encontram protegidos.

A reforma trabalhista, consubstanciada na ampla reformulação da CLT ocorrida em 2017, realiza uma mudança profunda na maneira de se entender e qualificar certas relações de trabalho. O que antes era tido e qualificado de maneira pejorativa como trabalho precário ou informal passou a ser considerado como novas e modernas modalidades de trabalho, reconhecidas e legitimadas pela lei.

 

O Desafio de ser Mototaxista

A ocupação foi regulamentada a partir da Lei nº 12.009/2009, permitindo benefícios como o reconhecimento da profissão pela justiça e pelo poder público. Inicialmente, a nova modalidade de trabalho, o mototáxi, não foi recebida de forma positiva pelos taxistas, assim como vemos, atualmente, ocorrer com o Uber, serviço de táxi que funciona como um serviço de carona remunerada.

Diante do fato de que a atual fase do processo de modernização das forças produtivas impõe a condição de submissão às mais diversas formas de precarização das relações trabalhistas aos que necessitam vender sua força de trabalho, a regulamentação tornou esse tipo de trabalho atrativo, passando a ideia de que o trabalhador seria capaz de gerenciar seu próprio negócio, diferente de outro tipo de trabalho. A realidade vem mostrando o contrário, com a acentuação da exploração do trabalho nesse segmento. O trabalho de mototáxi tornou-se uma das mais atrativas alternativas para aqueles que se encontram excluídos do mercado formal de trabalho e viram no serviço de mototáxi uma forma de ocupação e alternativa para garantir o seu sustento e de sua família (Sousa, Ramalho, Leandro, & Luna, 2008).

Ao se referirem ao trabalho dos motoboys, Grisci, Scalco e Janovik (2007) descrevem uma situação de extrema precariedade, indicando as mais diversas dificuldades encontradas por eles, tal como a compra de motos em inúmeras prestações por vislumbrarem a possibilidade de inclusão no mercado, mesmo em condições de trabalho precárias.

Usando como referência o caso dos motoboys, descrito acima, podemos desenhar um paralelismo com o caso dos mototaxistas. Eles também, em geral, provêm de uma situação de desemprego, sendo a maior parte composta de jovens do sexo masculino, fazendo os mais diversos esforços para tentarem adentrar o mercado de trabalho por essa via. Portanto, é nesse contexto de precariedade que as atividades de motoboy e mototáxi parecem ter grande empregabilidade.

Jornadas elevadas de trabalho, situações desgastantes, ausência de períodos de descanso (férias e descanso remunerado), tendem a contribuir para que os mototaxistas tenham um decréscimo da Qualidade de Vida (Leite, 2011, p. 75).

Associada às possibilidades trazidas pelo novo paradigma tecnológico (Castells, 1999), a lógica do trabalho capitalista produz excedente de mão de obra e também produz o imperativo da velocidade retratada na urgência, na demanda pelo atendimento do "aqui e agora", com a finalidade de fazer prevalecer a máxima "tempo é dinheiro". É pertinente observarmos que essa experimentação do tempo, que torna obsoletos os produtos, os serviços e as trajetórias dos trabalhadores, coloca em destaque a figura do motoboy e do mototaxista, os quais personificam claramente essa lógica contemporânea do movimento incessante, da rapidez e da fluidez.

Não é correto afirmar que toda a categoria profissional dos mototaxistas e motoboys está inserida na informalidade, pois existem vários que a realizam amparados na lei, gerando, como em outros casos, uma concorrência entre os que realizam a atividade de modo legal e os que a realizam ilegalmente. Leite (2011) aborda essa situação na sua pesquisa sobre qualidade de vida do mototaxista em Corumbá: "a concorrência dos mototaxistas autorizados com os clandestinos é também destacável, estes últimos em elevado número, e em diversas localidades possuindo pontos de trabalho não oficial, mas dificultando ou até mesmo inviabilizando os mototaxistas autorizados" (Leite, 2011, p. 75).

Segundo Amorim, Araújo, Araújo e Oliveira (2012), o ramo de profissionais que utiliza motocicletas (mototaxistas e motoboys) é um dos que mais cresce no Brasil; Ele vem ocupando um espaço importante no setor dos transportes, essencialmente em cidades de pequeno e médio porte.

Vasconcellos (2008) associa o crescimento dessa ocupação ao crescimento do número de motocicletas fabricadas e montadas no Brasil desde a década de 1991, por meio da liberalização, da desregulamentação da economia, da privatização e do Plano Real.

Segundo Leite (2011) a Federação Nacional dos Mototáxis e Motoboys do Brasil estima que 2,8 milhões de pessoas ganham a vida como mototaxistas ou com motofrete. A Pesquisa de Informações Básicas Municipais do IBGE (2009) indica um crescimento da porcentagem de oferta de serviço de transporte por matotáxi de 52,7% para 53,9%. Há que se destacar que as Regiões Norte e Nordeste registram as maiores concentrações desse serviço, sendo: em 2008, 75,9% e 88,2%; em 2009, 80,4% e 87,6%, respectivamente. Os municípios com população entre 20 mil e 50 mil habitantes foram os que registraram uma maior presença de mototáxis.

 

Método

Foi desenvolvida uma pesquisa do tipo qualitativa, utilizando-se técnica de observação direta e entrevista com roteiro semiestruturado, realizada no ambiente de trabalho dos mototaxistas. Foram selecionados três estabelecimentos, sendo um localizado na zona central da cidade e outros dois, em zonas periféricas.

Participantes da pesquisa

O estudo foi realizado numa cidade considerada de médio porte, com 98 mil habitantes. Participaram da pesquisa seis mototaxistas, com idades compreendidas entre 28 e 52 anos, sendo cinco homens e uma mulher. Entre os participantes, apenas três tinham algum curso especializado de mototaxista e possuíam habilitação para executar o serviço.

Procedimentos

A escolha dos participantes foi feita por meio de indicação dos próprios participantes. Os mototaxistas ficavam em garagens improvisadas. Dois dos estabelecimentos possuíam pouca ventilação e pouco espaço. Diante disso, os mototaxistas preferiam permanecer do lado de fora dos estabelecimentos, nas calçadas, aguardando os clientes.

Primeiramente, o contato foi realizado pessoalmente, no próprio ambiente de trabalho. Após o aceite para a participação na entrevista, foi marcada uma data e hora para a realização. Antes da entrevista foi lido o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Depois de esclarecidas as dúvidas em relação ao estudo, houve a assinatura do termo por parte dos entrevistados e do pesquisador. As entrevistas ocorreram no próprio local de trabalho dos participantes, em períodos de "folga", não havendo prejuízo ao exercício de trabalho dos sujeitos em questão.

As entrevistas foram gravadas com um gravador digital, transcritas e interpretadas conforme a proposta de Bardin (2011). Após a leitura flutuante das transcrições, foram selecionados os núcleos ou unidades de sentido que deram origem à formulação das categorias de análise orientadoras da classificação dos conteúdos das entrevistas.

 

Resultados e Discussão

Para a discussão dos achados, recorremos às entrevistas, partindo do ponto de vista dos entrevistados, para compreender a questão de base deste artigo, ou seja, a informalidade e a precariedade da atividade de mototaxista, refletindo sobre o significado dos discursos dos sujeitos a partir de uma análise crítica do conteúdo, da qual emergiram as seguintes categorias: trajetórias de vida; jornada de trabalho; formação; saúde e acidentes de trabalho (riscos); seguridade social/ legalidade da ocupação; ambiente e relações de trabalho; tempo e espaço.

Trajetórias de vida

Os mototaxistas entrevistados contam experiências, ao mesmo tempo, semelhantes e diversas. Semelhantes porque todos eles trazem, em sua bagagem, um passado marcado pela falta de emprego e a necessidade urgente de arranjar uma alternativa de sobrevivência ou sustento para a família. Mas diversas porque suas experiências não se encerram nas similitudes da sua condição social: "Tava desempregado, eu trabalhava no Hospital Regional. Tava desempregado, aí eu tinha uma moto, minha esposa me incentivou, tomei gosto... Mais de dez anos que eu tô de mototáxi" (Mototaxista 1).

Enquanto muitos ingressam nesse trabalho em função do desemprego, outros o fazem como primeira experiência de trabalho. Alguns dos profissionais referem-se a esse trabalho como tendo sido a sua porta de entrada para o mercado de trabalho, ou seja, exerceram a atividade tendo ela como sua primeira experiência. É o que nos diz a única mulher entrevistada.

O primeiro trabalho meu foi de mototáxi, daí eu parei em 2003 com mototáxi e trabalhei como telefonista, aí... em 2009, eu larguei esse serviço, porque meu marido arrumou um serviço de caminhão e eu fui viajar com ele. Daí, quando ele parou, em 2011, eu troquei minha CNH para profissional e a minha vontade era trabalhar com carreta, só que eu comecei a fazer a faculdade e a carreta ficou pra trás. (Mototaxista 2)

Ela não é a única que teve a atividade de mototaxista como seu primeiro emprego. Um dos nossos entrevistados contou que exerce a atividade desde os seus vinte anos e que, por falta de oportunidade, continua fazendo a mesma coisa: "Trabalho desde os vinte anos, sou casado a dez, trabalho porque ninguém dá oportunidade de emprego na cidade, se desse (...)" (Mototaxista 5).

Entre os que entram para a atividade por falta de um emprego com carteira assinada também estão alguns muito jovens que aproveitam ser mototaxistas, temporariamente ou como um bico, como nos disse um jovem de 28 anos. Neste sentido, parece que a atividade serve também como uma forma de complementação da renda familiar.

Faço bico de mototáxi depois do horário, as contas estão meio apertadas... Aqui, por incrível que pareça, faz menos de quinze dias. Aqui é porque eu estava desempregado, daí meu irmão tem uma vaga aqui, eu vim ficar no lugar dele. Eu vim para cá pra levantar um dinheiro, minhas contas estavam atrasadas, e agora eu já consegui arrumar um serviço, tudo registradinho, de pintura, e pretendo ficar mais um tempo aqui. Eu estava sem emprego, fui meio obrigado a trabalhar aqui. (Mototaxista 3)

Existem outras experiências interessantes de profissões exercidas anteriormente. Uma delas é a de um jovem que trabalhava como pintor.

Eu sou pintor há mais de dez anos, residencial e comercial. Eu sempre vivi disso. Depois desse tempo, dessa crise monstra que tá abalando o país inteiro que eu comecei a ficar sem serviço, mas, até então, eu só trabalhei com isso. Mais dez anos que eu trabalho com pintura, só nesse ano, agora, que começou a apertar a situação (Mototaxista 3).

O recurso ao trabalho como mototaxista, que funciona como forma de complementação de renda para pagamento de dívidas contraídas, é uma situação referida por outros trabalhadores do ramo: "Agora, como eu vou ser assalariado, vou ganhar por mês e agora tenho umas contas atrasadas, então eu tenho que estar aqui para estar levantando e estar acertando" (Mototaxista 3).

Dentre as diferentes atividades realizadas anteriormente, encontramos um químico aposentado, de 52 anos, que, segundo ele, está apenas fazendo um bico. "Aposentei como químico e faço um bico aqui, né, esse serviço aqui é bico". Porém, nesse caso, ao contrário do jovem, as esperanças de conseguir um emprego diferente diminuem drasticamente devido à idade. Ele também relata que o motivo da sua aposentadoria teve a ver com um acidente de trabalho na prensa de uma usina. Sua rica trajetória de trabalho inclui outras experiências, desde o trabalho no campo até o trabalho como professor: "Ah...tive várias... cinquenta e dois anos. Trabalhei no sítio, trabalhei na roça, trabalhei como ajudante de pedreiro, depois passei a estudar, me formei...Trabalhei em usina, carregamento de produtos perigosos, ácido...Fiz várias coisas, desde a roça até lecionar" (Mototaxista 4).

A diversidade parece uma marca das profissões já exercidas pelos mototaxistas, sejam eles mais velhos e aposentados, sejam jovens que ainda se encontram no vigor da idade.

Jornadas de trabalho

As longas jornadas são realizadas quase sem intervalos para refeições ou para descanso, regra essa que se estende para todos os que trabalham nos estabelecimentos. Sem férias e feriados, dependem dos ganhos diários para se manterem:

Sete e meia... oito horas eu já estou aqui. Aí a minha esposa, que é a secretária, onze horas ela vai fazer o almoço, e eu fico no telefone atendendo, eu vou até umas sete horas, sete e meia da noite. Isso de segunda à sexta, né!? No sábado eu entro um pouquinho mais tarde e vou até umas sete horas da noite. Domingo e feriado é muito difícil eu trabalhar. O pessoal aqui trabalha, né!? Dez anos sem férias, porque, como é um trabalho autônomo, mesmo não trabalhando, você paga a diária para manter o aluguel do local. O mototáxi é assim, pra você manter as despesas. As minhas férias são no final de semana ou no feriado. (Mototaxista 1)

Essa rotina é reafirmada pela mototaxista que disse ter que acordar às 5 horas da manhã para estar fora de casa trabalhando às 6 horas.

Eu acordo cinco e meia da manhã. Eu saio de casa às seis horas. Eu tenho uma corrida todo dia, de segunda a sábado, às seis horas. Aí passo na padaria, pego um pãozinho, levo pra casa, tomo café com meu esposo e retorno umas sete e quinze pra cá. Aí eu vou até cinco horas, paro para almoçar entre onze e meia, meio-dia e meia já estou de volta. (Mototaxista 2)

Isso faz com que lhe sobre muito pouco tempo para se dedicar a outras atividades. Porém, mesmo com uma carga de trabalho tão grande, eles parecem ver no trabalho de mototáxi uma grande flexibilidade. Apresentando, desse modo, a contradição desse regime de trabalho extenuante que, no entanto, traz a promessa de flexibilidade nos horários e independência de um patrão, o que não é tão estranho se considerarmos que, na maioria dos casos, eles apenas pagam pelo uso do ponto e não são considerados, efetivamente, funcionários da empresa.

(...) eu acho estressante, mas é o que me proporciona tempo para poder estudar, porque quando eu não estou fazendo corrida, eu estou estudando, então... Se fosse para ir a outro trabalho e tivesse que cumprir hora, eu estaria ganhando menos e não teria disponibilidade de tempo. Por exemplo, audiências que a gente tem que assistir para estágio, na hora que eu preciso, eu vou e assisto. Não preciso pedir para patrão (Mototaxista 2).

A falta de regulação normalmente propicia um regime de trabalho em que, para os próprios trabalhadores, é impossível estabelecer suas rotinas e jornadas dentro dos limites legais. Considerando que eles não são, formalmente, funcionários de ninguém, além de si próprios, eles acabam num ciclo constante de excesso de trabalho, chegando a trabalhar até doze horas: "Ah...doze horas no mínimo, doze horas seguidas. Tem que inteirar um pedacinho da noite para poder... É tudo rápido, né!? Faz uma corrida, passa na casa, come, volta a trabalhar (...) (Mototaxista 6).

Essa sobrejornada é motivada, também, pelo medo de perder a oportunidade de ganhar mais algum dinheiro, confundindo uma forma de trabalho claramente precária com uma suposta responsabilidade necessária no autoemprego.

Na verdade, pra trabalhar certo, tem que trabalhar todo dia... Todo dia, domingo a domingo. Se para um dia, atrasa tudo, né!? Atrasa a conta que tem que pagar, né!? Férias, descanso... Nada disso, porque a gente é igual a autônomo, né!? Não tem um negócio certo. (Mototaxista 6)

Cria-se, assim, uma relação perversa entre os mototaxistas e os donos dos pontos, na qual há uma franca sensação de autonomia, ao mesmo tempo em que recae sobre eles a falta de um trabalho assalariado e segurado. Além disso precisam manter o pagamento do uso do ponto.

Formação específica

Observa-se que há uma contradição no exercício dessa atividade. Por um lado, são obrigados a se cadastrar e realizar um curso , mas, por outro, não há amparo, proteção ou garantias sociais. Esses trabalhadores falam da frustração que tiveram com o curso de preparação, porque ele não teria trazido qualquer benefício ou vantagem, tão somente o prejuízo financeiro do investimento feito no curso.

Olha, sinceramente, como eu me sinto? Eu estou, tipo assim, decepcionado por ter feito esse curso aí. Perda de tempo, perda de dinheiro, perda de tudo, porque não tem respaldo do município... Não quer saber se você fez ou não fez, se paga ou se não paga, se é legalizado ou se não é... Quer nem saber... (Mototaxista 6)

Mesmo assim, há os que não acham uma total perda de tempo ter realizado a formação, pois consideram que todo conhecimento é válido.

Não vigorou a lei, então, muitos que fizeram acham que perderam dinheiro e perderam tempo com isso. Alguns pensam assim, eu acho que todo conhecimento é válido. Então, alguma coisa de direção defensiva, eu já tinha, eu fiz curso de transporte coletivo e M.O.P.P., então eu já tinha isso aí, mas, pros meninos, eu acho que foi interessante. (Mototaxista 2)

Os mototaxistas esperavam que o cumprimento das normas oferecesse alguma contrapartida para os profissionais, tais como redução de taxas de licenciamento, redução do IPVA e do IPI na compra dos veículos por meio de consórcios, tal como acontece no caso dos taxistas, porém isso não aconteceu.

É, eles humanizam nosso trabalho, mas ele não dá estrutura nenhuma. Por exemplo: você coloca uma placa vermelha e você não tem desconto, por exemplo, do IPVA. Se você vai lá na Honda, não tem aquele desconto no IPI pelo fato de ser um profissional da área do mototáxi. Diz que existe uma lei, mas a gente não sabe... Para os taxistas, existe. Eles têm a licença do IPVA isento e o IPI. Eles têm desconto no carro, nós não. Nós não temos, até nisso somos descriminados. Nós tentamos legalizar o nosso trabalho. A gente está lá tentando legalizar. (Mototaxista 1)

Alguns chegaram a fazer, além do curso para mototáxis, também o de motofrete, que obriga a realização do curso para o exercício legal da atividade. Essas duas ocupações são amparadas pela mesma lei.

Então, o governo Lula sancionou a lei do mototáxi, né!? Há uns três anos a gente fez uma reunião e a gente deslocou, é... cinquenta pessoas pra Marília. Existe o curso pra mototáxi e motofrete. Eu fiz os dois, pra legalizar o nosso trabalho, então... tem um curso específico. São trinta horas de curso lá, em Marília. (Mototaxista 1)

O interesse na realização dos cursos também parece ter declinado em vista de sentirem um afrouxamento na aplicação da lei quanto a essa exigência. Dentre os mototaxistas, existem aqueles que nunca fizeram nenhum tipo de treinamento e aprenderam sozinhos o ofício: "Não, meu trabalho não. Tanto que, na pintura, eu comecei como ajudante, daí fui aprendendo, fui aprendendo... Sozinho e aqui. No mototáxi é só conhecer a cidade, levar e buscar. É uma coisa devagarzinho, com responsabilidade" (Mototaxista 3).

Saúde e acidentes de trabalho (riscos)

Os acidentes de trabalho são uma realidade que não parece assustar esses trabalhadores. Eles assumem os acidentes, que ocorrem pelas mais variadas razões, como um risco inerente a esse trabalho. Por exemplo, foi relatado um caso em que o piloto da motocicleta cochilou durante o turno de trabalho. Esse acontecimento pode estar relacionado às longas e extenuantes jornadas de trabalho.

Rapaz, aqui no mototáxi tem o exemplo do cara que trabalhou demais e cochilou no piloto aí... E aconteceu um acidente com ele, a única coisa que eu sei, foi desse acidente aí, meio cansado de ficar direto no mototáxi e caiu lá e machucou bastante. (Mototaxista 3)

Há acidentes que ocorrem por desrespeito de outros motoristas às regras de trânsito, colocando em perigo os mototaxistas e levando-os a alguns acidentes graves: "Eu tive acidente porque pessoas cortaram a preferencial minha. Mas há muito acidente, sim, por negligência, outra hora por descuido. Se você andar certo mesmo, não tem perigo nenhum. Acidente por erro mesmo nunca tive" (Mototaxista 4).

Algumas doenças também fazem parte do rol de riscos, tais como problemas na coluna, devido ao tempo que ficam na motocicleta, e problemas relacionados ao cansaço físico e mental: "Muita... Coluna, né!? Problemas de coluna, outros também pela carga horária... Fica doente. Doença assim: cansaço físico, cansaço mental (...)" (Mototaxista 6).

É relevante destacar questões sobre o adoecimento, já que esses trabalhadores dependem exclusivamente do trabalho realizado. A maioria não recolhe a contribuição previdenciária e, quando ficam doentes ou sofrem acidente, perdem o meio de subsistência e ficam completamente desamparados. Um dos entrevistados, através da ironia, acentua esse contexto pontuando que o único seguro ou benefício seria o seguro DPVAT, e que "ele paga o caixão" (risos). O seguro por Danos Pessoais causados por Veículos Automotores de via Terrestre, ou DPVAT, é obrigatório por lei (Lei 6.194/74) e utilizado para indenizar vítimas de acidentes de trânsito causados por veículos motorizados que circulam por terra ou por asfalto.

Quando indagado sobre as perspectivas futuras na profissão, esse mesmo entrevistado se mostra extremamente desgostoso, inclusive desaconselhando o ingresso:

Para! Para! Para com isso! (risos) Ainda mais jovem, sem retorno. Vai procurar outra coisa... É, assim, um trabalho que não tem retorno. Você trabalha e não tem salário, e não tem nada. Você tem que ganhar o que você faz. Se você ficar doente, não tem salário (...). (Mototaxista 6)

De acordo com Cacciamali e Silva (2003), a mão de obra jovem é mais suscetível a ser empregada por meio de contratos de trabalho por tempo indeterminado em práticas de terceirização ou, simplesmente, sem nenhum tipo de registro, ou vínculo com a seguridade social, o que aumenta os riscos pessoais e de suas famílias em suas trajetórias ocupacionais.

Ao tratar de acidentes de trânsito, um dos entrevistados mencionou o slogan "respeite para ser respeitado", para expor seu posicionamento básico sobre o assunto com quem possui experiência nesse tipo de trabalho. Tão importante quanto cursos de preparação é a experiência coletiva dos mototaxistas na prevenção de acidentes. "Encontram no saber acumulado e na rede solidária tecida com seus pares um meio para atenuar a densidade do trabalho e evitar os acidentes" (Diniz, 2003). Como equipamento de segurança, é utilizado: capacete, colete, luvas, botas, mata-cachorro - equipamento para proteção de membros inferiores -, antena - equipamento para proteção da integridade do condutor contra linhas de cerol de pipas, fios e cabos aéreos. Nas entrevistas foi mencionado que, apesar das desvantagens do trabalho exercido, existe a compensação do reconhecimento e da confiança de vários clientes, inclusive no transporte de quantidades significativas de dinheiro e no transporte de pessoas e/ou mercadorias que exigem urgência e pontualidade.

Seguridade social/ legalidade da ocupação

Como era de se esperar, uma atividade com tão elevada taxa de trabalhadores informais levanta problemas ligados à questão da seguridade social, deixando esses profissionais numa situação de total desalento, sem poderem contar sequer com o mínimo apoio do Estado.

Eu gostaria que os órgãos competentes, que seria a prefeitura, olhassem mais a categoria, né, porque esse é um trabalho mais para camarada, assim... que passou de uma idade, que não tem emprego, que não arrumou emprego, e são todos pai de família. Pega no pé das agências para trabalhar só com as pessoas legalizadas, principalmente aqui na agência. Que nem você. Se você pega um táxi com uma moto não legalizada e sofre um acidente, você está amarrado. Os órgãos públicos não nos veem, aqui é totalmente abandonado (...) (Mototaxista 6)

A ausência de direitos trabalhistas é uma marca presente nas experiências como mototaxista. A maioria não possui carteira assinada nem contrato formal e, portanto, salvo raras exceções, não contribui com o INSS. Uma dessas exceções é um trabalhador aposentado que começou a trabalhar como mototaxista para completar a renda: "Eu já contribuí antes de aposentar, agora eu pago o simples, para mim, quando completar os sessenta e cinco anos, ter um salário a mais na minha aposentadoria. Pago o simples, contribuo sim" (Mototaxista 4).

Outra exceção é um dos proprietários do ponto que paga por ter registrado seu estabelecimento como uma microempresa: "É microempresa, né!? Eu pago meu INPS [Sigla antiga do atual INSS - Instituto Nacional da Seguridade Social] como microempreendedor. Eu tenho uma funcionária, que é a minha esposa. Ela é secretária, pago os encargos dela; é registrada tudo..." (Mototaxista 1).

Para os outros, o INSS é simplesmente um luxo, pois o pouco dinheiro que conseguem ganhar serve apenas para lidar com as suas necessidades mais urgentes: "Eu pagava, daí como apertou a situação financeiramente até esse tempo atrás, e eu tive minha filhinha também, eu tive que dar uma segurada e deixei para segundo plano" (Mototaxista 3). Muitos alegam que não pagam pelo simples fato de o dinheiro que ganham não ser suficiente: "Não, o dinheiro não dá, não..." (Mototaxista 5).

Enfim, para eles, pagar a contribuição previdenciária é quase um luxo. Por essa razão, como disse uma entrevistada, "são poucos os que contribuem", dando-nos um quadro bem preocupante do que lhes reserva o futuro.

Ambiente e relações de trabalho

O ambiente de trabalho parece representar para um lugar de proximidade com os pares, de solidariedade e descontração. Não existe uma organização tradicional de trabalho baseada em hierarquias, funções específicas, metas de produção e competitividade. O relacionamento com o proprietário do ponto é típico de um relacionamento entre locador e locatário, e não entre patrão e empregado. O mototaxista deve pagar uma diária para utilizar o ponto de mototáxi. Os próprios mototaxistas expressam uma sensação de liberdade muito grande, apesar da insegurança que a ausência de um vínculo formal representa.

Eles parecem valorizar muito a companhia dos outros e o constante clima de informalidade que lhes permite discutir vários assuntos sem uma pressão por metas, por exemplo. O ambiente parece ser cordial.

É prazeroso, é muito gostoso e viciante, porque... você já imaginou que nós somos treze motoqueiros, então sempre tem uma novidade lá fora, um assunto. E você tem uma liberdade. Se eu não quiser trabalhar de manhã, eu não trabalho; seu eu quiser, eu venho trabalhar à noite. Diferente de uma pessoa que trabalha em empresa e tem sua rotina de trabalho e tem que seguir essa rotina, tem que dar satisfação para patrão, tem que chegar no horário certo, a gente não. (Mototaxista 1)

Alguns referem o gosto pelo trabalho fazendo comparação com trabalhos anteriores em que estavam submetidos a regimes mais rigorosos e menos flexíveis de trabalho. O trabalho na rua e no contato com as pessoas parece ser um dos benefícios dessa atividade.

Eu gosto, apesar de ser estressante. Eu não gosto, às vezes, do ambiente, mas eu prefiro isso do que ganhando menos e numa salinha trancafiada. Eu fui telefonista por seis anos. Muito mais estressante que isso lidar com o público. (Mototaxista 2)

Pode-se dizer que a exposição à diversidade parece um aspecto positivo do trabalho, colocando os trabalhadores em contato com outros ambientes e pessoas, fazendo com que, em alguns casos, seja visto como muito além de um trabalho, mas também uma forma de entretenimento: "Pra mim, é uma distração, é um passatempo, mas a atividade, pra outros aí, é... Mas, para mim, é uma atividade como outra qualquer. Conheço muitas pessoas diferentes, educadas, mal-educadas... (Mototaxista 4).

A insegurança da renda e os ganhos baixos, porém, parecem preocupar alguns deles, recorrendo para isso a mais de um emprego: "Eu me sinto tranquilo, agora, por ter arrumado de pintor. Eu estou tranquilo. Quando eu estava só no mototáxi, estava difícil a situação, porque não entra muito dinheiro, é incerto, tem dia que não tira" (Mototaxista 3).

Portanto, não faltam também críticas ao fato de que, por ser um trabalho ao qual muitos recorrem, absorve pessoas que consideram indesejadas ou sem perfil, como pessoas em conflito com a lei, alcoolistas, usuários de drogas ilícitas, o que causa, segundo eles, certo desconforto. Conforme disse um deles:

Aqui é bom, o ruim é que você pega qualquer indivíduo, como eu falei para você, pode pegar um ladrão, um 'nóia', um bêbado... enche o saco não querendo pagar, aí você toma medidas drásticas, né!? Se o cara não quiser me pagar, eu não vou deixar ele não me pagar. Vou fazer ele pagar de qualquer jeito. A gente tá arriscado a tudo, a ser roubado... (Mototaxista 5)

 

Tempo e espaço

O trabalho do mototaxista é um trabalho em trânsito, tanto no sentido de que sua atividade laboral é realizada por deslocamentos de si mesmo e dos passageiros, quanto no sentido de que grande parte deles realizou outros trânsitos, tais como aqueles por vários empregos e profissões. Além disso, a atividade de mototaxista é vista como algo também transitório em sua vida, enquanto aguarda uma melhor oportunidade de trabalho. Essa vida laboral em movimento, em trânsito, é típica da tendência do contemporâneo em tornar a vida, não somente na esfera do trabalho, em uma vida agitada, acelerada, mais nômade do que sedentária (Augé, 1994; Bauman, 2007; Harvey, 1998, Justo, 2012).

Pode-se entender o local de trabalho do mototaxista como um não-lugar, segundo a definição de Augé (1994), ou seja, eles operam e vivem, no trabalho, em corredores de circulação nos quais tudo e todos estão de passagem, portanto, sem a possibilidade de estabelecimento de vínculos e de identificações. No entanto, é preciso estar alerta para não se fazer leituras apressadas ou com transcrições de teorias sobre a realidade vivida. O não-lugar, para Augé (1994), é um espaço impessoal, não identitário, anônimo, de passagem, no qual as pessoas não estabelecem relações de reconhecimento de si e dos outros dele, nem de pertencimento.

No caso dos mototaxistas, ainda que tendo como trabalho o deslocamento e o trânsito constante, contatos com os clientes, circulando por diferentes rotas, eles acabam produzindo relações identitárias com a profissão, com os colegas de trabalho, com a paisagem urbana e até mesmo com clientes habituais, sobretudo em médias e pequenas cidades. A informalidade desse trabalho produz relações de proximidade e o contato direto entre eles e os clientes, criando as condições para que transformem os não-lugares em lugares, ou seja, para transformem relações impessoais em pessoais. Para que transformem o vazio dos espaços de trânsito em lugares preenchidos, habitados, em lugares identitários, apesar da rotatividade, fluidez e celeridade que os constituem.

Embora a quase totalidade diga que começou a trabalhar como mototaxista pelo fato de estar desempregado, parece que alguns, pelo menos, acabam por optar por esse trabalho por ver nele algumas vantagens. Um dos entrevistados disse que, depois de certo tempo trabalhando como mototaxista, começou a "tomar gosto". Nesse sentido, é necessário ponderar que, embora haja um entendimento, com certo tom pejorativo, de que o mototaxista se inclui na categoria dos trabalhadores informais precarizados, essa precariedade pode bem representar uma certa liberdade da escravização da carteira assinada e de um vínculo de subalternidade com um patrão ou com um chefe. Tal como apareceu na fala dos entrevistados, é um trabalho árduo com longas jornadas, sem proteção social, perigoso e precário, porém produz uma sensação de liberdade e autonomia. Não há um superior dando ordens e exigindo produtividade, estabelecendo horários e impondo formas de proceder.

A precarização do trabalho e a informalidade, muito visíveis nos mototaxistas e enfatizada na literatura sobre o assunto, podem ser ampliadas para outras esferas da vida, porque dizem respeito a uma lógica de um tempo e não apenas a uma vicissitude específica do mundo laboral. As diversas esferas da vida (a do trabalho, a do consumo, a dos relacionamentos amorosos, a dos familiais e dos amigos, do lazer e assim por diante) se tocam entre si, se interpenetram ainda que a contemporaneidade seja afeita à produção de subjetividades fraturadas ou esquizoides.

Uma observação atenta permite visualizar, em outros planos da vida, além do plano do trabalho, condições de existência igualmente precarizadas e informalizadas, entendidas tais condições como sendo constituídas pela efemeridade, provisoriedade, flexibilidade, abrandamentos de vínculos estáveis e ausência de garantias, segurança e certezas. Os relacionamentos afetivos, amorosos e entre casais ou parceiros, enquanto relacionamentos igualmente inscritos em tais condições, podem ser considerados como precários. O próprio sujeito também pode ser entendido como um sujeito precarizado, na atualidade, por ter que abandonar o modelo de identidades fixas e estáveis, e constituir-se como multiplicidade e pluralidade identitárias, além de ter que se assumir como uma "metamorfose ambulante".

No fundo, pode-se entender a precarização e informalização como um padrão, no mundo atual, da experiência do tempo e do espaço, considerando-os como duas categorias fundamentais da existência (Harvey, 1998, p. 187; Justo, 2012). O contemporâneo tende a sobrepor a experiência do tempo contínuo e do espaço aberto (Deleuze, 1992) às experiências clássicas do tempo segmentado e do espaço fechado. Com isso, a vida enclausurada numa identidade, na família, na escola, numa profissão, numa localidade, num emprego, numa determinada empresa, e em tantas outras instituições que garantiam fixações, durabilidade e solidez, hoje se transforma numa vida líquida (Bauman, 2007) e em constante movimentação, isto é, passa a transitar como bastante celeridade por diferentes espacialidades geográficas, sociais, afetivas e subjetivas.

Assim, pode-se entender que a vida toda é precarizada quando confrontada com outros tempos, nos quais era muito mais sólida, estável, consistente e relativamente previsível. Quanto à informalidade, também podemos aplicar a mesma tese, ou seja, assim como ocorre no plano do trabalho, todas as esferas da vida são igualmente atravessadas pela informalidade, tal como é identificada no mundo do trabalho. Isso quer dizer que, comparada a outros tempos, o cotidiano como um todo se tornou menos formal, rígido, ritualístico, regido por padrões de conduta e afetos fortemente estabelecidos por tradições, costumes ou mesmo por leis formalizadas juridicamente.

Se antes os padrões de vida instituídos estabeleciam formas de ser e agir no campo da sexualidade, das relações de gênero, do trabalho/profissão, das relações familiais, da política etc. Hoje tais padrões, no mínimo, admitem muitas variações, deixando o sujeito à mercê de seu próprio empreendimento, à semelhança de um trabalhador informal, daquele que vive de "bicos" ou que empreende um pequeno negócio fora dos padrões instituídos e das formalidades legais. Contudo é necessário ponderar que a atual ascensão do conservadorismo (Ferreira, 2016; Lowy, 2015), sobretudo no plano dos valores e costumes, poderão reverter as tendências de produção e assimilação de diversidades e heterogeneizações de formas de ser e existir que vinham se configurando.

O trabalho precário e informal, ainda que possa ser entendido como resultado de um capitalismo liberal avançado, que prima pela flexibilização e redução de garantias como forma de incrementar a produtividade e o lucro, traz consigo, no entanto, outra faceta forjada, sobretudo, nos países pobres. Exatamente pelo fato de a precarização e a informalidade deixarem o trabalhador à mercê da própria iniciativa e da própria sorte, acaba fazendo com que ele tenha que procurar assumir as rédeas da própria sobrevivência e se desdobrar para não cair completamente no limbo dos homo saccer da atualidade (Agamben, 2002), dos homens descartáveis (Bauman, 2005) ou dos homens "zumbis", "muçulmanos" (Pelbart, 2008), reduzidos a um estado de sobrevivência, de vida mínima ou de "vida nua". Nesse sentido, o trabalho informal e precário, paradoxalmente, é uma forma de resistência e de subjetivação que possibilita a invenção, a criação e a busca insistente de manutenção da vida em condições muito adversas e perversas.

Como mostram alguns casos de mototaxistas, sair de um trabalho com carteira assinada e passar a viver de um trabalho informal, como autônomo, representa um ganho de maior autonomia e liberdade. É sempre necessário lembrar que o trabalho formal assalariado, com a celebrada carteira assinada, no capitalismo, dá algumas garantias mínimas ao trabalhador, mas a garantia maior é dada à produção da mais valia, do lucro, pendendo muito mais para lado do capitalista ou do detentor dos meios de produção. Nesse sentido, a carteira profissional pode ser vista como uma versão modernizada do documento de posse de escravos.

Também podemos considerar, pela gritante semelhança, que o trabalho informal dá certa liberdade para o trabalhador autônomo, com a carta de alforria paga ou comprada pelo próprio escravo com ganhos de biscates que passava a realizar vendendo mercadorias nas ruas ou prestando serviços diversos, exatamente como ocorre hoje com a realização de "bicos". A alforria paga não libertava propriamente o escravo (Maestri, 2015), já que ele continuava submetido a um benfeitor que pagava sua alforria e o explorava como "trabalhador livre", ou continuava aprisionado ao seu feitor pelo eterno pagamento de parcelas de sua dívida; pagamento esse realizado em dinheiro ou com a prestação de serviços.

O pagamento do ponto ou da própria moto, num certo sentido, equivale ao pagamento que o escravo fazia da sua alforria, o que prosseguia sua escravidão por outros meios e estratégias. Abandonar um trabalho com carteira assinada ou aproveitar o desemprego para se aventurar por um sonho de alforria da carteira assinada e da CLT, no fundo, é uma troca de forma de exploração e submissão a um patrão-empresa-feitor, inevitáveis no capitalismo.

 

Comentários Finais

A atual situação de trabalho dos mototaxistas reflete, de maneira radical, os efeitos da atual fase da globalização econômica sob a perspectiva da precarização do trabalho e informalidade. Parte significativa dos mototaxistas ingressa nesse trabalho não por escolha própria, mas como alternativa para o desemprego ou complementação da renda familiar. Contudo, para muitos, o que se inicia como uma opção forçada, acaba se transformando na descoberta de um tipo de trabalho atraente e gratificante, sobretudo por propiciar sensação de maior autonomia e liberdade.

O trabalho como mototaxista, assim como tantas outras profissões ou demais experiências de vida vistas como precárias e informalizadas, podem carregar consigo facetas diversas e contrastantes. O precário e o informal se apresentam, em suas facetas mais visíveis, como uma condição marcada pela ausência de vinculações estáveis, direitos e garantias sociais, assim como pela insegurança e falta de proteções mínimas. No entanto também mostra outras facetas produzidas por forças de resistência.

A falta de cobertura no que se refere à saúde e aposentadoria dos mototaxistas, em situações críticas, como acidentes ou doenças que os impeçam de trabalhar, favorece reações de defesa e busca de proteção fora do sistema oficial. Castel (1998, p. 24) destaca esse fenômeno afirmando que " (...) inúmeros grupos populares, a precariedade das condições de trabalho pôde, frequentemente, ser compensada pela densidade de rede de proteção próximas". Um dos nossos entrevistados enfatizou a boa convivência, coleguismo e a troca de informações entre os mototaxistas como sendo um dos aspectos positivos do ambiente de trabalho.

Pode-se considerar que o trabalhador que ingressa nessa atividade informal almeja vantagens como: flexibilidade da jornada de trabalho (possibilidade de fazer o próprio horário, mesmo que, na maioria das vezes, trabalhem bem mais que os formais); possibilidade de ter uma renda superior à que recebiam no mercado formal; acesso contínuo a uma parcela dos rendimentos (recebem diariamente); inexistência de chefia (possibilidade de ser o próprio patrão) e perspectiva de ascensão social. Por outro lado, ao optar pelo trabalho informal, há desvantagens como: a ausência de direitos que seriam assegurados no mercado formal, tais como aposentadoria, seguro desemprego, garantia de um plano de saúde e férias regulamentares.

Sem endeusar ou demonizar, conforme pode ser observado nas entrevistas realizadas, o trabalho do mototaxista, enquanto um trabalho precário e informal, possui múltiplas facetas. Segundo eles próprios afirmam, é um tipo de trabalho que buscam como o último recurso contra o desemprego, abrindo mão de proteções de leis trabalhistas e de alguma estabilidade no emprego com carteira assinada. Em contrapartida, dizem experimentar uma sensação de liberdade e autonomia maior do que no trabalho formal e amparado pelas leis trabalhistas.

Essa situação dilemática parece referendar a tese de Bauman (2004) ao apontar que a modernidade líquida, em contraste com a sociedade sólida, acena com as promessas de maior liberdade e satisfações individuais em troca de uma renúncia à segurança e proteção social. Esse parece ser o pacto social no qual os mototaxistas estão envolvidos: a precarização e informalização do trabalho em troca de uma sensação de maior liberdade e autonomia. Dessa forma, troca-se a sensação de segurança da carteira assinada, com a contrapartida da submissão às sanhas de exploração do empregador, pela sensação de liberdade e autonomia, no entanto sem qualquer garantia e proteção oficial e formal.

A reforma trabalhista de 2017, mediante mudanças substanciais na CLT, legitimou e legalizou práticas antes consideradas como sendo próprias da condição de trabalho informal e precário. Isso exigirá uma reformulação de conceitos e das classificações de formas de trabalho, pelo menos daqueles que se valiam das distinções entre trabalho formal e informal e que reconheciam as condições de trabalho como, essencialmente, constituídas, de um lado, por situações de estabilidade e proteções mínimas e, de outro, por situações de precariedade.

 

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Endereço para correspondência:
Abílio Rezende Macedo
Email: abilio_rm@hotmail.com

Felizardo Tchiengo Bartolomeu Costa
Email: felicosta_4@hotmail.com

José Sterza Justo
Email: sterzajusto@yahoo.com.br

Recebido em: 22/11/2017
Revisado em: 14/01/2019
Aceito em: 18/04/2019
Publicado online: 02/08/2019

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