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Revista Subjetividades

Print version ISSN 2359-0769On-line version ISSN 2359-0777

Rev. Subj. vol.19 no.1 Fortaleza Jan./Apr. 2019

http://dx.doi.org/10.5020/23590777.rs.v19i1.e6587 

RELATOS DE EXPERIÊNCIAS

 

O manicômio no cariri cearense: análise arquegenealógica de sua abertura e fechamento

 

The asylum in cariri cearense: arquegenealogical analysis of its opening and closing

 

El manicomio en el cariri cearense: análisis arque-genealógico de su apertura y cierre

 

L'asile au cariri dans l'état du ceará : analyse archéologique de son ouverture et de sa fermeture

 

 

Leda Mendes Pinheiro Gimbo (Lattes)I; Magda Diniz Bezerra Dimenstein (Lattes)II; Jáder Ferreira Leite (Lattes)III

IMestre e Doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Psicóloga clínica especialista em Neuropsicologia pela Unichristus. Professora no curso de graduação em Psicologia da Faculdade Vale do Salgado
IIDoutora em Saúde Mental pelo Instituto de Psiquiatria da UFRJ. Profa. Titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
IIIDoutor em Psicologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Professor Associado I, vinculado ao Departamento de Psicologia da UFRN

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo objetiva analisar as formações discursivas e não discursivas que possibilitaram a abertura de um hospital psiquiátrico na Região do Cariri cearense, entre os anos 1970 e 2016. Propõe o uso dos conceitos foucaultianos de arqueologia e genealogia enquanto método e estratégia de análise. A hipótese de pesquisa defendida é de que a abertura desse hospital faz parte de um processo amplo de instalação de hospitais psiquiátricos no Brasil e aponta para o internamento enquanto lógica massiva de intervenção em Saúde Mental no Brasil, que, embora segregacionista e excludente, se manteve até o final da década de 1980.

Palavras-chave: arqueologia; genealogia; saúde mental; hospital psiquiátrico.


ABSTRACT

This article aims to analyze the discursive and non - discursive formations that allowed the opening of a psychiatric hospital in the Cariri region of Ceará between 1970 and 2016. It proposes the use of the Foucaultian concepts of archeology and genealogy as a method and strategy of analysis. The research hypothesis defended is that the opening of this hospital is part of a wide process of installation of psychiatric hospitals in Brazil, and points to the hospitalization as a massive logic of intervention in Mental Health in Brazil, which, although segregationist and excluding, has remained until the late 1980s.

Keywords: archeology; genealogy; mental health; psychiatric hospital.


RESUMEN

Este trabajo tiene el objetivo de analizar las formaciones discursivas y no discursivas que permitieron la apertura de un hospital psiquiátrico en la Región del Cariri cearense, entre los años de 1970 y 2016. Propone los conceptos de Foucault de arqueología y genealogía mientras método y estrategia de análisis. La hipótesis de investigación defendida es la de que la apertura de este hospital haz parte de un proceso amplio de instalación de hospitales psiquiátricos en Brasil y apunta para el internamiento mientras lógica masiva de intervención en Salud Mental en Brasil, que, aunque segregacionista y excluyente, se mantuvo hasta el final de la década de 1980.

Palabra-clave: arqueología; genealogía; salud mental; hospital psiquiátrico.


RÉSUMÉ

Cet article vise à analyser les formations discursives et non discursives qui ont permis l'ouverture d'un hôpital psychiatrique dans la région du Cariri dans l'état du Ceará entre 1970 et 2016. On utilise les concepts "archéologie" et "généalogie" de Foucault comme méthode et stratégie de l'analyse. Notre hypothèse de recherche est que l'ouverture de cet hôpital fait partie d'un vaste processus d'installation d'hôpitaux psychiatriques au Brésil. Cela suggère que l'hospitalisation a été une logique d'intervention massive en matière de santé mentale au Brésil qui, bien que ségrégationniste et excluant, a demeuré jusqu'à la fin des années 1980.

Mots-clés: archéologie; généalogie; santé mentale; hôpital psychiatrique.


 

 

A história da loucura é indissociável da história dos hospitais psiquiátricos, uma vez que a organização e higiene das cidades e a manutenção da ordem social, pautadas nos moldes franceses do século XIX, tinham os manicômios como instituições aliadas. Essas casas de internamento atendiam a demanda de organização da sociedade capitalista e burguesa nascente, dando abrigo a loucos, mendigos, prostitutas e todos que pusessem em risco o projeto de desenvolvimento em curso. Ademais, atendiam ao ideal caritativo, um dos pilares da sociedade da época. Em outras palavras, a loucura sempre esteve associada a um sistema de segregação e a um conjunto de valores hegemônicos que singularizam uma determinada sociedade e seu tempo.

Em seu estudo clássico, Foucault (2005) apontou como a loucura relaciona-se estritamente não apenas com o espaço da exclusão, mas também com toda a simbologia e sentidos produzidos acerca desse fenômeno que a medicina foi, historicamente, conhecendo e se apropriando. Dessa forma, o hospital psiquiátrico operava como um dispositivo social, tanto para a objetivação da loucura quanto como objeto de um saber específico, bem como espaço de segregação daqueles que não encontravam lugar na organização da sociedade, tal como a figura do louco (Foucault, 2001b, p.1565-66).

No Brasil, o amplo processo de abertura dos hospitais psiquiátricos a partir do fim do século XIX se apoiou na justificativa de oferecer assistência médica a essas pessoas, ampliando o conhecimento acerca dos problemas de saúde mental que afligiam a população brasileira, mas também cumpria a função higienista em relação a esses corpos sem lugar, que antes eram encaminhados às cadeias públicas ou perambulavam pelas cidades. O hospital Pedro II, signo eloquente da tentativa de modernização da sociedade brasileira que caracterizou o Segundo Reinado, foi inaugurado em 1852, no Rio de Janeiro, sendo o primeiro do país e o segundo da América Latina.

A região do Cariri cearense, mais de um século depois, abriu também seu hospício. A Casa de Saúde Santa Teresa foi inaugurada no início da década de 1970 e funcionou até o ano de 2016, quando fechou suas instalações. Sua abertura não foi sem razão, mas fruto de contingências histórico-regionais e de necessidades políticas, econômicas e morais que constituíram o alicerce para que o hospício abrisse suas portas na região, bem como funcionasse por quase cinquenta anos. Era uma instituição privada, credenciada, inicialmente, ao Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) e, posteriormente, ao Sistema Único de Saúde (SUS), recebendo financiamento público. Sua localização geográfica favorecia o atendimento às pessoas da região do sul do Ceará, mas também provenientes do interior dos estados de Pernambuco, Paraíba e Piauí. Até seu fechamento, funcionou com 200 leitos credenciados pelo SUS, atendendo em regime ambulatorial e de internamento uma média de 400 pessoas por mês.

Com base nisso, este artigo objetiva construir uma análise arqueológica e genealógica acerca das condições sociais, econômicas e culturais em que viviam o país e a região, identificando as formações discursivas e não discursivas que possibilitaram a abertura desse hospício. Embora seus anos de existência se inscrevam na história de uma cidade do interior do Ceará, certamente a abertura e funcionamento desse hospital fazem parte de um contexto mais amplo, que diz respeito não apenas à condução das políticas públicas de assistência psiquiátrica no Brasil, mas também à forma de tratar a loucura e ao lugar social ocupado pelos loucos. Assim, considera-se que discutir essa história é apontar para o grande movimento de hospitalização da loucura no país, que teve seu auge entre as décadas de 1970 e 1990. É também contar a história das políticas de assistência psiquiátrica e tratamento da loucura, até a persistência atual da lógica excludente que sempre operou nas instituições psiquiátricas.

Inspirados em Foucault, faz-se uso dos conceitos de arqueologia e genealogia enquanto método de análise, já que os fatos, tomados em sua historicidade, serão analisados visando expor o nexo entre saber-poder como núcleo do sistema de exclusão social que o Hospital Santa Teresa atualizava no Cariri cearense. A primeira parte do artigo é dedicada ao método e pressupostos de tal leitura. Em seguida, discute-se o panorama cultural, político e econômico, nacional e regional, e, por fim, as contingências que resultaram na abertura da Casa de Saúde Santa Teresa1.

 

Arqueologia e Genealogia: Os Percursos Metodológicos e de Análise.

Fazer uma análise arquegenealógica não significa apenas uma tentativa de historicizar a abertura de hospitais psiquiátricos privados no Brasil. Não se trata também de, simplesmente, narrar fatos históricos pressupondo uma espécie de relação de causalidade linear entre eles. Pelo contrário, a escolha dos métodos foucaultianos se ampara na possibilidade de construir outra forma de história, uma que seja capaz, a partir da análise dos discursos de época e da função de administração social das instituições hospitalares, explicitar as relações de saber e poder estabelecidas entre a psiquiatria, os valores sociais e a instalação dos manicômios como condições de possibilidade para a compreensão da loucura enquanto um fenômeno socialmente e historicamente situado. Como explica Deleuze (2010), as análises arquegenealógicas de Foucault possibilitam a construção de um arquivo de memória, que não se detém apenas ao continuum da narrativa, mas expressam, também e sobretudo, os atravessamentos de muitas histórias a partir de uma responsabilidade com aquilo que ainda nos é presente hoje.

Tal processo de reconstrução do arquivo de memória da Casa de Saúde Santa Teresa exigiu, primeiramente, a busca por informações sobre a pré-existência da instituição e da configuração econômica, política e cultural da região e do município do Crato. Incluiu, também, a análise das políticas públicas de saúde e do movimento de Reforma Psiquiátrica que vem possibilitando o fechamento dessas instituições no país. Por conseguinte, as fontes escolhidas para coletar dados e informações dos distintos períodos de tempo foram de caráter histórico e documental.

As fontes mais consistentes seriam encontradas nas dependências da própria Casa de Saúde, uma vez que os prontuários, os documentos da administração, os registros médicos, livros de ata de reuniões e as anotações da equipe interdisciplinar forneceriam informações importantes para registro da história do hospital. No entanto, as exigências éticas relacionadas ao uso desse material envolviam a autorização dos diretores e responsáveis pela instituição, bem como de todas as pessoas relacionadas ao processo. Por esse motivo, a estratégia utilizada foi a busca de material público, aberto à consulta e uso, e que contivesse registros da história do município, do estado e do país. Por isso, elegemos revistas e jornais como fontes de consulta e selecionamos fotografias públicas para ilustrar os fatos e momentos históricos. As matérias de jornais e revistas foram submetidas a uma analítica do discurso.

Foram consultadas, inicialmente, as duas publicações jornalísticas importantes do Cariri cearense, a saber: o jornal A Ação e a revista Itaytera, em suas edições de 1963 a 1970 (ano da abertura do Hospital). Procuraram-se matérias que fizessem referência à Casa de Saúde Santa Teresa, à psiquiatria e à rede hospitalar da região, bem como ao contexto econômico, político e cultural da região do Cariri, do município do Crato e do estado do Ceará. Paralelamente, realizou-se levantamento bibliográfico acerca da Reforma Psiquiátrica, do histórico do SUS e da rede de atenção psicossocial, de maneira que os acontecimentos no Cariri cearense fossem contados na sua intersecção com a história da psiquiatria no país. Nisso, seguimos uma exigência central das histórias foucaltianas, para quem o uso de documentos, dos registros materiais, daquilo que fora efetivamente dito e escrito por determinada sociedade, assim como as intersecções e relações entre diversos tipos de discurso, constituem o material fundamental na reconstrução da historicidade própria ao objeto estudado (Foucault, 2008).

O que tal uso de fontes documentais nos permitiu analisar foi, primeiramente, as práticas discursivas em torno da psiquiatria enquanto saber. Sobre isso, é preciso lembrar como, para Foucault, uma arqueologia do saber deve permitir que, sob o peso dos discursos, "uma história da emergência dos jogos de verdade" seja contada; "história das veridicções entendidas como as formas segundo as quais sobre um domínio de coisas se articulam discursos suscetíveis de serem ditos verdadeiros ou falsos" (Foucault, 2001c, p.1451). Em outras palavras, na arqueologia, trata-se de descrever as condições históricas que possibilitam que certos discursos se tornem hegemônicos como aqueles que dizem toda a verdade sobre as coisas, os homens e suas relações. Discursos que, então, passam a exercer a função de norteadores das formas de organização social. Nesse sentido, devemos dizer que o método arqueológico permite a compreensão da ordem que possibilita e condiciona os discursos em determinada época, bem como o entendimento de como os discursos produzem os objetos sobre os quais falam; no nosso caso, a loucura e o louco.

Tratar o discurso oficial como um discurso histórico - e não como um conhecimento positivo capaz de expressar um sentido real, impessoal e sem história - impede que a análise do saber seja feito sem relação ao contexto prático que o condiciona e o justifica. Daí que o que Foucault chama de formações discursivas se torne indissociável de formações não discursivas, isto é, as práticas, valores, funções e instituições que determinam e condicionam sua gênese. As condições de gênese de um discurso redefinem sua natureza como algo eminentemente prático. Isto não quer dizer que Foucault faça do saber uma espécie de epifenômeno de uma estrutura social que o precede, recuperando a lógica dialética e marxista própria à infraestrutura/superestrutura. A ordem discursiva e a ordem não discursiva (prática, técnica, econômica, social, política) se intra-relacionam, isto é, são impensáveis dissociados da relação.

Por isso, para Foucault, não é legítimo afirmar que os discursos tenham sua gênese plenamente determinada pelos acontecimentos econômicos e sociais. Não há sobredeterminação exclusiva entre poder e saber, mas, sim, uma necessária e intrínseca determinação recíproca. O discurso é produto e produtor do poder, tal é a torção crítica que Foucault estabelece. O saber, enquanto produzido pelo poder, surge como seu efeito e instrumento; enquanto produtor do poder, opera como facilitador de seu exercício. Uma imagem semelhante a uma banda de Möbius2 aparece e é ela que justifica uma "arquegenealogia" de um fenômeno heterogêneo - pois político, científico e cultural -, como a loucura.

O ganho analítico de tal perspectiva é que, dessa forma, o saber é interrogado com sua função social, tornando-se indissociável dos efeitos de poder que ele produz e sustenta. Ao mesmo tempo, mostra-se como toda prática de administração social seria impossível sem uma racionalidade que se impõe enquanto discurso que diz a verdade de algo. Consequentemente, a arqueologia encrava o conjunto de enunciados que formam a autoridade de um saber dentro de um domínio sociocultural historicamente restrito; conjunto de formulações que não existem, portanto, a-historicamente e isoladamente. Dotados de materialidade, pois capazes de produzir efeitos reais, os discursos têm a sua identidade relacionada e definida a partir do campo institucional em que se inserem.

Dessa forma, a arqueologia do saber tem como consequência uma genealogia do poder em que o discurso hegemônico enlaça-se necessariamente às práticas sociais. É nesse sentido que devemos compreender a ideia foucaultiana de que todos os discursos estão sempre ligados a relações de poder e, dessa forma, a psiquiatria, enquanto discurso médico, se constitui também enquanto prática de poder (Foucault, 2011). Tratar dessa relação biunívoca entre saber e poder, mostrar como produzem práticas de coerção e racionalização políticas, gerando efeitos de coerção cultural e moral, eis o movimento fundamental de toda análise arquegenealógica.

É nessa linha teórica e metodológica de decifrar a natureza dos discursos sobre o fundo histórico das urgências e exigências de administração social, de ver o sistema de regras de um discurso como algo inseparável e imanente às relações de dominação, força e exclusão de uma determinada sociedade - e não mais no regime a-histórico e ingenuamente positivista da verdade -, que encaminhamos nossas análises da abertura e funcionamento da Casa de Saúde Santa Teresa. A partir do momento, portanto, em que se discutem as implicações, atos, gestos, acontecimentos e toda a sorte de formações políticas alicerçadas pelo discurso, é preciso reconhecer essa ambígua relação atravessada pelos muitos nexos de saber-poder.

 

O Poder como Exercício, o Saber como Regulamento: Sobre a ampliação dos Hospitais Psiquiátricos no Brasil.

O período do final do século XIX e início do século XX ficou marcado pela construção de grandes manicômios, pela chegada da família real portuguesa no Brasil e pela modernização das cidades. O Hospício Pedro II foi inaugurado em 1852. Para lá eram encaminhadas pessoas dos estados circunvizinhos, como Minas Gerais e São Paulo, que tal como o do Rio de Janeiro, eram aqueles que mais cresciam no país. Durante o segundo reinado (1840-1889) foram inauguradas outras instituições exclusivas para alienados em São Paulo (1952), Pernambuco (1864), Pará (1873), Bahia (1874), Rio Grande do Sul (1884) e Ceará (1886). Essas instituições possuíam caráter caritativo e religioso, havia poucos médicos e cumpriam uma função higienista.

Com a proclamação da República, em 1889, houve um redirecionamento nas políticas de controle social. Em 1890, o Hospício Pedro II fica subordinado à administração pública e passa a se chamar Hospício Nacional de Alienados. Nesse período, a loucura passa a ser amplamente medicalizada e o tratamento passa a ser baseado no isolamento social, agora amplamente acompanhado por psiquiatras. Vários estados do país incorporaram colônias agrícolas aos hospitais psiquiátricos, tendo o trabalho como referência de tratamento (Resende, 2007).

Tal como nas sociedades ocidentais com história anterior de industrialização, desenvolvimento e ascensão do modo de vida burguês, a internação e os hospitais psiquiátricos aparecem e se multiplicam no Brasil, respaldados pelo poder médico psiquiátrico como ferramenta de controle social e medida de exclusão das subjetividades desviantes, mas muito bem disfarçados pelo discurso médico de produção de cuidado.

Em 1903, Rodrigues Alves, então presidente dos Estados Unidos do Brasil, assina o Decreto n.º 1.132, em 22 de dezembro, que reorganiza a assistência a alienados no país. O decreto instaura, dentre outras deliberações: que seja comprovada a moléstia mental (o que assegura à classe médica poder de decisão e influência jurídica sobre os loucos); que os doentes mentais não sejam conduzidos às cadeias nem sejam mantidos junto com criminosos (isso legitima a criação dos manicômios judiciais ou prisões perpétuas disfarçadas de hospitais); a separação de doentes por gênero (para evitar promiscuidade de sexos); a classificação nosológica e o diagnóstico médico.

Por fim, institui as regras para abertura e funcionamento de manicômios públicos e privados (Oda & Dalgalarrondo, 2005). No mesmo ano, o médico baiano Juliano Moreira, então diretor do Hospício Nacional de Alienados em Salvador/BA, garantiu a expansão do modelo de psiquiatria alemão no Brasil, contribuiu para a interlocução entre o gerenciamento dos hospícios e o ensino de psiquiatria, e defendeu a concepção modernizante da ciência psiquiátrica, influenciando, assim, a legislação e o cumprimento do novo modelo de assistência (Oda & Dalgalarrondo, 2005).

Em 1923, ano em que o primeiro modelo previdenciário (as Caixas de Aposentadorias e Pensões) é legislado no Brasil, foi também criada a Liga Brasileira de Higiene Mental, acompanhando a evolução do movimento higienista no país e o avanço da medicina social, do sanitarismo e o esquadrinhamento urbano, fazendo com que as elites precisassem se responsabilizar por políticas de educação e saúde (Facchinetti & Muñoz, 2013). Na década de 1930, os manicômios brasileiros eram considerados espaços terapêuticos e de cura, nos quais eram experimentados o choque insulínico, a lobotomia e os clássicos choques elétricos. Na década de 1940, as colônias instituíam o trabalho e o treinamento de funções sociais, como tentativa de reinserção social (ou condicionamento dos loucos aos modos de produção socialmente aceitos).

As palavras de ordem da liga eram "controlar, tratar e curar", considerando a doença mental como consequência da degeneração de uma parcela (pobre) da sociedade. Em 1941, começou a funcionar o Serviço Nacional de Doenças Mentais - SNDM, vinculado ao Ministério de Educação e Saúde, criado no governo Vargas. Nesse período, hospícios famosos, como o Hospital de Alienados (Rio de Janeiro), a Colônia Juqueri (São Paulo) e São Pedro (Porto Alegre), eram referência na assistência psiquiátrica. Embora existissem hospitais e ambulatórios particulares, sua quantidade no país era incipiente.

Em 1941, o Brasil contava com 62 hospitais psiquiátricos. Em 1961, já eram ١٣٥ e, em 1971, havia 341 hospitais (Brasil. 2012). Esse crescimento deveu-se, em parte, ao Decreto n.º 8.555, de 3 de janeiro de 1946, que autorizava convênio do SNDM com os estados para a construção das instituições, como também pela determinação de 1945, do Código Brasileiro de Saúde, que reconhecia a categoria de hospital psiquiátrico e retirava as denominações de asilo, retiro ou recolhimento.

Nesse período, algumas técnicas, como a isulinoterapia, eletroconvulsoterapia, o choque cardiozólico e a psicocirurgia, considerados como modernos procedimentos psiquiátricos, passaram a ser aplicadas aos internos dos hospitais (Paulin e Turato, 2004). O uso de psicotrópicos passa a ser amplamente difundido a partir da década de 1950, ganhando massiva adesão fora do contexto dos hospitais psiquiátricos. A difusão do uso de psicotrópicos, segundo Amarante (1995), constitui um marco da psiquiatrização3 social.

As décadas de 1960 e 1970, período da ditadura militar no Brasil, é marcada por planos de desenvolvimento e crescente intervenção e controle do Estado sobre a população do país (Schneider et al., 2013). Na década em que a psiquiatria comunitária americana cunha e difunde o termo saúde mental em oposição ao de doença mental, instigando práticas no território, no Brasil, o Ministério da Saúde e as secretarias estaduais fomentavam os grandes hospitais públicos e o Ministério de Previdência Social custeava a compra de leitos em hospitais privados com recursos do Instituto Nacional de Previdência Social - INPS. Até o final da década de 1970, 70% dos leitos psiquiátricos do país estiveram nos hospitais psiquiátricos privados (Amarante, 1995). Assim, em relação à assistência psiquiátrica, vivíamos um paradoxo: de um lado, a internação e o formato manicomial eram tidos como uma violência, estéreis e infrutíferos, por outro lado, tal perspectiva era atravessada, confrontada e abafada pelo crescente e desordenado investimento de dinheiro em leitos hospitalares e privados.

Percebe-se claramente o quanto a lógica mercantil, a lógica do lucro e o imperativo capitalista se sobrepuseram nesse âmbito. A indústria da loucura se afirmou no Brasil. O panorama com relação à loucura foi ficando cada vez mais complicado, mesmo em uma fase em que os manicômios já eram mundialmente criticados. Havia a completa apreensão da loucura pela medicina. A assistência psiquiátrica no Brasil buscava dar conta de uma problemática social e oferecer tratamento a uma patologia considerada condição clínica/médica. Nesse sentido, constituía-se como um dispositivo central no funcionamento biopolítico de nossas sociedades.

O momento de institucionalização da loucura e de afirmação da psiquiatria enquanto dispositivo de saber-poder sobre os loucos é também momento de intensas transformações políticas no país e no ordenamento das cidades (Amarante, 1997). Não à toa a localização geográfica dos prédios construídos para abrigar os loucos se dava nos limites periféricos das cidades, longe das residências, longe da vida cotidiana. No Ceará, a situação não foi diferente do que aconteceu no resto do país. A hospitalização teve início no final do século XIX, com a inauguração do Asilo de Alienados São Vicente de Paulo. Até esse marco, os doentes eram amontoados nos porões da Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza, conviviam com a rotina urbana e rural, ou sofriam escárnio por sua condição (Cunha, 2013). No Cariri cearense, o progresso e o desenvolvimento urbano trouxeram os imperativos de ordem e a institucionalização dos desviantes. Assim, surge o clamor pelos hospícios e encarceramento da loucura.

 

Aos Loucos, os Hospitais: Afirmação do Saber Psiquiátrico e sua Contextualização Social, Econômica e Cultural no Cariri Cearense

Antes de adotar hegemonicamente a hospitalização como medida sobre os corpos, os loucos eram direcionados às cadeias públicas ou às Santas Casas no intento de não perturbarem o funcionamento das cidades em desenvolvimento. As cidades não podiam prescindir do hospital psiquiátrico e do internamento como forma de tratar e/ou não permitir que a controversa figura do louco trouxesse entraves ao progresso e à ordem social.

No interior do estado do Ceará, o município do Crato gozava de privilégios geográficos, por se localizar na fronteira entre os estados de Pernambuco, Paraíba e Piauí. Além das condições geográficas, existia um grande fluxo de pessoas na região por causa do turismo religioso e da efervescência de intelectuais e estudiosos no início do século XX. Isto proporcionou ao munícipio o desenvolvimento de escolas, de faculdades e do comércio. A cidade, chamada de Princesa do Cariri, possuía filhos ilustres e médicos que voltavam após estudar nas capitais para exercer seu ofício na região.

De acordo com Cunha (2013), esses aspectos históricos possibilitaram, na década de 1970, período de multiplicação das instituições médicas privadas financiadas com recursos do INPS, a instalação de um hospital infantil, um hospital geral e um hospital psiquiátrico no município do Crato, inaugurados e direcionados pelos abastados filhos da cidade que possuíam diplomas médicos e condições financeiras suficientes para dar início a esses empreendimentos.

Até a década de 1970, no município havia, segundo Oliveira et al. (2003), convivência entre os loucos e os ditos cidadãos "normais" da cidade. Os loucos vagavam pelas ruas e, não raro, eram tidos como personagens excêntricos, causando um misto de espanto e admiração, de encanto e distanciamento. Reconhecidos em suas alucinações e delírios, hábitos e roupas extravagantes, essas figuras ocupavam o espaço da cidade e, embora fossem por vezes hostilizados ou conduzidos à cadeia pública, ainda não lhes cabia o destino asilar.

Esse cenário, entretanto, aos poucos se transformou, e a "Princesa do Cariri" despontava como promessa de desenvolvimento econômico e cultural, com sólidas bases financeiras na agropecuária, em nomes de ilustres famílias e da ode à cultura e aos bons costumes. As indústrias e o comércio se multiplicaram no Cariri, a cidade cresceu e se modernizou. No ano de 1936, a agência do Banco do Brasil (94ª no país) foi inaugurada como forma de fomento agrícola, sob as bênçãos de Dom Francisco de Assis, sendo orgulho do então prefeito Coronel Filemon Teles. Os anos de governo Vargas foram importantes para a cidade (Figueiredo, 2010). Estima-se, de acordo com dados da Revista Itaytera (1963), que, em idos de 1960, o Crato tinha cerca de 50 mil habitantes vivendo na zona urbana, e outros 38 mil nas vilas e zona rural.

De acordo com dados da mesma revista, nos anos de 1960, a cidade contava com seis distritos, uma câmara com 13 vereadores, 2 varas de direito, 2 promotorias, 5 cartórios, uma delegacia especial de polícia no perímetro urbano e outras 5 nos distritos, uma agência do Instituto Nacional de Previdência Social e uma delegacia de saúde. Nessa época, a cidade mantinha já duas faculdades, um seminário, cinco cursos ginasiais, 12 cursos normais, 20 grupos escolares, cinco escolas de música, grêmios literários e institutos de cultura.

Além de serviços bancários, havia grande movimentação de mercadorias e comércio pelas estradas e pela ferrovia, além de uma crescente tradição agropecuária, que resultou numa exposição anual. Representava, de um lado, um povo de raízes indígenas e tradições folclóricas, como o reisado, e, de outro, o apoio e governo dos coronéis, erguido sobre o nome de tradicionais famílias que compunham a elite cratense. Assim, com mais da metade de sua população vivendo no perímetro urbano, sob forte intervenção da igreja e dos coronéis, berço de insurgentes e rebeldes revolucionários, a cidade do Crato, orgulho de seus habitantes e ilustres filhos, despontou e se desenvolveu.

 

 

Nesse contexto, os cuidados com a saúde da população passam a ser necessidade crescente e o Crato ganha, em 1950, um Hospital Geral, de base religiosa, gerido por franciscanos. Por alguns anos, o Hospital e Maternidade São Francisco de Assis foi o maior suporte aos atendimentos médicos na região, não apenas para problemas gerais da saúde física, mas também sendo o local onde eram aplicadas as primeiras sessões de eletroconvulsoterapia no Cariri. Até o final de 1960, o município dispunha de outras quatro unidades hospitalares, além do Hospital São Francisco de Assis, a saber: um hospital infantil, a Maternidade Dr. Joaquim F. Teles, a Casa de Saúde Joaquim Bezerra e a Casa de Saúde e Maternidade São Miguel.

As instituições, de caráter religioso e com base em ideais caritativos, mudam seu status a partir dos crescentes credenciamentos ao INPS. O final da década de 1960 foi marcado pela inauguração de policlínicas, sobretudo odontológicas, e pela ampliação da rede de saúde. Esse processo de desenvolvimento e urbanização, aliado à ideia de avanço e progresso, facilitou a iniciativa de médicos locais para inaugurar dispositivos hospitalares e credenciá-los junto ao INPS. Nesse período, o país, sem possuir rede própria de serviços de saúde, vivendo amplo crescimento econômico e arrecadando fundos com seu modelo previdenciário, financiava a fundo perdido os atendimentos na rede médica privada (Jornal A ação, 1969).

Dessa forma, em meados da década de 1960, a ideia de inauguração de um hospital psiquiátrico na região aparece como um imperativo, respondendo aos anseios da nova ordem social, de ampliação da rede hospitalar local, mas, principalmente, de resolução do incômodo que determinadas figuras infames (como mendigos e loucos) causavam à cidade. Matérias do Jornal A ação, vigorosa publicação da época, mantida pela diocese do município, denunciavam o problema da mendicância como algo inaceitável para um município líder na região. Os mendigos e pedintes, geralmente pessoas que acabavam por ficar na região em virtude do comércio e das romarias religiosas, causavam incomodo à cidade. É também nessa época que os loucos, figuras que constituem tipos populares na região e com os quais a cidade convivia, até então, de maneira quase acolhedora, passaram a se destacar por estar fora das normas modernas do desenvolvimento, o que fez com que a ideia de um sanatório para o Cariri fosse cogitada pela primeira vez.

 

 

 

 

Em edição de 1969, o Jornal A ação, abaixo do título "Débil mental desrespeita famílias, tirando a roupa e dizendo palavrões", divulga o seguinte texto:

Júlia doida, uma débil mental que faz ponto entre as ruas Monsenhor Esmeraldo e Tristão Gonçalves continua desrespeitando as famílias, principalmente as estudantes que transitam naquelas ruas. A doida não perde oportunidade de ficar totalmente despida e dizer palavrões. Quando a rapaziada pede que ela mostre a televisão, a débil mental tira toda a roupa na presença de todos. Por diversas vezes Júlia foi presa, mas volta a repetir a mesma cena. Agora, a doida inventou uma nova moda: Está atirando pedras nos para brisas dos carros que transitam por aquelas ruas.

Nesse sentido, rapidamente se produziu um discurso sobre higienização, manutenção da ordem, aliado à ideia de ampliação da rede hospitalar e de crescimento da cidade. Estavam criadas as condições para a chegada do hospital psiquiátrico: "Até o fim deste ano, Crato ganhará sua sexta unidade hospitalar. Trata-se da Casa de Saúde Santa Teresa, especializada em tratamento de doenças nervosas e mentais, pioneira no interior do nordeste, que ratificará a liderança do município na região".

 

 

As matérias dos jornais dessa época instigavam a ideia de que a instalação de um hospital psiquiátrico na região era um avanço, um progresso, e deixavam explícito que mendigos e loucos não se enquadravam aos imperativos sociais. A cadeia pública cumpria uma função de coerção moral, mas não era suficiente para coibir ou aniquilar aquelas infames manifestações4 tão incômodas e fora dos desejáveis padrões da época. Nota-se o elogio à iniciativa dos médicos dispostos a inaugurar o empreendimento. O texto disposto na matéria do ano de 1969 anuncia que "o médico Eligio Abath informou que irá a Salvador tratar de assuntos de interesse da futura casa de saúde, esperando inaugurar ainda este ano esse importante melhoramento para a cidade do Crato".

O discurso de zelo pela ordem e tranquilidade da sociedade em geral, assim como o suporte às famílias, apareceram como justificativa para a inauguração do hospital no Crato. No ano de 1969, as páginas de um dos principais jornais da região do Cariri distribuíam espaço entre os anúncios de benfeitorias e progresso, as notícias sobre a ida do homem à lua e os elogios ao novo equipamento de saúde que seria, em breve, inaugurado. Tal "benfeitoria" certamente foi induzida pelo governo brasileiro ao injetar uma grande quantidade de recursos públicos na assistência privada desse país. As edições da revista Itaytera e do jornal A Ação, no ano de 1970, elogiaram o empreendimento e seus proprietários. Foi sob essas condições, nesse contexto específico, no ano de 1970, no dia 21 de junho, aniversário da cidade do Crato, que a Casa de Saúde Santa Teresa abriu suas portas.

 

 

A inauguração da Casa de Saúde Santa Teresa no mesmo ano em que o Brasil foi tricampeão mundial no futebol e que a televisão colorida passou a se tornar popular no país significou, para o município do Crato, a afirmação do seu desenvolvimento e avanço. A edição da Revista Itaytera do ano de 1970 ressaltava a importância dos serviços de saúde para que o Crato se tornasse um centro evoluído, assim como as capitais federais, e ressaltava também a relevância do movimento cultural e educacional da cidade:

Crato não é somente sede de intenso movimento de cunho educacional e cultural a despertar a atenção de meios evoluídos, até do sul do país. No setor hospitalar, médico, odontológico, é dos centros mais evoluídos do interior, possuindo agora seis modernos equipamentos hospitalares, várias policlínicas, gabinetes de análises, além de consultórios bem aparelhados, com movimento intenso de intervenções e clínica intensa especializada, como em qualquer capital.

 

 

Isto marcou a história da cidade e da região. A partir de sua inauguração até o seu fechamento, no ano de 2016, a Casa de Saúde Santa Teresa centralizou completamente a assistência psiquiátrica no Cariri cearense. A despeito dos avanços nas políticas de saúde e saúde mental, o hospital obedeceu ao regimento de governamentabilidade e organização higiênica dos espaços urbanos, garantindo lugar no imaginário social e no cotidiano de vida dos moradores do Crato como lugar imprescindível à ordem social.

 

 

Considerações Finais

O que a reconstrução desse arquivo de memória da região do Cariri cearense nos permite ver é como o processo de modernização do discurso e das práticas de saúde mental no Brasil atualizaram, a partir de uma recomposição dos nexos entre saber e poder, a estrutura de interdição e exclusão que, historicamente, é indissociável da experiência da loucura.

Aos imperativos de progresso social e desenvolvimento econômico, liga-se uma racionalidade biopolítica que visa destinar parcelas improdutivas da população a espaços segregados da convivência social. Pessoas que, por "não terem a capacidade de adequação ao trabalho", colocam um problema à urgência do desenvolvimento forçado que as elites locais traçavam para a região, assim como para os valores pudicos da consciência média local. É a partir dessas condições que "o louco foi identificado ao doente mental e uma entidade chamada doença mental foi descoberta e desenvolvida" (Foucault, 2001a, p.1003). É esse novo saber sobre o homem e o poder de intervenção que ele sustenta que nos dá a contraparte discursiva de uma formação não discursiva de administração social, que se expressa de forma orgulhosa nos discursos de época que saúdam a abertura da Casa de Saúde Santa Teresa.

O hospital realiza, então, uma cesura no espaço social, abrindo o não lugar próprio da exclusão. Diferentemente, porém, da cadeia pública ou do cemitério, o hospital é um signo do conhecimento positivo e de sua autoridade. Portanto, parece carregar na espessura de seus muros e portas de ferro a aura do progresso da cidade. Espaço de observação e produção da verdade médica e social, todos aqueles doentes podem, agora, ser agrupados, comparados, acompanhados, medicalizados, seguidos em sua evolução. No hospital e a partir dele "se abre um espaço de observação fácil e límpido", em que a verdade da doença mental não apenas se deixa ver, como também "é produzida" diariamente (Foucault, 2001b, p.1566).

Atravessado por um discurso de ordem e regimento, a Casa de Saúde se concretiza enquanto dispositivo de saber-poder, ou melhor, enquanto dispositivo de governo de uma população sem lugar. "O papel do hospital foi, então, ao afastar essa vegetação parasita, essas formas aberrantes, não apenas deixar com que a doença mental fosse vista tal como ela é", mas sim "torná-la realidade" adestrada e gerida (Foucault, 2001b, p.1566). Perversa conjunção, o avesso do não lugar se mostra como o emblema moderno do desenvolvimento. Ora, que a estrutura de exclusão que Foucault tão bem nos ensinou a analisar se atualize, no interior de um país como o Brasil, enquanto símbolo de desenvolvimento tardio, não deveria, infelizmente, nos surpreender. Nisso, a Casa de Saúde Santa Teresa apenas parece reafirmar uma triste e conhecida lógica interna a nossa própria história.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Leda Mendes Pinheiro Gimbo
Email: ledampinheiro@gmail.com

Magda Diniz Bezerra Dimenstein
Email: mgdimenstein@gmail.com

Jáder Ferreira Leite
Email: jaderfleite@gmail.com

Recebido em: 03/06/2017
Revisado em: 21/01/2018
Aceito em: 06/02/2019
Publicado online: 02/08/2019

 

 

1 O que se segue é uma versão condensada da pesquisa de dissertação de mestrado intitulada "Análise arquegenealógica da Casa de Saúde Santa Teresa: abertura, manutenção e fechamento de um hospital psiquiátrico", apresentada e defendida no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, desenvolvida pela primeira autora e orientada pelos segundos.
2 Fita de Möbius ou faixa de Möbius é um espaço topológico obtido pela colagem de duas extremidades, não permitindo que haja além de uma borda ou que se identifique seu começo e fim, embora pareça tê-los ou ter dois lados. Deve seu nome a August Ferdinand Möbius, que estudou esse elemento em 1958. Sua aplicabilidade se dá na engenharia, na música, nas artes, simbolizando o caráter cíclico de muitos processos ou infinito (Fauvel, Flood, Wilson, 1993). Para uma análise detalhada da relação entre saber-poder em Foucault ver Gimbo (2016).
3 Assim como Amarante (1995), também Foucault (2006) considera a psiquiatrização como um fenômeno de expansão das classificações nosológicas e uso de medicação psicotrópica (a partir de 1950) fora dos hospitais psiquiátricos. Dessa forma, quando se fala em psiquiatrização, trata-se do fenômeno amplo de aumento do alcance do poder da psiquiatria que passa a não se destinar mais, e apenas, aos loucos.
4 Em seu trabalho sobre A vida dos homens infames (2003), Michel Foucault discute a existência de subjetividades socialmente não desejáveis, uma vez que não se enquadram nas normas e ordem de uma época ou sociedade.

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