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Revista Subjetividades

versão impressa ISSN 2359-0769versão On-line ISSN 2359-0777

Rev. Subj. vol.19 no.3 Fortaleza set./dez. 2019

http://dx.doi.org/10.5020/23590777.rs.v19i3.e7550 

ESTUDOS TEÓRICOS

 

Urgência subjetiva em emergência obstétrica de alto risco: um estudo psicanalítico

 

Subjective urgency in high-risk obstetric emergency: a psychoanalytic study

 

Urgencia subjetiva en emergencia obstétrica de alto riesgo: un estudio psicoanalítico

 

Urgence subjective en situation d'urgence obstétricale à haut risque : une étude psychanalytique

 

 

Edcarla Melissa Oliveira BarbozaI; Telma Costa de AvelarII; Juliana Carneiro TorresIII; Thayrine Bezerra do NascimentoIV

IMestranda em Psicologia pela Universidade Federal de Alagoas. Especialização em Saúde da Mulher pelo Programa de Residência Multiprofissional em Saúde Integrada do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco
IIPsicóloga pela Universidade Federal de Pernambuco e Mestrado em Psicologia Cognitiva pela Universidade Federal de Pernambuco. Atualmente é Professora-Assistente IV da Universidade Federal de Pernambuco. Tem experiência na área de Psicologia Educacional, com ênfase em Educação Inclusiva. Atualmente é tutora no Programa de Residência Multiprofissional em Saúde do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco
IIIPsicóloga, graduada pela Universidade Federal do Ceará. Especialista em Cuidados Paliativos pela Universidade Estadual do Ceará. Atuou como psicóloga do Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC - UFC). Atualmente, é psicóloga do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (HC - UFPE). Desenvolve trabalhos e estudos nas seguintes áreas: Psicologia da Saúde, Psicologia Hospitalar, Cuidados Paliativos e Tanatologia
IVPsicóloga pela Universidade Cátolica de Pernambuco, Especialista em Saúde da Mulher pelo programa de Residência Multriprofissional Integrada em Saúde pela Universidade Federal de Pernambuco. Atualmente no curso de Gender, Sexualities and Women's studies pelo Douglas College em New Westmister- BC

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O período gestacional pode vir acompanhado de complicações emergenciais, capazes de ocasionar iminente ameaça de morte à vida materna e/ou fetal, contribuindo para a crescente taxa de mortalidade nessa população. O encontro com o inesperado, nesses casos, pode provocar experiências em que o sujeito se vê diante de um insuportável, impossível de simbolizar. Em psicanálise, esse momento pode ser atribuído ao conceito de urgência subjetiva. Diante disso, o presente artigo procurou discutir de que maneira a mulher em situação de emergência obstétrica de alto risco pode ser afetada pela experiência da urgência subjetiva e quais desdobramentos diante desse encontro. Propomo-nos a compreender o conceito de urgência subjetiva à luz da teoria psicanalítica e identificar seus entrelaçamentos com a emergência obstétrica de alto risco. Trata-se de uma pesquisa teórica em psicanálise, qualitativa e exploratória, realizada a partir de seleção bibliográfica. A análise dos dados encontrados consistiu na identificação e discussão de conceitos que se entrelaçam com a urgência subjetiva, na tentativa de pensar essa conexão em situações de emergência obstétrica de alto risco. A literatura evidenciou que a urgência subjetiva está associada a um momento de crise, indicando uma ruptura na dimensão discursiva, expondo o sujeito ao real avassalador e desordenado, de modo que angústia, trauma e tempo foram identificados como alguns dos conceitos entrelaçados à urgência subjetiva. No que concerne às situações de emergência obstétrica de alto risco, elementos como perdas, acontecimentos inesperados e rupturas podem indicar a possibilidade de inscrição da urgência subjetiva. No entanto, evidenciou-se que, por vezes, esses acontecimentos são tratados pela via do imediatismo, impossibilitando ao sujeito ressignificar sua experiência. Assim, atenta-se para que, diante do caos instaurado nesses ambientes, dê-se lugar para uma pausa, a fim de resgatar a cadeia discursiva, anteriormente diluída, e o sujeito possa vir a se reorganizar.

Palavras-chave: emergência obstétrica; alto risco; psicanálise; urgência subjetiva.


ABSTRACT

The gestational period may follow emergency complications and may cause imminent death threat to maternal and/or fetal life, contributing to the increased mortality rate in this population. Facing the unexpected, in these cases, can provoke experiences in which the subject faces an unbearable moment, impossible to symbolize. In psychoanalysis, this moment can be attributed to the concept of subjective urgency. Given this, the present article seeks to discuss how women in high-risk obstetric emergencies may be affected by the experience of subjective urgency and the consequences of this meeting. We propose to understand the concept of subjective urgency in the light of psychoanalytic theory and to identify its intertwining with the high-risk obstetric emergency. This is theoretical research in psychoanalysis, qualitative and exploratory, conducted from a bibliographical selection. The analysis of the data found consisted of the identification and discussion of concepts that intertwine with subjective urgency, in an attempt to think about this connection in high-risk obstetric emergencies. The literature showed that subjective urgency is associated with a moment of crisis, indicating a rupture in the discursive dimension, exposing the subject to the overwhelming and disordered real, so that anguish, trauma and time were identified as some of the concepts intertwined with subjective urgency. Concerning high-risk obstetric emergencies, elements such as losses, unexpected events and disruptions may indicate the possibility of subjective urgency being inscribed. However, it was evidenced that, sometimes, these events are treated by the immediacy, making it impossible for the subject to redefine his experience. Thus, it is taken care that, in the face of the chaos established in these environments, a pause will be given to rescue the previously diluted discursive chain and the subject may reorganize it.

Keywords: obstetric emergency; high-risk; psychoanalysis; subjective urgency.


RESUMEN

El periodo gestacional puede venir acompañado de complicaciones de emergencia, que pueden ocasionar inminente amenaza de muerte materna y/o fetal, contribuyendo para la creciente tasa de mortandad en esa población. El encuentro con el inesperado, en estos casos, puede provocar experiencias en que el sujeto se encuentra ante un insoportable, imposible de simbolizar. En psicoanálisis, ese momento puede ser atribuido al concepto de urgencia subjetiva. Ante eso, el presente trabajo buscó discutir de que manera la mujer en situación de emergencia obstétrica de alto riesgo puede ser afectada por la experiencia de la urgencia subjetiva y cuales desdoblamientos ante este encuentro. Nos propusimos comprender el concepto de urgencia subjetiva a la luz de la teoría psicoanalítica e identificar su trama con la emergencia obstétrica de alto riesgo. Esta es una investigación teórica en psicoanálisis, cualitativa y de exploración, realizada a partir de selección bibliográfica. El análisis de los datos encontrados constituyó en la identificación y discusión de conceptos que se unen con la urgencia subjetiva, en el intento de pensar esa conexión en situaciones de emergencia obstétrica de alto riesgo. La literatura puso evidente que la urgencia subjetiva está asociada a un momento de crisis, indicando una rotura en la dimensión discursiva, exponiendo el sujeto al real abrumador y desordenado, de modo que angustia, trauma y tiempo fueron identificados como algunos de los conceptos unidos a la urgencia subjetiva. A lo que se refiere a las situaciones de emergencia obstétrica de alto riesgo, elementos como pérdidas, sucesos inesperados y roturas pueden indicar la posibilidad de inscripción de la urgencia subjetiva. Sin embargo, se evidenció que, por veces, estos sucesos son tratados por la vía del inmediatismo, imposibilitando al sujeto re-significar su experiencia. De este modo, se cuida para que, ante el caos establecido en estos ambientes, haya espacio para una pausa, con el objetivo de rescatar la cadena discursiva, anteriormente diluida, y el sujeto pueda reordenarse.

Palabras clave: emergencia obstétrica; alto riesgo; psicoanálisis; urgencia subjetiva.


RÉSUMÉ

La période de gestation peut être accompagnée de complications d'urgence et peut entraîner une menace de mort imminente pour la vie maternelle et / ou fœtale. Cela contribue à l'augmentation du taux de mortalité dans cette population. La rencontre avec l'inattendu, dans ces cas, peut provoquer des expériences dans lesquelles le sujet est facé à l'insupportable, impossible à symboliser. Chez la psychanalyse, ce moment peut être attribué au concept d'urgence subjective. Devant cela, le présent article a eu comme objectif de discuter de la manière dont les femmes dans des situations d'urgence obstétricale à haut risque peuvent être affectées par l'expérience de l'urgence subjective et par les conséquences de cette réunion. Nous proposons de comprendre le concept d'urgence subjective à la lumière de la théorie psychanalytique et d'identifier son imbrication dans l'urgence obstétricale à haut risque. Il s'agit d'une recherche théorique en psychanalyse, qualitative et exploratoire, réalisée à partir d'une sélection bibliographique. L'analyse des données trouvées a consisté à identifier et à examiner des concepts qui se mêlent à l'urgence subjective, dans le but de réfléchir à cette relation dans les situations d'urgence obstétricale à haut risque. La littérature a montré que l'urgence subjective est associée à un moment de crise, indiquant une rupture dans la dimension discursive, exposant le sujet à un réel écrasant et désordonné, de sorte que l'angoisse, le traumatisme et le temps soient identifiés comme des concepts entrelacés avec l'urgence subjective. En ce qui concerne les situations d'urgence obstétricale à haut risque, des éléments tels que des pertes, des événements imprévus et des ruptures peuvent indiquer la possibilité d'une inscription de l'urgence subjective. Cependant, il a été démontré que, parfois, ces événements sont traités de manière immédiate, ce qui rende impossible pour le sujet de re-signifier son propre expérience. Ainsi, on fait attention au fait que, face au chaos établi dans ces environnements, une pause soit accordée pour reprendre la chaîne discursive, précédemment diluée, et le sujet peut, donc, se réorganiser.

Mots-clés: urgence obstétrique; haut risque; psychanalyse; urgence subjective.


 

 

Urgências e emergências são situações rotineiras no contexto hospitalar que podem se apresentar de diversas formas e circunstâncias. De acordo com o Conselho Federal de Medicina (1995), o termo urgência diz respeito a um agravo inesperado à saúde que pode ou não vir acompanhado de um risco de morte, enquanto que as emergências se referem à comprovação médica de agravo à saúde, que implica necessariamente em risco de morte. Tais situações são passíveis de expor o indivíduo à intensa vulnerabilidade por irromper inesperadamente, interrompendo o protocolo e a programação idealizada.

Dentre as inúmeras emergências encontradas no ambiente médico, destaca-se a emergência obstétrica de alto risco, caracterizada por situações de agravo à saúde materna ou fetal, podendo ocorrer durante a gestação, que são capazes de indicar risco de morte ou sequelas para a mãe e/ou bebê. Nesses casos, constatando-se o alto risco emergencial, devese, de imediato, iniciar a assistência de alto risco com equipe e serviço habilitados (Brasil, 2012).

Algumas complicações mais frequentes das emergências obstétricas são apontadas pelo Ministério da Saúde, tais como: síndromes hemorrágicas; suspeitas de pré-eclâmpsia (pressão arterial > 140/90); sinais de eclâmpsia em gestantes hipertensas; eclâmpsia (crises convulsivas); infecções; amniorrexe prematura (perda de líquido vaginal); trabalho de parto prematuro; vômitos incoercíveis ou inexplicáveis no 3º trimestre; restrição de crescimento intrauterino; oligodrâmnio (pouco líquido amniótico); e óbito fetal (Brasil, 2016).

É notória a alta vulnerabilidade que comporta o período gestacional, pois, apesar de tratar-se de um fenômeno fisiológico, tem uma dimensão contingente, revelada pelas emergências, que podem acarretar sofrimentos e desfechos desfavoráveis. Dessa forma, a saúde materna e neonatal é considerada uma das maiores preocupações no contexto de saúde pública atual em função das complicações possíveis, que são responsáveis pelo maior número de óbitos neonatais e infantis (Brasil, 2012; Duarte, Freire, & Oliveira, 2015).

Devido ao alto grau de complexidade nesses setores, o Ministério da Saúde, em sua Portaria nº 1.020, de 29 de maio de 2013, atribuiu que a atenção à saúde na gestação de alto risco deve abranger não só o período gestacional, estendendo-se para o recém-nascido e o puerpério de risco, devendo fazer parte dessa assistência uma equipe multiprofissional (Brasil, 2013).

Segundo Rodrigues (2012) e Simões (2011), quando uma emergência vem à tona e revela algo que rompeu com o esquema e a programação, o indivíduo é interpelado pelo inesperado, podendo esse rompimento se apresentar sob a forma do insuportável, uma vez que cruza um ponto em que se perdem as referências nas quais ele se sustentava. É frequente encontrar, em situações de emergências médicas, a perda da articulação discursiva que invade o indivíduo tomado pelo desespero, na qual ele se vê impedido de nomear aquilo que sente.

Evidencia-se, nesses casos, que algo toca a linguagem e pode provocar um impasse vivido de maneira singular, não só pelo paciente, mas pela equipe de saúde, família e demais envolvidos. O indivíduo se vê limitado a solucionar tamanho desespero, impossível de ser simbolizado. Em psicanálise, a vivência desse momento é nomeada como urgência subjetiva. Trata-se daquilo que irrompe inesperadamente, provocando uma ruptura súbita na dimensão discursiva, indicando um momento de crise e trauma, que expõe o sujeito ao desespero (Calazans & Bastos, 2008).

O conceito de urgência subjetiva é objeto de investigação da Psicanálise e não se confunde com as definições de urgência e emergência médicas, expostas no início deste estudo. Na realidade, a urgência subjetiva se traduz como um contraponto às emergências e urgências médicas, pois nem todo momento considerado emergencial ou de urgência médica é caracterizado como uma urgência subjetiva ou pode vir a provocá-la, conforme apontam Batista e Rocha (2013).

Diante da urgência subjetiva, como forma de solucionar e responder àquilo que fugiu ao esquema e à programação, o saber médico, regido e respaldado pelo rigor científico, lança mão dos demasiados protocolos institucionais. A tentativa dos protocolos em responder e dar conta daquilo que irrompe inesperadamente é falha, contudo, quando esse inesperado é da ordem da subjetividade, que o próprio sujeito desconhece e não sabe lidar.

Assim, aquilo que irrompe de maneira contingente, fora dos protocolos institucionais, acaba denunciando a claudicação da ordem científica em meio a uma conjuntura atual que tenta a todo custo recusar tudo que é da ordem do contingente (Rodrigues, 2012; Simões, 2011).

Portanto, as repercussões provenientes do encontro com o inesperado, bem como o acolhimento oferecido pelas instituições e seus dispositivos de assistência para essas situações, são questões a serem comumente discutidas, de modo que a emergência incide sobre o espaço e o tempo, o sujeito e o social (Rodrigues, 2012; Simões, 2011).

Diante disso, a experiência como psicóloga residente da área de saúde da mulher, numa unidade de emergência obstétrica de alto risco de um hospital universitário, suscitou o interesse pelo presente tema. A experiência possibilitou interrogar de que maneira a mulher em situação de emergência obstétrica de alto risco pode ser afetada pela experiência da urgência subjetiva e quais os desdobramentos diante desse encontro. Esse cenário é marcado por situações e demandas que adentram o espaço e revelam intenso sofrimento físico e, sobretudo, psíquico. Um desejo pela Psicanálise e seu olhar sobre tais questões fomentaram o presente estudo.

A unidade de emergência obstétrica referência deste estudo e que fomentou o desejo por tal investigação oferece assistência integral à saúde da mulher durante o pré-parto, parto e puerpério imediato, garantindo atendimento humanizado e integral. Como estrutura interna, conta com uma triagem obstétrica, que funciona como acolhimento e classificação de risco durante 24 horas. As expectações, bloco cirúrgico e sala de recuperação pósanestésica compõem a estrutura do setor.

Diante do exposto, a presente pesquisa propõe, como objetivo, discutir de que maneira a mulher em situação de emergência obstétrica de alto risco pode ser afetada pela experiência da urgência subjetiva e quais os desdobramentos diante desse encontro. Para tanto, visamos compreender o conceito de urgência subjetiva à luz da Psicanálise e identificar como pode se configurar num espaço de emergência obstétrica de alto risco.

A linha tênue entre uma possibilidade de vida projetada na gestação e o inerente risco de morte do momento deflagra, na maioria das vezes, angústias e aflições na mulher, nos familiares envolvidos e na equipe multiprofissional, requerendo intervenções apropriadas, que permitam melhor elaboração dessa experiência. Assim, faz-se relevante atentar para a sutileza no manejo em torno da urgência subjetiva, uma vez que consiste numa experiência complexa e intensa, podendo se deflagrar independentemente do contexto em que o indivíduo está imerso.

Destaca-se o fato de que pouco se tem propriedade acerca desse acontecimento nos espaços hospitalares, o que interfere diretamente no manejo das intervenções dos profissionais. Dessa forma, julga-se pertinente explorar a clínica da urgência subjetiva e seus desdobramentos para o sujeito.

Além disso, as discussões sobre a clínica da urgência, no geral, permitem que a medicina e a psicanálise, campos bastante interessados no tema, possam demarcar suas diferenças, sinalizando a importância de investigar os aspectos teóricos e clínicos acerca dessa temática, estabelecendo suas especificidades no contexto do hospital geral (Simões, 2011). A carência de literatura disponível que discuta a noção de urgência subjetiva atrelada ao contexto de emergência obstétrica de alto risco também é um fator relevante para o interesse em tal investigação teórica, e a coloca como desafio.

 

Método

O presente estudo consiste numa pesquisa teórica em psicanálise, de cunho qualitativo e natureza exploratória, a qual possibilitou estabelecer maior familiaridade com o tema em questão, explicitando-o e visando ao aprimoramento de ideias (Gil, 2002). No que se refere aos procedimentos práticos, foi realizado um estudo bibliográfico, organizado sistematicamente, com base em materiais publicados, a partir de conteúdos que contemplassem os temas de urgência subjetiva em psicanálise e seus entrelaçamentos com a emergência obstétrica de alto risco (Santos, Molina, & Dias, 2007).

No que diz respeito à fundamentação psicanalítica, foram adotadas concepções de Sigmund Freud e Jacques Lacan, bem como de autores reconhecidos nessa área e que oferecem considerações relevantes acerca do tema proposto. Foram utilizados documentos físicos e on-line, gratuitamente disponibilizados, como artigos científicos, livros, dissertações e teses.

As bases de dados selecionadas para a pesquisa eletrônica foram Scientific Electronic Library Online (SciELO) e LILACS, tendo em vista que são as bases de dados com maior número de artigos disponíveis relacionados ao tema. Foram pesquisados arquivos científicos disponíveis on-line, referentes ao período de dez anos, de 2007 a 2017, tendo como descritores norteadores para a busca: "urgência e psicanálise" e "emergência obstétrica e risco".

A pesquisa evidenciou uma escassez de publicações relacionadas ao tema proposto, de modo que alguns artigos foram encontrados em ambas as bases de dados. Foram localizados 25 documentos na busca com os descritores "urgência e psicanálise" e apenas 15 arquivos com os descritores "emergência obstétrica e risco". Dessa forma, os critérios de inclusão para a seleção consistiram em: pertinência ao tema, artigos disponibilizados na íntegra e gratuitamente nas bases de dados, e artigos escritos nos idiomas português ou espanhol, tendo sido excluídos aqueles que não se enquadraram nesses critérios.

Diante da insuficiência de publicações, sobretudo que estabelecessem uma articulação entre urgência subjetiva e emergência obstétrica, foram utilizadas, também, referências citadas nos arquivos encontrados e que se encaixavam nos critérios estabelecidos. A pesquisa seguiu as etapas de levantamento: seleção, que contou inicialmente com o critério de leitura dos resumos e análise de relevância com o tema proposto, para posterior leitura integral; fichamento dos conteúdos pertinentes nos documentos encontrados; e arquivamento de informações para posterior análise (Amaral, 2007).

Após levantamento e seleção de todo o material, foi realizada uma análise em que foram destacados conceitos intrínsecos à temática da urgência subjetiva, como angústia, trauma, desamparo e tempo, de forma a analisar de que maneira se entrelaçam entre si. Posteriormente, com base nos achados, procuramos estabelecer uma relação da experiência de urgência subjetiva com as situações de emergência obstétrica de alto risco.

Procuramos aprofundar os conceitos a fim de se estabelecer um referencial teórico e clínico que pudesse subsidiar os dispositivos de acolhimento nos serviços emergenciais. De acordo com Garcia-Roza (1993), a pesquisa teórica submete a psicanálise a uma análise crítica com a finalidade de verificar sua lógica interna, a coesão estrutural conceitual e as condições de sua possibilidade. Além disso, o referencial psicanalítico possibilita compreender as apresentações dos sujeitos em adoecimento no hospital, elucidando experiências comumente localizadas nesses casos, como angústia, ruptura, mal-estar, que podem ser expressos por diversos comportamentos, como agitação dos pacientes (Azevedo, 2016).

A escolha por se debruçar e explorar na teoria o que causa inquietude na prática possibilita uma articulação favorável entre esses dois campos e reafirma a importância da pesquisa teórica como forma de auxiliar a condução da assistência psicológica. Freud (1913/2010) atenta para a questão de que psicanálise clínica e pesquisa são indissociáveis. Enquanto um método investigativo e de tratamento, a psicanálise não se resume à investigação teórica e conceitual, enquanto pesquisa, ela deve estar em conexão com a clínica.

Partindo desse princípio e do fato de que a presente pesquisa surge da vivência clínica no hospital, foram utilizadas vinhetas clínicas oriundas da experiência como residente em saúde da mulher na unidade de emergência obstétrica de alto risco em um hospital universitário. As vinhetas foram utilizadas como subsídio para discutir urgência subjetiva no contexto da emergência obstétrica. Foram utilizados dados pessoais fictícios, ressaltando que foram ocultados os elementos que, por ventura, pudessem favorecer a identificação de pacientes.

O primeiro tópico deste estudo versa sobre a urgência subjetiva e sua contextualização em psicanálise propondo uma investigação acerca desse conceito e suas possíveis implicações naqueles que a vivenciam. Posteriormente, discute-se sobre os atravessamentos de uma urgência subjetiva num contexto de emergência obstétrica. Este último tópico procura explorar sobre as particularidades de um contexto emergencial obstétrico que dá lugar para o desencadeamento da urgência subjetiva.

 

Urgência Subjetiva

A urgência subjetiva, como objeto de investigação da psicanálise, está associada a um momento de crise, o que indica que algo fora rompido inesperadamente, provocando o que se pode nomear como trauma (Calazans & Bastos, 2008). As situações de emergências médicas, com frequência, provocam nos pacientes uma dificuldade em articular as palavras e enunciar o que se passa, sugerindo que o que fora rompido está na ordem da linguagem.

Se algo relacionado ao dizer naquele momento não se articula, a linguagem encontra-se em falência, tal como nos situa Seldes (2004). O autor afirma que a falência do discurso diz respeito a uma insuficiência diante da tentativa de recobrir a situação de desespero. Tal fato indica que, em meio à desordem que toma o indivíduo e afeta sua organização discursiva, o que se pronuncia, então, é um silêncio, um pranto ou um grito.

Tamanha situação evidencia a ameaça à integridade física e/ou psicológica, na qual se perdem as referências e o indivíduo não consegue, então, decidir, agir ou pensar (Ratti & Estevão, 2016). No entanto, algo da subjetividade vem à tona no inesperado da urgência subjetiva. Algo da verdade do sujeito, sem que ele tenha ciência de tal fato, deflagra-se: "O inesperado é que o próprio sujeito confesse sua verdade e a confesse sem sabê-lo" (Lacan, 1966/2001, p. 11).

Como consequência do inesperado, para o qual não se tem resposta ou palavras, temos o trauma, que, segundo Laurent (2006), resulta da ruptura de uma programação, sendo uma experiência que comporta um risco importante para a saúde do paciente. O trauma, portanto, surge como consequência daquilo que escapou à causalidade programada e ao cálculo da ciência; ele aponta para um buraco que se abre e deixa marcas, muitas vezes indeléveis. Barros (2015) salienta, ainda, que o trauma incide de maneira singular, de modo que, mesmo numa situação vivenciada por todos, o que será produzido em cada um terá uma dimensão muito particular.

Nota-se, portanto, que a perda da organização discursiva invadida pela situação de emergência é insustentável e limítrofe ao próprio indivíduo, que clama e exige, então, resolutividade no aqui e agora (Macedo, Pimenta, Sotelo, Belaga, & Santimaría, 2010). Essa organização discursiva, na perspectiva psicanalítica, é atribuída ao registro do simbólico, um dos registros formulados por Lacan e que está na base de todo o seu ensino, juntamente com o imaginário e o real, essenciais à realidade humana.

Assim, sendo a dimensão simbólica equivalente à linguagem e à cadeia discursiva, na qual se sustenta o sujeito (Lacan, 1953), na urgência subjetiva há uma dissolução dessa cadeia, denunciando uma experiência de desamparo, caracterizada como uma resposta do eu diante de uma carga de excitação. A vivência do desamparo será determinante para a inscrição da angústia (Freud, 1893/1992).

Um dos elementos, portanto, comumente localizados em situações de urgência e emergência médicas, que pode nos indicar a experiência da urgência subjetiva, é o encontro com a angústia. Faz-se relevante explorar a definição desse conceito a partir da teoria freudiana, em que o autor sustenta o conceito de angústia a partir de dois momentos diferentes em sua obra. Inicialmente, ela está inscrita como sendo posterior ao recalque, como uma consequência dele, visto que, num segundo momento, no qual nos deteremos neste artigo, Freud afirma que a angústia é algo anterior ao recalque, causadora e incipiente.

Essa última conclusão deriva dos estudos sobre as fobias, nos quais Freud constatou que a angústia emerge quando o indivíduo se depara com uma situação de perigo. Ali o eu, em sua defesa, recalca aquela situação, que aparece sob a forma de medo do objeto fóbico posteriormente. O que leva a identificar que a angústia, ocasionada numa situação de perigo, causa o recalque (Freud, 1926/1976a).

Dessa forma, compreende-se que a reação diante de uma situação de perigo não tem a finalidade de evitar a angústia, diz respeito a uma defesa do eu diante de tal situação. Logo, a angústia é a própria reação do eu, que tenta evitar a situação de perigo, ou afastar-se dela (Freud, 1926/1976a).

Como denúncia à presença de um estranho e secretamente familiar para o sujeito, a angústia revela algo que deveria permanecer oculto, mas que insiste em fazer presença e retornar. Esse estranho provoca medo e horror, é algo familiar que foi reprimido e retornou, estranhamente (Freud, 1919/1976b).

Na presença desse estranho, daquilo que apavora, há uma ruptura da homeostase; rompe-se o equilíbrio pelo qual se sustentavam as relações sociais e do sujeito com o próprio corpo. Sotelo (2007) destaca que, inicialmente, é preciso localizar de onde vem essa urgência, para quem a situação é insuportável, para o paciente, família, equipe etc.

Em certo momento, que nem sempre coincide com os atos objetivamente graves, se produz a ruptura da homeostase com que a vida se apoiava, se rompe o equilíbrio que sustentava as relações com os outros, com o trabalho, com os laços amorosos e familiares, com os pensamentos e, sobretudo, com o próprio corpo (Sotelo, 2007, p. 22, tradução nossa).

Freud (1926/1976a) ressalta, ainda, que a angústia, além do caráter claro de desprazer, é sempre acompanhada de sensações físicas, sobretudo respiratórias e cardíacas, que indicam seu caráter motor, demonstrando ser algo que deveras afeta. Por sua vez, na leitura lacaniana, o tema da angústia remete ao registro do real, representado sob a forma do traumatismo, demonstrando que a ordenação traumática toca o real (Lacan, 1962-1963/2005).

Na tópica lacaniana, a dimensão do real diz respeito a algo que provoca um despedaçamento do sujeito e se associa a um momento de rompimento e interrupção da cadeia simbólica. Trata-se de um "espaço sem lei que se descortina e tira o chão do sujeito" (Ratti & Estevão, 2016, p. 608). Prado (2013, p. 2) reforça: "o real é a falha que denuncia a inconsistência do universo simbólico".

Verificamos com Ratti e Estevão (2016) que o real irrompe fora de uma linearidade espaço-temporal. Nesse ponto, marca-se a dimensão do tempo, que irrompe crucialmente, e é essencial nos determos sobre ela ao tratarmos de urgência subjetiva. Encontramos em Sotelo (2007) essa discussão, na qual a autora destaca que, na urgência subjetiva, lidamos com a exigência de resolutividade, sem erro e com efetividade. "De toda maneira, quando um sujeito está atravessado por uma urgência, sua vivência é de que 'não há tempo" (Sotelo, 2007, p. 31).

Apesar de haver pressa, a urgência subjetiva aponta para uma experiência única do sujeito, que independe do tempo comum a todos. Lacan, para argumentar acerca do tempo que transcorre na subjetividade, introduz a noção de tempo lógico, que difere do cronológico.

O autor faz uso de um sofisma para estabelecer essa noção de tempo: Três prisioneiros são escolhidos para participar de uma prova, em que o vencedor terá garantida sua liberdade. Na prova são escolhidos três entre cinco discos (três são brancos e dois são pretos) para prender nas costas de cada um dos detentos, fora do alcance de seu olhar, sem dar a conhecer qual deles terá sido escolhido. Com isso, estarão à vontade para identificar os discos de seus companheiros, sem que lhes seja permitido informar uns aos outros a cor do disco examinado. O primeiro que concluir sua própria cor, a partir de uma lógica, estará liberto (Lacan, 1945-1966/1998). Os três prisioneiros chegam juntos à mesma conclusão de que são brancos e dirigem-se para informar o resultado. Constatam logicamente:

Dado que meus companheiros eram brancos, achei que, se eu fosse preto, cada um deles poderia ter inferido o seguinte: 'Se eu também fosse preto, o outro, devendo reconhecer imediatamente que era branco, teria saído na mesma hora, logo, não sou preto.' E os dois teriam saído juntos, convencidos de ser brancos. Se não estavam fazendo nada, é que eu era branco como eles (Lacan, 1945-1966/1998, p. 198).

Assim, o tempo lógico pode ser pensado sob três momentos, cujos valores lógicos são diferentes e crescentes: o instante de olhar, o tempo para compreender e o momento de concluir, e este último se apresenta como algo urgente. "É na urgência do movimento lógico que o sujeito precipita simultaneamente seu juízo e sua saída" (Lacan, 1945-1966/1998, p. 206).

Essa noção de tempo lógico é específica à subjetividade e ao inconsciente, de modo que, nas situações de urgência subjetiva, na qual identificamos uma desordem na cadeia simbólica que esbarra na angústia, ao sujeito sobrevém a pressa. "Uma certeza precipitada sem um tempo de compreender" (Calazans & Azevedo, 2016, p. 58). A pressa pela resolutividade e pela conclusão (momento de concluir) atropela o tempo de compreender e se perde a possibilidade de subjetivar e permitir que o sujeito elabore sua experiência.

A urgência é pensada pela clínica médica como uma ruptura aguda, diante da qual se busca apoio num saber que elimina a dimensão do tempo e age imediatamente sobre o acontecimento. A urgência do ponto de vista da psicanálise, embora também pressuponha pressa, prioriza uma pausa propícia para a produção de um sujeito dividido pelo acontecimento (Calazans & Azevedo, 2016, p. 60).

Compreende-se que, na urgência subjetiva, opera-se com a dimensão do tempo lógico, uma vez que o tempo cronológico, com sua demasiada pressa, impede a produção de subjetividade e a oportunidade de simbolização, que só seria possível mediante os três tempos de possibilidade, a saber, o instante de ver, o tempo para compreender e o momento de concluir.

No imediatismo da urgência, deve-se responder com uma pausa, abrindo possibilidades para a subjetividade a partir da palavra que é oportunizada ao paciente (Calazans & Azevedo, 2016). A intervenção favorece a subjetivação da angústia do sujeito atropelado por medo, dor e morte, e que se encontra diante do insuportável. Portanto, se aposta na palavra, que permitirá a construção de uma rede de significantes no discurso do sujeito.

Então, diante da urgência subjetiva, cabe consentir ao sujeito apreender a causa do rompimento que provocou a crise, permitindo-lhe inscrever um espaço de criação e de interrogação sobre si mesmo por meio da palavra. O sujeito precisará encontrar uma maneira para lidar com o insuportável e, para isso, elaborar singularmente algo que possa recobrir o real desordenado e devastador que se inscreve em meio à urgência (Calazans & Bastos, 2008).

A urgência subjetiva pode ser concebida na teoria lacaniana a partir do que é proferido por Lacan (1953-1954/1986) no primeiro seminário sobre "Os escritos técnicos de Freud". O autor coloca o pai, a sexualidade e a morte como as três maneiras de se considerar a contingência, que nos aponta para o inadiável, para o que não se tem resposta e não se pode protocolar. Entendemos que é nessa direção que os dispositivos institucionais devem se orientar ao se depararem com a urgência subjetiva, tal como nos argumentam Calazans e Azevedo (2016).

Constata-se, portanto, que a contextualização da urgência subjetiva nos interpela com um conjunto de conceitos como trauma, desamparo, angústia, real e tempo, noções comumente sinalizadas nos espaços de emergências obstétricas. Dessa forma, o tópico a seguir procurou discutir a respeito da possibilidade de configuração da urgência subjetiva num contexto de emergência obstétrica de alto risco.

 

Urgência Subjetiva em Emergência Obstétrica de Alto Risco

Renata, 23 anos, primigesta, dá entrada no serviço devido ao aumento de seus níveis pressóricos, ainda em gestação pré-termo. Planejou o tipo de parto de seu interesse, juntamente com seu obstetra de referência, em um serviço de baixo risco, ao qual tinha bastante vinculação. Com a intercorrência, chega à instituição desconhecida e depara-se com a incerteza abrupta do desfecho de seu parto, bem como com a quebra de sua programação, que a interpela com uma angústia, com a qual ela não sabe lidar ou mesmo traduzir. O parto e o bebê, tão esperados, agora se apresentam como uma incerteza, ao passo que sua vida é posta nas mãos de profissionais desconhecidos.

Adriana, 28 anos, primigesta, gestação a termo, portadora de diabetes crônica, chega à emergência encaminhada do ambulatório do pré-natal de alto risco, com ausência de batimentos cardíacos fetais. Apresenta histórico de várias tentativas de gravidez sem sucesso devido sua comorbidade crônica. Em situação de desespero, com a iminência de perda, Adriana vivencia longos minutos à espera de um ultrassom que esclareça o quadro de seu bebê. Evidencia-se, por fim, óbito fetal, iniciando-se, então, a indução para trabalho de parto via vaginal. A comprovação de mais uma perda é vivida com longas horas de contrações uterinas para expulsão.

Giovana, 32 anos, chega à instituição na 42° semana de sua segunda gestação, com níveis pressóricos elevados e pouca dinâmica uterina. Inicia-se, então, tomando como base o protocolo de classificação, a indução para o trabalho de parto via vaginal. Giovana é submetida a horas de indução e contrações, que a levam ao desespero e recordam vivências negativas na gravidez anterior, na qual vivenciou o mesmo cenário, que resultou em uma cirurgia de emergência. O medo da perda do bebê soma-se ao encontro com uma situação de perigo e com suas experiências anteriores. O choro, o grito e a face de desespero já não se associam às contrações, mas a uma angústia e desamparo determinados. Giovana não se encaixa no protocolo para uma cesariana, de acordo com a equipe.

As vinhetas acima ilustram o cenário percorrido em meio às emergências obstétricas, nas quais o profissional de psicologia comumente é solicitado a atender chamados que ultrapassam o fazer médico e científico. Há algo que irrompe e não se tem respostas empíricas ou protocolos que solucionem esse buraco, que se abre e provoca uma fenda no indivíduo impossível de suportar.

Algumas características dos setores emergenciais vêm a intensificar o momento crítico da paciente, são elas: imprevisibilidade, fragilidade nas relações, espera por atendimentos, falta de privacidade, risco iminente de morte, dores, entre outros conflitos passíveis de afetar todos os envolvidos (Sassi & Oliveira, 2014). No caso dos espaços emergenciais obstétricos de alto risco, notamos, ainda, algumas especificidades que as mulheres enfrentam, como espaço de privação sensorial, restrição ao leito, falta de espaço para deambular, impossibilidade da permanência de um acompanhante e falta de privacidade que, muitas vezes, força o testemunho de cenas de sofrimento mais graves do que o próprio (Perez, 2010).

O ambiente hostil da emergência acaba por contribuir com a intensificação do momento crítico que vivencia a paciente. Além da possibilidade de morte, a paciente é submetida a um espaço pouco acolhedor, atingindo também os profissionais, que, envoltos nessa conjuntura, pouco se relacionam no atendimento.

A fragilidade nas relações é uma especificidade importante a ser destacada no campo das emergências. Calderon, Cecatti e Vega (2006) arriscam uma discussão sobre esse ponto, enfatizando que a chegada súbita da mulher em um serviço de referência de alto risco, após ter peregrinado em situação de emergência em busca de assistência, ocorre, muitas vezes, sem que ela tenha realizado qualquer contato prévio com o local. A mulher, em geral, desconhece a instituição e os profissionais ali inseridos. Tal fato denuncia o desamparo instaurado, que pode ser definitivo para a manifestação de uma urgência subjetiva, uma vez que se perdem as referências e o programado se dilui.

Outro ponto que se destaca são as próprias situações de risco iminente ou comprovação de perda e morte em um espaço no qual se anseia pelo nascimento. Além da própria perda da programação, causada pelo inesperado, é comum que as complicações gestacionais também resultem em perdas do feto, de algum órgão, como útero e trompas, e na perda de uma idealização.

A mulher, em sua gestação, tende a construir uma relação de unidade com seu bebê. A ruptura abrupta dessa experiência, provocada pelas intercorrências gestacionais, pode ocasionar uma urgência subjetiva de caráter desorganizador, desconhecido, e com a qual ela não sabe lidar ou suportar. A mulher deposita todas as expectativas e projetos de vida na relação com o feto, e a única separação que ela almeja é a decorrente de um parto favorável.

No momento em que o feto se desenvolve, paralelamente à sua construção biológica e determinação genética, forma-se uma trama no inconsciente dos futuros pais, uma tela de sonhos, desejos, segredos, recordações, palavras, que vem especialmente da mãe, empenhada fisicamente neste processo. Antes mesmo de seu primeiro vagido, o bebê já está inscrito em um depois (...). Por sua vez, o recém-nascido, sujeito silencioso, constituirá sempre uma surpresa (Martini, 2014, p. 331).

Em meio ao caos que se revela na emergência obstétrica, observamos a pressa dos profissionais e familiares pelo momento de concluir, diante de uma angústia determinada, no sentido de buscar e responder a algo que preencha uma possível lacuna provocada pela situação. Presume-se que há uma falta, causadora do desamparo ali instaurado. No entanto, a ânsia em conter o sofrimento do sujeito imediatamente acaba por agenciar ainda mais essa angústia (Barros & Moschen, 2014).

Retomemos, nesse ponto, o que constatamos com Lacan sobre a perspectiva do tempo lógico. A emergência obstétrica, como uma boa emergência médica, parte da premissa de que não deve haver intervalo entre chamado e resposta, ao passo que, na urgência subjetiva, diante da impossibilidade do registro da palavra, é preciso frequentemente que a demanda seja ofertada e construída (Barreto, 2004).

Diante da pressa, deve-se assegurar uma pausa, não só ao paciente, mas também à equipe e à família, que imergem na desordem da emergência e vivenciam juntos o luto, a incerteza, a dor, a separação e o desamparo; aspectos que cruzam um ponto de estranhamento, uma vez que esperamos em obstetrícia lidar com a vida, o nascimento e a construção de expectativas.

Identificam-se, portanto, as possibilidades de configuração da urgência subjetiva em meio à especificidade das emergências obstétricas de alto risco. Atenta-se para a necessidade de considerar o lugar da subjetividade nesses espaços, a partir de dispositivos de acolhimento e profissionais capacitados.

 

Considerações Finais

O estudo possibilitou compreender o conceito de urgência subjetiva a partir da psicanálise, que consiste numa experiência inesperada de crise e que coloca o sujeito diante de um insuportável. Consideramos, a partir da pesquisa, que a experiência de urgência subjetiva pode se configurar em situações de emergência obstétrica, tendo em vista o contexto traumático em que o sujeito está inserido. A ruptura do campo discursivo e o encontro avassalador com o real da angústia podem aparecer no contexto emergencial de alto risco obstétrico, no qual comumente estão presentes experiências como a perda, o imediatismo, a incertezas, o inesperado, o desamparo etc.

Essas experiências podem provocar rupturas e contradições de um ideal obstétrico, pois a obstetrícia prevê um espaço em que se anseia pelo nascimento, e a vida deveria estar na ordem do dia, não a possibilidade de sua perda. Assim, essa dualidade perda e nascimento, o caos e a escassez de um olhar que considere a singularidade do local, revelam a emergência obstétrica como rica possibilidade de campo de investigação para a psicanálise, podendo ser beneficiada por uma escuta que considere, acima de tudo, a singularidade.

A partir da análise da revisão bibliográfica, foi possível identificar que os conteúdos sobre emergência obstétrica de alto risco, em sua maioria, revelaram-se estritamente direcionados aos aspectos orgânicos e biológicos, o que indica que os fatores subjetivos da mulher inscrita nessa conjuntura são aparecem de modo escasso na literatura científica, fato que, de certa forma, interfere na assistência profissional.

Em suma, este estudo permitiu refletir acerca dos atravessamentos vivenciados pelos indivíduos em situação de emergência obstétrica, acometidos por uma urgência subjetiva. Em meio à especificidade desse contexto, revela-se uma tentativa de responder com a precipitação, ao tamponar e calar uma angústia. Contudo, inferimos que a tentativa em estancar o sofrimento provoca, em contrapartida, uma privação do espaço de fala e da única oportunidade de subjetivação da experiência.

Entendemos que é preciso, acima de tudo, dar lugar privilegiado à palavra na situação de urgência subjetiva, independente do seu contexto. Quando esse lugar é ofertado, a cadeia simbólica, anteriormente fragmentada, pode vir a (re)tomar forma. Há possibilidade de produção a partir da fissura provocada por essa urgência.

Propõem-se, por fim, o desenvolvimento de novos estudos sobre esse fenômeno, que possam contemplar reflexões e leituras sobre diversos conceitos encontrados na égide psicanalítica, visando contribuir para a melhoria da assistência à saúde materno-fetal. A vivência de uma situação de emergência obstétrica de alto risco expõe a mulher ao real avassalador e insustentável, por esse motivo é fundamental que essa questão seja trabalhada com ênfase e prioridade nesse contexto.

 

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Endereço para correspondência:
Edcarla Melissa Oliveira Barboza
E-mail: edcarlamelissa@hotmail.com

Telma Costa de Avelar
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Juliana Carneiro Torres
E-mail: juc_torres@hotmail.com

Thayrine Bezerra do Nascimento
E-mail: thaynascimento@hotmail.com

Recebido em: 21/02/2018
Revisado em: 09/08/2019
Aceito em: 16/09/2019
Publicado online: 12/02/2020

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