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Revista Subjetividades

Print version ISSN 2359-0769On-line version ISSN 2359-0777

Rev. Subj. vol.20 no.1 Fortaleza Jan./Apr. 2020

http://dx.doi.org/10.5020/23590777.rs.v20i1.e8856 

RELATOS DE PESQUISA

 

Observação psicanalítica da relação mãe-bebê no cárcere

 

Psychoanalytical Observation of the Mother-Baby Relationship in Prison

 

Observación Psicoanalítica de la Relación Madre-Bebé en la Cárcel

 

Observation Psychanalytique de la Relation Mère-Enfant en Prison

 

 

Antonia Claudia Soares Leão dos SantosI; Luan Sampaio SilvaII; Janari da Silva PedrosoIII

IPsicóloga, Mestrado em Psicologia. Doutoranda em Psicologia pela Univerisdade Federal do Pará
IIPsicólogo/Psicanalista. Mestrado em Psicologia. Doutorando em Psicologia pela Universidade Federal do Pará
IIIPós-Doutorado em Psicologia. Professor Associado IV da Faculdade de Psicologia e dos Programas de Pós-Graduação em Psicologia e, Teoria e Pesquisa do Comportamento. Coordena o Laboratório de Desenvolvimento e Saúde - LADS/UFPA. Bolsista Produtividade CNPq, nível 2

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo é o resultado de uma pesquisa de mestrado realizada com o método psicanalítico de observação da relação mãe-bebê criado por Esther Bick, e o contexto utilizado foi uma prisão feminina na região metropolitana de Belém do Pará. Os participantes foram três díades, cujos bebês eram nascidos no cárcere. O referido método recomenda que o tempo total de observação seja de dois anos, contudo houve uma adaptação quanto ao tempo devido se tratar de uma pesquisa de mestrado com prazo de dois anos. Desse modo, as observações foram realizadas durante cinco meses, com uma sessão semanal. As transcrições foram escritas logo após as observações, e foram supervisionadas na sequência. A teoria psicanalítica embasou o referencial teórico, mais especificamente autores clássicos do desenvolvimento humano, como Winnicott, Mahler, Klein e Spitz. Os resultados foram agrupados em três temas: a mãe e o seu bebê; o colo e o carrinho do bebê; e o tempo de brincar. As mães eram jovens, baixa escolaridade; multíparas, estavam detidas pela primeira vez, e dedicavam cuidado exclusivo ao recém-nascido. Quanto à questão jurídica, as três respondiam criminalmente pelo envolvimento com o tráfico de drogas. O estudo comprovou que o método Bick pode ser empregado em ambiente prisional com o propósito de compreender o desenvolvimento emocional do bebê.

Palavras-chave: observação de bebês; prisão; relação mãe-bebê; método Bick.


ABSTRACT

This article is the result of a master's research conducted with the psychoanalytic method of observing the mother-baby relationship created by Esther Bick, and the context used was a female prison in the metropolitan region of Belém do Pará. The participants were three dyads, whose babies were born in prison. The mentioned method recommends that the total observation time be two years; however there has been an adaptation as to the time due to the fact that it is a two-year master's research. Thus, the observations were made for five months, with a weekly session. The transcripts were written shortly after the observations, and were supervised afterwards. Psychoanalytic theory supported the theoretical framework, more specifically classic human development authors, such as Winnicott, Mahler, Klein and Spitz. The results were grouped into three themes: the mother and her baby; the baby's lap and stroller; and playing time. The mothers were young, with low education; multiparous, were arrested for the first time, and dedicated exclusive care to the newborn. As for the legal issue, the three responded criminally for their involvement in drug trafficking. The study proved that the Bick method can be used in a prison environment with the purpose of understanding the baby's emotional development.

Keywords: baby observation; prison; mother-baby relationship; Bick method.


RESUMEN

Este trabajo es el resultado de una investigación de máster realizada con el método psicoanalítico de observación de la relación madre-bebé creado por Esther Bick, y el contexto utilizado fue una cárcel femenina en la región metropolitana de Belém do Pará. Los participantes fueros tres pares, cuyos bebés eran nacidos en la cárcel. El referido método recomienda que el tiempo total de observación debe ser de dos años, sin embargo hubo una adaptación cuanto al tiempo, ya que el máster tiene un plazo de dos años para concluir la investigación. Así, las observaciones fueron realizadas en cinco mese, con una sesión semanal. Las transcripciones fueron escritas después de las observaciones, y fueron supervisadas en la secuencia. La teoría psicoanalítica fundamentó el referencial teórico, más específicamente autores clásicos del desarrollo humano, como Winnicott, Mahler, Klein y Spitz. Los resultados fueron agrupados en tres temas: la madre y su bebé; el regazo y el cochecito del bebé; y el tiempo de jugar. Las madres eran jóvenes, baja escolaridad; multíparas, estaban detenidas por primera vez, y dedicaban cuidado exclusivo al recién-nacido. Cuanto a la cuestión jurídica, las tres respondían criminalmente por la implicación con el tráfico de drogas. El estudio demostró que el método Bick puede ser empleado en ambiente de cárcel con el propósito de comprender el desarrollo emocional del bebé.

Palabras clave: observación de bebés; cárcel; relación madre-bebé; método Bick.


RÉSUMÉ

Cet article est le résultat d'une thèse de maîtrise réalisé avec la méthode psychanalytique d'observation de la relation mère-bébé créée par Esther Bick. Le contexte utilisé a été une prison pour femmes dans la région métropolitaine à Belém, à l'état du Pará, au Brésil. Les participants étaient trois dyades, dont les bébés ont été nés en prison. Cette méthode recommande que le temps total d'observation doive être de deux ans, néanmoins on a fait une adaptation de temps, car il s'agit d'une recherche de maîtrise, et les temps de recherche ne doit être que deux ans. Ainsi, les observations ont été faites pendant cinq mois, avec une session hebdomadaire. Les transcriptions ont été rédigées jusqu'après les observations et ont été immédiatement révisées. La théorie psychanalytique a soutenu le cadre théorique, plus spécifiquement les auteurs classiques du développement humain, tels que Winnicott, Mahler, Klein et Spitz. Les résultats ont été regroupés en trois thèmes : la mère et son bébé ; le sein de la mère ; et le temps de jeu. Les mères étaient jeunes, peu instruites et multipares. Elles ont été détenues pour la première fois et ont consacré des soins exclusifs à leur nouveau-né. Quant à la question juridique, les trois femmes répondaient pénalement pour leur implication dans le trafic de drogue. L'étude a vérifié que la méthode Bick peut être employée dans environnement pénitentiaire pour comprendre le développement émotionnel du bébé.

Mots-clés: observation de bébé; prison; relation mère-bébé; méthode Bick.


 

 

O bebê é um ser vulnerável ao nascer, não sobrevive sozinho, depende de outrem que o cuide, pois ainda não consegue se comunicar pela linguagem verbal e necessita de alguém para suprir suas necessidades vitais, uma vez quemorrerá se estiver por conta de seus próprios meios quanto às questões básicas de alimentação e higiene. Não se trata, entretanto, apenas da questão nutricional e fisiológica, é essencial para o recém-nascido ter quem o ampare. Na sociedade humana, é a mãe quem assume essa função, porém essa também pode ser feita por um cuidador eventual ou permanente, o qual possui a tarefa de contribuir para o estabelecimento de vínculos com o bebê a fim de proporcionar um desenvolvimento emocional saudável (Winnicott, 1987).

Devido ao seu interesse pela vida do bebê no útero, Piontelli (1995) realizou estudos nos quais demonstrou que determinadas experiências intrauterinas podem marcar o aspecto emocional e, futuramente, o próprio comportamento infantil. A autora acreditava que os bebês nascem com certa memória fisiológica do ventre materno, algo meio rústico que necessita da interação com o meio social para a formação do psiquismo.

As contribuições teóricas sobre o desenvolvimento emocional da primeira infância oportunizaram entender que a gênese dos afetos, bem como das psicopatologias, está diretamente vinculada às ligações primárias com a figura materna. Na perspectiva de Winnicott (1987), o bebê nasce com potencial para o desenvolvimento, contudo depende de um ambiente favorável e as mães ou quem exerça essa função, por estarem mais tempo com os filhos, representam esse ambiente por meio de proteção física e psicológica.

Ressaltam-se, também, as influências ambientais que, segundo Caron, Lopes, e Donelli (2013), estão presentes desde a concepção por meio da história de vida dos pais, além das suas fantasias e expectativas com relação ao filho. A história emocional pregressa dos pais poderá influenciar a vida do bebê. Isso foi importante nesse estudo por se tratar de uma pesquisa observacional em cárcere que seria, a priori, o ambiente menos adequado para criação de um bebê, cuja mãe está cumprindo uma pena, impossibilitada de sair para outros espaços.

No início da vida, o mundo do bebê é a própria mãe, a qual é percebida como uma extensão de si mesmo, contudo há uma ambivalência da imagem da mãe para a criança, ela é objeto de amor e ódio (Klein, 1946/1963) e, de acordo com desejos infantis mais primitivos, essa percepção pode gerar conforto ou desconforto. Klein (1946/1963) afirma que o seio materno seria o objeto primário internalizado e a base para um desenvolvimento emocional satisfatório, estando muito além de uma função de nutrição. O bebê recorrerá ao mecanismo de cisão para dividir o objeto/seio, que funcionará como objeto bom ou mau de acordo com os impulsos projetados sobre esse objeto, se prazerosos ou destrutivos. Enquanto objeto mau, o bebê projeta no seio tudo aquilo que pode lhe causar um mal-estar, em contrapartida, quando o seio é vivenciado como bom, representa satisfação para o infante. Ainda não separados, seio, mãe e ambiente são percebidos pelo bebê como algo que gratificam ou frustram seus impulsos (Klein, 1946/1963).

Destaca Klein (1946/1963) que, desde muito pequeno, o bebê tem condições de perceber objetos como bons ou maus e ter sentimentos em relação a eles. Esses sentimentos ou afetos estariam vinculados à formação da estrutura do ego, inveja e raiva, e seriam os primeiros sentimentos demonstrados pelo bebê. Assim sendo, para essa autora, a primeira relação de objeto do bebê seria de forma parcial com o seio materno, em um momento denominado por Klein de posição esquizoparanoide. E, em seguida, na posição depressiva a relação se estabelece com o objeto total, a figura materna em sua totalidade, no qual um desenvolvimento infantil pleno é a segurança de um objeto primário enraizado.

O bebê, ao nascer, encontra-se com suas partes psíquicas desintegradas, não há um todo emocional unificado, trata-se de um estado inicial de não integração, em que não consegue se compor sozinho e precisa desse objeto externo, a mãe, para unificá-lo. Tal entendimento, Bick (1968/2011) nomeou de "pele psíquica", necessária para que o bebê possa se sentir seguro, da mesma forma que os órgãos do corpo têm na pele física o seu limite, sem o qual o corpo se desmancharia. Se não houver a introjeção do objeto bom e a formação da pele psíquica, o bebê não conseguirá juntar suas partes emocionais e se sentir inteiro. Enquanto adulto, poderá ter dificuldades de convivência, sem ter desenvolvido condições emocionais para enfrentar seus problemas e angústias (Bick, 1964).

Por meio do contato de pele, boca e seio, acontecem as primeiras experiências de trocas sensório-corporais entre o bebê e sua mãe, que constituem as primeiras noções de delimitação de lugar, de espaço, da presença do outro e do próprio ser (Freud, 1912/1996b). No decorrer do primeiro ano de vida, com as repetições de contato com a mãe, o bebê forma a sua pele psíquica e favorece um desenvolvimento emocional (Bick, 1964). Caso a integração do bebê não ocorra, ele vivenciará um total desamparo e a sensação de estar se esvaziando; por conseguinte, o objeto permanente representado pela mãe é indispensável para conter ansiedades e vivências trágicas, além de formar um limite, experimentado pelo bebê concretamente como a própria pele (Bick, 1964).

Freud (1950[1895]/1996a) sustenta a ideia de que o bebê é imaturo ao nascer tanto fisicamente quanto psiquicamente. E, para dar conta dessa condição primordial definida como desamparo fundamental, o bebê dependerá de um próximo assegurador (Nebenmensch) que irá acolher as necessidades desse bebê, como o choro provocado pela fome, e terá de realizar alguma ação específica para auxiliar nesse desconforto provocado por esse estímulo endógeno. Nesse contexto, Freud (1950[1895]/1996a) descreve a ação do princípio de constância em oposição ao princípio de inércia, pois é necessário que haja uma tolerância e homeostase ao acúmulo proveniente dessas excitações de estímulos endógenos.

Com isso, assegura-se a função desse outro assegurador no trajeto desse pequeno ser na busca de satisfação de seus estímulos endógenos, pois a satisfação das necessidades advindas de fontes somáticas dependerá de um elemento do mundo externo, ou seja, do cuidador que servirá de apoio para garantir a sobrevivência e desenvolvimento psíquico desse bebê (Freud, 1950[1895]/1996a), o que possibilita a inserção desse pequeno ser no mundo simbólico e atesta a importância da alteridade na constituição psíquica de todo ser humano.

Muitas mulheres, após o parto, sentem-se impotentes e incapazes de se conectar com o bebê devido às mudanças radicais que a maternidade acarreta, o que pode complicar a relação recíproca mãe-bebê, contudo é o desamparo da mãe que a prepara para atender o desamparo do filho (Caron, Lopes, & Donelli, 2013). Na delicadeza da relação da mãe com o recém-nascido, é imprescindível que o laço seja estabelecido desde o parto (Winnicott, 1965), sendo imprescindível um espaço preparado para a mãe encarcerada ficar com seu filho de modo a suprir-lhes as necessidades e estabelecer vínculo com ele.

Para Ronay (2011), a prisão é um local que possui um conjunto de regras de configuração única, cuja atmosfera depende da disponibilidade do observador no sentido de proporcionar que a experiência de observação transcorra naturalmente, semelhante a outros lugares clássicos, como abrigos. No tocante ao sistema carcerário no Brasil, há sérios problemas, como superlotação, instalações decadentes e uma realidade perversa que impõe aos presos dores e humilhações físicas e psicológicas. Observa-se um caráter mais punitivo do que educativo, apesar de o Sistema Penitenciário Brasileiro ter como objetivo a ressocialização baseada no princípio da dignidade da pessoa humana da Constituição da República Federativa do Brasil (2001). O alto índice de reincidência demonstra que o sistema não consegue atingir seu objetivo e manter os egressos fora do mundo do crime (Lima, Pereira, Amarante, Dias, & Ferreira, 2013).

A Constituição Brasileira (Brasil, 2001)) confere direitos às mulheres detentas ao garantir o acesso ao sistema de saúde, ao acompanhamento pré-natal e a condições seguras e salubres para que elas fiquem com seus filhos durante a amamentação. Tal direito representou grande conquista para as mulheres grávidas privadas da liberdade, entretanto esbarra nas dificuldades do Estado, visto que as prisões brasileiras não foram projetadas para abrigar mulheres, tampouco para mães e bebês. A Lei de Execução Penal (LEP) (Lei n.º 7.210/1984), no seu art. 14, §3º, parágrafo que foi introduzido pela Lei Nº. 11.942/2009, assegura acompanhamento médico à mulher, principalmente no pré-natal e no pós-parto, extensivo ao recém-nascido. Esse direito é essencial para a proteção da saúde na gravidez, assim como receber boa alimentação e ter suporte emocional dentro do cárcere para a mãe. Muito mais que um direito, tanto da mulher quanto da criança (arts. 14, § 3º, e art. 89 da LEP, c/c art. 8º, §§ 4º e 5º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, 1990), os cuidados médicos, bem como o apoio social durante a gestação e após o parto, são fundamentais para minorar as consequências perversas do cárcere.

Se as prisões estão inadequadas para homens, para o público feminino a situação é crítica, pois se revelam ainda mais problemáticas para receber mulheres. Na construção dos presídios no Brasil não foram levadas em conta as particularidades do público feminino, de modo que não há banheiros adequados, que deem privacidade, tampouco celas individualizadas, berçários ou espaços adequados para que a mãe encarcerada permaneça e amamente seu bebê.

Ademais, o cárcere, enquanto instituição total, traz como uma de suas principais consequências ao ser humano a sua despersonalização (Goffman, 1961), que leva os presos à renúncia de seus papéis sociais antes da prisão. Especificamente, a mulher grávida encontra-se desfigurada e submetida ao descuido da instituição, e a situação é mais complexa para prever o futuro de uma criança que vivencia seu primeiro ano de vida no referido contexto.

Este estudo trouxe uma inovação quanto ao contexto para emprego do método Bick de observação da relação mãe bebê, que foi o cárcere, sob essa perspectiva, os desafios para acompanhar o desenvolvimento infantil foram ainda maiores devido às peculiaridades de uma prisão.

 

Observar Dentro das Celas: O Método de Pesquisa

O método em psicanálise valoriza mais a escuta do que a fala em ambiente de consultório. O seu objeto é difícil de ser decifrado - o inconsciente -, pois o material emocional está oculto. Esse método funciona com dois vieses: a associação livre, que diz respeito à verbalização sem censura, e a atenção flutuante, caracterizada como o recebimento de material produzido pelo analisante/observado sem prévia concepção. A pesquisa psicanalítica deriva de uma transposição da escuta clínica para a prática em campo, preservando as bases teóricas, porém com adequações quanto ao ambiente e material a ser analisado (Nogueira, 2004).

O método Bick de observação de bebês foi desenvolvido pela psicanalista Esther Bick (1968/2011) para ser utilizado como atividade avaliativa para alunos do primeiro ano no curso de formação de psicoterapeutas infantis na Clínica Tavistock, em Londres, no ano de 1948, para, mais tarde, ser inserido no curso de psicoterapeutas ministrado no Instituto de Psicanálise Britânico, já em 1960. O método, entretanto, é a própria psicanálise aplicada, já que o lugar do observador é o mesmo lugar do psicanalista e baseia-se nos mesmos pressupostos. Conforme Caron et al. (2013), o referido método está fundamentado nos básicos conceitos psicanalíticos: o inconsciente, a atenção flutuante, a transferência e contratransferência, os quais trazem os dados necessários à análise científica.

O objetivo de Bick (1968/2011) era incluir alguma experiência prática com lactentes no curso de formação de psicoterapeutas infantis, fazendo com que os alunos percebessem a sensação que tinham essas crianças, na faixa de um a dois anos de idade, apenas ao observá-las. O segundo motivo seria aumentar a compreensão por parte do aluno quanto ao comportamento não verbal e aos jogos das crianças que ainda não falam. Acreditava Bick (1968/2011) que capacitaria o aluno a entender a história da criança quando este entrevistasse a mãe. A autora considerou uma oportunidade única dar ao aluno a possibilidade de observar o desenvolvimento de uma criança em seu ambiente natural desde o nascimento, no qual emergem emoções das relações familiares.

A despeito de não ter sido elaborado como metodologia científica, o método Bick investiga o desenvolvimento infantil a partir de uma experiência participativa reflexiva desde o nascimento até os vinte e quatro meses de idade, fase decisiva na formação do psiquismo, a partir da transformação da relação do bebê com a mãe e/ou cuidador (Rosa, 1995). Com relação à dimensão técnica, a frequência deve ser de uma visita semanal à casa da criança, com duração de uma hora de observação no primeiro ano, e uma visita quinzenal no segundo ano (Bick, 1964).

Conforme Bick (1964) realizava observação quantitativa de lactentes, mais surgiam inquietações, que a levaram a buscar outra forma de estudar o desenvolvimento de bebês, fato que propiciou o surgimento desse método inovador com enfoque subjetivo comprometido com a descoberta de significados em um ambiente emocional, mas sem explicá-los. Não se recomenda teorizar no método Bick, pois, como postulam Oliveira-Menegotto, Menezes, Caron, e Lopes (2006), o pesquisador parte de um lugar em que nada sabe, devendo se distanciar de teorias e de conceitos prévios, e apenas observar o que ocorrer sem alterar o contexto de movimentos, cuidados, sons direcionados àquele bebê no seu cenário natural, ou seja, apenas acompanhar a rotina da díade (Lemos, Silva, & Pedroso, 2019).

São três fases a cumprir pelo método Bick: a observação, a anotação ou transcrição, e a supervisão. Na primeira fase, a observação, o pesquisador deverá ter uma postura cordial, o mais imparcial possível, evitar intervir no ambiente e manter-se em espera para apenas captar toda a atmosfera que envolve o bebê e sua mãe. A segunda fase deverá acontecer o mais imediatamente após a observação, na qual deve transcrever, com todos os detalhes que lembrar, incluídos os sentimentos decorrentes da observação, os fatos que ocorreram naquele dia de observação (Perez-Sanchez, 1983).

Esse processo não é uma atividade visual, pois, uma vez imerso no cenário, o observador deixa-se envolver por outros sentidos, momento em que o inconsciente comanda e se revela pela mistura da mãe, do bebê e do próprio observador, surgindo sentimentos agradáveis e outros confusos ao observador, como agressividade, atribuídos à díade (Perez-Sanchez, 1983), questão que será trabalhada na próxima fase, que se trata da supervisão dos relatos, os quais contêm o material inconsciente que se revelará por meio da leitura em supervisão dos fatos que aconteceram no dia (Kompinsky, 2000).

Tal supervisão acontece em dois eixos: aquilo que é observado (relação mãe-bebê) e o instrumento da observação, ou seja, o observador. A supervisão funciona com a tarefa de construir o observador, juntamente com o supervisor A função de observador será construída, pois as suas intervenções proporcionam reflexões sobre o desempenho do observador, como o manejo das angústias advindas do local da pesquisa (Souza, 1995). Conscientemente, o observador expõe o que teve acesso com sua observação, verbaliza o que está consciente, entretanto na supervisão que é revelado aquilo que está inacessível ao consciente, porém se faz presente, revelando o seu mundo inconsciente: temores, angústias, sentimentos que o próprio observador não os reconhece como seus e surpreende-se com eles, então o psiquismo se evidencia e gera um fato psicanalítico (Souza, 1995).

Segundo Oliveira-Menegotto et al. (2006), há uma importante recomendação ao se utilizar o método Bick: de o observador adotar uma atitude de espera, orientado a despir-se de conhecimentos anteriores, ou seja, que desenvolva paciência em apenas observar, permanecer como receptor, a evitar antecipações. Deixar-se envolver pelo ambiente, ser discreto e atento a tudo o que acontece ao redor. Apesar de ser uma tarefa difícil de manter, o pesquisador deve simplesmente preencher-se pela realidade observada, mesmo que, nas observações iniciais, ele não consiga compreender as mensagens transmitidas por mãe e bebê, deve-se manter tolerante ao que vê e esse treino o ajudará a controlar sua própria ansiedade. Entretanto essa questão é relativa e alguma interferência é inevitável, pois o próprio ato de observar causa alterações no ambiente (Scorsolini-Comin, Nedel, & Santos, 2014), de modo que se deve ter ciência de que a presença do observador torna o contexto pesquisado diferente.

A referida pesquisa foi realizada nas dependências de uma Unidade MaternoInfantil (UMI), que se trata de um espaço separado do presídio feminino, localizada em uma capital no Norte do Brasil. Trata-se da primeira unidade dessa região destinada às mulheres grávidas. As grávidas dispõem de acompanhamento pré-natal em hospital da rede pública, com a atenção de uma equipe multidisciplinar formada por médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais e nutricionistas, além de haver uma ambulância à disposição da unidade por 24 horas para eventuais emergências. Após o nascimento, a criança pode permanecer com a mãe na unidade até um ano de idade. A casa é espaçosa, possui quatorze leitos distribuídos em dois dormitórios, com um refeitório, uma cozinha, dois banheiros para uso comum das internas, sala da administração, enfermaria e recepção.

Participantes

Este trabalho recebeu autorização judicial e aprovação pelo comitê de ética da universidade, e os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O planejamento das visitas semanais à unidade materno-infantil foi previamente acertado com a gestão da unidade para as terças-feiras, inicialmente pela manhã, porém esse horário foi estendido até à tarde com o intuito de acompanhar a rotina das díades nesses dois turnos.

Estabeleceu-se uma observação semanal alternada para cada díade, em horários diferentes, com uma hora de duração cada, com o intuito de acompanhar momentos diversos da mãe com seu bebê. Os horários de início se modificaram: na primeira semana, começavam às 09h, às10h e às 12h; na segunda semana, às 10h, às 11h e às 13h, sucessivamente, até o fim das observações das três díades.

As três díades foram formadas pelas parturientes e seus recém-nascidos, cujos nomes foram mantidos em sigilo e, para preservar suas identidades, utilizaram-se nomes fictícios: Luísa e Antônio, Maria e Daniel, e Sheila e Tatiane. O critério de seleção das três participantes, além de estarem no final da gravidez, teve inicialmente o aceite delas, com uma explicação resumida do que seria o trabalho. As sessões de observação ocorreram nos ambientes usuais e comuns das detentas, de modo a acompanhá-las em suas rotinas diárias.

Nessa conversa inicial, realizou-se uma entrevista semiestruturada, na qual foram apresentadas as informações sobre o trabalho a ser desenvolvido para as mães e também foi esclarecido que não se tratava de um procedimento terapêutico ou algo similar. Participaram como coadjuvantes desta pesquisa os funcionários, as agentes penitenciárias, os familiares e a equipe psicossocial da UMI devido ao fato de que aparecem nos relatos das mães. No próximo parágrafo será apresentado um breve histórico de cada díade para a compreensão da história de vida de cada mulher.

 

Resultados e Discussão

Neste tópico, foram abordados aspectos relevantes da história de vida das mães encarceradas e seus bebês, com o intuito de fazer uma caracterização da gravidez, dos relacionamentos familiares e os conflitos relatados por elas dentro da UMI. Em seguida, a fim de melhor sistematizar o estudo, as análises foram apresentadas divididas em categorias, as quais foram construídas a partir da teoria que dá suporte a este estudo.

A Jovem Luísa e seu Bebê Antônio

Luísa era uma jovem de 19 anos de idade, vinda do interior do estado do Pará, residia com sua avó, possui mais duas filhas, com dois e um ano de idade. Foi detida grávida, aos sete meses de gestação, sem nunca ter ingressado em uma prisão antes. Luísa sentia-se ansiosa e feliz com a gravidez, seria o seu primeiro filho, cujos cuidados dependeriam integralmente dela, pois para os anteriores recebeu ajuda de familiares.

Luísa era bastante extrovertida, fala com todos na prisão. Esse seu comportamento, muitas vezes, era interpretado como gerador de conflitos. Afirmou que era usuária da droga ilícita conhecida como oxi (abreviação de oxidado, que é uma variação do crack) que passou a usar por intermédio do namorado e que havia usado drogas durante a gravidez. Relatou que "antes de conhecer meu companheiro, minha vida era outra", frequentava a escola, usufruía de uma vida tranquila em família.

Ela acredita que o motivo de sua prisão foi o fato de que andava na rua de sua cidade sob efeito de drogas e fora abordada pela polícia. Após discutir com um policial, sua prisão se deu sob a alegação de porte de drogas para comercialização, situação que ela negou, assegurando que foi apenas usuária. Luísa permaneceu dois dias na delegacia da sua cidade natal, em seguida foi encaminhada para a penitenciária feminina na capital.

Maria, a Mãe de Meninos, e o Bebê Daniel

Maria estava com 27 anos de idade quando se tornou detenta e seu bebê tinha apenas 18 (dezoito) dias de nascido, é seu quarto menino. Em relação à gravidez, Maria informou que foi uma surpresa ter outro menino, ela acreditava ser uma menina - acrescenta-se que ela esperava por uma menina desde a primeira gestação. Maria vivia em união estável há dois anos, seu companheiro tinha 22 anos de idade e possuía emprego fixo, segundo ela.

Afirmou em relato que não fazia uso contínuo de drogas, só esporadicamente fumava e vendia maconha (Cannabis sativa) em sua residência. Sua prisão se deu em um dia que estava com dois amigos usuários de drogas no quintal de sua casa fazendo churrasco. Ela supôs que houve uma denúncia e a polícia chegou de forma inesperada em sua porta. Em seguida, o policial encontrou uma quantidade de maconha em uma árvore e, diante dessa situação, a polícia conduziu os três algemados para a delegacia. No dia seguinte, foi transferida para a capital do estado do Pará, diretamente para a prisão, junto com seu bebê Daniel.

A (Des)conhecida Mãe Sheila e sua Bebê Tatiane

Sheila era uma mulher agitada e que pouco sorria no período da entrevista, afirmou ter 19 anos de idade, apesar de aparentar mais. Estava na prisão feminina há um ano por envolvimento em um latrocínio, em seguida fora transferida para a UMI devido ao parto estar próximo. Sheila afirma possuir três filhas, de 9 anos, 6 anos e a recém-nascida. As duas mais velhas residem, respectivamente, com a avó materna e com o pai, e são filhas de relacionamentos diferentes.

Sheila não foi muito clara ao relatar o motivo que a levou à prisão. Ela informou na entrevista, com um misto de temor e raiva, que tem noção de que irá a julgamento por júri popular. Ela assumia postura enigmática e diz não gostar de falar de si mesma. Quanto ao uso de drogas e bebida alcoólica, afirmou nunca ter consumido, apesar de conviver com amigos que usavam.

Ela afirmou que essa terceira gravidez foi planejada por ela e o companheiro, e considerava seu relacionamento amoroso como muito bom. Entretanto seu companheiro cometeu suicídio poucos dias antes do nascimento da criança e Sheila não soube explicar o motivo desse acontecimento. Faz questão de ressaltar sua felicidade ao estar com a filha nos braços e assume uma postura de mãe presente, todavia essa característica de boa mãe fica meio incongruente ao exibir um comportamento agressivo e ameaçador às outras detentas. Conforme registro do seu prontuário, ela ameaçava os agentes penitenciários e as próprias colegas de unidade, o que provocou o seu isolamento em relação às demais detentas.

No Colo da Mãe e no Carrinho de Bebê

Existe uma experiência entre a mãe e o bebê que é representada pela maneira como esta carrega e sustenta seu filho no colo. É algo físico, da ordem de contato da pele, mas também psíquico, pois tem um significado simbólico marcante para díade. Esse modo como o infante está no colo pode representar o quanto é amado e foi uma criança desejada, o conceito dessa experiência é holding (Winnicott, 1986).

No caso da primeira dupla observada, em vários momentos, Luísa deixava o bebê mais tempo no carrinho do que o tinha no seu colo, ausentava-se do quarto onde Antônio estava e deixava outra detenta a olhá-lo, como será evidenciado no trecho abaixo:

Depois de muitos minutos, houve um barulhinho vindo de uma cama, foi o barulho de mola do colchão. Não foi muito alto, mas suficiente para acordar Antônio, que se assustou, agitou os bracinhos fazendo uma careta começando a chorar baixo, e a detenta que estava tomando conta dele perguntou para outra, que entrou no quarto, onde estava Luísa, que não soube informar, então mandou chamá-la. Quando Luísa chegou, olhou de longe para o carrinho e disse que Antônio estava dormindo, e a detenta que estava tomando conta do bebê disse: 'não, ele está acordado'. Luísa se aproximou e olhou o rosto do filho, vendo que ele estava de olhinhos abertos, não o carregou, saiu do quarto empurrando o carrinho. (Luísa 7ª observação, com Antônio 11 semanas)

Luísa mostrou-se, em quase todas as observações, indisponível a Antônio. Ela recorria demasiado ao carrinho e ficava menos atenta ao filho. Essa indisponibilidade de Luísa pode ter representado uma experiência negativa para Antônio devido à necessidade que o bebê tem de ser acolhido, além de influenciar na formação da sua personalidade, pois, segundo Winnicott (1987), as experiências com a mãe nos primeiros meses de vida são as bases do desenvolvimento infantil, da saúde mental e também formadoras da personalidade.

Maria colocou o bebê no carrinho e foi para dentro da casa, ficaram três detentas, Daniel e uma criança de 1 ano de idade brincando no chão. Daniel acordado se mexia muito no carrinho, ao olhá-lo assim, lembrei-me de quando iniciei a observação dessa criança, ele ficava bem pequeno dentro do carrinho e, agora, ocupava quase todo o espaço do mesmo. Maria entrou no refeitório olhando para o filho e saiu em seguida para buscar seu almoço, voltou com a quentinha na mão e sentou-se no banco, levantou-se, pegou o bebê, ficando de pé com ele nos braços e disse: 'Daniel, eu preciso comer, eu tô com fome e, se eu não almoçar, vou ficar fraca e tu vais morrer de fome', colocou Daniel novamente no carrinho e abriu sua quentinha. (Maria 5ª observação, Daniel 12 semanas)

Conforme o relato acima, o carrinho era, recorrentemente, usado pela mãe no decorrer das observações em detrimento do colo, era o recurso mais utilizado como substituição da própria mãe. Fato que denota uma falha no contato mãe-bebê, porque o objetivo da mulher permanecer na unidade era o de cuidar do seu filho, porém mostra-se irritada ao atender às solicitações da criança em tempo integral. As separações vivenciadas pelo bebê podem acarretar consequências ao seu desenvolvimento, em especial na vigência da fase simbiótica, na qual o bebê fica patologicamente ligado a ela, postula Mahler (1975). Semelhante ao nascimento biológico, que se dá por uma separação física, para Mahler (1975), o nascimento psicológico ocorre em decorrência da separação psíquica entre mãe e bebê, e acontece por meio de três fases psíquicas no decorrer dos primeiros anos de vida.

Logo após o nascimento físico, o recém-nascido vive uma fusão com a mãe, ela é parte dele para satisfazê-lo, de modo que não percebe a mãe como distinta de si. Para que ocorra essa percepção é necessário que o bebê ultrapasse fases de desenvolvimento psíquico. A primeira fase denominada autística ocorre no primeiro mês de vida, na qual o bebê passa longos períodos de sono, envolto em seu mundo interior, quase não responde aos estímulos externos. A segunda fase chama-se simbiótica, equivale ao segundo e terceiro mês de vida, período no qual o bebê fica mais desperto e começa a perceber que há um mundo a sua volta, olhando ao redor, entretanto ainda há uma grande dependência da mãe. A terceira e última fase é denominada separação-individuação, que percorre do quinto ao trigésimo quinto mês, quando ocorrem dois processos: a individuação, em que a criança começa a adquirir sua individualidade e, na separação, inicia a compreensão dos limites entre si mesmo e sua mãe (Mahler, 1975).

O processo de separação-individuação marca o nascimento psicológico da criança, trata-se de uma evolução progressiva em que a individualidade é construída. Por volta do quarto e quinto mês inicia a separação da mãe, a simbiose começa a dar lugar a uma diferenciação e finaliza por volta dos três anos de idade com a identidade psíquica formada. Para completar a fase da separação, a criança reconhece a mãe como uma pessoa distinta de si, já está com habilidades motoras e locomotoras desenvolvidas. Para a conclusão do processo de separação-individuação, é necessário que a criança alcance confiança em si mesma e evolua cognitivamente.

Ressalta-se, neste estudo, a questão de os bebês terem sido deixados por longos períodos no carrinho em substituição à mãe na fase em que é necessário contato materno frequente. Tal fato poderá contribuir para que a criança desenvolva consequências negativas na sua autoimagem e na formação da identidade.

Brincadeiras com o Bebê

Este tema trata de peculiaridades da interação mãe-bebê, no qual o brincar vai além da ideia de recreação, ocupa um lugar de simbolismo no desenvolvimento emocional infantil. As brincadeiras fazem a criança acumular experiências importantes para a vida (Winnicott, 1964), e esse processo se inicia desde o nascimento, quando a criança encontra na mãe o que busca, o seio e o amparo, evidenciado no trecho abaixo:

Maria estava sentada na cama brincando com seu filho no primeiro quarto, ela mudou sua cama do quarto de trás para esse que agora está. Quando me viu, Maria disse com voz infantil: 'eu tô brincando com a minha mãe'. Em seguida, Maria sentou a criança no seu colo e brincava com um aviãozinho de brinquedo fazendo este voar sobre a cabeça do bebê, e Daniel tentava levantar a cabecinha para acompanhar. Depois ela pegou uma bolinha e a apertava na barriga da criança fazendo barulhinho, o bebê levava as mãozinhas em direção aos apertões. (Maria, 6ª observação, Daniel 12 semanas e meia)

Observou-se a iniciativa da mãe em brincar com o filho, o que o estimula a interagir nas brincadeiras, algo que decorre da dedicação e da intuição maternas. A criança aprende e adquire experiências com as brincadeiras, ela evolui por meio das fantasias que cria e experimenta. Portanto, brincar é fundamental para a criança elaborar suas angústias, de modo que representa uma riqueza emocional infantil, pois ela usa o seu mundo da imaginação para se relacionar e elaborar o que apreende do contato com os adultos (Winnicott, 1965).

Sheila falava com as colegas e, ao mesmo tempo, passava roupas e brincava com a filha, por um tempo ela fez a brincadeira do "juju", na qual colocava uma fralda no rosto da criança, ora ela tirava, ora ela deixava que a própria criança tirasse do rosto e, quando isso acontecia, ela aproximava seu rosto da filha e dizia "juju", a bebê sorria muito, chegou a emitir som de risada. Pensei que Sheila tem muito carinho com a criança, uma forma especial de segurá-la e até de se referir sobre ela. Chega a impressionar a disponibilidade de Sheila para sua filha. (Sheila, 8ª observação, Tatiane, 10 semanas)

A criatividade das brincadeiras é saudável para as crianças e contribui para a formação de uma personalidade adulta saudável, vê-se no trecho acima que Sheila valoriza os momentos com sua filha mesmo sem saber da importância desse contato para o psiquismo do bebê. Postula Winnicott (1964) que o brincar é algo inato. A compreensão não-verbal dessa mãe com sua filha gera identificação entre as duas, porque a mãe está sintonizada com ela, o que seria um reflexo da criança, como o sorrir após o "juju" significa para a mãe uma resposta pessoal da criança para seu chamamento.

O comportamento exploratório dos bebês era incentivado pelas mães na prisão. Após essas sessões com as díades, percebeu-se que as brincadeiras contribuíam para deixar a mãe mais relaxada e o bebê mais conectado com ela. Apesar disso, até nas brincadeiras surgem prazer e desprazer que são importantes para a construção do psiquismo (Spitz, 1965). Gradualmente, a tarefa de brincar vai retirando o bebê da sensação de onipotência. As fantasias ajudam a afastar o bebê da ilusão interna de poder, do seu mundo simbolicamente autístico, para lhe apresentar o externo, um mundo onde o ele e a mãe são duas pessoas distintas.

 

Conclusões: O Que foi Revelado pelo Método Bick

Este estudo, no qual o método Bick de observação da relação mãe-bebê foi adaptado para o contexto de uma prisão, foi sensível ao captar a relação de cuidado entre a mãe e o bebê num ambiente cerceado. Na instituição carcerária, observou-se que a presença do bebê foi importante para a mulher lidar com o estresse da privação da liberdade, a ansiedade pela sentença judicial e a mudança parcial do estigma de presidiária para ser tratada como mãe e cuidadora do seu bebê.

Entendemos que a permanência do bebê com a mãe no cárcere ajuda no cumprimento da pena pelo fato das tarefas maternais desviarem o foco do desgaste emocional que uma prisão traz. Igualmente acreditamos que, para o desenvolvimento emocional saudável do bebê, torna-se essencial esse laço afetivo primário com sua mãe. Ainda verificamos que a instituição pesquisada contribui com a maternidade por meio de medidas inovadoras na região norte do Brasil, ao proporcionar um ambiente acolhedor para a gestante/mãe e o recémnascido.

As mães observadas neste estudo possuem uma peculiaridade que as difere de outras mães em relação ao tempo disponibilizado ao bebê, pois elas permanecem na unidade exclusivamente para a amamentação e demais cuidados maternos. No entanto a expectativa de sair do cárcere com os seus bebês mobiliza sentimento de tristeza e de preocupação com o futuro do filho devido ao fato de que, ao completar 12 meses, a criança terá que deixar a unidade devido às normas da instituição prisional.

O aprisionamento feminino é permeado por sentimento de culpa e sofrimento. A mulher-mãe vive o estigma de ser presidiária e, ainda, é penalizada quando deixa outros filhos em sua casa ou, em muitos casos, os entrega aos familiares para serem cuidados ou irão para adoção. Apesar de ter assegurados em lei seus direitos, observa-se que a maternidade dentro das prisões ainda é um tabu, com frágeis políticas de acompanhamento às gestantes e à amamentação.

Em se tratando do norte do Brasil, especificamente a Amazônia, que possui um vasto espaço territorial, há uma peculiaridade: os familiares das três mulheres pesquisadas estão na área rural do estado, como a maioria das mulheres que lá se encontram. Os seus filhos ajudam como suporte emocional na rotina do cárcere, visto que recebem poucas visitas de parentes.

Os cuidados na unidade carcerária são em tempo integral e exclusivo. As mães estão sob as regras estabelecidas pela instituição, e devem cuidar do banho, da alimentação e do horário para o banho de sol dos bebês. Verificamos que, na prisão, as mães raramente se ajudam, pouco ficam com os bebês das colegas, porque não têm tempo. Cada mãe vive basicamente com seu filho e deve estar atenta para as necessidades dele. A relação de dedicação em um ambiente que pode parecer hostil facilita um vínculo de apego e pode desencadear novas formas de cuidado materno.

Este trabalho mobilizou sentimentos na observadora pertinentes à sua relação com as díades e como elas se revelaram nas observações. A observação de bebês é uma experiência única para a psicanálise, além de ser vivencial por meio do contato direto entre pesquisador e pesquisado, sem o primeiro utilizar a interpretação no momento em que está no cenário de observação, sendo marcante enquanto trabalho reflexivo para o observador.

Quando a observadora percebeu que o bebê estava satisfeito pelo contato com a mãe, surgiam sensações gratificantes também para ela, como emoção de felicidade pelo fato de o bebê estar sendo acolhido com afeto por sua mãe. Talvez essa questão fosse significante para a observadora pelo fato de também ser mãe e conhecer o quanto é prazeroso e angustiante ter um bebê nos braços.

Este estudo provocou reflexões e discussões acerca do desenvolvimento psíquico de três crianças cujos primeiros meses de vida foram passados dentro de uma casa penal. Acredita-se que o interesse de realização de trabalhos acadêmicos com essa temática provocará a atenção para esse grupo social, assim novos estudos poderão acontecer e se estender para outras questões psicossociais importantes, tais como a saída da criança do convívio com a mãe no cárcere, às vezes com um destino incerto: o lar ou a adoção.

Há necessidade de mais pesquisas com o intento de mobilizar o Estado para investir em políticas públicas que visem à diminuição da violência física e psicológica existente nas prisões, para que o objetivo da ressocialização seja respeitado e cumprido com eficácia, haja vista que, após cumprirem suas penas, as mulheres deveriam conseguir ser inseridas na sociedade com oportunidades reais de trabalho para redução das taxas de reincidência e menor envolvimento com a criminalidade.

 

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Endereço para correspondência:
Antonia Claudia Soares Leão dos Santos
E-mail: claudialeao05@gmail.com

Luan Sampaio Silva
E-mail: psi_luansampaio@hotmail.com

Janari da Silva Pedroso
E-mail: pedrosoufpa@gmail.com

Recebido em: 10/01/2019
Revisado em: 27/12/2019
Aceito em: 06/01/2020
Publicado online: 16/04/2020

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