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Print version ISSN 2359-0769On-line version ISSN 2359-0777

Rev. Subj. vol.20 no.2 Fortaleza May/Aug. 2020

http://dx.doi.org/10.5020/23590777.rs.v20i2.e9379 

ESTUDOS TEÓRICOS

 

Diferenças Conceituais entre o Inconsciente Freudiano e Lacaniano No Caso Miss Lucy R.

 

Conceptual Differences between the Freudian and Lacanian Unconscious in the Miss Lucy R. Case

 

Diferencias Conceptuales entre el Inconsciente Freudiano y Lacaniano en el Caso Miss Lucy R.

 

Différences Conceptuelles entre l'Inconscient Freudien et Lacanien dans l'Affaire Miss Lucy R.

 

 

Janderson Andrade RodriguesI; Mario FleigII; Marta Regina de Leão D'AgordIII

IMestre em Psicologia Social e Institucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Doutorando do Programa de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Membro da Apertura para Otro Lacan (APOLa Internacional)
IICoordenador da Pós-Graduação/Especialização Psicanálise, técnica e teoria pela UNISINOS, ex-professor titular do PPG-Filosofia da UNISINOS. Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e Pós-Doutorado por Université Paris-XIII
IIIMestre em Filosofia. Doutora em Psicologia do Desenvolvimento, Professora do Departamento de Psicanálise e Psicopatologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicanálise: Clínica e Cultura, Porto Alegre/RS, Brasil. Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Pesquisadora Produtividade CNPq

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente artigo, ao apresentar o caso Miss Lucy R., busca descrever as matrizes do conceito de inconsciente presentes nos processos descritos por Freud, considerados como responsáveis pela formação dos sintomas apresentados por Miss Lucy R., isto é, as sensações olfatórias persistentes de "torta queimada" e de "fumaça de charuto", por meio da alegoria arqueológica do inconsciente, tal como a concebeu o autor. Em seguida, os sintomas foram submetidos a uma análise realizada em termos significantes, baseada na formulação lacaniana de que o inconsciente é estruturado como uma linguagem. A análise permitiu acompanhar os deslizamentos metonímicos e as substituições metafóricas presentes nos sintomas exibidos por Miss Lucy R., os quais podem ser lidos como os "sentimentos cálidos" sobre os quais ela nada queria saber. Em seguida, contrastaram-se diferenças conceituais presentes nos modelos explicativos de Freud e de Lacan acerca da noção de inconsciente. Ao final, podem-se destacar algumas contribuições lacanianas à psicanálise com relação à importação do modelo linguístico.

Palavras-chave: inconsciente; Miss Lucy R.; Freud; Lacan; linguagem.


ABSTRACT

The present article aims to describe the matrices of the concept of unconscious inside the processes depicted by Freud when presenting Miss Lucy R. case and also considered responsible for the formation of the symptoms presented by Miss Lucy R. such as persistent olfactory sensations of "burnt pie" and "cigar smoke", through the archeological allegory of the unconscious as conceived by the author. Later on, the symptoms were subjected to an analysis carried out in significant terms based on Lacan's formulation about the assumption that the unconscious is structured like a language. Thus, the analysis enabled to monitor the metonymic slips and metaphorical substitutions present in the symptoms exhibited by Miss Lucy R., through which they can be read as "warm feelings" about which she wanted to know nothing. Then, conceptual differences present in the explanatory models of Freud and Lacan about the notion of the unconscious were contrasted. Finally, it is possible to highlight some Lacanian contributions to psychoanalysis regarding the importation of the linguistic model.

Keywords: unconscious; Miss Lucy R.; Freud; Lacan; language.


RESUMEN

El presente artículo, al presentar el caso de Miss Lucy R., busca describir las matrices del concepto de inconsciente presente en los procesos descritos por Freud considerados responsables de la formación de los síntomas presentados por Miss Lucy R., las persistentes sensaciones olfativas de "torta quemada" y "humo de cigarro", a través de la alegoría arqueológica del inconsciente tal como la concibe el autor. Luego, los síntomas fueron sometidos a un análisis llevado a cabo en términos significantes basado en la formulación lacaniana de que el inconsciente es estructurado como un lenguaje. El análisis permitió seguir los deslizamientos metonímicos y las sustituciones metafóricas presentes en los síntomas exhibidos por Miss Lucy R., a través de los cuales pueden leerse como los "sentimientos cálidos" sobre los que ella no quería saber nada. Luego, las diferencias conceptuales presentes en los modelos explicativos de Freud y Lacan acerca de la noción de inconsciente fueron contrastadas. Por último, es posible destacar algunas contribuciones lacanianas al psicoanálisis con respecto a la importación del modelo lingüístico.

Palabras clave: inconsciente; Miss Lucy R.; Freud; Lacan; lenguaje.


RÉSUMÉ

Cet article, en présentant le cas de Miss Lucy R., s'attache à décrire les matrices du concept de l'inconscient présentes dans les processus décrits par Freud en les considerant comme responsables de la formation des symptômes présentés par Miss Lucy R., les sensations olfactives persistantes de « tarte brûlée » et de « fumée de cigare », à travers l'allégorie archéologique de l'inconscient telle que conçu par l'auteur. Ensuite, les symptômes ont été soumis à une analyse réalisée en termes signifiants basée sur la formulation lacanienne selon laquelle l'inconscient est structuré comme un langage. L'analyse a permis de suivre les glissements métonymiques et les substitutions métaphoriques présents dans les symptômes manifestés par Miss Lucy R., à travers lesquels ils peuvent être lus comme des « sentiments chaleureux » dont elle ne voulait rien savoir. Ensuite, les différences conceptuelles présentes dans les modèles explicatifs de Freud et de Lacan sur la notion de l'inconscient ont été contrastées. Enfin, il est possible de mettre en valeur certaines contributions de Lacan à la psychanalyse concernant l'importation du modèle linguistique.

Mots-clés: inconscient; Miss Lucy R; Freud; Lacan; langage.


 

 

Por meio de um raciocínio analógico, Freud não deixa de se servir da arqueologia para traçar paralelos com a psicanálise do início ao fim de sua obra. O inconsciente corresponderia à história a ser recobrada ou reconstruída com base nos seus vestígios que, por sua vez, equivaler-se-iam aos sintomas dessa história que se encontra esquecida ou mal contada. Além disso, o trabalho do psicanalista se equipararia ao do arqueólogo, como aquele que seria o responsável por agenciar essa construção por meio dos instrumentos que possui em mãos.

Em vista disso que, no contexto dos "Estudos sobre a histeria"1, de acordo com Freud (1895/2008), as histéricas padecem sobretudo de reminiscências de eventos associados a uma ideia que se pretende rechaçar, tirar da cabeça ou esquecer. Portanto, é o pensamento de ocorrência simultânea a um evento específico que torna esse último traumático. Sendo assim, o sintoma constitui o retorno de um resto de lembrança de um evento associado a uma ideia que se pretende repelir do comércio associativo disponível à consciência. Como consequência dessa tentativa de exclusão, os sintomas corresponderiam ao retorno de um resto de lembrança não reconhecido como tal.

Contudo as vias pelas quais se dão esses retornos na qualidade de sintoma, descritas nos "Estudos sobre a histeria" por Freud (1895/2008), não são, necessariamente, as mesmas. Por vezes, o vínculo entre o evento de repercussão traumática e o sintoma propriamente dito se manifesta pela intrusão de um resto de memória, ao modo de um corpo estranho, na qualidade de traço de percepção, determinando o que o autor chamou de conversão com base na simultaneidade [Konversion auf Grund von Gleichzeitigkeit], isto é, o sintoma corresponde ao retorno de um traço de percepção do evento que ocorrera de forma simultânea à ideia que foi repelida da consciência. De forma diversa, em outros casos, esse vínculo é, em ampla medida, simbólico, ao considerar o retorno simbólico da lembrança do evento de repercussão traumática equivaleria, conforme nos diz o autor a propósito do mecanismo de conversão por simbolização [Konversion durch Symbolisierung] a uma espécie de idiomatismo [Redensart], de uma metáfora.

O que interessa aos propósitos deste artigo diz respeito a um recorte específico dos "Estudos sobre a histeria": a descrição realizada por Freud dos mecanismos psíquicos responsáveis pela sintomatologia histérica e a sua interpretação a respeito dos sintomas apresentados por Miss Lucy R., os quais o autor atribuiu a uma conversão com base na simultaneidade, interpretação à qual o presente trabalho pretende aplicar as formulações de Lacan, advindas da virada linguística proposta à psicanálise e pautadas em Jakobson, segundo as quais o inconsciente é definido como estruturado como uma linguagem. Através desse percurso, buscar-se-á explorar deslizamentos metonímicos e substituições metafóricas presentes nos sintomas apresentados por Miss Lucy R., quais sejam, os cheiros de torta queimada e de fumaça de charutos. Permitindo, com isso, ao fim, contrastar diferenças conceituais presentes nos modelos explicativos de Freud e de Lacan à noção de inconsciente e, consequentemente, destacar algumas contribuições lacanianas relativas à importação do modelo linguístico à psicanálise.

 

Caso Miss Lucy R.

Nos "Estudos sobre a histeria", um exemplo que ilustra o mecanismo de conversão por simbolização é o caso Cäcilie M.. Ela sofria, de tempos em tempos, de uma neuralgia facial, limitada à região do segundo e terceiro ramos do nervo trigêmeo. Em decorrência disso, antes de ser encaminhada a Freud, Cäcilie M. se sujeitou a diversas intervenções médicoodontológicas, contudo sem sucesso algum (Freud, 1895/2008).

Segundo o autor, Cäcilie M. sofria também de alucinações, que remetiam a traços de percepção visual de cenas de seu passado e que, sob hipnose, revelavam-se a que momento, propriamente, deviam sua existência. Submetida à hipnose, "como uma série de imagens com um texto elucidador", poder-se-ia reconhecer as conexões de pensamentos que comandavam as sequências dos incidentes histéricos de Cäcilie M. (Freud, 1895/2008, p. 190).

Na ocasião em que se tratava de evocar a cena simultânea à ideia que havia lhe ocorrido e que causara a neuralgia facial, Cäcilie M. foi conduzida a uma época de grande suscetibilidade anímica em relação ao seu marido. Ao relatar uma conversa que teve com ele nessa ocasião, na qual ele lhe disse coisas que a ofenderam, gritou de dor e disse que aquilo que o marido houvera lhe dito teria sido como uma bofetada. No dia seguinte, Cäcilie M. volta a sentir dores faciais que, na sequência do tratamento, atribuem-se a cenas ainda mais antigas nas quais foi objeto de ofensas. Freud, entretanto, não deixa de supor uma conversão pautada na simultaneidade como fundamento para a conversão por simbolização de Cäcilie M. (Freud, 1895/2008).

No caso Miss Lucy R., no entanto, Freud o concebera, unicamente, como resultado de uma conversão com base na simultaneidade, isto é, os sintomas apresentados por Miss Lucy R. não continham o aspecto simbólico tal qual o autor houvera encontrado no caso Cäcilie M. (Freud, 1895/2008).

Miss Lucy R. foi encaminhada a Freud por um médico de sua amizade e encontrava-se com uma perda quase completa de sua percepção olfativa, salvo por uma ou duas sensações olfatórias, as quais sentia como muito penosas e que a perseguiam quase que continuamente. Além disso, andava abatida, fatigada, queixava-se de um peso na cabeça, falta de apetite e uma diminuição de sua capacidade de rendimento (Freud, 1895/2008).

A interpretação [Deutung] de Freud para os sintomas foi a seguinte: as sensações olfatórias subjetivas, enquanto alucinações recorrentes, eram, na verdade, sintomas histéricos permanentes, e a inquietação que a assolava condizia ao afeto correspondente ao retorno desse traço de percepção relativo a um evento de repercussão traumática. Dessa forma, os odores agora subjetivos deveriam ter sido objetivos na ocasião do evento de repercussão traumática, e a sua persistência corresponderia a uma espécie de retorno na forma de símbolo de lembrança (Freud, 1895/2008).

Além disso, as sensações olfatórias subjetivas mostravam uma particularidade. Ao perguntar sobre a natureza do odor que a perseguia, Miss Lucy R. responde: "como de torta queimada" [verbrannten Mehlspeise] (Freud, 1895/2008, p. 125). Ao que Freud só poderia supor a ocorrência de uma sensação olfatória correspondente a uma torta queimada na ocasião da vivência de eficácia traumática. Não sem um certo estranhamento por parte do autor pela eleição de uma sensação olfatória como símbolo de lembrança do trauma, Freud não deixa de indicar que, tendo em vista as perturbações orgânicas relativas ao aparelho olfatório da paciente, o nariz e as suas percepções houvessem ganho uma atenção especial por parte dela.

Ademais, com base na noção de que os processos fisiológicos e os processos psíquicos são concomitantes dependentes, assim como Freud (1891/2013) houvera concebido em seu trabalho sobre as afasias, poder-se-ia dizer o seguinte: que os processos de captação de estímulos e transmissão do impulso nervoso relativos às sensações olfatórias coincidiram no tempo e no espaço com associações psíquicas (uma ideia/pensamento) de repercussões traumáticas.

Tributário do paralelismo psicofísico do neurologista britânico Hughlings Jackson, de quem houvera extraído a noção de concomitância dependente, o paralelismo freudiano entendia que a cadeia dos processos fisiológicos no sistema nervoso não se encontra numa relação de causalidade com os processos psíquicos, mas, sim, de simultaneidade. Portanto, os processos fisiológicos não causam os processos psíquicos, pois estes não são epifenômenos daqueles ou meros efeitos da estimulação de inervações. Porém não são totalmente independentes, "o psíquico é um processo paralelo ao fisiológico ('um concomitante dependente')" (Freud, 1891/2013, p. 78).

Em outros termos, a proposição de que os processos fisiológicos (captação de estímulos e transmissão do impulso nervoso) e os processos psíquicos (leia-se aqui associações entre representações) são concomitantes dependentes supõe um fator temporal. Quer dizer, eles são simultâneos, paralelos e de ação recíproca (Winograd, 2013). Entretanto a suposição de que eles ocorrem ao mesmo tempo, ou, então, paralelamente, não reduz um ao outro. As leis que determinam as associações entre representações (palavraobjeto, objetoobjeto, palavrapalavra) não são as mesmas que regulam os processos fisiológicos (Freud, 1891/2013).

Com base nisso, Freud resolve fazer do "odor de torta queimada" o ponto de partida da análise que se seguirá. Tratava-se agora de colocar Miss Lucy R. em hipnose e resgatar das profundezas a memória cuja sensação olfatória subjetiva era símbolo ou, dito de outra forma, resto de percepção. Entretanto Miss Lucy R. não cai sonâmbula quando Freud tenta hipnotizá-la. Freud se vê constrangido a lançar mão de outra técnica para não precisar abandonar o método catártico2: a técnica da pressão na testa (Freud, 1895/2008).

Ao lançar mão dessa técnica, Freud pergunta a Miss Lucy R. se ela recordava a ocasião na qual a sensação olfatória de torta queimada tinha sido gerada. Ela, então, relata uma cena ocorrida há uns dois meses, dois dias antes do seu aniversário, na qual ensinava a cozinhar duas meninas, filhas de um industrial viúvo, pelas quais Miss Lucy R. era responsável pela educação. Nessa ocasião, Miss Lucy R. recebera uma carta cuja letra e selo postal permitiam deduzir que a remetente era a sua própria mãe. Ela quis abri-la e lê-la, só que as meninas se arremessaram sobre ela, arrancaram a carta de sua mão e disseram que não poderia lê-la naquele momento, pois, sem dúvida, a carta era para o seu aniversário e que, por isso, iriam guardá-la até que esse dia chegasse. De pronto, difundiu-se um intenso odor. As crianças haviam abandonado a torta que cozinhavam, a qual queimara. Desde então, a sensação olfatória de torta queimada lhe perseguia, retornando mais forte quando se encontrava nervosa (Freud, 1895/2008).

Freud então pergunta: "vê você nitidamente diante de si essa cena?". Ao que Miss Lucy R. responde: "de maneira palpável, tal como a tinha vivenciado". Freud replica: "que pode nela haver-lhe emocionado tanto?". Miss Lucy R.: "tocou-me a ternura que as crianças me demonstravam". Freud, então, questiona: "não eram sempre tão ternas?" (Freud, 1895/2008, p. 131-132).

Depois de uma série de perguntas a respeito do que houvera comovido Miss Lucy R. a propósito da tal cena, Miss Lucy R. diz que tinha a intenção de viajar para visitar sua mãe e lá permanecer em definitivo; abandonando, por consequência, as crianças; uma vez que os demais empregados da casa acreditavam que Miss Lucy R. houvera se ensoberbecido em seu posto e estariam unidos em uma pequena intriga contra ela. Não encontrando apoio quando se queixara a esse respeito aos patrões, anunciou sua saída ao pai das meninas, o qual lhe respondeu, muito amistosamente, que deveria tomar duas semanas para pensar antes de comunicar-lhe uma decisão definitiva. Era nesse período em que Miss Lucy R. se encontrava quando ocorreu o evento na cozinha (Freud, 1895/2008).

Freud a interroga sobre a existência de alguma razão em particular para que Miss Lucy R. permanecesse na casa mesmo acreditando naquele momento que a abandonaria. Ao que ela responde que houvera prometido à mãe das meninas, em seu leito de morte, ocupar-se com todas as suas forças das pequenas e não as abandonar; comprometendo-se, até mesmo, a substituí-la. Ao anunciar o seu interesse em sair da casa, caso levasse a cabo essa ideia, romperia a promessa que fizera à moribunda (Freud, 1895/2008).

Sobre isso, o autor diz o seguinte:

Assim parecia completa a análise da sensação olfatória subjetiva; de fato, essa havia sido objetiva em seu momento, e ademais associada intimamente com uma vivência, uma pequena cena em que travaram batalha afetos conflitantes: a lástima por abandonar as meninas e as afrontas que a impulsionavam a tomar essa decisão. É compreensível que a carta de sua mãe, visto que ela pensava em ir embora para a casa dela, faça-lhe recordar os motivos dessa decisão. O conflito dos afetos havia elevado esse fator à condição de trauma, e como seu símbolo permaneceu a sensação olfatória que se havia conectado a ele. (Freud, 1895/2008, p. 132)

No entanto a Freud faltava uma explicação a respeito da razão pela qual, entre todas as percepções sensoriais presentes naquela cena, o odor foi o escolhido como símbolo de memória. Assim como fizera a respeito das afasias, Freud rejeita a fundamentação orgânica para o sintoma histérico de Miss Lucy R.. A explicação, com base na patologia física de Miss Lucy R., de que a teria tornado mais propensa a escolher uma sensação olfatória como símbolo de memória não deixa Freud satisfeito. "Tudo soava muito verossímil", porém a Freud faltava algo, "uma razão aceitável para que essa série de excitações e essa querela de afetos pudessem levar à histeria" (Freud, 1895/2008, p. 132).

Por que não havia permanecido tudo no terreno da vida anímica normal? Com outras palavras, o que justificava a conversão aí presente? Por que não se recordava prontamente da cena mesma em vez de recordar a sensação enlaçada a ela, a qual privilegiava como símbolo da recordação? (Freud, 1895/2008, p. 132)

Para o autor, essas questões até seriam impertinentes e pouco proveitosas caso se tratasse de uma histérica cujo mecanismo de conversão fosse habitual. Porém, Miss Lucy R. havia adquirido os sintomas histéricos como consequência desse trauma ou, ao menos, como consequência dessa pequena história de padecimento. (Freud, 1895/2008)

Pela análise de casos parecidos, eu já sabia que se uma histeria é adquirida recentemente há uma condição psíquica indispensável para isso: que uma representação seja recalcada {desalojada} deliberadamente da consciência, excluída do processamento associativo. Nesse recalcamento deliberado veio também o fundamento para a conversão da soma de excitação, seja ela total ou parcial. A soma de excitação não destinada a entrar em associação psíquica encontra, mais facilmente, a via falsa até uma inervação corporal. Quanto ao fundamento do recalque mesmo, somente podia ser uma sensação de desprazer, a inconciliabilidade [Unverträglichkeit] da ideia [Idee] por recalcar com a massa de representações dominantes no eu [Vorstellungsmasse des Ich]. Ora, a representação [Vorstellung] recalcada se vinga retornando patógena. (Freud, 1895/2008, p. 133, grifos do autor)

Do fato de que Miss Lucy R. houvera caído presa numa conversão histérica naquele momento específico, Freud extrai a conclusão de que o evento de repercussão traumática ocorrido na cozinha teria uma ideia ou significação que Miss Lucy R. queria deliberadamente deixar na obscuridade e da qual se empenhara por esquecer. Ao levar em conta os dois protagonistas do conflito, despertados na cena ocorrida na cozinha, a ternura pelas meninas e a animosidade das outras pessoas da casa, Freud diz o seguinte:

[...] isso só admitia uma interpretação [Deutung]. Tive a ousadia de comunicá-la à paciente. Disse-lhe: 'Não creio que essas sejam todas as razões de seu sentimento em relação às duas meninas; melhor conjecturo que você está apaixonada pelo seu patrão, o diretor, acaso sem saber você mesma; creio que alimenta em sua alma a esperança de ocupar de fato o lugar da mãe, e que a isso se deve, aliás, que se volte tão suspicaz em relação aos empregados, com os quais tem convivido em paz durante tanto tempo. Você tem medo de que notem algo de sua esperança e lhe zombem por isso. (Freud, 1895/2008, p. 133, grifo do autor)

Ao que, "com seu modo lacônico", Miss Lucy R. responde: "Sim, creio que é isso". Freud pergunta, então, se ela sabia que amava o viúvo, por qual razão não havia lhe dito. Ao que ela responde que não sabia ou, melhor, que não queria saber, pois gostaria de tirar isso da cabeça, não pensar mais a respeito, o que acreditava que havia conseguido nos últimos tempos (Freud, 1895/2008, p. 133-134). Em nota, Freud diz não haver encontrado melhor descrição desse curioso estado no qual se sabe algo e, ao mesmo tempo, não se sabe (Freud, 1895/2008).

Freud, por conseguinte, questiona-a sobre a razão pela qual não queria confessar seus sentimentos em relação ao viúvo, ao que supõe, talvez, pela vergonha de amar um homem. Miss Lucy R. diz que não, pois não era tão pudica, além do mais, as pessoas não seriam responsáveis por seus sentimentos. Utilizando-se do significado atribuído anteriormente por Freud para justificar a razão dessas ideias sucumbirem ao recalque, Miss Lucy R. complementa que o que lhe era penoso em relação aos seus sentimentos corresponde ao fato de que o viúvo era seu patrão, em cuja casa vive e a respeito de quem não sente uma independência suficiente. Além do mais, ela seria uma mulher pobre e ele um homem rico de boa família. Por conta disso, ririam dela se vislumbrassem algo dessa ordem (Freud, 1895/2008).

Descoberto o significado do sintoma, Freud não encontra resistência alguma para iluminar a gênese da inclinação amorosa de Miss Lucy R.. Ela relata a Freud que, durante os primeiros anos em que viveu na casa, desempenhava seus deveres sem ser tomada por desejos irrealizáveis. Todavia, certa vez, o viúvo, homem sério e sobrecarregado de ocupações, normalmente reservado em relação a Miss Lucy R., iniciou com ela uma conversa sobre as exigências da educação infantil. Colocando-se mais suave e agradável do que de costume, disse-lhe o quanto esperava dela para o cuidado de suas filhas órfãs, demonstrando nutrir por ela uma estima particular. Nesse momento, Miss Lucy R. começou a amá-lo e, à vista disso, baseada nessa conversa, nutriu-se de esperança. Porém, quando percebeu que suas esperanças não seriam atendidas, resolveu tirar essas ideias da cabeça. Dando razão a Freud, logo em seguida, a respeito da afeição demonstrada pelo viúvo na ocasião daquele colóquio que houvera despertado seus sentimentos em relação a ele: na verdade, a postura amável e afetuosa que o viúvo assumiu na ocasião daquela conversa fora consagrada à memória de sua esposa morta, e sua inclinação amorosa careceria de qualquer perspectiva de realização (Freud, 1895/2008).

Encontrado o significado do sintoma, isto é, a verdade que subjaz à imagem de lembrança correspondente ao odor de torta queimada, Freud esperava uma mudança radical de seu estado. Todavia Miss Lucy R. seguia deprimida e irritadiça. O odor de torta queimada não havia desaparecido totalmente, tornando-se, contudo, mais raro e fraco, somente aparecendo quando ela se encontrava muito nervosa (Freud, 1895/2008).

A persistência desse símbolo de lembrança fez Freud inferir que, além da cena principal, ele recolhia sobre si múltiplos e pequenos traumas colaterais. Na medida em que se puseram a trabalhar sobre as questões pertinentes à cena da torta queimada, como, por exemplo, os atritos da casa, a sensação olfatória subjetiva de chamuscadura ia desaparecendo. Sobreveio todavia, nesse período, uma interrupção mais prolongada no tratamento por causa de uma nova afecção nasal (Freud, 1895/2008).

Ao retornar, Miss Lucy R. informa a Freud que houvera recebido muitos presentes de ambos os senhores (do avô e do pai das meninas) e, ainda por cima, houvera se reconciliado com o pessoal com quem trabalhava na casa. Quando Freud lhe pergunta a respeito do odor de torta queimada, Miss Lucy R. informa que havia desaparecido por completo. Entretanto, em seu lugar, a torturava outro odor similar, como de fumaça de charutos [Cigarrenrauch]. Parecia-lhe que esse odor de fumaça de charutos já se encontrava ali desde antes, porém encoberto pelo odor de torta queimada. Disse-lhe que agora, no entanto, havia surgido puro (Freud, 1895/2008).

Freud, mais uma vez, diz não se encontrar satisfeito com o resultado de sua terapia, pois "havia ocorrido o que somente se podia imputar a uma terapia meramente sintomática: removeu-se um sintoma somente para que um novo pudesse se situar no lugar desocupado" (Freud, 1895/2008, p. 135). Mesmo contrariado, Freud se dispôs à eliminação desse novo símbolo de memória.

Dessa vez, entretanto, ela não fazia ideia de onde provinha essa sensação olfatória subjetiva, nem em que oportunidade particular havia sido objetiva, pois na casa todos os dias se fumava. Por persistência de Freud e pela pressão de suas mãos que comprimiam a testa da paciente, ocorreu a Miss Lucy R. uma imagem, fragmentada e vacilante num primeiro momento. Era a sala de jantar da casa, onde as meninas aguardavam que os senhores viessem da fábrica para almoçar. Todos estavam na mesa, como nos demais dias. Há, entretanto, um convidado, o contador-chefe, o qual possuía um apreço muito especial pelas meninas, gostava delas como se fossem suas netas. Miss Lucy R. diz não haver nada de especial na cena. Ao que Freud lhe solicita que continue prestando atenção na imagem, pois, sem dúvida, algo surgiria. Miss Lucy R. replica que continua não aparecendo nada de especial. Eles se levantam da mesa e as meninas precisam se despedir e seguirem para o segundo piso. Freud, então, pergunta: "E, então?". Ao que Miss Lucy R. responde reconhecer a cena. Quando as meninas se despedem, o contador quer beijá-las. O patrão se sobressalta e grita com ele sem fazer rodeios: "'Não se beija as crianças!'. Isso me crava um espinho no coração, e como os senhores estavam fumando, permanece em minha memória o odor de fumaça de charutos" (Freud, 1895/2008, p. 136).

Diz-nos o autor que essa era a segunda cena "situada mais profundamente, que teria o efeito de um trauma e deixado como sequela um símbolo de memória" (Freud, 1895/2008, p. 136). Porém, não contente, Freud se pergunta a respeito da razão pela qual essa cena teria uma eficácia traumática. Questiona Miss Lucy R. sobre qual cena teria sido anterior no tempo, ela responde que foi essa que acabou de contar. Freud, então, pergunta-lhe a respeito da razão pela qual a reação do patrão havia lhe cravado tal espinho no coração, na medida em que a reprimenda não havia se dirigido a ela. Miss Lucy R. diz que não era justo atropelar um senhor idoso, amigo querido da família e, além do mais, um convidado.

Ávido por descobrir a razão pela qual essa cena teria eficácia traumática, numa espécie de esforço adivinhatório, Freud pergunta:

Então, somente a feriu a reação violenta de seu patrão? Vergonhou-se por ele, ou acaso pensou: "Se por uma pequenez assim pode ser tão violento com um velho amigo e convidado, quanto mais não seria comigo se eu fosse sua mulher?". (Freud, 1895/2008, p. 136)

Miss Lucy R. prontamente responde: "Não, não é isso". "Então foi pela violência?", replica Freud (Freud, 1895/2008, p. 136). A resposta de Miss Lucy R. foi a seguinte: "Sim, por beijar as crianças, nunca gostou". Freud, então, vai desenterrar a verdade do traço de memória com a mão, pois é sob ela que reaflorará a lembrança de uma cena ainda mais antiga de Miss Lucy R., ainda mais profunda, e que Freud supõe compor o trauma genuíno e responsável por conferir à cena com o contador-chefe sua eficácia traumática.

O evento que conferiu eficácia traumática à cena com o contador-chefe havia ocorrido alguns meses antes. Uma dama, amiga da família e que os visitava, ao se despedir das meninas, beijou-as na boca. O viúvo estava presente e se controlou para não dizer nada à dama. Porém, quando a última foi-se, o viúvo descarregou sua raiva sobre Miss Lucy R.. Falou-lhe que era seu dever não tolerar que alguém beijasse as crianças na boca, faltando com suas obrigações caso consentisse. Prometendo que, caso isso voltasse a acontecer, confiaria a outras mãos a educação das crianças. Nessa época, Miss Lucy R. ainda se acreditava amada por ele e esperava a repetição daquele colóquio amistoso de outrora (Freud, 1895/2008).

Essa cena pulverizou suas esperanças. Disse a si mesmo:

Se por uma questão tão pequena, e na qual, além do mais, sou inteiramente inocente, pode lançar-se contra mim dessa maneira, dizendo tais ameaças, eu me equivoquei, nunca teve um sentimento mais cálido [wärmere Empfindung] por mim, o qual o faria ter mais consideração. (Freud, 1895/2008, p. 137)

A Freud parece evidente que a cena, na qual o viúvo repreendeu o contador-chefe por ele ter tentado beijar as crianças, houvera evocado em Miss Lucy R. a reprimenda que sofreu na ocasião em que a dama beijara as meninas na boca. Logo em seguida, quando voltou a visitar Freud, Miss Lucy R. havia se transformado a tal ponto que conjecturou que ela se tornara noiva de seu patrão, ao que a própria fez questão de dizer que nada havia mudado a propósito de sua relação com o viúvo. Diz a Freud que, ainda por cima, não deixou de amálo, mas que isso não a fazia infeliz. Pelo contrário, encontrava-se muito bem. Sua sensibilidade olfatória e reflexos haviam retornado quase por completo (Freud, 1895/2008).

Ao final, algumas interrogações persistem. Primeiramente, entre todas as percepções sensoriais presentes nas cenas ocorridas na cozinha e na presença do contador-chefe, por qual razão a sensação olfatória de queimado houvera sido eleita como símbolo de eventos de repercussões traumáticas? Em segundo lugar, as outras cenas, assim como o conflito pelo qual passava Miss Lucy R., não teriam participação na composição do sintoma, como, por exemplo, a da dama que beija as meninas na boca e a do colóquio amistoso sobre a educação das crianças?

 

Da Alegoria Arqueológica do Inconsciente em Freud ao Inconsciente Estruturado como uma Linguagem em Lacan: Caso Miss Lucy R.

Imaginemos que um explorador chega a uma região pouco conhecida onde seu interesse é despertado por uma extensa área de ruínas, com restos de paredes, fragmentos de colunas e lápides com inscrições meio apagadas e ilegíveis. Pode contentar-se em inspecionar o que está visível, em interrogar os habitantes que moram nas imediações - talvez uma população semibárbara - sobre o que a tradição lhes diz a respeito da história e do significado desses resíduos arqueológicos, e em anotar o que eles lhe comunicarem - e então seguir viagem. Mas pode agir de modo diferente. Pode ter levado consigo picaretas, pás e enxadas, e colocar os habitantes para trabalhar com esses instrumentos. Junto com eles, pode partir para as ruínas, remover o lixo e, começando dos resíduos visíveis, descobrir o que está enterrado. Se seu trabalho for coroado de êxito, as descobertas se explicarão por si mesmas: as paredes tombadas são parte das muralhas de um palácio ou de um depósito de tesouro; os fragmentos de colunas podem reconstituir um templo; as numerosas inscrições, que, por um lance de sorte, talvez sejam bilíngues, revelam um alfabeto e uma linguagem que, uma vez decifrados e traduzidos, fornecem informações nem mesmo sonhadas sobre os eventos do mais remoto passado em cuja homenagem os monumentos foram erigidos. Saxa loquuntur! [As pedras falam!]. (Freud, 1896/1996, p. 218)

Tal qual um explorador em busca de um significado que, embora enterrado, oferece condições para que seja descoberto, Freud se debruça sobre os sintomas histéricos com as ferramentas que dispunha na época: a hipnose e a técnica da pressão na testa. Ao contrário do desbravador, que se contenta com o que se apresenta aos olhos e com aquilo que lhe é dito, Freud não se encontra satisfeito em apenas visualizar as ruínas, nem mesmo com a história e o significado conscientes que lhe são comunicados pela histérica a propósito do seu sintoma. Pois, para descobrir a verdade, precisa-se remover o lixo, cavar, alcançar as profundezas, para, aí sim, desenterrar, de maneira inequívoca, a significação a que essas ruínas, deveras, devem sua existência. Esses restos, inscrições meio apagadas e ilegíveis, revelariam um alfabeto e uma linguagem que, uma vez decifrados e traduzidos, forneceriam um texto com informações a respeito de eventos do mais remoto passado. Até que: saxa loquuntur! As pedras falariam por si mesmas, sem mediação ou margem para interpretações.

Como se sabe, a suposição de uma vivência que seria acompanhada por uma ideia de grande apelo afetivo, responsável por bloquear, segundo a teoria da ab-reação de Breuer, as vias de associação que permitiriam sua entrada na consciência - o trauma -, é central nos "Estudos sobre a histeria". Tais como os resíduos arqueológicos dos quais se procuraria refazer os nexos com aquilo a que devem sua existência, os sintomas histéricos corresponderiam a reminiscências de eventos de repercussões traumáticas, os quais se procuraria devolver ao fluxo das representações conscientes na medida em que alcançam o seu significado "original". Sendo esse último o responsável por colocar em marcha a operação de recalque.

Logo a seguir, Freud desenvolve sua teoria da sedução, a qual supunha uma experiência real de sedução sofrida na infância como fator causal para o estabelecimento de uma neurose. Hipótese que Freud abandonará, visto que suas histéricas lhe faltavam, digamos, com a verdade dos fatos. Por conta disso, paralelamente aos desenvolvimentos a propósito da sexualidade infantil, Freud entenderá que as cenas de sedução seriam, por vezes, elas mesmas, produtos de construções fantasmáticas. Deslocando, por conseguinte, do centro das suas investigações, os traumas infantis para as fantasias infantis. Isto foi o suficiente para que postulasse uma noção de realidade independente de uma pretensa realidade externa, a conhecida noção de realidade psíquica.

A despeito das rupturas e reformulações supracitadas, Freud conservou, ao longo de sua obra, uma matriz espaço-temporal acerca da qual se entrelaçam e se confundem as noções de anterioridade/interioridade e, de maneira menos evidente, as de atualidade/exterioridade. Isto é, apesar de ter abandonado o método catártico e a teoria da ab-reação, a alegoria arqueológica de Freud resiste ao tempo: mais de quatro décadas depois, o autor volta a traçar paralelos entre o trabalho do arqueólogo e o do psicanalista no texto "Construções em análise" (Freud, 1937/1989).

Embora menos entusiasta quanto à operacionalidade e à eficácia delegadas outrora à revelação de um significado "original", Freud reitera que o modus operandis do psicanalista encontra-se apoiado, de arranque, numa espécie de clínica da lacuna amnésica. Isto é, se a reconstrução seria o objetivo final para a arqueologia, a construção corresponderia a um labor preliminar na análise, mas não menos importante. Diria mais: para Freud, é conditio sine qua non para o desenrolar do tratamento analítico, a tal ponto que o enunciado dedicado exclusivamente à histérica sobre ela padece, entre outras coisas, de reminiscências, feito na ocasião dos "Estudos sobre a histeria", há mais de quarenta anos, passando a vigorar, também, para a psicose no seu trabalho "Construções em análise", de 1937 (Freud, 1937/1989).

Ainda no texto "Construções em análise" e acerca da matriz espaçotemporal freudiana, que repousa nas noções de anterioridade/interioridade e de atualidade/exterioridade, há, por exemplo, a descrição dos processos envolvidos no surgimento da angústia. Freud a situa como uma consequência do afluxo de lembranças recalcadas que, acossadas desde o exterior e no momento atual, assediariam a consciência com vistas a encontrar uma via de descarga, à revelia da censura presente entre o inconsciente e o pré-consciente. Memórias que não poderiam sair da escuridão dos porões do aparelho psíquico, dentro do qual se encontrariam enterradas e escondidas em algum lugar profundo no interior do paciente (Freud, 1937/1989).

Para Freud, o inconsciente está virtualmente3 dentro do aparelho psíquico, sobre o qual age uma censura que busca impedi-lo de vir à tona. A sua aparição na superfície, portanto, é resultado da projeção para fora de algo que deveria estar oculto no profundo, abaixo da consciência, mas que encontrou uma via (pelos chamados fenômenos marginais ou residuais, como o sonho, os lapsos, o chiste e o sintoma), pela qual conseguiu sair da escuridão e, assim, encontrar alguma fonte de luz, mesmo que de maneira distorcida. Os fenômenos residuais (ou lacunares) não fariam outra coisa além de atestarem a "subexistência" dessas lembranças na consciência, só que de forma mais anódina, através de mecanismos responsáveis por dissimularem sua disposição à realização de desejo.

Lacan rechaça o inconsciente tal qual formulado por Freud, sob essa matriz espaçotemporal pautada nas categorias de anterioridade/interioridade versus atualidade/exterioridade. Por exemplo, a respeito da menção de Freud sobre a angústia anteriormente citada, para Lacan, a angústia não está ligada a irrupções do inconsciente como se poderia extrair do texto freudiano, mas ao fenômeno do Unheimliche, que constitui o paradigma lacaniano da angústia, o qual, por sua vez, está associado a uma espécie de desequilíbrio que se produz no nível da fantasia (Lacan, 1958-59/2016).

Em outros termos, Lacan (1958-59/2016, p.61) rejeita, categoricamente, a assimilação da psicanálise a "uma espécie de poço" ou "túnel de perfuração", em que a superfície se destinaria ao campo da consciência e ao do pré-consciente. O inconsciente não está em sei lá que alforje psíquico, no qual se encontraria em estado constituído, mas, sim, nas latências do discurso (Lacan, 1958-59/2016).

Logo, conforme Lacan, a respeito do inconsciente, não se trata de aparelho psíquico, senão da estrutura da linguagem, de tal maneira que "os princípios teóricos e práticos da Psicanálise devem se reconhecer na estrutura da linguagem" (Pontes & Calazans, 2017, p. 743). Assim, o inconsciente não se encontra nas profundezas, mas na superfície: é efeito da própria articulação significante manifesta no ato da fala. Para Lacan (1958-59/2016), até mesmo o não dito é imprescindível dizê-lo no nível da enunciação, isto é, é necessário que seja articulado no ato da fala.

Foi com base nisso que Lacan (1964/2008, p. 27, grifos do autor) pautou grande parte do seu ensino, entre outros, sob a égide desse aforismo que pulula entre os lacanianos e afins: "o inconsciente é estruturado como uma linguagem". Para sabermos como se estrutura o inconsciente conforme Lacan, convém a seguinte questão: como se estrutura uma linguagem?

Apesar da ruptura com Roman Jakobson e a linguística, anunciada na década de 70 (Triska & D'Agord, 2108), foi de Jakobson de quem Lacan houvera extraído a ideia a respeito da qual a estrutura de toda linguagem humana, existente ou por existir, tem duas leis fundamentais, quais sejam, a metáfora e a metonímia. Em seu trabalho intitulado "Dois aspectos da linguagem e dois tipos de afasia", Jakobson (2008/1954) denuncia o silêncio da ciência da linguagem, nesse caso, a linguística, no que concerne às perturbações e às leis gerais da linguagem, uma vez que a variedade dos distúrbios da linguagem afeta em graus diversos a capacidade de combinar e selecionar unidades linguísticas, operações que correspondem aos dois polos sobre os quais, segundo o autor, estrutura-se a linguagem, isto é, o polo metafórico e o polo metonímico.

Para Jakobson (2008/1954), falar possui um caráter duplo: supõe selecionar/substituir e combinar/contextualizar. A seleção ou substituição são operações temporais simultâneas que ocorrem in absentia, enquanto a combinação ou a contextualização são operações temporais sucessivas que ocorrem in praesentia. De maneira geral, a variedade dos distúrbios afásicos ocorre pela fixação num desses polos, com a exclusão do outro. Nas afasias de similaridade, deteriora-se a faculdade de seleção e substituição, tornando a metáfora incompatível com esse distúrbio, ao mesmo tempo em que se preserva a faculdade de combinação e contexto. Nas afasias de contiguidade, a faculdade de combinação e contexto encontra-se comprometida, tornando a metonímia incompatível com esse distúrbio, ao passo que a faculdade de seleção e substituição é conservada.

Em outros termos, poder-se-ia dizer o seguinte: a similitude corresponde à capacidade de relacionar um termo metafórico com outro termo que o substitui, em que as operações de seleção e substituição oscilam desde a equivalência dos sinônimos até o fundo comum dos antônimos. Dessa forma, na desordem da similaridade ocorre uma incapacidade de utilizar dois símbolos para a mesma coisa e uma tendência para a metonímia. Enquanto isso, a contiguidade é a capacidade de construir proposições com base na combinação de partes constituintes (frases, palavras, fonemas etc.) de um contexto. Consequentemente, a desordem da contiguidade, deficiente quanto ao contexto, compromete a combinação de entidades linguísticas mais simples em unidades mais complexas (Jakobson, 2008/1954).

Se foi Lacan quem cunhou e popularizou o aforismo supracitado com base na sua aplicação das leis da linguagem ao inconsciente freudiano, ele não foi o único e o primeiro. No trabalho citado anteriormente de Jakobson (2008/1954), o autor aplica as leis da linguagem ao inconsciente freudiano, mais especificamente, à estrutura do sonho. Relaciona a metáfora e a metonímia aos princípios, que regem o modo de funcionamento do inconsciente, presentes no sonho e desenvolvidos por Freud: o par condensação-deslocamento. Articulação esta que Lacan toma de empréstimo de Jakobson, não sem antes, obviamente, introduzir algumas modificações.

Enquanto que, acerca da "Verschiebung", do deslocamento, Jakobson e Lacan concordam corresponder à metonímia, acerca da condensação, da "Verdichtung", os autores discordam. A condensação não equivale, para Jakobson, a uma metáfora, assim como entende Lacan. A condensação para Jakobson corresponde a uma sinédoque, figura de linguagem intimamente vinculada à metonímia. O polo metafórico da estrutura do sonho, para Jakobson, ficaria a cargo da identificação e do simbolismo, casos de substituição entre semelhantes (Jakobson, 2008/1954).

No cerne da polêmica entre Jakobson e Lacan acerca das concepções de metáfora e metonímia está a sua relação com o par condensaçãodeslocamento de Freud. Em alemão, "verdichten", do qual provém "Verdichtung" (condensação), significa condensar, comprimir (Wahrig-Burfeind, 2011, p 1127). Já "Verschiebung" (deslocamento) vem de "verschieben", que corresponde a "mover(-se)" de um lugar para outro, "deslocar(-se)" no espaço, e para o qual há uma referência que concerne à esfera temporal, que é "adiar", isto é, deslocar(-se) no tempo (Wahrig-Burfeind, 2011, p. 1144). De acordo com Lacan (1957/1998), os processos metafóricos e metonímicos não ocorrem em separado, como vislumbrou Jakobson, isto é, a propósito das leis do inconsciente, ao mesmo tempo em que se tem metonímia/deslocamento, se tem metáfora/condensação.

Para Lacan (1957/1998, p. 514), na metonímia ocorre "o deslizamento do significado sob o significante, sempre em ação (inconsciente, note-se) no discurso", proposição que Lacan faz questão de assinalar que foi tomada de empréstimo de Saussure. Enquanto isso, na metáfora, há a conjunção de dois significantes, "dos quais um substitui o outro, assumindo seu lugar na cadeia significante, enquanto o significante oculto permanece presente [in absentia] em sua conexão (metonímica) com o resto da cadeia" (Lacan, 1957/1998, p. 510). Dessa forma, as conexões metonímicas dos substitutos entre si e com o resto da cadeia significante nos oferecem as condições pelas quais se possa refazer o nexo metafórico entre os seus substitutos e o significante subtraído/substituído, bem como devolver esse último à cadeia associativa.

O caso Miss Lucy R., publicado por Freud e apresentado neste trabalho, nos permite visualizar as conexões metafóricas e metonímicas descritas até aqui. Vamos a ele.

 

Metáfora e Metonímia no Caso Miss Lucy R.

No caso Miss Lucy R., o "odor de torta queimada" e o "odor de fumaça de charutos" ("Geruch der verbrannten Mehlspeise" e "Geruch von Cigarrenrauch") guardam entre si e os demais significantes da cadeia uma associação por contiguidade, isto é, estão ligados aos contextos dos quais provinham (as cenas descritas por Miss Lucy R.) e também entre, si pela derivação dos termos empregados que denotam as especificidades dos sintomas apresentados por ela (ou seja, que se encontram no mesmo contexto discursivo). No primeiro, o "odor de torta queimada" ("Geruch der verbrannten Mehlspeise") comporta uma derivação de "brennen", "queimar" em alemão, e do qual decorre a expressão "Es brennt!" ("Fogo!"). No segundo, o "odor de fumaça de charutos" ("Geruch von Cigarrenrauch") comporta a partícula "Rauch", "fumaça" em alemão. Restaria a pergunta acerca do significado que desliza sob a cadeia significante que vai da cena do "odor de torta queimada" à cena do "odor de fumaça de charutos".

Assim como no caso Miss Lucy R., Freud (1895/2008) notara que o sintoma histérico pode reunir uma cadeia de eventos traumáticos cuja reprodução durante o tratamento ocorre em ordem cronológica inversa, isto é, o primeiro na análise é o último na gênese. Com base nisso, cronologicamente, essas são as quatro cenas descritas por Miss Lucy R. vinculadas ao aparecimento dos sintomas, quais sejam: (1) a cena do colóquio amistoso com o patrão; (2) a cena na qual a dama beija as crianças na boca; (3) a cena na qual o contadorchefe tenta beijar as crianças em meio a fumaça de charutos; e (4) a cena na cozinha na ocasião em que a torta queimou.

Cena 1. Desejo aceso. Miss Lucy R. relata a Freud que, durante os primeiros anos em que viveu na casa, desempenhava seus deveres sem ser tomada por desejos irrealizáveis [unerfüllbare Wünsche]. Todavia, certa vez, o viúvo, homem sério e sobrecarregado de ocupações, normalmente reservado em relação a Miss Lucy R., iniciou com ela uma conversa sobre as exigências da educação infantil. Colocando-se mais suave e agradável do que de costume, disse-lhe o quanto esperava dela para o cuidado de suas filhas órfãs, demonstrando nutrir-lhe uma estima particular.

Cena 2. Desejo arrefecido. Uma dama amiga da família e que os visitava, ao se despedir das meninas, beijou-as na boca. O viúvo estava presente e se controlou para não dizer nada à dama. Porém, quando a última se foi, o viúvo descarregou sua raiva sobre Miss Lucy R.. Falou-lhe que era seu dever não tolerar que alguém beijasse as crianças na boca, faltando com suas obrigações caso consentisse. Prometeu, logo a seguir, que, caso isso voltasse a acontecer, confiaria a outras mãos a educação das crianças.

Cena 3. Fagulhas do desejo I. Era a sala de jantar da casa, onde as meninas aguardavam que os senhores viessem da fábrica para almoçar. Todos estavam na mesa como nos demais dias. Há, entretanto, um convidado, o contador-chefe, o qual possuía um apreço muito especial pelas meninas, gostava delas como se fossem suas netas. Eles se levantam da mesa e as meninas precisam se despedir e seguirem para o segundo piso. Quando as meninas se despedem, o contador quer beijá-las. O patrão se sobressalta e grita com ele sem fazer rodeios: "Não se beija as crianças!".

Cena 4. Fagulhas do desejo II. Miss Lucy R. relata uma cena na qual ensinava as filhas do viúvo a cozinharem. Nessa ocasião, Miss Lucy R. recebera uma carta cuja letra e selo postal permitiam deduzir que a remetente era a sua própria mãe. Ela quis abri-la e lê-la. Só que as meninas se arremessaram sobre ela, arrancaram a carta de sua mão e disseram que não poderia lê-la naquele momento, pois, sem dúvida, a carta era para o seu aniversário e, por isso, iriam guardá-la até que esse dia chegasse. De pronto, difundiu-se um intenso odor. As crianças haviam abandonado a torta que cozinhavam, a qual queimara.

Logo após o colóquio amistoso que acendeu seu desejo pelo patrão (cena 1), em decorrência do episódio com a dama (cena 2), Miss Lucy R. colocou-se a tarefa de arrefecerlhe a chama, tirar essas ideias da cabeça, como quando não era tomada por desejos irrealizáveis [unerfüllbare Wünsche]. Apesar de acreditar que obtivera sucesso na ação de abrandá-lo, Miss Lucy R. não deixou de ser assediada pelas fagulhas do desejo (cena 3 e 4) que insistiam em tomar seu lugar na fala até que pudessem ser escutadas.

Sendo assim, na ocasião em que percebeu estar enganada sobre ter despertado no viúvo "sentimentos mais cálidos" [wärmere Empfindung] (cena 2), Miss Lucy R. tratou de tentar abafar as chamas que a ruborizavam. Sem sucesso. As fagulhas, "sensações empireumáticas" [Empfindung des brenzlichen Geruches], atestavam-lhe o seu fracasso em apagar o desejo que continuava a queimar. A sobrevivência assegurada pela estrutura metafórica do sintoma em que o "odor de torta queimada" ("Geruch der verbrannten Mehlspeise") e o "odor de fumaça de charutos" ("Geruch von Cigarrenrauch") substituíam os sentimentos cálidos que Miss Lucy R. queria deixar na obscuridade.

Por fim, a análise dos sintomas apresentados por Miss Lucy R. em termos de estrutura linguística permite refazer o universo significante do qual esses sintomas fazem parte. Método subsidiado pela importação do modelo linguístico jakobsoniano, realizada por Lacan, para a psicanálise, que serviu, por sua vez, de instrumento de recuperação hermenêutica da própria obra freudiana. Não sem consequências, obviamente. Entre elas, como se pode notar na análise do caso Miss Lucy R., os deslocamentos e condensações são descritos com base em um modelo linguístico em detrimento de um modelo freudiano marcadamente energético, no qual o significante lacaniano não se restringe ao universo das representações freudianas, bem como não se resume, portanto, a uma conceitualização puramente metapsicológica ou filosófica, nem a algo de natureza mental ou interna (Andrade, 2016).

Em Freud, trata-se de aparelho psíquico, movido por investimentos de energia libidinal com vistas à descarga; em Lacan, se testemunha um modelo de natureza essencialmente linguística. "Assim a linguagem não é apenas um método para descrever o inconsciente. Ela é o próprio locus conceitual do inconsciente" (Andrade, 2016, p. 100).

 

Considerações Finais

Como vimos, Freud se serve da arqueologia, ciência relativamente nova na sua época, cuja legitimidade foi alcançada após a decifração dos hieróglifos egípcios por Champollion, na segunda década do século XIX, como alegoria através da qual o sintoma é concebido como um vestígio (traço de memória) de uma história (ideia) a ser recobrada ou reconstruída. Malgrado a constatação tardia acerca das dificuldades encontradas no restabelecimento da verdade na sua integralidade, assim como da prescindibilidade da totalidade dessa restauração em relação ao seu valor de eficácia para o tratamento, razão pela qual Freud advoga a favor da noção de construção em detrimento da de interpretação, ainda assim, o sintoma é exposto por meio de uma alegoria arqueológica do inconsciente como portador de uma história. Desse modo, o sintoma corresponderia a um traço de memória cuja ocorrência é simultânea ao pensamento ou ideia que se anseia "apagar da cabeça".

Os sintomas de Miss Lucy R., tal qual apresentados por Freud, atestam uma espécie de fracasso em tirar certas ideias da cabeça a respeito de desejos irrealizáveis acesos na ocasião do colóquio amistoso com o patrão sobre a educação das meninas, visto que esse apagamento não ocorre sem deixar uma extensa área de ruínas de monumentos que, na melhor das hipóteses, fornecem as razões pelas quais foram construídos, bem como as razões pelas quais se buscou riscá-los do mapa.

A conversão com base na simultaneidade, tal qual apresentada por Freud acerca do caso Miss Lucy R., não nos fornece, entretanto, a razão pela qual, entre todas as percepções sensoriais presentes nas cenas, os odores foram elevados à condição de sintoma. O autor restringe-se à apresentação de um quadro em que certas circunstâncias no presente são capazes de evocar, dos porões do aparelho psíquico, uma ideia antiga que melhor seria que continuasse na obscuridade, diferentemente daquilo que fizera ao descrever o mecanismo de conversão por simbolização, embora tenha cedido parcialmente quanto aos aspectos simbólicos que ressaltou acerca dos sintomas apresentados no caso Cäcilie M., quando não deixa de supor uma conversão pautada na simultaneidade como fundamento para a conversão por simbolização.

Aspectos que Lacan levou até as últimas consequências com base na sua aplicação das leis da linguagem ao inconsciente freudiano. Mais especificamente, em relação à articulação entre metáfora e metonímia com o par condensaçãodeslocamento de Freud. Articulação que Lacan toma de empréstimo de Jakobson, não sem antes, obviamente, introduzir algumas modificações. De acordo com Lacan, ao mesmo tempo em que se tem metonímia/deslocamento, se tem metáfora/condensação.

Conforme Lacan, rigorosamente falando, o sintoma não porta ideia alguma, ele é a própria ideia dita de maneira condensada, ou seja, não há o que procurar "por trás" do sintoma ou naquilo que ele "quer dizer", a não ser naquilo que ele diz de maneira abreviada e eficientemente. Se as formações do inconsciente correspondem a um ato falhado para Freud, por assim dizer, exatamente por aquilo que produzem de nonsense; para Lacan, vigora o contrário: são bem-sucedidas quanto ao que dizem pelo seu poder de concisão e precisão. As formulações subsidiadas pela virada linguística proposta por Lacan à psicanálise que nos permitiram, neste trabalho, descrever os deslizamentos metonímicos e as substituições metafóricas presentes nos sintomas apresentados por Miss Lucy R, em que o "odor de torta queimada" ("Geruch der verbrannten Mehlspeise") e o "odor de fumaça de charutos" ("Geruch von Cigarrenrauch") substituíam os sentimentos cálidos de que Miss Lucy R. nada queria saber, como quando, durante os primeiros anos em que viveu na casa, desempenhava seus deveres sem ser tomada por desejos irrealizáveis.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Janderson Andrade Rodrigues
E-mail: jandersonrodrigues@hotmail.com

Mario Fleig
E-mail: mfleig77@gmail.com

Marta Regina de Leão D'Agord
E-mail: marta.dagord@ufrgs.br

Recebido em: 01/05/2018
Revisado em: 06/06/2020
Aceito em: 17/07/2020
Publicado online: 12/11/2020

 

 

1 Acentua-se que as citações diretas ao trabalho de Freud intitulado "Estudos sobre a histeria" foram realizadas com base na tradução do castelhano para o português, sob a responsabilidade dos autores deste artigo, a partir do texto Estudios sobre la histeria (2008), e cotejadas com o texto em alemão Studien über Hysterie (1970).
2 Procedimento terapêutico pelo qual se busca, através da fala do paciente em hipnose, restaurar a memória excluída do comércio associativo disponível à consciência de acontecimentos traumáticos ligados aos sintomas.
3 A menção à ideia de virtualidade refere-se a um local, no caso de Freud ao aparelho psíquico, que não se confunde, por exemplo, com o cérebro.

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