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Revista Subjetividades

versión impresa ISSN 2359-0769versión On-line ISSN 2359-0777

Rev. Subj. vol.20 no.2 Fortaleza mayo/ago. 2020

http://dx.doi.org/10.5020/23590777.rs.v20i2.e10166 

ESTUDOS TEÓRICOS

 

Gravidade Percebida e Vulnerabilidade ao HIV: Revisão Sistemática da Literatura

 

Perceived Severity and Vulnerability to HIV: Systematic Literature Review

 

Gravedad Percibida y Vulnerabilidad al VIH: Revisión Sistemática de la Literatura

 

Gravité Perçue et Vulnérabilité au VIH: Revue Systématique de la Littérature

 

 

Rafael Nogueira FurtadoI; Fabiane Rossi dos Santos GrincenkovII; Leonardo Fernandes MartinsIII

IPós-doutorado pela UFJF, doutorado em Psicologia Social pela PUC-SP, mestrado em Filosofia pela PUC-SP
IIProfessora Adjunta do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Doutora em Saúde pela UFJF
IIIDoutor em Psicologia pela UFJF. Professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O trabalho consiste em uma revisão sistemática da literatura, com vistas a avaliar a hipótese de que haveria uma associação negativa (inversamente proporcional) entre gravidade percebida do HIV e exposição ao HIV. Foram selecionados estudos observacionais publicados entre os anos de 1998 e 2018. Identificaram-se 151 referências potencialmente relevantes, 50 artigos foram eleitos para leitura na íntegra e, desses, 26 artigos foram selecionados para a síntese desta pesquisa. Em 17 estudos não se confirmou a hipótese avaliada, contra 9 trabalhos nos quais se constatou a associação entre as variáveis. Na discussão dos achados, problematizam-se a operacionalização dos construtos analisados, os limites e o alcance dos desenhos de pesquisa adotados, assim como as implicações éticas de ações em saúde baseadas nos construtos gravidade percebida e comportamentos de risco. Como conclusão, são propostas recomendações para estratégias de prevenção ao HIV.

Palavras-chave: HIV/aids; gravidade percebida; comportamento em saúde; estigma; vulnerabilidade.


ABSTRACT

The work consists of a systematic review of the literature, to assess the hypothesis that there would be a negative (inversely proportional) association between the perceived severity of HIV and exposure to HIV. Observational studies published between 1998 and 2018 were selected. 151 potentially relevant references were identified, 50 articles were chosen for full reading and, of these, 26 articles were selected for the synthesis of this research. In 17 studies, the evaluated hypothesis was not confirmed, against 9 studies in which an association was found between the variables. In the discussion of the findings, the operationalization of the analyzed constructs is problematized, the limits and the scope of the research designs adopted, as well as the ethical implications of health actions based on constructs, perceived severity, and risk behaviors. In conclusion, recommendations for HIV prevention strategies are proposed.

Keywords: HIV / AIDS; perceived severity; health behavior; stigma; vulnerability.


RESUMEN

El trabajo trata de una revisión sistemática de la literatura, con objetivo de evaluar la hipótesis de que habría una asociación negativa (inversamente proporcional) entre gravedad percibida del VIH y exposición al VIH. Fueron seleccionados estudios observacionales publicados entre los años de 1998 y 2018. Fueron identificadas 151 referencias potencialmente relevantes, 50 artículos fueron elegidos para lectura en la íntegra y, de estos, 26 artículos fueron seleccionados para la síntesis de esta investigación. En 17 estudios la hipótesis evaluada no fue confirmada, contra 9 trabajos en los cuales se constató la asociación entre las variables. En la discusión de los hallazgos, se problematizaron la operacionalización de los constructos analizados, los límites y el alcance de los diseños de investigación adoptados, así como las implicaciones éticas de acciones en salud basadas en los constructos gravedad percibida y comportamientos de riesgo. Como conclusión, son propuestas recomendaciones para estrategias de prevención al VIH.

Palabras clave: VIH/sida; gravedad percibida; comportamiento en salud; estigma; vulnerabilidad.


RÉSUMÉ

Le travail consiste en une revue systématique de la littérature, afin d'évaluer l'hypothèse qu'il y aurait une association négative (inversement proportionnelle) entre la gravité perçue du VIH et l'exposition au VIH. Les études observationnelles publiées entre les années 1998 et 2018 ont été sélectionnées. 151 références potentiellement pertinentes ont été identifiées, 50 articles ont été choisis pour être lus intégralement et, parmi eux, 26 articles ont été sélectionnés pour la synthèse de cette recherche. Dans 17 études, l'hypothèse évaluée n'a pas été confirmée, tandis que, dans neuf études, l'association entre variables a été trouvée. Dans la discussion des résultats, l'opérationnalisation des construits analysés a été problématisée, les limites et la portée des conceptions de recherche adoptées, ainsi que les implications éthiques des actions de santé basées sur la gravité perçue des construits et les comportements à risque. En conclusion, des recommandations de stratégies de prévention du VIH sont proposées.

Mots-clés: VIH / SIDA ; gravité perçue ; comportement en santé ; stigmate ; vulnérabilité.


 

 

Desde seu surgimento, a epidemia de HIV representa um desafio permanente à sociedade, requerendo esforços de prevenção, tratamento, reabilitação e promoção da saúde da população. Conforme o UNAIDS (2017), no ano de 2016, cerca de 36,7 milhões de pessoas estavam vivendo com HIV ao redor do mundo. Desse total, 1,8 milhão refere-se a novas infecções ocorridas em 2016. Entre os anos de 2010 e 2016, a incidência global anual de infecções foi reduzida em 16% (UNAIDS, 2017). Declínio ainda mais acentuado pode ser constatado no contingente mundial de óbitos tendo a aids como causa básica. Trata-se de uma queda contínua desde 2005, passando de um pico de 1,9 milhão de casos, para 1 milhão de casos em 2016 (UNAIDS, 2017).

Todavia essas taxas estão aquém do esperado para que se atinjam as metas estabelecidas pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Entre as metas, está a redução de novos casos ao número de 500.000 notificações anuais até 2020 (UNAIDS, 2017). A epidemia recuou no leste e sul da África, na América do Norte e na Europa Ocidental. Contudo, nos últimos anos, o número de infecções cresceu no leste europeu e na Ásia central (UNAIDS, 2017), assim como no Brasil (Kerr et al. 2018; Kerr et al., 2013).

Entre as diferentes estratégias de prevenção ao HIV, encontram-se as denominadas abordagens baseadas no medo (fear-based approaches). Essas abordagens pressupõem que a percepção de indivíduos sobre a gravidade de um evento em saúde influencia a adoção de comportamentos que favoreçam ou dificultem a ocorrência de tais eventos. Ações de prevenção baseadas no medo pretendem motivar sujeitos a adotarem comportamentos saudáveis utilizando imagens/mensagens emocionalmente negativas, contendo ameaças de morte, desfiguração, exclusão social, entre outras formas de sofrimento (Fairchild et al., 2018).

Uma campanha do Ministério da Saúde, veiculada em 2019, buscava enfatizar a gravidade das infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) como forma de estimular o uso de preservativos. A campanha envolve peça publicitária em que jovens apresentam reações de medo e repulsa diante de imagens aversivas relacionadas às ISTs. Ademais, a referida peça tem como chamada a mensagem: "sem camisinha, você assume esse risco", a qual busca atribuir aos indivíduos a responsabilidade pela infeção (Brasil, 2019).

Mudanças comportamentais pautadas na gravidade percebida fundamentam-se, entre outros paradigmas, no chamado Modelo de Crenças em Saúde. O modelo foi formulado por pesquisadores norte-americanos, no final da década de 1950, com vistas a tornar ações de prevenção mais eficazes. De acordo ele, as decisões que um indivíduo toma a respeito de sua saúde decorrem da interação entre quatro crenças básicas. A primeira crença refere-se à suscetibilidade percebida (Rosenstock et al., 1994). Trata-se da percepção sobre quão vulnerável o indivíduo pensa ser em relação a determinadas ameaças, como a contaminação pelo HIV.

A suscetibilidade percebida é diretamente modulada por um segundo construto. Ele consiste na gravidade percebida de uma ameaça à saúde, ou seja, a percepção sobre quão grave é uma condição. A gravidade da ameaça compreende componentes médicos (como dor, deficiência, morte), componentes financeiros (perda de trabalho e gastos com tratamentos) e sociais (estigma, consequências desfavoráveis para a família e para outros relacionamentos) (Rosenstock et al., 1994).

A terceira crença abordada pelo modelo refere-se aos benefícios percebidos. Benefícios dizem respeito à efetividade de uma medida em eliminar ou reduzir a ocorrência de danos. Quanto mais intensa a crença na efetividade de uma ação para o controle de ameaças, mais propenso o indivíduo estará a executá-la (Rosenstock et al., 1994). Por fim, essas três crenças relacionam-se a um quarto construto, as barreiras percebidas. Barreiras são os custos ou implicações desfavoráveis de se adotar certa ação em saúde (Rosenstock et al., 1994).

Ao longo das últimas décadas, novos construtos foram acrescentados à estrutura teórica do modelo, assim como se diversificaram suas possibilidades de aplicação. Entre os componentes acrescentados estão os conceitos de autoeficácia percebida, motivação e pistas para ação. O primeiro diz respeito às crenças do sujeito acerca de sua capacidade para realizar determinado comportamento (Bandura, 1990). Já a motivação designa um estado subjetivo desencadeado por estímulos (Becker, Drachman & Kirscht, 1974), os quais podem ser definidos como pistas para ação (Dela Coleta, 2003).

A associação entre crenças e comportamentos pode ocorrer em dois sentidos: negativo ou positivo. Variáveis estão associadas negativamente quando há uma relação inversamente proporcional entre elas. Por exemplo, o aumento em uma variável cognitiva associa-se à redução em uma variável comportamental, e vice-versa. Em contrapartida, duas variáveis estão associadas positivamente quando há uma relação diretamente proporcional entre elas, ou seja, o aumento em uma variável cognitiva associa-se ao aumento em uma variável comportamental, e vice-versa (Goodwin & Goodwin, 2012).

No contexto do HIV/aids, hipóteses derivadas do Modelo de Crenças em Saúde estabelecem que indivíduos apesentarão "comportamentos de risco" ou "protetivos" se acreditarem que: a) são vulneráveis ao vírus; b) a infecção pelo HIV é um grave acontecimento; c) comportamentos preventivos são efetivos; d) os custos desses comportamentos não sobrepujam seus benefícios; e) os indivíduos acreditam serem capazes de realizar esses comportamentos; f) estão suficientemente motivados; e g) entraram em contato com estímulos que eliciem essas ações (Rosenstock, Strecher, & Becker, 1994).

Por conseguinte, o presente estudo consiste em uma revisão crítica e sistemática da literatura, com o objetivo de avaliar a hipótese de que haveria uma relação inversamente proporcional entre duas variáveis, quais sejam: (1) gravidade percebida do HIV e (2) comportamentos de risco para HIV. A partir desta revisão sistemática, procura-se reunir evidências que confirmem ou rejeitem a hipótese avaliada, de modo a fundamentar estratégias de prevenção ao HIV. Cumpre elucidar se a percepção da gravidade do HIV associa-se a comportamentos que favorecem a infecção, bem como problematizar as implicações éticas de ações preventivas apoiadas na referida hipótese.

 

Metodologia

Esta pesquisa consiste em uma revisão sistemática, com vistas a avaliar a existência de associação negativa entre a gravidade percebida do HIV e comportamentos de risco para HIV, a partir de estudos observacionais publicados entre os anos de 1998 e 2018.

Coleta dos Dados

Para a coleta de artigos, foram realizadas buscas nas bases de dados PubMed, Web of Science, PsycINFO, BVS e Scielo. Foram utilizados como descritores os seguintes termos em português: 1) modelo de crenças em saúde; 2) gravidade; 3) severidade; 4) percepção; 5) HIV; 6) comportamentos de risco; 7) gravidade percebida e 8) severidade percebida. E os correlatos em língua inglesa: 1) health belief model; 2) severity; 3) seriousness; 4) perception; 5) HIV; 6) risk behaviors; 7) perceived severity e 8) perceived seriousness.

Para sua inserção nas ferramentas de busca, tais termos foram combinados utilizando-se operadores booleanos, gerando cinco composições distintas. Sendo elas, em língua portuguesa: 1) (("modelo de crenças em saúde") AND HIV) AND "comportamentos de risco"; 2) (((severidade) AND percepção) AND HIV) AND "comportamentos de risco"; 3) (((gravidade) AND percepção) AND HIV) "comportamentos de risco"; 4) (("severidade percebida") AND HIV) AND "comportamentos de risco" e 5) (("gravidade percebida") AND HIV) AND "comportamentos de risco".

E em língua inglesa: 1) (("health belief model") AND HIV) AND "risk behavior"; 2) (((severity) AND perception) AND HIV) AND "risk behavior"; 3) (((seriousness) AND perception) AND HIV) AND "risk behavior"; 4) (("perceived severity") AND HIV) AND "risk behavior" e 5) (("perceived seriousness") AND HIV) AND "risk behavior".

As combinações em português foram aplicadas às bases Scielo e BVS, ao passo que as combinações em inglês foram aplicadas às bases PubMed, Web of Science e PsycINFO. Utilizaram-se, para as buscas, os filtros: 1) período de publicação entre os anos de 1998 e 2018; 2) apenas artigos publicados em periódicos revisados por pares; 3) apenas estudos envolvendo seres humanos e 4) publicações em língua portuguesa ou inglesa.

Em decorrência, obtiveram-se os seguintes resultados no total: 168 artigos na PubMed; 51 artigos na Web of Science; 36 artigos na PsycINFO; somente um artigo na BVS e nenhum artigo na Scielo. As referências encontradas foram transferidas para o programa EndNote (em sua versão web), a fim de otimizar o manejo desse material. Com o auxílio do programa, foram identificadas e excluídas 105 duplicações, restando 151 artigos selecionados para a leitura de títulos e resumos.

Uma vez realizado o rastreamento dos artigos, procurou-se selecionar os trabalhos adequados aos objetivos desta revisão. Para tanto, durante a leitura do título e do resumo das publicações, foram aplicados os seguintes critérios de inclusão: 1) estudos que avaliassem a relação entre "percepção de gravidade do HIV" e "comportamentos de risco para HIV"; 2) estudos que avaliassem a relação entre "percepção de gravidade do HIV" e "comportamentos protetivos para HIV" e 3) estudos empíricos observacionais (admitindo-se tanto pesquisas quantitativas quanto qualitativas).

Com base na literatura, de modo a se operacionalizar os conceitos de risco e proteção, esta pesquisa de revisão considerou como comportamentos de risco: o compartilhamento de seringas/agulhas; sexo sem preservativo; múltiplas parcerias sexuais; sexo sob efeito de drogas; e início precoce de vida sexual. Consideraram-se como comportamentos de proteção o oposto das referidas práticas.

Por sua vez, foram adotados os critérios de exclusão: 1) estudos cuja operacionalização do construto "gravidade percebida" não esteja em conformidade com o Modelo de Crenças em Saúde; 2) estudos cujas medidas de gravidade não atingiram níveis aceitáveis de significância estatística, e que, portanto, eliminaram essa variável da análise dos resultados e 3) estudos cuja variável comportamental referia-se à testagem para HIV.

Dos 151 artigos selecionados para leitura de títulos e resumos, 101 publicações foram excluídas e 50 foram eleitas para leitura na íntegra. A partir de leitura detalhada, 26 artigos foram incluídos para a etapa final de síntese dos resultados.

Análise dos Dados

Aplicados os critérios de inclusão e exclusão às publicações, procedeu-se à análise dos 26 artigos resultantes. Foram tabuladas as seguintes informações: 1) título; 2) autoria; 3) ano de publicação; 4) metodologia; 5) população e número da amostra; 6) técnica de amostragem; 7) local do estudo e 8) resultados obtidos. Analisaram-se a adequação entre os objetivos e a metodologia de cada estudo, as técnicas de amostragem e os métodos de análise empregados, bem como as evidências reunidas, por cada estudo, acerca da relação entre as variáveis de pesquisa. A síntese dos resultados foi realizada de maneira qualitativa.

 

Resultados

Os resultados dos 26 artigos analisados são aqui apresentados em tópicos referentes à metodologia empregada nos estudos. Foram identificadas três categorias de estudos: 1) estudos quantitativos que aplicaram testes correlacionais às variáveis; 2) estudos quantitativos que não aplicaram testes correlacionais e 3) estudos qualitativos.

Estudos Quantitativos Correlacionais

Vinte e dois artigos referem-se a estudos quantitativos correlacionais, os quais buscaram avaliar a força e a direção (positiva ou negativa) da associação entre gravidade percebida e comportamentos de risco/proteção para HIV. Eles serão aqui apresentados conforme concordem ou contradigam o Modelo de Crenças em Saúde.

As pesquisas foram conduzidas em regiões diversas, com destaque para os Estados Unidos, África (África do Sul, Camarões, Gana, Quênia, Benim e Etiópia), Europa (Portugal/Espanha, Países Baixos e Rússia) e Ásia (Tailândia, China e Nepal). Não foram encontrados estudos da América Latina e Oceania.

Os estudos inseridos nesta categoria foram publicados entre 1998 e 2017, estando as publicações concentradas no início da década de 2000. Oito estudos utilizaram amostragem por conveniência, seis estudos amostragem aleatória simples, cinco estudos amostragem por estratificação, dois estudos amostragem por conglomerado e um estudo coletou dados por censo.

No tocante aos resultados, em 12 artigos relataram não ter encontrado correlação significativa entre gravidade e comportamentos de risco/proteção para HIV. Brown (1998) conduziu pesquisa com 140 mulheres usuárias de drogas injetáveis e concluiu que gravidade não se associou a comportamentos de risco, tais como sexo desprotegido e compartilhamento de agulhas/seringas. Estudo publicado no mesmo ano, por Neff e Crawford (1998), envolveu 1.390 homens e mulheres categorizados como anglo-americanos, afro-americanos e mexicano-americanos. Os autores identificaram que a gravidade percebida não se associou a comportamentos de risco para HIV em nenhum grupo étnico ou gênero. Entre grupos minoritários de mulheres, observou-se efeito da gravidade sobre benefícios percebidos.

Agha (2003) e equipe entrevistaram 2.213 adultos quenianos, selecionados por amostragem por conglomerado. Mediante cálculo de odds ratio, o autor não encontrou correlação significativa entre crença sobre a gravidade da aids e o uso de preservativo (odds ratio de 0.95 em relação ao valor de referência 1.00). Maes e Louis (2003) avaliaram 166 adultos acima de 50 anos, vinculados a grupo de educação continuada e grupo de teatro. A gravidade percebida não apresentou correlação significativa com comportamentos de risco, tampouco com comportamentos protetivos (uso de preservativo). Wiggers et al. (2003) chegaram a conclusões semelhantes com respeito ao uso de preservativo ao entrevistarem 537 indivíduos vivendo em Amsterdã, oriundos do Suriname, Antilhas e África subsaariana.

Zak-Place e Stern (2004) distribuíram questionários autoaplicáveis a 202 estudantes de graduação norte-americanos e também relatam que gravidade percebida não se associou significativamente ao uso de preservativo. Na cidade de Toffo, República do Benim, 235 indivíduos foram entrevistados por Hounton, Carabin e Henderson (2005). Os autores afirmam que gravidade (medida pela percepção de ser a aids uma doença fatal) não esteve associada à falta de uso de preservativo. Avaliando a relação do construto com comportamentos de risco, Wutoh et al. (2005) chegaram a conclusões semelhantes ao entrevistarem 100 indivíduos norte-americanos soropositivos acima de 50 anos.

Muñoz-Silva et al. (2007) buscaram comparar crenças e comportamentos apresentados por 326 estudantes espanhóis e 291 estudantes portugueses. Relataram que, entre portugueses e espanhóis, gravidade percebida não se associou ao uso de preservativo. Nos dois grupos, a gravidade percebida associou-se à autoeficácia percebida. Baiden e Rajulton (2011) analisaram dados de 5.691 mulheres em Gana, concluindo que a gravidade (medida simplesmente pelo fato de o indivíduo conhecer alguém que tenha aids ou morreu de aids) não se associou ao uso de preservativo.

Cento e setenta e quatro homens afro-americanos soropositivos foram avaliados por Peterson et al. (2012) e 393 trabalhadores etíopes de minas de ouro foram avaliados por Abdissa, Lemu e Nigussie (2014). Os dois grupos de autores não encontraram correlações significativas entre gravidade e comportamentos de risco/proteção para HIV.

Digno de nota, um (1) artigo identificou associação positiva (isto é, diretamente proporcional) entre gravidade e comportamentos de risco. Tal achado também se coloca no sentido contrário ao que propõe o Modelo de Crenças em Saúde. O estudo refere-se ao trabalho de Peltzer (2002), realizado com 222 indivíduos sul-africanos negros e brancos, oriundos de áreas urbanas segregadas racialmente no passado.

Também em contrariedade ao modelo, um (1) outro artigo identificou associação negativa entre gravidade e comportamentos de proteção ao HIV. Lin, Simoni e Zemon (2005) coletaram dados de 144 estudantes taiwaneses vivendo nos Estados Unidos. Os autores relatam que, por um lado, os construtos do Modelo de Crenças em Saúde associaram-se, em conjunto, ao comportamento sexual. Contudo, por outro lado, quando avaliada individualmente, a gravidade associou-se, em sentido negativo, ao uso de preservativo.

Por sua vez, com respeito aos estudos em conformidade com o modelo, quatro artigos identificaram associação negativa (isto é, inversamente proporcional) entre gravidade e comportamentos de risco para HIV. Li et al. (2004) distribuíram questionários autoaplicáveis a 2.153 indivíduos selecionados com amostragem por conglomerado. Em análise bivariada, a gravidade percebida correlacionou-se negativamente a comportamentos de risco. Esses resultados repetiram-se em análise multivariada.

Questionários autoaplicáveis também foram distribuídos por Benotsch et al. (2006) a 400 indivíduos atendidos em uma clínica voltada a ISTs em São Petersburgo. A gravidade percebida associou-se, em sentido negativo, a ter múltiplas parcerias sexuais. Já Khumsaen e Stephenson (2017) identificaram entre homens tailandeses duas formas de associação: correlação negativa entre gravidade e o não uso de preservativos, assim como entre gravidade e o sexo sob o efeito de álcool. Por fim, Wang et al. (2017), ao avaliarem 225 homens chineses recém-diagnosticados com HIV, constataram que a gravidade se associou negativamente ao sexo anal desprotegido.

Três artigos identificaram associação positiva entre gravidade e comportamentos de proteção, em conformidade ao Modelo de Crenças em Saúde. Peltzer e Oladimeji (2004) relataram associação entre gravidade percebida e uso de preservativo entre homens sul-africanos. No mesmo estudo, há pouco citado, Benotsch et al. (2006) igualmente encontraram associação entre gravidade e uso de preservativo. Por sua vez, Iriyama et al. (2007) declaram, a partir de dados coletados de 183 homens estudantes nepaleses, que a gravidade se associou fortemente à intenção de abstinência sexual.

Finalmente, cumpre destacar que dois trabalhos apresentaram achados conflitantes. No estudo conduzido por Rossem e Meekers (2011), a gravidade percebida associou-se positivamente ao uso de camisinha em 2002 e, negativamente, em 2003. Ademais, no estudo realizado por Chard, Metheny e Stephenson (2017), gravidade percebida associou-se positivamente à idade de início da vida sexual entre participantes australianos e canadenses. Porém, no mesmo trabalho, a gravidade percebida mostrou-se elevada entre participantes sul-africanos que realizaram sexo anal sem preservativo.

Estudos Quantitativos não Correlacionais

Entre os artigos que utilizaram metodologia quantitativa, dois estudos não aplicaram testes correlacionais às variáveis de pesquisa para avaliar a força da associação entre elas. Em pesquisa conduzida nos Estados Unidos, Kelly et al. (1998) distribuíram questionários autoaplicáveis a 439 homens homossexuais e bissexuais soronegativos e soropositivos, selecionados por amostragem de conveniência. Os autores buscaram avaliar se o advento de antirretrovirais inibidores da protease reduziu a percepção dos participantes acerca da gravidade do HIV, levando, com isso, a um aumento de comportamentos de risco. Do conjunto total de participantes, 8% afirmaram praticar sexo seguro com menor frequência após o surgimento das novas medicações.

No mesmo ano, Najem e Okuzu (1998) entrevistaram 151 estudantes de medicina norte-americanos e 141 estudantes de medicina nigerianos. Vinculados respectivamente às instituições New Jersey Medical School e Benin Medical School, os participantes foram selecionados de modo aleatório. Após compararem percepções e condutas entre os dois grupos, os autores relataram que estudantes nigerianos apresentaram menor preocupação com a gravidade do HIV e mais comportamentos de risco.

Estudos Qualitativos

Por fim, foram localizadas duas pesquisas qualitativas acerca do tema desta revisão. Balán et al. (2013) buscaram explorar: a) preocupações sobre a infecção pelo HIV apresentadas por homens soronegativos que fazem sexo com homens e que praticam barebacking (relações sexuais penetrativas intencionalmente sem uso de preservativo); e b) avaliar estratégias de redução de riscos adotadas por estes homens. Para tanto, os autores recrutaram 82 participantes, residentes na cidade de Nova York, selecionados por estratificação, com relação à etnia (participantes euro-americanos, afro-americanos, latinos e asiáticos) e à sorologia (dois terços consistiram em sujeitos soronegativos).

Foram conduzidas entrevistas em profundidade com os participantes, posteriormente submetidas à análise temática. Como resultado, os autores dividiram os participantes nas categorias: "preocupação significativa", "preocupação moderada" e "preocupação mínima". A percepção sobre o grau de gravidade do HIV foi diretamente proporcional às categorias. No tocante às práticas de redução de riscos, identificou-se principalmente: a limitação do número de parceiros, a estratégia de serosorting, a retirada do pênis antes da ejaculação e a higienização. Em todos os níveis de preocupação, participantes apresentaram comportamentos de redução de riscos, porém os autores relataram não terem encontrado padrões específicos entre tais práticas e o grau de preocupação (Balán et al., 2013).

O segundo estudo qualitativo localizado por esta revisão consiste no trabalho de Li et al. (2016). Os pesquisadores realizaram entrevistas em profundidade com 17 homens chineses que fazem sexo com homens, selecionados por amostragem intencional, objetivando explorar a aplicabilidade do Modelo de Crenças em Saúde (incluindo-se gravidade percebida) para a compreensão de comportamentos sexuais de risco. Como método de análise das entrevistas, aplicou-se a análise temática.

De acordo com os autores, os resultados confirmam a relação entre crenças em saúde e comportamentos de risco. Mais especificamente, declaram que o modo como os participantes interpretaram o fato de medicações controlarem o HIV influenciou a motivação para praticarem sexo seguro, isto é, se em razão dos antirretrovirais, o HIV foi interpretado como não sendo um problema - "it's not a big deal", nas palavras de Li et al. (2016, p. 74) -, e a motivação dos entrevistados para uso de preservativo mostrou-se reduzida, e vice-versa.

 

Discussão

Os resultados da revisão indicam que, para a maior parte dos estudos (17 estudos, correspondendo a 65.3% dos artigos incluídos na síntese), não se confirmou a hipótese avaliada por esta pesquisa, ou seja, a gravidade percebida do HIV não esteve associada negativamente a comportamentos de risco ao HIV. Os achados permitem, portanto, afirmar que o aumento da percepção da gravidade do HIV não se relaciona à redução na exposição ao vírus.

De forma a compreendermos esses resultados e suas implicações, cumpre destacarmos alguns pontos. Primeiramente, o fato de alguns estudos terem identificado associação negativa entre as variáveis (gravidade percebida e comportamentos de risco), enquanto a maior parte não encontrou essa relação, pode decorrer de diferenças no modo como o conceito de "gravidade percebida" foi definido e medido nos trabalhos.

No estudo de Khumsaen e Stephenson (2017, p. 178), cujos resultados concordam com o Modelo de Crenças em Saúde, a gravidade percebida do HIV foi medida a partir da anuência dos participantes a asserções como: "a aids é provavelmente a pior doença que uma pessoa pode ter" ou, ainda, "eu preferia ter qualquer outra doença terminal à aids". Avaliação semelhante foi utilizada por Li et al. (2017, p. 11), cuja escala para medida de gravidade continha afirmações como: "se alguém infectar-se com HIV, sua vida estará arruinada" ou, ainda, "se alguém contrair HIV, ele(a) perderá seus amigos".

Já no estudo de Baiden e Rajulton (2011), o qual não encontrou associação entre as variáveis, a gravidade percebida é avaliada de modo distinto. Os autores mensuraram o construto unicamente questionando aos participantes se eles conheciam "alguém que tem aids ou morreu devido à aids" (Baiden & Rajulton, 2011, p. 49). As respostas positivas foram registradas como elevada percepção de gravidade e as respostas negativas registradas como baixa percepção. De maneira semelhante, o construto foi avaliado por Muñoz-Silva et al. (2007, p. 675), mediante concordância dos participantes (expressa em escala Likert) a um único item: "aids é uma das doenças sexualmente transmissíveis mais sérias".

O problema da definição/operacionalização dos construtos do Modelo de Crenças em Saúde foi discutido por autores como Abraham e Sheeran (2009), os quais alertam que diferenças em medidas e desenhos de pesquisa influenciam os resultados obtidos. Eles afirmam que "enquanto testes sobre o poder preditivo dos construtos do MCS são animadores, a pobre operacionalização do modelo e falhas em verificar sua fidedignidade e validade são desvantagens importantes em muitas pesquisas" (Abraham & Sheeran, 2009, p. 98).

O segundo ponto a destacar, para compreendermos os achados, refere-se a diferenças nos desenhos de pesquisa adotados. Desenhos de pesquisa quantitativos e qualitativos possuem vantagens e limitações específicas. Não obstante, a variabilidade metodológica entre os trabalhos pode contribuir para explicar resultados ora concordantes, ora conflitantes com o Modelo de Crenças em Saúde.

A maior parte dos trabalhos que não encontraram associação negativa entre gravidade percebida e comportamentos de risco e empregou metodologia quantitativa, utilizando-se de testes correlacionais para a análise dos dados. Os testes utilizados buscaram estimar coeficientes de correlação (r de Pearson ou ρ de Spearman) ou a razão de chances (odds ratio) entre variáveis, de modo a atestar a significância estatística dos valores pontuais junto dos seus intervalos de confiança. Por sua vez, os estudos quantitativos que encontraram associação negativa entre as variáveis não utilizaram testes correlacionais. Trata-se dos trabalhos de Kelly et al. (1998) e Najem e Okuzu (1998). O rigor estatístico desses estudos pode ter sido comprometido devido à ausência de testes correlacionais, explicando, assim, os seus achados divergentes.

Vale ressaltar que apenas dois estudos (Balán et al., 2013; Li et al., 2016) empregaram metodologia qualitativa, mais especificamente, a análise temática de entrevistas. Essa abordagem pode ser definida como "um método para identificar, analisar e expor padrões (temas) presentes nos dados" (Braun & Clarke, 2006). Ela procede de maneira descritiva, separando conteúdos expressivos em categorias que elucidam o sentido daquilo que é comunicado. Estudos qualitativos - apesar de sua importância para compreensão em profundidade de um fenômeno, desvelando aspectos relativos à singularidade dos objetos - são limitados em relação à generalização dos seus resultados.

Em terceiro lugar, os diferentes resultados obtidos pelos estudos podem decorrem das estratégias de amostragem adotadas. Nos estudos analisados, foram empregadas técnicas diversas de seleção de participantes, tais como: amostragem por conglomerado, por estratificação, aleatória simples, censo e amostragens não estatísticas por conveniência e intencional.

Observa-se um padrão entre a técnica de amostragem utilizada e os resultados obtidos. Os estudos que encontraram associação entre as variáveis, consonante ao Modelo de Crenças em Saúde, utilizaram, em grande parte, amostragem não probabilística: a saber, os trabalhos de Kelly et al. (1998), Benotsch et al. (2006), Li et al. (2016), Chard et al. (2017), Khumsaen & Stephenson (2017). Dos trabalhos que não encontraram associação entre as variáveis, ou encontraram associações distintas ao previsto pelo modelo, apenas 1/3 (um terço) utilizou amostragem não probabilística, sendo eles: Zak-Place & Stern (2004), Lin et al. (2005), Wutoh et al. (2005), Muñoz-Silva et al. (2007), Peterson et al. (2012), Chard et al. (2017).

Como ressaltam Goodwin e Goodwin (2012), pesquisas em psicologia comumente empregam amostragens não probabilísticas, definidas como estratégias de seleção de participantes, nas quais os indivíduos não possuem entre si as mesmas chances de serem selecionados. Ainda que tais estratégias sejam satisfatórias para estudos sobre correlação entre variáveis, a seleção está sujeita a vieses que interferem nos resultados obtidos, limitando seu poder de generalização devido ao problema de terceiras variáveis serem os elementos que explicam ou suprimem um efeito.

Entre os vieses a que alguns estudos analisados poderiam estar sujeitos, encontra-se a eventual falta de representatividade da amostra em relação à população geral. Por exemplo, Abdissa et al. (2014) recrutaram 393 indivíduos, todos trabalhadores de minas de ouro, ao passo que Najem e Okuzu (1998) recrutaram exclusivamente estudantes de medicina. No primeiro trabalho não se identificou associação negativa entre gravidade percebida e comportamentos de risco, enquanto essa associação foi observada por Najem e Okuzu (1998). Diferenças culturais entre as amostras utilizadas podem, portanto, explicar a divergência entre os resultados.

A influência que vieses culturais exercem sobre a amostra é igualmente ilustrada pelo trabalho de Chard et al. (2017). Como evidenciado pelos autores, se para australianos e canadenses observou-se associação positiva entre gravidade percebida e comportamentos protetivos ao HIV, o construto de gravidade percebida associou-se positivamente a comportamentos de risco entre indivíduos sul-africanos.

Vieses podem comprometer estudos também no âmbito da coleta de dados. Nesta revisão, do total de quatro trabalhos cujos dados foram coletados via internet, metade encontrou associação negativa entre gravidade percebida e comportamentos de risco: Khumsaen e Stephenson (2017) e Wang et al. (2017). Essa estratégia de coleta está sujeita ao viés de autosseleção de participantes, o qual igualmente implica na distribuição não probabilística dos sujeitos de pesquisa. Ademais, diversos estudos utilizaram dados autorrelatados pelos participantes acerca de suas crenças e comportamentos. Dados autorrelatados podem não ser confiáveis, uma vez que os indivíduos entrevistados comunicam apenas as informações que desejam tornar conhecidas.

Por fim, devem ser consideradas as implicações éticas de estratégias de prevenção ao HIV/aids, baseadas no estímulo à gravidade percebida, tendo em vista seus efeitos para a estigmatização de pessoas vivendo com HIV/aids e populações vulneráveis. Goffman (1980) define estigma como uma marca ou atributo indesejável, o qual confere valor depreciativo ao indivíduo, sujeitando-o a atitudes de descriminação e segregação, impedindo-lhe o usufruto de uma vida digna.

A estigmatização leva ao isolamento de grupos populacionais, acentuando situações de vulnerabilidade e dificultando o acesso dos sujeitos a serviços públicos e ao exercício da cidadania. Como ressaltam Monteiro e colaboradoras (2013, p. 61), no âmbito do HIV/aids, o estigma decorre da combinação de fatores diversos, que envolvem "mecanismos intrínsecos às dinâmicas de produção de desigualdades e exclusão social, como o racismo, o sexismo, a pobreza e as diferenças de poder entre homens e mulheres".

Ações de prevenção ao HIV/aids pautadas no apelo ao medo e à gravidade podem reforçar o estigma da infecção, violando princípios éticos como beneficência e não maleficência na atenção à saúde. Ademais, tais ações são deletérias, pois promovem concepções equivocadas sobre a infecção e dificultam o acesso da população a cuidados, tais como: testagem, uso de preservativos, profilaxias medicamentosas e adesão ao tratamento.

Em contrapartida, ressaltamos que os estudos incluídos nesta revisão avaliaram não somente a percepção de gravidade, mas também os construtos: suscetibilidade percebida, barreiras percebidas, benefícios percebidos e autoeficácia. Nos estudos que avaliaram não apenas a gravidade percebida, mas também outras crenças acerca do HIV, o construto que se mostrou mais fortemente associado a comportamentos de risco e proteção foi a autoeficácia.

Os estudos que encontraram essa associação consistem em: Brown (1998), Agha, (2003), Wiggers et al. (2003), Li et al. (2004), Zak-Place & Stern (2004), Lin et al. (2005), Muñoz-Silva et al. (2007), Baiden & Rajulton (2011), Rossem & Meekers (2011), Abdissa et al. (2014), Li et al. (2016), Khumsaen & Stephenson (2017), Wang et al. (2017). Contrapondo-se uma abordagem baseada na gravidade a uma abordagem baseada na autoeficácia, os resultados desta revisão apontam que o último construto apresenta maior potencial explicativo e interventivo em relação a comportamentos de risco/proteção ao HIV.

De acordo com Bandura (1990), a noção de autoeficácia "corresponde a crenças de pessoas acerca de sua capacidade em exercer controle sobre sua motivação e comportamento, e sobre seu ambiente social" (p. 9). No âmbito da prevenção ao HIV/aids, a autoeficácia é operacionalizada como crenças do sujeito sobre sua capacidade de usar preservativo, convencer seu/a parceiro/a sexual a usar preservativo, recusar o sexo diante da falta de preservativo, entre outros comportamentos.

O desenvolvimento de autoeficácia tem por referência promover a autonomia e a tomada de decisões informadas. Se, por um lado, o estímulo à gravidade percebida pode reforçar atitudes discriminatórias e estigmatizantes contra populações vulneráveis, o desenvolvimento de autoeficácia coloca-se como estratégia possível de ser utilizada em ações de cuidado ao HIV/aids.

Ademais, orientamos que estudos e ações preventivas ao HIV/aids evitem utilizar o conceito de "comportamentos de risco". Entendemos que esse conceito se mostra limitado, pois não contempla a influência de fatores sociais e institucionais no comportamento em saúde. Além disto, seu uso pode levar ao equívoco de culpabilizar os indivíduos pela infecção, reforçando estigmas.

Em contrapartida, propomos que pesquisas e ações preventivas sobre crenças e comportamentos relacionados ao HIV/aids privilegiem a noção de "vulnerabilidade". Essa noção compreende três dimensões complementares: individual (crenças e comportamentos); social (relações socioeconômicas, étnico/raciais, de gênero e no contexto religioso); e programática (políticas e práticas institucionais). Tais dimensões articulam-se sinergicamente, de modo a produzirem eventos de saúde (Ayres et al., 2006).

Como consequência, a noção de vulnerabilidade permite investigar crenças e comportamentos inserindo-os em um contexto social, político e histórico. Tendo em vista a realidade brasileira, trata-se, assim, de promover atenção a indivíduos e coletividades, reconhecendo os processos de exclusão e desigualdades que afetam as práticas de autocuidado.

 

Conclusão

Esta revisão sistemática buscou avaliar a hipótese de que haveria uma associação negativa (inversamente proporcional) entre gravidade percebida do HIV e comportamentos de risco para HIV. Cento e cinquenta e uma referências potencialmente relevantes foram identificadas, 50 artigos foram eleitos para leitura na íntegra e 26 artigos foram selecionados para a síntese desta pesquisa. Como resultado, em dezessete estudos não se confirmou a hipótese avaliada, contra nove trabalhos nos quais se constatou associação entre as variáveis.

Portanto, os achados desta revisão permitem afirmar que a percepção da gravidade do HIV não se relaciona negativamente à exposição ao vírus. Como consequência, desaconselhamos ações de prevenção ao HIV baseadas no estímulo à percepção de sua gravidade. Ademais, sustentamos a inadequação ética de abordagens pautadas pelo referido construto, em razão de seus efeitos estigmatizantes para populações vulneráveis.

A divergência entre os resultados encontrados pode ser explicada por diferenças na metodologia e operacionalização dos estudos. Primeiramente, a definição do construto gravidade percebida não foi uniforme entre os trabalhos. Essa falta de uniformidade interfere na maneira como crenças e comportamentos são medidos, podendo explicar a inconsistência entre os achados. Em segundo lugar, enquanto os trabalhos que não encontraram associação negativa entre as variáveis utilizaram metodologia quantitativa correlacional, os trabalhos que encontraram a referida associação não empregaram testes correlacionais.

Em terceiro lugar, os trabalhos divergem quanto às técnicas de amostragem. Os estudos que não encontraram associação entre as variáveis utilizaram, em sua maioria, técnica de amostragem probabilística, diferentemente daqueles que encontraram associação. Técnicas não probabilísticas podem impedir a composição de amostras representativas da população geral. Em quarto lugar, resultados inconsistentes podem ser explicados pelas técnicas de coleta de dados. Os estudos incluídos nesta revisão utilizaram dados autorrelatados, os quais estão sujeitos ao viés de comunicação seletiva de informações pelos participantes.

Para além de uma análise metodológica, esta pesquisa problematizou as implicações éticas do estímulo à gravidade percebida do HIV. Intervenções dessa ordem podem reforçar o estigma associado ao HIV/aids, acentuando o processo de exclusão social a que populações vulneráveis estão submetidas. Abordagens baseadas no medo promovem informações equivocadas, atuam de modo paternalista e contribuem para a segregação de indivíduos cuja dignidade e exercício da cidadania se veem prejudicados.

Além disto, esta pesquisa ressalta a importância de utilizarmos a noção de "vulnerabilidade", em detrimento do conceito de "comportamentos de risco", no âmbito dos estudos sobre HIV/aids. A noção de vulnerabilidade destaca-se por possibilitar intervenções comportamentais que levem em consideração os determinantes sociais e programáticos do cuidado em saúde. Seu uso justifica-se, também, uma vez que o conceito de comportamentos de risco pode conduzir à culpabilização dos indivíduos no que tange à exposição ao HIV.

Por fim, cumpre atentarmo-nos para as limitações desta revisão sistemática. Os achados devem ser recebidos com cautela, em vista da natureza observacional dos trabalhos analisados. Como sabido, associações identificadas em pesquisas observacionais não autorizam inferências sobre relações de causalidade entre as variáveis. Nesse caso, caberia a estudos experimentais estabelecerem essa relação. Porém não sendo ético expor grupos a condições de controle que poderiam elevar a possibilidade de infecção, estudos observacionais permanecem como importante estratégia em pesquisas comportamentais sobre HIV/aids.

 

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Endereço para correspondência:
Rafael Nogueira Furtado
E-mail: rnfurtado@yahoo.com.br

Fabiane Rossi dos Santos Grincenkov
E-mail: fabpsic@yahoo.com.br

Leonardo Fernandes Martins
E-mail: leomartinsjf@gmail.com

Recebido em: 03/11/2019
Revisado em: 25/05/2020
Aceito em: 08/06/2020
Publicado online: 15/10/2020

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