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Revista Subjetividades

versão impressa ISSN 2359-0769versão On-line ISSN 2359-0777

Rev. Subj. vol.20 no.2 Fortaleza maio/ago. 2020

http://dx.doi.org/10.5020/23590777.rs.v20i2.e9304 

RELATOS DE PESQUISA

 

Dimensões Psicossociais e Possibilidades Políticas de Ação no Comércio de Feira Agroecológica

 

Psychosocial Dimensions and Political Possibilities for Action in Trade in Agroecological Fairs

 

Dimensiones Psicosociales y Posibilidades Políticas de Acción en el Comercio de Feria Agroecológica

 

Dimensions Psychosociales et Possibilités Politiques d'Action dans le Commerce de Foire Agro-Ecologique

 

 

Maria Rita Macedo CuervoI; Cristiano HamannII; Adolfo PizzinatoIII

IDoutora em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Atualmente é professor assistente da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e no Centro Universitário Metodista IPA
IIProfessor na PUCRS e Professor substituto na Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
IIIDoutor em Psicologia pela Universitat Autònoma de Barcelona. Professor Adjunto do Departamento de Psicologia do Desenvolvimento e da Personalidade da UFRGS, Professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia e Coordenador da Residência Integrada em Saúde Mental Coletiva

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo, resultado de uma abordagem etnográfica, analisa aspectos psicossociais e possibilidades políticas de agência e negociação no funcionamento de uma feira agroecológica. Além da observação participante, foram realizadas dezenove entrevistas com produtores(as) e consumidores(as) que permitiram construir uma rede de temas recorrentes e atravessamentos discursivos sobre as relações estabelecidas no cotidiano dessa forma de comércio alimentar. O processo de pesquisa possibilitou analisar as relações na feira a partir de duas dimensões centrais: comunitárias e de gestão. Esses aspectos se mostraram articulados a discursos ambientalistas e formas de resistência à economia majoritária e às práticas alimentares industrializadas, tensionando-se com formas de elitização do consumo e idealização do rural.

Palavras-chave: práticas alimentares; cultura alimentar; feira agroecológica; ruralidade.


ABSTRACT

This study, the result of an ethnographic approach, analyzes psychosocial aspects and political possibilities of agency and negotiation in the functioning of an agroecological fair. In addition to participant observation, nineteen interviews were conducted with producers and consumers that allowed the construction of a network of recurring themes and discursive crossings on the relationships established in the daily life of this form of food trade. The research process made it possible to analyze the relations at the fair from two central dimensions: community and management. These aspects were shown to be linked to environmentalist discourses and forms of resistance to the majority economy and industrialized food practices, tending to ways of elitism consumption and idealizing the rural.

Keywords: eating practices; food culture; agroecological fair; rurality.


RESUMEN

Este estudio, resultado de un enfoque etnográfico, analiza aspectos psicosociales y posibilidades políticas de agencia y negociación en el funcionamiento de una feria agroecológica. Además de la observación participante, fueron realizadas diecinueve entrevistas con productores(as) y consumidores(as) que permitieron construir una red de temas recurrente y cruces discursivos sobre las relaciones establecidas en el cotidiano de esta forma de comercio alimentar. El proceso de investigación permitió analizar las relaciones en la feria a partir de dos dimensiones centrales: comunitarias y de gestión. Estos aspectos se mostraron articulados a discursos ambientalistas y formas de resistencia a la economía mayoritaria y a las prácticas alimentares industrializadas, tensionándose como forma de elitización del consumo e idealización del rural.

Palabras clave: prácticas alimentares; cultura alimentar; feria agroecológica; ruralidad.


RÉSUMÉ

Cette étude, fruit d'une approche ethnographique, analyse les aspects psychosociaux et les possibilités politiques d'action et de négociation dans le fonctionnement d'une foire agro-écologique. Au delà de l'observation participante, dix-neuf entretiens ont été menés avec des producteurs et des consommateurs. Ceux entretiens ont permis de construire un réseau de thèmes récurrents et des croisements discursifs sur les relations établies dans la vie quotidienne de cette forme de commerce alimentaire. Le processus de recherche a permis d'analyser les relations dans la foire à partir de deux dimensions centrales: la communauté et le management. Ces aspects se sont montrés liés aux discours environnementaux et aux formes de résistance à l'économie majoritaire et aux pratiques alimentaires industrialisées, en s'opposant à la consommation élitiste et à l'idéalisation du rural.

Mots-clés : pratiques alimentaires ; culture alimentaire ; foire agro-écologique ; ruralité.


 

 

A alimentação é um dos processos humanos mais importantes, pois, além das razões biológicas, não se dissocia de questões que são fundamentais na dinâmica de desenvolvimento das sociedades e das relações em comunidade (Cuervo, Hamann, & Pizzinato, 2019). O processo alimentar é caracterizado por estudiosos da área como biocultural e, por isso, objeto de estudo das ciências humanas para além do campo exclusivamente nutricional (Castro & Maciel, 2015). Entender a alimentação em termos bioculturais possibilita engendrar construções nos planos tradicionalmente estudados como dissociados desse fenômeno: social, político, econômico e psicológico. Nesse contexto de discussão, as feiras agroecológicas podem ser elencadas como espaços privilegiados de análise, pois possibilitam tecer compreensões sobre as dinâmicas plurais no campo alimentar, envolvendo venda, troca e consumo, mas também tensionando discursos contemporâneos acerca do que se considera apropriado ou não para o alimentar-se (Cuervo, Hamann, & Pizzinato, 2019).

A modificação de contextos sociais, espaciais e históricos envolve alterações nas formas de consumo alimentar, sendo perceptíveis processos no que se denomina transição nutricional. Esses estudos indicam que o consumo de alimentos caracterizados por substâncias ricas em gordura e açúcar refinado, assim como a diminuição de carboidratos complexos (ricos em fibras), é característico do período industrial e pós-industrial, por exemplo. Efeitos da atualização desse contexto nutricional (industrializado e de procedência usualmente não conhecida) podem ser observados na saúde corporal da população mundial, caracterizada por fatores como o aumento significativo de doenças crônicas não transmissíveis, como o diabetes (Francisco & Diez-Garcia, 2015). Um dos fenômenos relacionados à atualização dessas formas de alimentação industrializadas é o crescimento mundial de cadeias de restaurantes fast food. Essa possibilidade de alimentação oferece refeições rápidas e práticas para o transporte, consonante com as percepções da vida urbana em termos de velocidade e produtivismo (Francisco & Diez-Garcia, 2015), mas também tem produzido dúvidas em relação à promoção de saúde alimentar.

A despeito do crescimento desse tipo de consumo alimentar, as relações com a alimentação não são hegemônicas, ainda que se observe um incremento de produtos ultraprocessados nas sociedades industrializadas. Assim como em outros campos da ação social, no campo alimentar, existem movimentos políticos de resistência às formas industrializadas e velozes de se alimentar na contemporaneidade, como é o caso do slow food, surgido na Itália em 1986 e comprometido com a proteção dos alimentos tradicionais e sustentáveis. Muitos desses movimentos sociais de caráter ecologista sustentam que a única agricultura que pode oferecer uma perspectiva de desenvolvimento é aquela baseada na soberania alimentar de comunidades locais em harmonia com o ecossistema (Petrini, 2009). As ações dos movimentos agroecologistas, dão ensejo à crescente perspectiva de que alimentar-se é um ato fundamentalmente agrário (ou agropecuário), com dimensões políticas profundamente implicadas, que fazem compreender a noção de soberania alimentar como um complexo sistema que não se reduz ao protagonismo sobre as características nutricionais dos produtos. No campo de discussão da soberania alimentar, a emergência desse tipo de prática e/ou de produtos agroecológicos indica a concomitância entre a criação de muitos nichos de mercado elitizados e a possibilidade de processos de resistência ao majoritário consumo de produtos ultraprocessados na atualidade. Os movimentos de resistência à totalização desses processos dentro da lógica de mercado neoliberal, assim como sua afiliação - através do suporte (macro ou micro) político ao agronegócio -, transcende o debate sanitário sobre segurança alimentar. Dimenstein, Macedo, Leite e Gomes (2015) chamam atenção para o enfraquecimento da dimensão reflexiva, crítica e propositiva dos fazeres coletivos em saúde - extensíveis à alimentação, por estarmos sendo aplacados pela dimensão eminentemente técnica (como a produção agroindustrial de alimentos faz) e deixando de lado a dimensão política, social e civil de conquista da democracia, de fortalecimento coletivo e de pensar a alimentação como questão social.

No que concerne especificamente às feiras de produtos agroecológicos, a literatura ressalta que são formas de comércio nas quais os consumidores tomam posição participativa, evidenciando a construção de redes que podem conectar pessoas por causas comuns no que concerne à alimentação (Petrini, 2009). A formação de relações de confiança como eixo estratégico nas negociações nas feiras (Sato, 2012) e a utilização do espaço que lhe constitui como forma de desenvolver atividades que ultrapassam a compra e venda de produtos, como passeatas, comícios e apresentações artísticas (Cabana & Ichikawa, 2017), são dois dos atributos elencados quando se considera as feiras enquanto acontecimentos de ação política coletiva.

Para Collaço e Menasche (2015), essa conjuntura não pode ser analisada sem considerarmos as práticas e atitudes culturalmente associadas aos processos produção e consumo de alimentos. Questões identitárias marcam ressignificações nas noções de "tradicional", "autêntico" e "saudável" no campo agroecológico e em um marco nem sempre antagônico ao consumo de alimentos processados e ultraprocessados. Antes de um antagonismo, poderíamos notar certa articulação entre diversos movimentos de resistência e de (re)criação de culturas de produção, comércio, preparo e consumo de alimentos (PCPC), calcados em uma perspectiva menos industrial (Cuervo, Hamann, & Pizzinato, 2019).

Fatores como a composição do espaço como ponto de encontro comunitário, a atualização de memórias e sentidos que atravessam a compra e venda de alimentos, a coadunação de reivindicações e perspectivas em torno da soberania alimentar e a criação de "possíveis consumidores", muitas vezes hierarquizados em termos de classe, indicam o caráter incipiente de interpretações que concebem a feira em termos "puramente" de comércio. De acordo com Freitas (2018), é na vida cotidiana concreta, nas relações nas esferas sociais, que se criam as possibilidades de rompimento ou a desideologização (ou quebra da naturalização, em termos de orientação freiriana) das formas de poder, permitindo que novas relações sejam construídas e fortalecidas pelos processos de conscientização, inclusive no comércio alimentar. É esse potencial político da feira, do espaço comunitário, que potencializa não apenas consciência, mas outras práticas e a produção, o comércio, o preparo e o consumo de alimentos.

Ainda que seja compartilhada a noção de que as feiras são parte do sistema de cultura alimentar - sendo um fenômeno sóciohistórico transterritorial, diretamente implicado com o acesso a terra, à água, a formas de produção, ao abastecimento, à distribuição, ao comércio, a práticas alimentares, até o destino dos resíduos gerados no processo -, poucos estudos têm se debruçado sobre o seu cotidiano e as estratégias de sociabilidade e política que englobam. Diante do cenário atual do aumento do consumo de alimentos ultraprocessados e, ao mesmo tempo, da emergência da escolha do que comer como problemática social identitária (Cabana & Ichikawa, 2017; Sato, 2012), refletir acerca dos processos vivenciados nas feiras é uma possibilidade de produção de conhecimento sobre espaços potentes de sociabilidade e ação política.

A discussão sobre política, neste estudo, é vista como ações cujas formas perturbariam a lógica policial - gestadas na possibilidade de oposição a um mundo comum com vistas a outro, nos termos defendidos por Rancière (2010). Na esteira das ideias de Rancière, entende-se que "polícia" é uma ordem social que impede a subjetivação pela via da diferença, o processo de ser singular. A polícia seria uma estrutura social normativa e cerceante, que deixa para os indivíduos apenas a identificação como maneira de se compreenderem como sujeitos, não lhes dando as chaves para que sejam outras pessoas, mantendo a condição subalterna, impedindo a criação (Cé, Jalmusny, Hamann, & Pizzinato, 2019). A polícia compõe o marco social, e o policial subjetivo coloca-se em nossa paisagem perceptiva e nos faz cercear anseios de mudança ou mesmo não ver alternativas nos horizontes normativos.

Da possibilidade de estabelecimento de outras relações na feira, que tensionam as hierarquias dadas nas relações de comércio predominantes no capitalismo de agora, decorrem diferentes esferas de experiência em comunidade, associadas a esses modos de pensamento (Pizzinato, Tedesco, & Cé, 2018). Se no regime ético/representativo há a pressuposição de comunidades consensuais, pelo regime estético haveria a possibilidade de uma nova comunidade, assentada pelas propriedades contraditórias da estética: a comunidade dissensual (Rancière, 2010).

De acordo com a interpretação de Pizzinato et al. (2018), uma comunidade consensual seria aquela na qual os conflitos oriundos do convívio, bem como a gestão dos negócios comuns comunitários, ficariam a cargo de atores sociais cujos cargos apresentam as capacidades e competências necessárias para a resolução e manejo desses conflitos, em posições mais ou menos estáticas. Já em uma comunidade dissensual, nos termos de Rancière (2010), o jogo entre capacidades e competências é reconfigurado, estando essas disponíveis a qualquer um, de modo que as hierarquias entre os atores sociais para a gestão dos negócios comuns da comunidade são abolidas, dando ensejo a uma nova relação sensível comunitária.

Assim, este artigo propõe uma análise sobre os elementos que configuram as relações que circunscreveram as vivências na feira agroecológica sob uma perspectiva política. Pretende-se também elencar dimensões características do local e do contexto comunitário que são relevantes para a compreensão desse espaço e de seus mecanismos de gestão.

 

Método

Para a realização deste estudo, utilizou-se como base a inserção etnográfica, alicerçada na observação participante (Flick, 2009). Essa perspectiva metodológica considera que o processo de aproximação e desenvolvimento em campo na pesquisa envolve tempo e dedicação exploratória. Em consonância com essa perspectiva, Flick (2009) indica que, na etnografia, o pesquisador entra em contato com o universo dos outros e compartilha seu horizonte, numa relação de troca, comparando as teorias dos sujeitos envolvidos, construindo um novo modo de entendimento acerca de determinado fenômeno. Nesse sentido, enfatiza-se a pesquisa etnográfica como uma prática contínua e ordenada, mas igualmente calcada sob o aspecto experiencial, em que são confrontados em campo diferentes racionalidades e sensações, que levam em conta o que ocorre entre o pesquisado e o pesquisador.

Nessa perspectiva, desenvolver uma rotina de trabalho é importante, por isso, a feira foi observada durante dois anos. A partir dessas observações, diários de campo foram construídos. De outra forma, ainda que entrevistas formais sejam desnecessárias sob essa perspectiva, foram realizadas 19 entrevistas, conjuntamente com a proposta de produção fotográfica, que contribuíram para alargar a discussão aos itinerários desenvolvidos pelos participantes e os significados atribuídos ao fenômeno social em análise. Ainda que os convites à participação tivessem um caráter intencional - baseado, primordialmente, nas relações estabelecidas durante os anos de acompanhamento etnográfico no local -, outros elementos compuseram a composição do grupo de participantes: tempo mínimo enquanto participante da feira, tipo de produtos comercializados/comprados (frutas e verduras, grãos, produtos agroindustriais e de origem animal) e tipo de vinculação (constante ou intermitente para os consumidores, e exclusiva ou complementar para os produtores).

Essas entrevistas e produções imagéticas, ambas compreendidas como de caráter narrativo, tiveram uma pergunta gerativa, conforme orienta Flick (2009). A questão proposta foi "como tem sido a tua participação aqui na feira?". Essas entrevistas aconteceram em dois momentos. Inicialmente, o participante era instruído acerca dos objetivos e a sua participação na pesquisa, assim como convidado a conversar sobre a pergunta gerativa. Posteriormente, tendo um período de, no mínimo, sete dias para a produção das fotografias, retomava-se a pergunta gerativa tendo como dispositivo as imagens produzidas. Nesse segundo encontro, aspectos da primeira fase de entrevista eram retomados com o intuito de coconstruir uma narrativa, chancelada por parte do participante da pesquisa. As entrevistas foram gravadas, transcritas e analisadas posteriormente. Tanto produtores quanto consumidores participaram da produção de imagens e são caracterizados neste texto em termos de seu papel na dinâmica da feira, ou seja, C (quando consumidor) ou P (quando produtor).

 

Resultados

Considerando o processo de caráter etnográfico, no qual esta pesquisa se delineou, apresentaremos, nas seguintes seções, questões que circunscreveram a vivência política na feira agroecológica. Em especial, nos dedicaremos a elencar dimensões características do local, relevantes para sua compreensão enquanto fenômeno político: a) uma síntese da feira como acontecimento sóciohistórico, b) as características comunitárias e c) os mecanismos de gestão que são parte desse fenômeno social. Esses três eixos de análise, apresentados a seguir, ainda que compostos sob a perspectiva da inserção etnográfica, se articularam pelas narrativas dos entrevistados e se integram, cada um, com diferentes unidades aglutinadoras de significado. Feira dos Agricultores Ecologistas (FAE) - síntese sócio-histórica

A feira ecológica do bairro Bom Fim, em Porto Alegre, surgiu sob a coordenação da Coolmeia, cooperativa ecológica fundada em 1978. Inicialmente a cooperativa teve sua sede junto à Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), pioneira na luta ecológica brasileira. Os fundadores da Colmeia vinham do movimento ecologista e político de esquerda, e do movimento espiritualista brasileiro (Grande Fraternidade Universal). Os seus membros compartilhavam valores como ecologia e cooperativismo. Alguns simpatizavam com alimentações do tipo ovolactovegetariana1 e outros, com a macrobiótica2. Aproveitando o período entre a comemoração do Dia Mundial da Alimentação Saudável e do Dia Internacional de Luta contra os Agrotóxicos, esse grupo organizou a primeira FAE, especificamente de produtos orgânicos, em 14 de outubro de 1986. A feira foi chamada Tupambaé, o que, segundo os participantes, significa terra de Deus, palavra de origem guarani usada pelos povos na região das Missões para simbolizar as terras utilizadas coletivamente para a produção de alimentos.

A Feira dos Agricultores Ecologistas foi criada com projeto de periodicidade mensal e, em 1990, passou a ser quinzenal. A partir de 1991, semanal. Com o fechamento da Cooperativa Ecológica Coolmeia, em 2004, os agricultores e feirantes participantes idealizaram e constituíram a Associação de Agricultores Ecologistas Solidários do RS para dar continuidade aos trabalhos e processos desenvolvidos. Concomitantemente a esses eventos, em 1991, foi criada a cooperativa ARCOOIRIS, apoiada pela Prefeitura de Porto Alegre, formada também por produtores economistas. Inicialmente, acontecia de forma alternada com as feiras da Coolmeia. Posteriormente, começaram a coexistir. Atualmente, na rua em que se realiza a feira, figuram espaços específicos para as bancas da Coolmeia (atualmente, Associação de Agricultores Ecologistas Solidários do RS) e as da ARCOOIRIS. Segundo a Secretaria Municipal de Indústria e Comércio, o número de frequentadores da feira está em torno de 15 mil pessoas e as famílias na produção e comércio compreendem uma diversidade de municípios.

Atualmente, são 40 bancas de alimentos e sete de safristas e artesanato. Existem, nesse panorama, tanto locais focados na venda de produtos hortifrutigranjeiros, grãos, pães, artesanato, livros, sementes e mudas, como bancas cujo objetivo se insere em informar as pessoas sobre o movimento ecológico, medicina alternativa, tecnologias alternativas, reciclagem e agricultura ecológica. Entre os pressupostos da feira, podem-se destacar: a divulgação da produção ecológica, a conscientização3 sobre saúde e alimentos agroecológicos, a proposição de um espaço de encontro entre produtores e consumidores, o fortalecimento do movimento ambientalista e a divulgação do cooperativismo. Como indicam os produtores, trata-se de uma "luta agroecológica":

(...) desde o início houve uma intencionalidade, desde o início buscamos isso, pois primeiro, aquela feira foi criada para ser um espaço de troca, um espaço cultural (...), político, onde o alimento era um instrumento de aproximação, de trocas de necessidades, de viabilizações, de lutas (...) Tudo isso difundindo uma coisa que a gente mal sabia direito que era a luta ecológica, e sempre o discurso dela foi como uma construção, não um produto pronto () A diversidade foi intencional na feira, nós sempre buscamos o RS, ali, com toda essa diversidade. (P7)

Esse projeto de "diversidade" se localiza na primeira quadra da rua José Bonifácio (partindo da avenida Osvaldo Aranha), nos limites do Bairro Bom Fim e do Parque Farroupilha (conhecido também como Parque da Redenção), em Porto Alegre. Formada em uma das fronteiras da Redenção, a feira é uma das faces do bairro Bom Fim, conhecido por ser de efervescente vida noturna, frequentado por trabalhadores, estudantes, intelectuais e participantes de movimentos alternativos. No bairro há bares, ambientes universitários, escolas, cafés, restaurantes, espaços religiosos, como igrejas e sinagogas, e ambientes de fomento à cultura, como o teatro Araújo Viana. Durante a semana, a rua José Bonifácio é de tráfego intenso. É uma rua de duas mãos, com uma calçada entre as vias, com aproximadamente 5 metros de largura, e a quadra onde se localiza a feira tem em torno de 100 metros de comprimento. É nesse espaço que, no sábado, a feira começa a ser construída.

Ainda pela noite começam a chegar os produtores de várias regiões do estado. Vêm de caminhão, ônibus, camionetas e carros. Alguns saem de casa à uma hora da manhã e chegam em torno das cinco horas - momento em que começa a montagem das bancas. Cada grupo de produtores organiza sua banca, armada com estrutura de ferro, colocam estrados de madeira forrados de plástico para expor os produtos. São bancas de madeira com toldos amarelos, laranjas e azuis. O espaço, que durante a semana é apenas um canteiro entre duas mãos de uma rua movimentada, se transforma e possibilita outras experiências e memórias. Nem sempre se colocam coberturas nas bancas. Se o tempo é favorável, a preferência é por deixá-las expostas. A feira logo começa a ficar colorida, com coberturas azuis, amarelas, verdes, listradas e, ainda cedo - antes das seis horas -, começam a chegar consumidores(as).

Ao longo da manhã, o número de pessoas e o perfil vão se modificando. Mais cedo se podem ver, normalmente, pessoas idosas, cozinheiros de restaurante e compradores de lojas de produtos naturais. Após as oito horas, o perfil é mais eclético e reúne não só consumidores, já que a feira é um conhecido local de encontro diurno em Porto Alegre. Apesar da heterogeneidade dos que lá circulam, entre as diferentes "tribos" e produtores, identificam-se facilmente relações que transcendem a esperada "compra e venda". São perguntas, comentários e respostas com um grau de personalização - ainda que não generalizado -, que indicam o estabelecimento de relações comunitárias para além das de mercado.

 

Mecanismos e Dimensões Comunitárias e de Gestão: Pessoalização, Diálogo, Apropriação e Idealização Agroecológica

Para muitos interlocutores, a feira se constitui como comunidade, pois pode ser entendida enquanto grupo de pessoas que "compartilham uma preocupação de comer comida de verdade"4 (em geral, referida como a sem agrotóxicos) e produzida de forma sustentável (produção agroecológica). Entretanto, para além dessa dimensão reiterada nas conversas e entrevistas, alguns outros aspectos observados podem ser considerados nodais no que concerne a esse quesito. Em especial, a feira movimenta-se intrinsecamente relacionada às formas pessoalizadas nas relações de confiança para negociação, na realização de festas entre produtores e produtoras como fortalecimento de parcerias, e no espaço de diálogo entre clientes e produtores como forma de apropriação técnica, para além do potencial de negociação financeira, assim como certa idealização da vida rural que se localiza enquanto dimensão discursiva associada a um ideário de família e de vida saudável.

O primeiro aspecto, a pessoalização das relações de confiança, aparece de forma articulada com outros atributos, tais como: a valorização dos produtos em função de sua "história"5, a concepção de tradição na produção e o estabelecimento de vínculos com produtores. Esses aspectos6 de relação de confiança estão fortemente presentes e podem ser sintetizados em alguns trechos de narrativas:

A feira, para mim, é uma escola da vida. Não pela venda dos produtos, mas principalmente pela relação com as pessoas (...) Tudo o que eu trago aqui, aos consumidores, eles dizem que tem uma história, tem uma cultura. (P8)

Sentimos a confiança de quem está consumindo o nosso produto, de quem compra desde o primeiro dia que chegamos à feira. As pessoas continuam comprando e avaliando, dizendo o que melhorou e o que precisa ser melhorado, então é uma relação muito sincera com os consumidores. (P2)

Como vemos, os atributos elencados não dizem respeito a uma dimensão unilateral. Existem vantagens tanto em conhecer quem produz como quem consome por parte de produtores e consumidores. Essa relação mais centrada na figura da pessoa, distinta de locais de vendas de produtos em geral, nos quais a confiança é direcionada a determinada empresa ou marca, engendra a possibilidade de pensar um histórico do alimento, ou tradição na produção, tecida pari passu às relações entre produtores/consumidores. O histórico do alimento e a tradição na produção estão fortemente relacionados às famílias produtoras, de modo que é comum a manutenção do comércio agroecológico como um aspecto transgeracional e o reconhecimento pela clientela desse contínuo familiar (vide figuras 1 e 2). Esses quesitos nos possibilitam pensar como a noção de história do alimento, elencado por muitos participantes da pesquisa, se diferencia de uma noção de procedência (em geral, associada a questões de segurança nutricional).

Além da dimensão familiar, reconhecidamente presente nas unidades de comércio da feira, alguns eventos realizados entre os produtores estabelecem formas outras de estreitar laços de confiança. As festas de aniversário da feira, em especial, figuram nessas estratégias. Em geral, realizadas nas propriedades de famílias de produtores, compõem-se de períodos de conversas, refeições, músicas, danças e discussões. Em um desses eventos, no ano de 2015, um dos momentos de reflexão propiciados pelos produtores se operou na realização de uma dinâmica de grupo. Dispostas em círculo, os membros das famílias foram convidados a responder à pergunta: o que espero da feira daqui a 10 anos? Com a primazia das pessoas que acompanharam a feira desde o início de sua criação, foram elencados aspectos relacionados, principalmente, à manutenção da comercialização de alimentos numa rede afetiva e qualitativa de produção. Como ressaltou um dos interlocutores: "Como é diferente um alimento assim. Diferente daquele que não teve a mão humana, alimento sem alma, que veio da máquina" (P7), fala que ilustra a necessidade de compreender os processos de produção, comércio, preparo e consumo (PCPC) de alimentos como compostos num campo interdisciplinar, que não pode se furtar a integrar em si a discussão sobre tecnologia, seus impactos no que entendemos como alimento hoje e as possibilidades identificatórias por ela engendrada.

Vemos que o diálogo entre clientes e produtores se constitui como possibilidade não só de proximidade e manutenção do comércio, mas também como forma de rede de conhecimento e aprimoramento de técnicas. Segundo uma das produtoras: "Aprendemos técnicas de preservação com os clientes, como congelar o alho, por exemplo. Às vezes, o cliente me faz uma pergunta e, se eu não sei responder, o feirante do lado ouviu e responde, e assim trocamos conhecimentos, receitas". Essa dimensão dialógica, reiterada na fala da produtora, não se faz deslocada de certa classificação de quem é o cliente com o qual a negociação é realizada:

Tem aqueles que já são, digamos assim, fundadores ou frequentam a feira há muitos anos, e estão lá porque acreditam na proposta, ou consideram importante a proposta. Tem aqueles que vão pela moda. E esses aí realmente não entendem nada, porque te perguntam até por que a cenoura é assim e não é assado (risadas). É, não só perguntam pela cenoura, mas normalmente não conhecem a grande variedade dos produtos. E tem aqueles que só reclamam. E reclamam, principalmente, pelo preço. Reclamam pelo preço, reclamam pela aparência. É, porque a aparência, "porque no supermercado eu compro diferente", e aí tem que explicar qual é a diferença de comprar no supermercado e comprar lá. Então, eu classificaria, não sei se em quatro... quatro. O primeiro, aquele que já conhece, que vai lá porque acredita; o outro, porque começa a saber, de que aqueles produtos são mais saudáveis, e está também acreditando na proposta; o outro, que vai porque é moda; e o outro, porque vai, é moda, mas também só reclama. (P7)

Parte dessa variedade de tipos de consumidores relatada por produtores é atribuída comumente ao "modismo" do agroecológico. A possibilidade de compreensão da perspectiva de produção agroecológica como moda se articula e, não raramente, é posta como contraposição, à noção de educação proporcionada na feira. Além disso, é possível perceber em muitas conversas com produtores uma ligação casuística entre comportamentos tidos como moralmente inadequados - questionar a veracidade da produção agroecológica, querer ser logo atendido, não dar espaço para outros acessarem a banca, ir à feira porque saiu na TV, porque é "legal" comprar orgânicos, ou porque algum alimento foi considerado milagroso na mídia -, com o desconhecimento e não participação nos ideais fomentados na FAE.

O processo de integração e separação comunitária, que aparece eventualmente circunscrita por indicativos morais, compartilha de certa idealização do rural: "Vejo que eles são pessoas que têm uma postura, atitude diferente da urbana, vou usar aspas, acho que eles têm uma 'humildade' que a gente perdeu aqui, nessa urbe louca" (C9). Entretanto esse processo não se dá sem tensionamentos. Um dos produtores indica:

O consumidor hoje é um idealista ingênuo, acha que os produtores ali são heróis. Parte não de um ser real, com qualidades e defeitos, é romântico. Não o vejo como um agente organizado, mesmo os que estão mais partícipes. São como iniciativa individual, não construindo algo como outros consumidores, não são questionadores politicamente. (P7)

A feira pode remeter ao passado, suas "origens" no campo, a aspectos identitários. Como vemos na fala de duas consumidoras:

Uma coisa importante para mim é que isso tudo é um pouco de comfort food, porque, quando eu venho aqui, tudo me remete muito à minha infância, do tempo que eu ia na horta do meu avô e colhia com ele beterraba, repolho. Sempre tive horta na minha casa, pomar de frutas na minha casa. (...) E a feira me lembra desses momentos da minha vida. (C3)

(...) como eu cresci no campo, e a gente comia o que plantava e cultivava. Então, eu não tinha noção do quanto a gente tem memórias, de sabor, olfato, e o quanto isso é importante, a gente ter esse tipo de experiência na infância. Eu não tinha noção de como isso impactaria a vida no futuro. (C4)

Para além dessas dimensões comunitárias, alguns aspectos organizacionais em caráter de gestão também sustentam relações psicossociais. Em especial, foram elencados, a partir das entrevistas e fotografias produzidas nesta investigação, quatro itens: Certificação Participativa, Negociações de Preços, Diversidade de Produtos e a noção de Cadeias Curtas de Produção. No que concerne à Certificação Participativa, entendida como forma de interlocução com clientes para informar e negociar os meandros de produção do que é vendido na feira, foi possível compreender que essa tem sido uma preocupação para os produtores participantes. Em uma das experiências de acompanhamento das atividades elaboradas pelas famílias de produtores, uma visita guiada com um grupo de consumidores a uma das propriedades familiares, foi possível perceber como se dá a dinâmica da Certificação Participativa na FAE.

Essa visita aconteceu no município de Cerro Grande do Sul, cerca de 150 km de Porto Alegre, elaborada por produtores e consumidores. Para o grupo de 15 pessoas foi proporcionada, além de uma calorosa recepção, uma apresentação da produção realizada no local; em especial, atentando para aspectos relacionados à tecnologia utilizada (na plantação, utilizava-se pó de rocha misturado com serragem e esterco, para que fungos fizessem a decomposição). Entre discussões acerca de temas como saúde pública e práticas alimentares, possibilitada por uma roda de conversa proposta nesse encontro, notou-se que essas formas organizativas de gestão pelos produtores se fazem em consonância com a participação ativa de consumidores. A negociação para esses encontros, ainda que partindo da disposição de apresentação de quem realiza a produção dos alimentos, não se fez sem o ativo interesse de uma parcela das pessoas que consomem na feira. Ao longo desses encontros e das entrevistas realizadas, a Certificação Participativa foi elencada como uma dimensão estratégica de gestão, e identificada como uma potente forma de relação.

Dentro desse panorama compreendido como dispositivos de gestão, a Negociação dos Preços também figura como aspecto relevante. Ainda que um fator aparentemente banal na relação comercial, a forma de organização desta se deu na feira circunscrita por certas estratégias. Em torno das sete horas, um dos trabalhadores da feira, que tem o papel de fazer pesquisa nos mercados e ajudar na definição de preços, passa pela rua na qual a feira se compõe com um sino: é hora da reunião. Pelo menos uma pessoa de cada banca participa, mas o processo também é aberto para pessoas consumidoras. É feita uma roda de conversa, no outro lado da rua em que se realiza a feira (no Parque da Redenção), na qual se discute a manutenção ou modificação dos preços:

Todas as manhãs, a gente, como produtor, se reúne. Então lá são discutidos problemas da feira, né, e essa questão de preço, né?! Acertar os preços. A gente faz pesquisa de mercado também, em supermercados. (P4)

E também o diferencial que eu vejo aqui é um pensar coletivo! Que isso já desde os primórdios dessa feira, a gente sempre primou para que prevalecesse. Para que aqui não fosse um espaço aonde cada um chegasse, individualmente, e agisse individualmente. (P3)

A Negociação de Preços, nesse sentido, é realizada numa discussão conjunta, na qual a intersecção dos valores oferecidos nos supermercados e um consenso de grupo é prerrogativa. Nessa dinâmica, a Diversidade de Produtos influencia. Alguns aspectos que são elencados na negociação dos valores, como a época e quantidade dos produtos, são associados à ideia cultivada pelos produtores de que se trata de um espaço de educação alimentar e nutricional. A FAE é compreendida pelos produtores como um importante espaço público no contexto da realização do direito humano à alimentação adequada e da garantia da segurança alimentar e nutricional, onde a autonomia das escolhas alimentares saudáveis é central e a prática da educação se dá através do diálogo.

A garantia da segurança alimentar e nutricional e do direito humano à alimentação adequada, em que o protagonismo e autonomia aparecem fortemente, assim como o caráter social do aprendizado, é uma marca reiterada nas falas. A segurança alimentar e nutricional (SAN) traz em seu conceito pontos importantes, como o acesso a uma alimentação de qualidade, tendo como base práticas alimentares apoiadas no respeito à diversidade cultural, assim como ambientalmente, economicamente, culturalmente e socialmente sustentáveis. A feira é vista como um meio de ampliação do acesso a alimentos de qualidade pela produção agroecológica e de sustentabilidade social e pelo fortalecimento da agricultura familiar. Nesse sentido, outro aspecto importante da SAN, na feira, é a conservação da biodiversidade, pela forma de produção que é ambientalmente e socialmente sustentável, mas também ser um local onde existe a oferta de plantas alimentícias não convencionais (PANCS) e de produtos nativos.

(...) então, o visual das PANCS, o resgate... A gente aí, com a história das PANCS, já tem, acho, uns dois anos que a gente vem, que eu venho, lendo e pesquisando, vendo isso, né?! A riqueza dessas plantas não comerciais, o quanto a economia, o quanto esse modelo que a gente tem econômico é mortal, é cruel. (C9)

Nas entrevistas, em especial a resistência ao modelo econômico majoritário, é tomada por meio do que se compreende ser o exercício de estabelecer Cadeias Curtas de Produção. É recorrente a apresentação da feira como forma de contrafluxo das grandes corporações e seus modelos de produção e distribuição de alimentos. Na fala de uma produtora, pode-se ver a organização dessa prerrogativa em termos das narrativas no contexto da pesquisa realizada: "É porque foi o agricultor que produziu e veio vender. Não tem ninguém intermediando essa venda, não tem ninguém explorando ninguém." (P5). Nesse sentido, para os produtores da feira, esse aspecto compõe o panorama do que compreendem como forma mais acessível de mercado justo (onde a organização e participação social são a base).

 

Discussão

O exercício político que a FAE possibilita é, com efeito, dependente das trajetórias particulares de cada integrante do local e ocorre de forma sempre parcial e gradual, mediante a construção de formas de experiência e relação com o sensível, ou seja, com a agroecologia, que antes não eram vislumbradas. A feira se constitui como operador de práticas sociais, fomentando formas de relação comunitária em que convivem aspectos normativos e possibilidades de dissidência em termos políticos. Essa relação de potência, de trazer à tona certas desestabilizações no tecido urbano, parece fazer jus à palavra "feira" - que deriva do latim feria, significando "dia de festa". É um espaço cultural que, potencializando relações interpessoais (pela via da confiança, como se identifica em vários momentos da pesquisa), conjuga os mundos da casa e da rua, diferenciando-se das redes de sociabilidade dos grandes mercados, que são delineados, em especial, por certa funcionalidade e rapidez, mais fiéis às perspectivas neoliberais .

A ressignificação dessas relações fica particularmente explícita em situações como as que a FAE "sai da FAE", ou seja, em relações, espaços ou eventos em que as pessoas que compõem a FAE se encontram fora do espaço geográfico físico onde ela ocorre. Esses espaços, formados entre produtores (por meio das festas) e entre produtores e consumidores (na manutenção de formas de diálogo, de horizontalidade) , não se fazem deslocados (e sim se produzem) por meio de aspectos como os atravessamentos tradicionais e românticos acerca do que é a ruralidade. Nessa direção, Collaço e Menasche (2015) discutem as percepções sobre o marco do rural de agricultores e moradores de cidades e, entre elas, a de uma dimensão "rural" valorada exclusivamente de forma positiva, idealizada, tal como aparece nas narrativas dos participantes de nossa pesquisa.

Minnaert (2008), em seu trabalho sobre a feira do Japão, em Salvador/Bahia, reitera esse aspecto, argumentando que, ainda que cada feira tenha suas regras, seus sistemas de valores, todas parecem agregar a familiaridade e domesticidade do espaço caseiro com a fluidez e o movimento da rua. Essa relação não se dá sem tensionamentos, em especial no que concerne a FAE, pois diversas transformações em sua história podem ser observadas, em termos de gestão (novas bancas e a participação de novos atores, como ONGs) e de relações comunitárias (considerando o significativo aumento de consumidores e frequentadores). Podemos considerar que adentrar nesse jogo de público e privado, ao qual Minnaert (2008) refere-se, é colocar em pauta os aspectos comunitários e de gestão que se desencadearam na FAE sob perspectiva política. É nesse espaço de indeterminação público/privado, viabilizado pela aparente balburdia da feira e pelas noções genéricas de feira, que coexistem, por um lado, acepções tradicionais e comerciais da subjetivação capitalística, as quais inserem algumas relações de PCPC no regime policial capitalista e outras no policiamento agroecológico, e, por outro lado, o exercício de subjetivação política (Rancière, 2010) por parte da comunidade da FAE, produzindo formas de alargamento de um sensível compartilhado com relação aos status de "produtor" e "consumidor".

A perspectiva de valorização de certa história do alimento, que dialoga, mas não se equivale, à noção de procedência, se relaciona intrinsecamente com as estratégias de fomento de confiança entre os e as participantes do local e a ansiedade de não saber o que se come. Esse regime de sensibilidade em relação às práticas de PCPC agroecológico organiza certo ethos da FAE enquanto organização de experiências compartilhadas entre as partes. Na contemporaneidade, parecemos conviver com o mal-estar proveniente do tensionamento entre uma memória social, associada ao campo tradicional e romantizado da família nuclear ocidental (conjuntura na qual o alimento é sabido em termos de origem e preparo, cujo consumo é circunscrito em momentos de comunhão - vide os anúncios de margarina), e uma diversidade de produtos para o consumo solitário, rápido e funcional, derivado dos processos de industrialização da economia e da cultura como um todo. A tecnologia de produção que sustenta a materialidade desses alimentos na contemporaneidade é percebida, nesse tensionamento, como uma "artificialização" indesejável por muitos coletivos (Contreras & Gracia, 2011).

Essas formas de compreensão dicotômicas (natural x artificial) aparecem relacionadas às figuras de um "verdadeiro rural" e do "consumidor militante" frente ao "consumidor ingênuo". Podem, portanto, ser entendidas dentro do próprio marco de crise das concepções estáticas e monológicas das identidades, típicas da modernidade, e muitas vezes reiteradas pelos discursos sobre os sujeitos. Identificar os consumidores e/ou produtores nessas posições polarizadas, por conseguinte, é perceber uma tentativa de fechamento identitário num contexto no qual a relação com o tempo e o espaço é plural. A própria possibilidade da feira nos atuais termos se dá pela comunicação rápida, pela diminuição das distâncias, pelas possibilidades de consumo e criatividade das sociedades globalizadas, mas também coexiste com um processo de individualização hedonista, em que cada um pode ser eleitor de suas escolhas de PCPC, mantendo, quiçá, a ilusão de independência do sistema capitalista neoliberal. Uma sociedade fundamentada no aqui e agora, que põe em pauta a realização do desejo imediato. Segundo essa leitura, parece coerente que a comida e o momento das refeições também passem a ser mais individualizados, acelerados, nessa alteração do espaço da sociabilidade, do simbólico e do afetivo (Cuervo, Hamann, & Pizzinato, 2019).

Um rural sob a égide do "natural", do primeiro, e, nesse sentido, idealizado (Collaço & Menasche, 2015). Esse romantismo muitas vezes se evidencia em uma ação de polícia em que, em termos de Rancière (2010), se regulam as competências e funções dos participantes, particularmente em termos identitários, entre os "verdadeiros" participantes, aqueles ideologicamente e explicitamente identificados com a agroecologia, e os demais consumidores e produtores de outras feiras da região. Essa organização, do natural x artificial, atravessada por questões moralistas, é também presente quando articuladas outras dimensões que despontam nas narrativas dos participantes.

Nos últimos cinquenta anos, o ritmo das inovações alimentares aumentou de forma acelerada. Segundo Pollan (2008), a cada ano, 17 mil novos produtos alimentícios são lançados no mercado. O desenvolvimento tecnológico-industrial de alimentos tem levado a uma perturbação da função dupla identificadora do culinário, ou seja, a identificação do alimento e seu papel na construção de uma relação identitária com os indivíduos de cada coletivo ou comunidade (Contreras & Gracia, 2011). Ao passo que temos uma variedade interessante para públicos não pensados anteriormente, como diabéticos e intolerantes a certas substâncias (glúten e lactose, só para ficar nos exemplos mais publicizados na atualidade), a discussão social sobre as novas alternativas alimentares não têm acompanhado grande parte dessas criações. É como se a "crise" de nossa relação com os alimentos fosse maior do que apenas uma metáfora do mal-estar que, aparentemente, parece existir em relação ao modelo de sociedade como um todo.

Os processos de PCPC são uma produção humana que, tomados enquanto tecnologia, podem colaborar para estabelecer um espaço dialógico de compreensão que não caia exclusivamente em definições econômicas, proto-fisioligistas, moralistas ou, ainda, esvaziadas daquilo que pode ser entendido como aspecto subjetivo e identitário relacionado à alimentação para além das "máquinas". A discussão sobre a noção de tecnologia no campo dos processos de PCPC é necessária para evitarmos a compreensão reducionista da técnica enquanto conjunto de objetos, instrumentos, máquinas ou outros artefatos, assim como a redução das tecnologias alimentares à nutrição. Nesse campo de discussão, a ideia de purificação da produção e do consumo de alimentos transcende o campo religioso e mostra-se presente em diferentes movimentos, como os "naturalistas" ou "agroecológicos", mesmo que sob outra ordem epistêmica ou de cosmovisão. Essa dimensão de diálogo pode fazer, apesar disso, atentar para o processo de atribuição de significado às práticas e à dimensão política, social e de produção de verdade que engendram.

O que seria mesmo um alimento in natura? Como avaliar ou dimensionar o impacto humano na constituição do que definimos como alimento? O cozimento? A comercialização? A manipulação genética? Definir que o alimento "sempre" é tecnológico pode tensionar os enunciados em que se advoga certo essencialismo acultural na definição de alimento, ou na naturalização das características químico-fisiológicas, como a "verdade" acerca do que se pode ou se deve aceitar por alimento.

A considerada "alta tecnologia" se apresenta quase sempre como algo melhor, mais rápido, mais eficaz, mutante, o próprio motor da história e do tempo. Os alimentos, ao contrário, mesmo quando têm seu caráter histórico posto em evidência, seguem sendo descritos em um marco mais ou menos estável, atemporal e naturalizado, enquanto fronteira "natural" do humano. Mesmo assim, muitos movimentos sociais advogam atualmente por uma revolução antitecnológica do processo de produção, comercialização, preparo e consumo de alimentos, libertando pessoas e alimentos do poder coercitivo das tecnologias atuais para se fundir em um processo "natural". O problema da radicalização desses planteamentos é que a tecnologia é concebida como dimensão que modifica uma natureza dada, ao invés de ser própria produtora do conceito de natureza.

De outra forma, vemos que estratégias de gestão, como as formas de Certificação Participativa, as Negociações de Preços, a prerrogativa de Diversidade de Produtos e as Cadeias Curtas de Produção, se mostram pontos estratégicos de manutenção e resistência em relação ao comércio majoritário. As noções de Cadeias Curtas de Produção, em específico, constituindo redes agroalimentares alternativas ao mercado industrializado, possibilitam uma maior valorização de produtos e mercados locais.

Esses elementos comunitários e de gestão fazem reiterar a complexa rede de relações que se estabelecem para além do abastecimento de mantimentos. O espaço da compra de produtos é circunscrito por uma miríade de aspectos dialógicos que constituem e reafirmam vínculos sociais. Esses vínculos se veem articulados por questões como as formas pelas quais se constituem redes de confiança (pessoalizadas e não centradas pela lógica das grandes empresas), o fortalecimento de redes pela organização de comemorações, as formas de aprendizado que se dão no campo das negociações entre consumidores e produtores - dimensões fortemente atravessadas por evocações de uma ruralidade ideal.

Entretanto essa ruralidade idealizada se reitera em um processo político que, em termos defendidos por Rancière (2010), é um processo derivado do encontro entre dois âmbitos heterogêneos de base, mas ambos ilustráveis pelas observações e entrevistas realizadas na FAE. O primeiro seria aquele da governança. Ele induz a criação de um consenso comunitário, através do qual se pressupõe os lugares e as hierarquias deles e suas funções, o que o autor define como polícia, e que na FAE se materializa nas estratégias de controle que a própria comunidade estabelece para definir quem a constitui e quais as estratégias políticas de hierarquização e controle dos "mais" e dos "menos" agroecológicos.

Essa atitude identificatória acaba por reestabelecer uma lógica "nós/eles". Estrutura-se na passagem da consciência das relações de subordinação para o reconhecimento do caráter opressivo destas. Não por outro motivo, a identidade política está centrada em relações entre um "nós" e um "eles", que se constituem num antagonismo (Prado, 2002). Esse antagonismo se explicita na relação com os ideais policiados de agroecologia, também minimizando a reflexão e ação política, pelo que Rancière (2010) entende como identificação com o corpo de uma comunidade. Isso pode ocorrer em uma grande comunidade ou nas menores. Pode ser a identificação do processo de governança com o princípio da comunidade sob a noção de tratamento da universalidade, o reino da lei, a liberal democracia etc, ou pode ser, ao contrário, o apelo de uma identificação como parte das denominadas minorias contra a lei hegemônica da cultura e identidade dominantes (Rancière, 2010), como parece ser o caso.

Assim, nos parece que a relação mais dialógica entre consumidores e produtores produz uma leitura menos engendrada no marco da sociedade capitalista. Em outras palavras, entende-se que o (re)estabelecimento de relações de negociação comunitária possibilita a elaboração de críticas ao próprio sistema do qual a feira não apenas não escapa, mas, pelas bordas, também se constitui. Os fatores de "valor agregado" relacionados à produção agroecológica, por exemplo, ilustram que os aspectos de resistência e submissão à lógica capitalística convivem no espaço feira, mais uma vez reiterando a inconsistência da manutenção de leituras romantizadas e dicotômicas sobre esse contexto de produção social.

 

Considerações Finais

Vivemos um momento no qual a conjunção entre iniciativas de movimentos sociais e das redes de produtores e consumidores despontam enquanto possibilidade de mudança. No caso da FAE, formas de resistência política parecem se calcar em relações comunitárias e de gestão, já que permitem relações dialógicas de construção conjunta entre produtores e consumidores. Como foi evidenciado ao longo da pesquisa, essas relações políticas de dissenso não se dão deslocadas de capturas capitalistas, o que é visto, neste estudo, como intrínseco a um processo político que se faz desde dentro (evidenciado, por exemplo, nas estratégias de gestão para fazer a FAE competitiva em termos de mercado). Essas relações comunitárias e de gestão se mostraram singulares em termos de particularidade estratégica (cada qual com sua possibilidade de composição dentro da feira), mas não separadas. Elas mostraram coabitações em termos de sociabilidade e potência política.

Essas articulações, como vimos, estão atravessadas por uma forte idealização do rural, numa cisão operada nas narrativas entre urbano/rural, e que, apesar de possibilitar a construção de conexões comunitárias, soma-se a um discurso romântico e familista. Outra dualidade que se mostra, em termos discursivos, interseccionado na idealização do rural, é a separação entre natural x artificial. Esse aspecto que cria uma falsa dicotomia para produtos que dizem ser de uma diversidade de técnicas e formas de controle de qualidade, provocando, por vezes, um "colamento" moralizante no qual o suposto "natural" estaria relacionado a um ideal de alimentoessência. O discurso de idealização do rural que atravessa a FAE pode mascarar a necessidade de maiores considerações acerca das necessidades de melhorias para produtores rurais, de modo que uma postura realista em relação às dificuldades e projetos agroecológicos não se faça esquecer num país cada vez mais marcado pelo descaso governamental em termos de condições de trabalho e alimentação.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Maria Rita Macedo Cuervo
E-mail: ritacuervo@gmail.com

Cristiano Hamann
E-mail: cristiano.hamann@gmail.com

Adolfo Pizzinato
E-mail: adolfopizzinato@hotmail.com

Recebido em: 14/04/2019
Revisado em: 06/01/2020
Aceito em: 08/06/2020
Publicado online: 15/10/2020

 

 

1 Tipo de dieta vegetariana, sendo alguns produtos de origem animal consumidos, como ovos, leite e derivados.
2 Alimentação macrobiótica é baseada em cereais, complementada de vegetais, frutas e algas marinhas.
3 A Lei n.º 10.831, de 23 de dezembro de 2003, dispõe sobre agricultura orgânica e em seu artigo 1º: "considera sistema orgânico de produção agropecuária todo aquele em que se adotam técnicas específicas, mediante a otimização do uso dos recursos naturais e socioeconômicos disponíveis e o respeito à integridade cultural das comunidades rurais, tendo por objetivo a sustentabilidade econômica e ecológica, a maximização dos benefícios sociais, a minimização da dependência de energia não-renovável, empregando, sempre que possível, métodos biológicos e mecânicos, em contraposição ao uso de materiais sintéticos, a eliminação do uso de organismos geneticamente modificados e radiações ionizantes, em qualquer fase do processo de produção, processamento, armazenamento, distribuição e comercialização, e a proteção do meio ambiente."
4 Expressão utilizada por participante.
5 Termo utilizado pelos(as) participantes.
6 O arroz é da "banca do X", o feijão e as rúculas da "família Y", as alfaces do "Z e da W", a manteiga e o iogurte da "banca da Lomba Grande", as bananas da banca da "Dona C" e da "D, de Torres". Para além da regulamentação, fiscalização, vigilância sanitária, acontece nas relações diretas de compra formas de conhecer quem produz e quem se interessa pelos produtos, um estabelecimento de vínculos.

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