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Print version ISSN 2359-0769On-line version ISSN 2359-0777

Rev. Subj. vol.20 no.2 Fortaleza May/Aug. 2020

http://dx.doi.org/10.5020/23590777.rs.v20i2.e9834 

RELATOS DE PESQUISA

 

Particularidades do Luto Materno Decorrente de Perda Gestacional: Estudo Qualitativo

 

Particularities of Maternal Grief Due to Pregnancy Loss: Qualitative Study

 

Particularidades del Duelo Materno Resultante de Pérdida Gestacional: Estudio Cualitativo

 

Particularités du Deuil Maternel dû a une Fausse Couche Étude Qualitative

 

 

Andressa Milczarck TeodózioI; Marina Camargo BarthII; Jaqueline WendlandIII; Daniela Centenaro LevandowskiIV

IPsicóloga (UFRGS) e Mestre em Psicologia e Saúde (UFCSPA). Possui experiência na área de pesquisa sobre pais-bebê, depressão pós-parto materna, luto materno e perda gestacional. Atua como psicóloga clínica e escolar
IIPsicóloga (UFCSPA), pós graduanda em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem (PUCRS) e em Educação Especial e Inclusiva (La Salle). Possui experiência na área de pesquisa sobre luto materno e perda gestacional. Atua em psicologia escolar, atualmente na área de inclusão, e psicologia clínica de orientação psicanalítica
IIIPsicóloga (UFRGS). Mestre em Psicologia do Desenvolvimento (UFRGS). Doutora em Psicopatologia (Universidade de Paris XIII), Especialista em psicopatologia do bebê (Universidade de Paris XIII). Professora titular do Instituto de Psicologia, Universidade de Paris. Diretora do Diploma de Especialização em Psicologia e Psicopatologia da Parentalidade. Pesquisadora com bolsa de excelência do Laboratoire de Psychopathologie et Processus de Santé (LPPS). Redatora chefe da revista Périnatalité
IVPsicóloga (PUCRS), Mestre e Doutora em Psicologia do Desenvolvimento (UFRGS), com Pós-Doutorado em Psicologia (PUCRS). Professora Associada do Departamento de Psicologia da UFCSPA. Professora dos Programas de Pós-Graduação em Psicologia e Saúde e em Ciências da Saúde da UFCSPA. Coordenadora do PPG Psicologia e Saúde da UFCSPA. Coordenadora do NEEDS/UFCSPA. Bolsista Produtividade em Pesquisa (CNPq)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O processo de luto decorrente de uma perda gestacional tem sido descrito na literatura como uma vivência específica e pouco reconhecida socialmente. Neste estudo buscou-se compreender as repercussões e as particularidades do processo de luto decorrente de uma perda gestacional por meio do estudo de casos múltiplos (Yin, 2005), de caráter qualitativo e transversal, com quatro mães (18 a 29 anos) que vivenciaram ao menos uma perda gestacional nos últimos cinco anos. Foram aplicados os instrumentos: Questionário de Dados Sociodemográficos e Clínicos, Questionário sobre Vivências de Perdas, Prolonged Grief Disorder, Brief Symptom Inventory, além de uma entrevista sobre a vivência de luto materno e a experiência da maternidade atual. A análise dos casos, baseada na perspectiva psicanalítica, permitiu identificar que os procedimentos físicos diante da perda gestacional possibilitaram uma via de inscrição e elaboração psíquica da vivência, contudo esse processo de luto foi permeado por elementos de ordem narcísica e traumática. Sugerem-se investigações na área com mulheres que não tiveram filhos após a perda gestacional.

Palavras-chave: perda gestacional; luto materno; trauma; narcisismo.


ABSTRACT

The grieving process resulting from a pregnancy loss has been described in the literature as specific experience and little socially recognized. In this study, we sought to understand the repercussions and particularities of the grieving process resulting from a pregnancy loss through the study of multiple cases (Yin, 2005), of a qualitative and transversal character, with four mothers (18 to 29 years old) who experienced at least one pregnancy loss in the last five years. The following instruments were applied: Sociodemographic and Clinical Data Questionnaire, Loss Experience Questionnaire, Prolonged Grief Disorder, Brief Symptom Inventory, in addition to an interview about the experience of maternal mourning and the experience of current motherhood. The analysis of the cases, based on the psychoanalytic perspective, made it possible to identify that the physical procedures in the face of pregnancy loss enabled a way of registering and elaboration of psychic experience, however, this mourning process was permeated by narcissistic and traumatic elements. Investigations in the area with women who did not have children after pregnancy loss are suggested.

Keywords: pregnancy loss; maternal mourning; trauma; narcissism.


RESUMEN

El proceso de duelo resultante de una pérdida gestacional viene descrito en la literatura como una experiencia específica y poco reconocida socialmente. En este estudio se buscó comprender las repercusiones y las particularidades del proceso de duelo resultante de una pérdida gestacional por medio del estudio de múltiplos casos (Yin, 2005), de carácter cualitativo y transversal, con cuatro madres (18 a 29 años) que experimentaron al menos una pérdida gestacional en los últimos cinco años. Fueron aplicados los instrumentos: Cuestionario de Datos Socio Demográficos y Clínicos, Cuestionario sobre Experiencias de Pérdidas, Prolonged Grief Disorder, Brief Sympton Inventory, además de una entrevista sobre la experiencia de duelo materno y la experiencia de la maternidad actual. El análisis de los casos, basado en la perspectiva psicoanalítica, permitió identificar que los procedimientos físicos ante la pérdida gestacional hizo posible una vía de inscripción y elaboración psíquica de la experiencia. Sin embargo, este proceso de duelo fue permeado por elementos de orden narcísica y traumática. Se sugieren investigaciones en el área con mujeres que no tuvieron hijos después de la perdida gestacional.

Palabras-clave: pérdida gestacional; duelo materno; trauma; narcisismo.


RÉSUMÉ

Le processus de deuil résultant d'une fausse couche a été décrit dans la littérature comme une expérience spécifique et peu reconnue socialement. Cette étude a cherché à comprendre les répercussions et les particularités du processus de deuil résultant d'une fausse couche à travers l'étude de cas multiples (Yin, 2005), de caractère qualitatif et transversal, avec quatre mères (18 à 29 ans) qui ont vécu au moins une fausse couche au cours des cinq dernières années. Les instruments suivants ont été appliqués: Questionnaire de Données Sociodémographiques et Cliniques, Questionnaire d'Expérience de Perte, Trouble de deuil prolongé, Bref inventaire des symptômes et aussi un entretien sur l'expérience du deuil maternel et sur l'expérience actuelle de la maternité. L'analyse des cas, basée sur la perspective psychanalytique, a permis d'identifier que les procédures physiques face à la fausse couche ont permit un moyen d'enregistrement et d'élaboration psychique de l'expérience, cependant ce processus de deuil a été imprégné d'éléments de natures narcissique et traumatique. Des recherches sur le thème avec des femmes qui n'ont pas eu d'enfants après une fausse couche sont suggérées.

Mots-clés: fausse couche ; deuil maternel ; traumatisme ; narcissisme.


 

 

A perda gestacional é um acontecimento frequente no Brasil. Em 2017, foram registrados 30.620 óbitos fetais, sendo o maior número desses óbitos ocorridos entre mulheres de 20 a 29 anos e, em cerca de 40% dos casos, entre a 28ª e a 36ª semana de gestação (Ministério da Saúde, 2019). Estima-se que esses índices sejam ainda mais expressivos, por conta de abortos e outras ocorrências não registradas oficialmente.

Em relação a essas definições, destaca-se que os óbitos fetais correspondem à morte do bebê ainda na gestação, com características iguais ou superiores a 500 gramas de peso, 25 centímetros de estatura e 22 semanas gestacionais (154 dias); medidas inferiores a essas designam um abortamento (Ministério da Saúde, 2009). Neste estudo, será empregado o termo "perda gestacional" para fazer referência aos abortamentos e aos óbitos fetais, ou seja, para contemplar as perdas de bebês ocorridas durante a gestação, independentemente do tempo gestacional transcorrido e das características do bebê, embora não haja na literatura uma definição precisa desse termo. Entende-se que, independentemente do momento e da causa de sua ocorrência (aborto ou óbito fetal), a morte do bebê pode ser vivida como uma perda pela mulher.

Estudos apontam para características particulares no processo de luto decorrente de uma perda gestacional (Curi, 2016; Duarte & Turato, 2009; Lopes et al., 2017; Soubieux & Caillaud, 2015), por se tratar de uma perda que contraria o ciclo da vida e que ocorre em um momento em que estão sendo traçados os primórdios da relação pais-bebê (Aguiar & Zornig, 2016). Nesses casos, não há recordações de convivência mútua (Lemos & Cunha, 2015), nem a possibilidade, por vezes, de realizar um funeral para marcar, ao mesmo tempo, a realidade da presença e da partida do bebê. Ademais, neste momento, o bebê é parte do imaginário parental, pautado por expectativas e idealizações (Lemos & Cunha, 2015).

Durante a gravidez, há diversas transformações corporais que movimentam o espaço psíquico e o sentimento de si da mulher, que se altera para conter o bebê em sua mente. Entre essas transformações, contempla-se o narcisismo da mãe (Freire & Chatelard, 2009), que engloba o investimento no bebê, primeiramente ideal, que se altera com a chegada do bebê real, quando a mulher passa a elaborar as expectativas e idealizações direcionadas ao filho. Quando ocorre uma perda gestacional, o encontro com o bebê real é interrompido, originando uma ferida narcísica (Iaconelli, 2007), pois retornam para a mulher as projeções em relação a esse bebê ideal e ao ser mãe, o que tende a ser vivenciado como deixar morrer uma parte de si mesmo (Aguiar & Zornig, 2016). Nesses casos, a mulher também vive um luto pela maternidade, sendo-lhe negada a capacidade de procriação nessa gestação (McDougall, 1997), o que interrompe o processo de parentalidade que já estava em andamento.

Devido às características narcísicas da perda gestacional, o bebê pode se constituir como um objeto melancólico (Soubieux & Caillaud, 2015). Na melancolia não fica claro o que foi perdido com o objeto, muito embora o sujeito possa saber, conscientemente, quem perdeu (Freud, 1915-1917/1974). O mesmo ocorre na perda gestacional. Muitas vezes é difícil vislumbrar o que se perde com o bebê, pois há algo nesse tipo de perda que não se oferece à percepção (Curi, 2016), prevalecendo uma relação idealizada.

Somado a isso, diante da perda gestacional, são necessários procedimentos médicos no corpo da mulher para a retirada do bebê, assim como a recuperação física dela, que evidenciam a estreita relação dessa perda com o corpo (Soubieux, 2014). Em abortos precoces, realiza-se a aspiração manual intrauterina (AMIU) ou a curetagem (mais comum), enquanto que, nos tardios, um parto, por condutas expectantes ou ativas (Ministério da Saúde, 2010). Às vezes, é necessária a sedação da mulher nesses procedimentos, os quais são realizados em um momento em que não há, ainda, qualquer tipo de elaboração da vivência da perda gestacional e ainda não são conhecidos os seus efeitos psíquicos nessas circunstâncias. Caso a mulher necessite de anestesia geral, essa pode vir a privar a mulher da experiência de dar à luz (mesmo que a um bebê morto) e de estar presente e consciente perante esse acontecimento, o que se torna preocupante quando acarreta em algo não vivenciado, que "não aconteceu". Assim, submeter a mulher a esses procedimentos sem o devido cuidado pode dificultar ainda mais a experiência. Nesse sentido, a perda gestacional não deve suprimir o direito da mulher de se beneficiar de uma anestesia peridural, quando ocorre a expulsão induzida do feto. O que é importante é que haja, de alguma forma acolhedora, uma experiência consciente, que facilite a discriminação da mãe em relação ao filho e possibilite o processo de luto.

Diante disso, é plausível pensar que esses procedimentos físicos podem configurar a experiência da perda na ordem do traumático, dependendo como ocorrem, porque podem se constituir em um excesso, quando se sobrepõem à capacidade do psiquismo de elaboração e representação (Freud, 1915-1916/1980). O parto em si poderia ser entendido como uma experiência dessa ordem, com intensas dificuldades de elaboração psíquica, já que um de seus efeitos acarreta no corpo partido e atravessado por uma dor à beira do insuportável (Rei, Ramírez, & Berlinck 2014), mas que comumente conta com o auxílio do bebê no processo de expulsão (Zveiter, Progianti, & Vargens, 2005). Nos casos de perda gestacional, esse auxílio não ocorre e, após o parto, não há o conforto de encontrar o bebê vivo nos braços, circunstância que poderia amenizar a dor física da parturição.

Apesar disso, os procedimentos físicos também podem propiciar uma via de registro (inscrição) da dor psíquica e das intensas angústias vinculadas à perda gestacional, que podem ou não vir a ser elaboradas posteriormente (Defey, Rossello, Friedler, Nunez, & Terra, 1992). Isso ocorre porque o espaço psíquico tem seu correlato no real (Iaconelli, 2007), podendo ser marcado pela intensa dor do trabalho de parto, que busca uma via de simbolização dessa experiência (Faria-Schützer, Lovorato, Duarte, Vieira, & Turato, 2014).

Existem, ainda, outros elementos que contribuem para a caracterização da perda gestacional como traumática, mesmo nos casos em que algum tipo de inscrição psíquica ocorreu: a falta de reconhecimento social dessa perda e do consequente processo de luto; a atitude e a atuação da equipe de saúde (Mccallum, Menezes, & Reis, 2017); a própria falta de estrutura desses serviços (Postingher, 2018), e a inexistência de rituais de despedida ou mesmo da possibilidade de ver/contatar o bebê falecido (Canavarro, 2006), desde que haja esse desejo por parte da família. Especificamente em relação ao contato com o bebê e rituais de despedida, o estudo de Faria-Schützer et al. (2014) demonstrou que, embora haja sentimentos dolorosos, esse contato poderia contribuir para uma gradual elaboração da perda.

Esses elementos levam à negação da importância da perda gestacional e não proporcionam a singularização do sujeito, o que dificulta a elaboração psíquica dessa experiência. Em relação à estrutura dos serviços de saúde, destaca-se que, por vezes, as mulheres que sofreram uma perda gestacional são expostas no quarto de recuperação a duplas mãe-bebê, o que demonstra como não há espaço para a singularização do sujeito e sua dor.

Em relação a eventos traumáticos, sabe-se que sua recordação é sujeita, de tempos em tempos, a uma retranscrição no psiquismo, de acordo com a vivência de novas circunstâncias (Freud, 1892-1889/1950). A experiência da perda pode se modificar e se reconstruir em função de novas experiências, positivas ou negativas, sobretudo se forem relacionadas à parentalidade. Nesse sentido, o luto decorrente de uma perda gestacional pode ser acionado e atualizado diante de outras perdas (Rios, Santos, & Dell'Aglio, 2016) e do nascimento de um filho posteriormente (Bailey et al., 2019; Côté-Arsenault & Donato, 2011; Silva, 2012).

Devido ao caráter multifacetado da perda gestacional e do seu impacto psíquico, é possível pensar que dessa experiência decorra um processo de luto, de certo modo, interminável (Soubieux & Caillaud, 2015), a ser revivido em diversos momentos da vida. Entretanto cada mulher vivenciará a experiência de forma particular, conforme a rede de apoio disponível, a sua história de vida, as suas crenças (Lopes et al., 2017) e a forma como transcorreu a experiência de perda, em consonância com a realidade externa.

Embora a literatura aponte algumas particularidades no processo de luto decorrente de perda gestacional, foram pouco exploradas empiricamente até hoje, tanto em contexto nacional quanto internacional. Ademais, entre os estudos existentes, a maior parte não considera a perda gestacional de modo exclusivo, pois incluem, por vezes, outras perdas, como as mortes neonatais precoces, ou excluem perdas ocorridas no início da gestação. Desse modo, é notória a utilidade de estudos nesse contexto, principalmente por essa experiência ter um impacto importante na saúde mental materna e na família como um todo. Assim, neste estudo, buscou-se compreender as repercussões e as particularidades do processo de luto decorrente de perda gestacional com base na perspectiva psicanalítica.

 

Método

Delineamento, Instrumentos, Procedimentos e Análise de Dados

Trata-se de um estudo de casos múltiplos (Yin, 2005), qualitativo e transversal. A partir do primeiro contato com as participantes, após divulgação do convite para a pesquisa em redes sociais de ONG's vinculadas à temática da perda de filhos e no perfil pessoal dos integrantes da equipe de pesquisa (no Facebook e no Instagram), eram explicados os objetivos e procedimentos do estudo e verificados os critérios de inclusão. Depois, era enviado um TCLE por email para as mulheres que não residiam em Porto Alegre ou região, o qual deveria ser reenviado preenchido e assinado antes da aplicação dos instrumentos. Para as demais, esse procedimento ocorreu presencialmente.

No dia agendado para a coleta de dados, eram aplicados os seguintes instrumentos, respectivamente: Ficha de Dados Sociodemográficos e Clínicos (FDSC, adaptada de NUDIF, 2008), para a caracterização das participantes; Brief Symptom Inventory (BSI, Derogatis, 1993, versão adaptada da validação para Portugal por Canavarro, 1995, 2007), para avaliar quadros psicopatológicos severos que impossibilitassem a participação no estudo, assim como a percepção das avaliadoras no transcorrer da aplicação dos instrumentos; Questionário sobre Vivências de Perdas (QVP, Vescovi, Esswein, & Levandowski, 2017), para verificar a ocorrência de perdas de familiares, amigos e/ou de filhos (desde a gestação até o período posterior ao nascimento) e as características dessa(s) perda(s); Prolonged Grief Disorder (PG-13, Prigerson & Maciejewski, 2008, versão validada para o Brasil por M. Delalibera et al., 2017), para avaliar a presença de luto prolongado; e uma entrevista sobre a vivência de luto materno e a experiência da maternidade atual (adaptada de NUDIF, 2008), de caráter semi-estruturado, buscando investigar a história da perda gestacional e as repercussões e particularidades dessa vivência.

A aplicação dos instrumentos durou em média 120 minutos, algumas vezes dividida em dois momentos. Todas as entrevistas foram gravadas em áudio e transcritas. Nas coletas via Skype, foi realizada a leitura de todos os instrumentos para as participantes. Realizou-se um estudo piloto com um caso, antes do início da coleta de dados, para verificar a adequação dos instrumentos.

A entrevista foi analisada individualmente por duas avaliadoras, de forma cega. Primeiramente, houve a familiarização com os dados, através de repetidas leituras das transcrições. Após esse etapa, cada avaliadora buscou nas entrevistas as falas das participantes que contemplassem a história da perda gestacional e as repercussões dessa vivência. Depois da seleção individual desses trechos, as avaliadoras compararam seu material, a fim de verificar divergências. Eventuais dúvidas foram discutidas até a obtenção de um consenso. A seleção final do material serviu para a construção do relato de cada caso. Após essa construção, foi utilizada a estratégia de análise baseada em proposições teóricas (Yin, 2005), com base na perspectiva psicanalítica. Posteriormente, utilizou-se a estratégia de síntese de casos cruzados (Yin, 2005) para identificar semelhanças e diferenças entre os casos e ampliar a compreensão do fenômeno.

Participantes

Participaram deste estudo quatro mulheres (22 a 29 anos), que vivenciaram pelo menos uma perda gestacional nos últimos cinco anos e que tiveram, após a perda gestacional, um novo bebê, com idade variando de seis meses a 21 meses no momento do estudo. Foram adotados como critérios de inclusão: experiência de perda gestacional nos últimos cinco anos, idade entre 18 e 29 anos e ter bebê nascido após a perda gestacional entre seis e 24 meses. Foram excluídas mulheres com deficiência intelectual (observada a partir do contato) e/ou quadro psicopatológico severo (ex. esquizofrenia, depressão e risco de suicídio), assim como mães de bebês nascidos com malformações.

Após a divulgação, 51 mulheres demonstraram interesse em participar (41 via WhatsApp, 9 via email e uma por indicação). Dessas, 14 cumpriram os critérios de inclusão, mas oito não enviaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e não responderam ao contato realizado pela equipe. As demais realizaram a coleta de dados completa, presencialmente (n=1) ou via Skype (n=5). Dentre as seis, optou-se por selecionar quatro mulheres com perda gestacional a partir do segundo trimestre, a fim de homogeneizar os casos (Flick, 2009) em relação a essa característica e trazer um diferencial para a literatura da área. Seguindo Creswell (2014), quatro casos seriam suficientes para compor uma investigação com o delineamento adotado neste estudo.

Considerações Éticas

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade (Retirado para não identificar autoria) (Parecer n.º 2.934.589) e atendeu às diretrizes das Resoluções n.º 466/2012 e n.º 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde para pesquisas com seres humanos. As participantes receberam o TCLE com detalhamento da pesquisa e as devidas garantias éticas. A participação foi voluntária e considerada de risco mínimo, muito embora a temática pudesse causar algum desconforto, mas não significativo a ponto de causar prejuízo. Também não foram identificadas situações de sofrimento psíquico intenso, indícios de psicopatologia grave materna ou risco para o bebê que tenham demandado encaminhamento para a rede de assistência de saúde ou impossibilitado a participação no estudo. Os materiais coletados foram arquivados em local seguro na universidade, garantindo-se o anonimato também nas publicações.

 

Resultados

Os níveis de escolaridade das participantes foram variados. Todas as participantes coabitavam com o companheiro, pai do bebê perdido anteriormente e do novo bebê, e o tempo total de relacionamento dos casais variou de três a oito anos. Destaca-se que nenhuma das mães apresentou luto prolongado1 (conforme avaliado com o PG-13) e, dentre as quatro, duas (Hera e Ilitia) apresentaram indicativos psicopatológicos (ideação paranoide e psicoticismo, respectivamente), conforme avaliação com o BSI, embora esses indicativos não tenham sido observados ao longo da coleta de dados. Em relação à ocorrência de outras perdas significativas, nenhuma das participantes teve essa experiência nos últimos sete anos.

Apresenta-se a seguir as características das participantes (Tabela 1), seguidas pelo relato de cada caso e discussão. Após, consta a discussão geral, resultante da síntese dos casos cruzados.

Caso 1: Afrodite

Na semana em que ocorreu a perda, Afrodite referiu sentir um movimento diferente no ventre, atribuindo-o ao fato de o bebê ter "se encaixado" para o nascimento. Na ultrassonografia de rotina, percebeu-se a ausência de batimentos cardíacos, o que foi comunicado pelo seu médico, que a encaminhou à maternidade. Segundo ela, o que ocasionou a morte do bebê foi o nó verdadeiro do cordão umbilical (enrolado em si mesmo).

Afrodite pode escolher o tipo de parto, tendo optado pelo vaginal, porque "eu não teria que ficar tomando cuidado com ponto sem ter um neném, entendeu?!". Foi necessária uma indução. A participante relatou sentir bastante contrações, tendo recebido anestésicos para a dor. Ela definiu o processo como rápido. "Como o bebê não tava ajudando tanto, foi até que um processo bem rápido, porque foram 8 horas em trabalho de parto até ele nascer".

Durante a notícia e os procedimentos, Afrodite disse não sentir emoção. Era como se se"abrisse um buraco no chão (...) só sonhei com aquilo e depois acordei e não era nada real". Ela optou por ver o bebê após o parto: pegando-o no colo, permaneceu com ele um tempo e teve oportunidade de se despedir em uma cerimônia para familiares mais próximos.

O quarto do filho estava pronto. Conforme seu pedido, o companheiro de Afrodite guardou tudo na casa da mãe dele, pois ela não queria se desfazer de roupas, móveis e brinquedos: "Aí, conforme foi passando o tempo, eu fui indo lá [na casa da sogra], porque era uma lembrança que eu tinha assim... é física, né, que a gente pode pegar, porque eu lavei toda aquela roupinha, eu passei toda aquela roupinha, então eu queria poder ver ainda". Gradualmente, se desfez de algumas coisas e guardou outras para usar futuramente (berço, roupinhas e carrinhos). Também guardou os convites e lembranças do chá de bebê do filho.

Afrodite saiu da maternidade com os seios enfaixados para interromper a produção de leite. Além de enfaixá-los diariamente, precisou tomar medicação: "Ainda assim, eu tive leite. Eu vivia com o peito enfaixado e aquilo, às vezes, doía bastante, porque inchava". Considerou ter sido bastante apoiada pela equipe hospitalar, esposo e familiares, mas referiu que estes últimos não entendiam como, depois de um ano, ela ainda chorava pela perda do filho. Segundo ela, no início, chorava todos os dias e tinha sensação de impotência.

Passados alguns meses, considerou que esse filho teve um importante papel em sua vida, colaborando para que tivesse mais vínculo e amor pela família. Segundo ela, o bebê uniu mais as pessoas. Oito meses após a perda, engravidou de um menino, escolhendo para ele um nome semelhante ao do filho falecido. Considerou sua gestação difícil, baseada em medo. No momento do estudo, esse filho estava com 21 meses.

Repercussões da perda gestacional e particularidades do processo de luto para Afrodite

Constata-se, inicialmente, que as repercussões da perda gestacional para Afrodite foram de ordem física, desde que ela percebeu uma movimentação diferente do bebê no ventre, depois, se deparou com os procedimentos físicos. Isso evidencia como a perda gestacional toca as mulheres em seu corpo inteiro, diferentemente de outras perdas (Soubieux, 2014).

Em relação às repercussões emocionais, no início, não havia emoção. Os procedimentos físicos foram acompanhados de um "buraco psíquico", com suspensão não somente dos processos psíquicos ligados à parentalidade, mas também à dor imensa da perda. Contudo a possibilidade de escolha do tipo de parto exigiu que Afrodite pensasse sobre essa decisão. A vivência corporal (dor física do trabalho de parto e demais procedimentos médicos) parece ter auxiliado a demarcar a inscrição psíquica dessa experiência (Faria-Schützer et al., 2014), mostrando como aspectos físicos e emocionais estavam imbricados nessa situação.

Considera-se que Afrodite estava elaborando psiquicamente a perda, quando, por exemplo, visitava a casa da sogra para ter contato com os objetos do bebê falecido, fortemente investidos por ela. Como o espaço físico está ligado à construção de um espaço psíquico (Iaconelli, 2007), esse movimento se mostrou importante para a elaboração, permitindo que contatasse os próprios sentimentos.

A possibilidade de conhecer o motivo da morte do filho, vê-lo mais de uma vez e segurá-lo em seus braços, bem como de organizar uma despedida para ele e receber apoio familiar, foram aspectos importantes para dar início ao processo de luto para essa participante. Assim, até o momento da coleta de dados, Afrodite parecia ter conseguido dar um significado para a perda de seu filho.

Caso 2: Hera

Hera perdeu dois filhos, sendo um na gestação (37 semanas) e o outro logo após o nascimento (dois dias de vida). Após a primeira perda, Hera realizou tratamento psicológico por dois meses, por indicação de seu sogro. Na perda gestacional, o bebê de Hera era do sexo feminino. Na ocasião, teve um sangramento e foi para o hospital. Ao realizar uma ultrassonografia, percebeu-se a ausência de batimentos cardíacos no bebê. Não acreditando no resultado, Hera dirigiu-se a outro hospital, realizou os mesmos procedimentos e recebeu a mesma informação. Nesse momento, Hera já estava com dilatação. A equipe médica, então, realizou um parto vaginal: "Eu senti dor, senti contração, senti tudo". Conforme Hera, chorava a todo o momento. Recebeu somente a explicação que sua filha entrou em sofrimento fetal. Entretanto ela pensava que, após o parto, a filha estaria viva: "Só depois que eu realmente peguei, toquei no bebê, que eu realmente vi que já não tinha jeito, tava morto realmente". O enterro ocorreu após dois dias, mas ela não participou da cerimônia por proibição de sua família: "Eu acabei não indo pro enterro, porque não deixaram eu ir. Na verdade, ia me fazer mal, porque eu tava sofrendo, e também eu tinha acabado de ter o bebê, aí é ruim ir no cemitério aberto, essas coisas. Acabei só ficando um pouco na porta do cemitério mesmo". Ela contou ter sofrido muito por não ter visto a filha nessa ocasião. Por outro lado, entendia que seus familiares queriam preservá-la.

Ao retornar para a casa, seus familiares já haviam desmontado o quarto da filha. Segundo ela, gostaria de ter participado disso, tendo chorado ainda mais com essa situação. Posteriormente, encontrou todas as coisas da filha em sua casa. Guardou a bolsa da maternidade, algumas roupas e um sapatinho como lembrança. Optou por guardar e utilizar as demais coisas futuramente.

Um ano depois, Hera perdeu outro filho. Na 30ª semana de gestação, por indicação médica, necessitou fazer um parto cesáreo, pois a criança estava em sofrimento fetal devido ao entupimento do cordão umbilical. O menino ainda viveu por dois dias na UTI. Dessa vez, Hera participou do enterro e inclusive fotografou o filho, pois tinha medo de esquecer-se de seu rosto. Ela referiu estar atualmente conformada, apesar de ainda sentir-se emocionalmente abalada e se questionar a respeito dos motivos de ocorrência dessa perda. Engravidou novamente dois anos depois, relatando muito medo de uma nova perda. No momento do estudo, essa filha estava com seis meses de vida.

Repercussões da perda gestacional e particularidades do processo de luto para Hera

Em relação aos procedimentos físicos, ocorreram sem possibilidade de escolha para Hera, pois ela já estava com dilatação. As repercussões físicas dessa experiência demonstraram como realmente a filha era uma parte do seu corpo, real e simbolicamente (Soubieux & Caillaud, 2015), e o quanto a perda gestacional é vivida no corpo da mulher (Soubieux, 2014), diferentemente de outras perdas. Esses aspectos mostraram-se atrelados às repercussões emocionais, as quais foram intensas e, de certa forma, traumáticas para Hera.

Somado a outros aspectos a posteriori, pensa-se que a perda gestacional configurou-se, para essa participante, como um excesso pulsional, não nomeado e desautorizado, sobrepondo-se, no primeiro momento, à capacidade do psiquismo de ligação e elaboração, configurando uma experiência traumática, mesmo com a possibilidade de inscrição psíquica. Ter visto a bebê apenas uma vez, ter sido impedida de participar do enterro, não ter a possibilidade de se desfazer de forma adequada dos objetos da filha, fortemente investidos à sua espera, assim como desconhecer a causa da morte da filha, são exemplos desses aspectos que podem ter contribuído para configurar a experiência de perda como traumática pela Hera.

É comum que os familiares desmanchem o quarto e se desfaçam dos pertences dos bebês, em casos de perda gestacional (Aguiar & Zornig, 2016), mas, dessa forma, a mãe fica privada de um ritual, principalmente se deseja tê-lo. Também a inexistência de rituais sociais que tornem a perda socialmente visível, quando desejados, pode dificultar o processo de luto (Canavarro, 2006). Assim, é plausível supor que esses fatores tenham sido complicadores para a elaboração psíquica da perda gestacional por Hera, tanto que, na segunda experiência de perda, ela optou por participar do enterro e fotografar o filho, para ter um registro concreto e simbólico dele. Com isso, parece ter sido possível para ela reatualizar psiquicamente a primeira experiência de perda, possibilitando outro registro psíquico, já que, conforme Rios et al. (2016), o processo de luto pode ser atualizado por outras perdas. Assim, a vivência da perda gestacional, embora traumática, posteriormente pareceu ter sido elaborada psiquicamente por Hera em função da segunda perda (neonatal) e, por fim, do nascimento da filha subsequente.

Caso 3: Ilitia

Na 18ª semana de gestação, Ilitia começou a apresentar corrimentos e cólicas frequentes, recebendo o diagnóstico de infecção ao procurar o setor de emergência hospitalar. Mesmo após ser medicada, não apresentava melhora. "Era uma dor chata, daí eu fui fazer xixi e eu senti como se tivesse saído uma coisa de dentro de mim. Quando eu olhei no vaso, tinha um coágulo do tamanho da minha mão". Nessa ocasião, estava com 2 cm de dilatação e ficou internada por cinco dias para acompanhamento e identificação da causa do sangramento. Após receber alta, necessitou permanecer em repouso, devido ao risco de perda do bebê.

Durante o repouso, com 20 semanas, Ilitia teve outro sangramento. Nessa ocasião, recebeu a notícia, ainda na ambulância, de que o bebê não sobreviveria. "Eu não queria acreditar, sabe? Até o último momento, eu pedia muito a Deus pra que ele fizesse um milagre (...) Custou pra cair a ficha". Ilitia relatou que o tratamento recebido no hospital aumentou o seu sofrimento, pois os profissionais não foram sensíveis à situação. Ela realizou um parto induzido e, após, uma curetagem com anestesia geral. Quando acordou no setor de recuperação, estava ao lado de uma mãe e seu bebê recém-nascido. "Daí me destruiu de vez, né, aí foi muito complicado...". Além disso, conforme Ilitia, o hospital entregou seu bebê morto dentro de um pote, para que a família pudesse realizar algum tipo de análise laboratorial. "Colocaram num pote branco e botaram do lado da minha cama, sabe, deixaram na cabeceira da minha cama".

A morte do filho foi atribuída pelos médicos a uma fatalidade e Ilitia recebeu a indicação de possibilidade de engravidar novamente após três meses. Não realizou nenhum ritual em relação à perda e atribuiu uma despedida ao momento do nascimento da próxima filha: "Essa despedida veio quando a Isis [bebê subsequente] nasceu, porque eu tive que saber distinguir a presença... eu achei que, quando a Isis fosse nascer, que ia anular, mas isso não aconteceu". Ilitia guardou todas as coisas do bebê falecido e as usou em Isis. Apenas um bico foi guardado exclusivamente como lembrança.

Três meses após a perda gestacional, Ilitia engravidou de Isis. Durante a gestação sentiu muito medo de uma nova perda. Na 24ª semana, apresentou colo dilatado e hipertensão, mas conseguiu manter a gestação até o final. No momento do estudo, Isis tinha 19 meses.

Dez anos antes da ocorrência dessa perda, Ilitia teve outra perda gestacional e não lembrava em que momento estava da gestação. Além de Isis, Ilitia também tem outros dois filhos (uma menina, de 16 anos, e um menino, de 8 anos).

Repercussões da perda gestacional e particularidades do processo de luto para Ilitia

Os impactos físicos sentidos por Ilitia demonstraram a estreita relação da vivência de perda com o corpo da mulher. Sendo o filho uma parte desse corpo, retirar os seus restos significa, também, retirar uma parte da mulher, que tem o processo de se tornar mãe abruptamente interrompido (Curi, 2016; Soubieux & Caillaud, 2015). Assim, percebeu-se que os procedimentos físicos deixaram uma marca importante em Ilitia, mas de caráter traumático. A anestesia geral, embora necessária, retirou-a temporariamente da cena vivida, em um momento que ainda não havia elaboração psíquica dessa experiência de perda, impossibilitando-a de estar consciente da experiência de retirada do que restava do bebê em seu corpo. Nesse caso, os procedimentos e, especialmente, as condutas médicas dificultaram o processo de luto, trazendo repercussões emocionais negativas decorrentes dos (não) cuidados dirigidos à participante.

Assim, as repercussões emocionais foram vivenciadas por Ilitia de modo muito complexo, havendo dificuldades importantes, o que remete a um caráter traumático da perda gestacional, incrementado por elementos externos relacionados ao atendimento de saúde, como acordar na sala de recuperação com puérperas e seus bebês, e visualizar o seu bebê morto dentro de um pote, sem preparação para tal. Ficou evidente a negação do sofrimento da participante por parte da equipe hospitalar, que manejou de forma inadequada a situação, o que se sobrepôs às dificuldades que Ilitia já estava vivenciando, próprias da experiência de perder um filho.

Também a existência de uma perda prévia pode ter contribuído para incrementar o caráter traumático da perda mais recente. Contudo, ao ser mãe novamente, Ilitia parece ter atribuído um significado às experiências anteriores de perda, o que tornou possível uma elaboração ao menos parcial dessas vivências. De fato, o nascimento da filha pode reatualizar e ressignificar as perdas anteriores (Rios et al., 2016; Lemos & Cunha, 2015).

Caso 4: Artemis

Artemis sofreu duas ocorrências de perda gestacional: a primeira, há seis anos (10 semanas de gestação) e, a mais recente, há cinco anos (16 semanas), ambas sem causa confirmada. Realizou psicoterapia após a segunda perda gestacional e atribuiu a isso o fato de lidar melhor com essas vivências atualmente.

As duas situações de perda gestacional foram semelhantes, iniciando com um sangramento intenso. Nas duas vezes, dirigiu-se ao hospital. Na primeira vez, recebeu a indicação de aguardar em casa para expelir naturalmente a bebê, sendo atribuída normalidade à perda pela equipe médica, em função do tempo gestacional. Aproximadamente um ano depois, Artemis engravidou novamente de uma menina (nessa época, sua irmã também estava grávida). Nessa ocasião, o hospital recomendou uso de medicação para a expulsão do bebê. Quatro dias após, Artemis entrou em trabalho de parto, que durou 12 horas. Ela referiu o despreparo médico em ambas as situações: "sem preparação nenhuma, os médicos me colocaram na sala de grávidas pra fazer o ultrassom junto com as outras grávidas". Referiu ter sentido vazio e impotência: "parecia que tinha aberto um buraco e eu tinha caído dentro. Foi uma sensação que não dá pra descrever, mas é uma sensação de vazio, de impotência".

Nas duas gestações, Artemis escolheu o mesmo nome para os bebês. Da primeira gestação, ela havia guardado consigo diversas roupas e acessórios da filha. Na segunda, pediu que a mãe os guardasse na casa dela.

Três anos após a última perda gestacional, Artemis engravidou de uma menina, que recebeu o mesmo nome escolhido nas outras duas gestações. Nessa ocasião, sua mãe lhe entregou todas as roupas lavadas, as quais foram utilizadas e, após, guardadas em uma caixa como recordação: "Eu ainda tenho tudo guardado, que também eram das outras duas gestações". Quando grávida, sentiu muito medo de uma nova perda e, por isso, não queria revelar sua condição para ninguém. Nessa gestação, Artemis apresentou anemia e baixo volume de líquido amniótico. A filha nasceu prematura (34 semanas) e necessitou de internação na UTI Neonatal durante 20 dias. Na ocasião do estudo, estava com 19 meses de vida.

Repercussões da perda gestacional e particularidades do processo de luto para Artemis

Em relação à segunda perda gestacional, Artemis recebeu medicação para a expulsão do bebê, vivenciou o trabalho de parto e uma curetagem, além de fraqueza, pressão baixa e dor. Mesmo sendo procedimentos e sinais clínicos esperados nesses casos, Curi (2016) destaca que a curetagem, embora seja importante para preservar a saúde física da mulher, deixa restos psíquicos que necessitam de nomeação e elaboração, podendo se configurar como um procedimento potencialmente traumático, quando deixa uma ferida psíquica. Esses sinais físicos foram acompanhados de repercussões emocionais dessa experiência, vivenciadas intensamente.

Para Artemis, nessa segunda perda gestacional, ela contava com um registro psíquico da perda anterior, que foi acionado e revivido em alguma medida. Outros dois aspectos pareceram dificultar a última experiência: o manejo da equipe hospitalar e a gravidez da irmã, ambos implicando no contato com mulheres grávidas/parturientes, demonstrando a ela uma (in)capacidade de manter a gestação (Lins, Pati, Peron, & Barbieri, 2014) e evidenciando um componente narcísico dessa experiência (Curi, 2016).

Concomitantemente, sentimentos de vazio e impotência, frequentemente referidos em casos de perda gestacional (Lemos & Cunha, 2015), estavam presentes, evidenciando a possibilidade de um processo de luto. Apesar disso, as perdas pareceram não assumir um lugar diferenciado no seu psiquismo, demonstrando dificuldade de compreensão e representação do que foi perdido em cada situação de modo singular, o que faz pensar em uma etapa melancólica do seu processo de luto. Um aspecto que coaduna essa possibilidade é a manutenção do mesmo nome para todas as filhas e a utilização dos mesmos pertences. Apesar das dificuldades enfrentadas, Artemis pareceu ter, relativamente, se adaptado à experiência de perda e realizada uma elaboração psíquica do ocorrido, provavelmente auxiliada pelo processo psicoterápico que estava realizando na ocasião do estudo.

 

Discussão Geral

Analisando-se conjuntamente os casos, verificaram-se semelhanças entre eles. Para todas as participantes, a perda gestacional foi um acontecimento bastante doloroso, física e emocionalmente. Esse tipo de perda é marcado por uma vivência corporal muito intensa. Foi possível perceber, nos casos analisados, o quanto esses aspectos estavam imbricados na vivência emocional da perda. Os procedimentos físicos e seu impacto parecem ter proporcionado uma via de inscrição psíquica e a consequente abertura para a vivência de um processo de luto, mesmo que mais incipiente, para Hera, Ilitia e Artemis. Portanto, foram particularidades do processo de luto decorrente de perda gestacional.

Assim, percebeu-se que as dores psíquicas puderam ser simbolizadas (ao menos parcialmente) na dor física do trabalho de parto (Defey et al., 1992) e na curetagem (Curi, 2016), experiências que separam a dupla mãe-bebê (Rei et al., 2014), o que auxiliou na percepção do bebê como um ser discriminado das mães, demarcando um fator importante para o início do processo de luto em algumas das participantes.

De fato, as manifestações de sentimentos de vazio, impotência, tristeza e choro denotam o reconhecimento da existência do bebê pela mãe e o estabelecimento de uma relação com ele (Freitas & Michel, 2014), assim como o andamento do processo de luto. O sentimento de vazio, especialmente, é frequente em casos de perda gestacional (Lemos & Cunha, 2015) e pode ser entendido como uma reação frente à impossibilidade de contar com recordações do filho (Duarte & Turato, 2009). Assim, a perda gera "um buraco", um vazio, como referido pelas participantes, que busca encontrar uma via de elaboração (Aguiar & Zorning, 2016). Nessa direção, destacou-se a importância do ritual de despedida do bebê e do contato com ele após a perda, quando a mãe deseja, como aspectos facilitadores do processo de luto. Dados semelhantes foram encontrados em estudo (Faria-Schützer et al., 2014) entre mulheres brasileiras, evidenciando que o contato com o bebê morto e os rituais de despedida contribuíram para a gradual elaboração da perda.

Percebeu-se, também, que as participantes apresentaram um significado à morte do bebê, sendo evidente, de modo geral, a existência de recursos para a elaboração psíquica dessa vivência, mesmo que mais frágil para algumas, o que denota a singularidade desse processo (Lopes et al., 2017; Soubieux & Caillaud, 2015). O fato de todas terem gerado um novo bebê após a perda gestacional mostrou-se como uma possibilidade de ressignificação da experiência para elas, embora a elaboração ainda estivesse em andamento. Realmente, é possível que, no exercício da maternidade, o luto continue sendo elaborado (Silva, 2012), podendo tanto reativar a situação como também gerar um processo criativo, que permite prosseguir em elaboração (Aguiar & Zornig, 2016), já que dar à luz a um bebê saudável promove uma reorganização do narcisismo materno (Freire & Chatelard, 2009).

Nesse sentido, verificou-se, também, como uma particularidade desse processo de luto, para todas as participantes, o seu elemento narcísico, evidente tanto pela especificidade desse tipo de perda, que ocorre de forma vinculada ao próprio corpo e à representação disso, quanto pelo investimento psíquico no bebê. Há muito se estuda sobre o narcisismo na gestação. Freud (1914/1976) já discutira a importante relação entre os ideais parentais e o narcisismo primário dos pais. Para ele, o narcisismo é abandonado e revivido no amor ao filho. Diante de uma perda gestacional em meio a esse investimento, prevaleceria, portanto, uma lesão narcísica (Silva & Rodrigues, 2017).

Em relação ao luto materno decorrente de perda gestacional, pode ser realmente difícil detectar sua dimensão, justamente pelo seu caráter multifacetado (Lemos & Cunha, 2015) e ambivalente (Rios et al., 2016). Apesar de as participantes não apresentarem um processo de luto prolongado, de acordo com o instrumento PG-13, verificou-se que, mesmo assim, esse processo é complexo, devido às particularidades e características evidenciadas nesse estudo, as quais demonstraram as especificidades da perda gestacional.

No que concerne às diferenças observadas entre os casos, estas foram evidentes na elaboração psíquica, apesar das semelhanças já citadas. Afrodite parece ter sido a única que vivenciou de forma mais integrada a experiência de perda gestacional e o processo de luto, auxiliada pelo manejo adequado da equipe hospitalar, pelo apoio familiar e por seus recursos internos. De fato, o acolhimento e apoio emocional da equipe são muito importantes na assistência em saúde nesse contexto (Postingher, 2018), assim como a rede de apoio familiar (Lopes et al., 2017).

Devido a dificuldades familiares e institucionais nos casos de Hera, Ilitia e Artemis, assim como a forma pela qual os procedimentos médicos foram vivenciados, evidenciou-se que a experiência foi traumática para elas, o que demonstra que esse tipo de perda pode ser ainda mais difícil de elaborar quando não se conta com um ambiente que acolha as necessidades dessas mulheres. Para essas participantes, alguns procedimentos físicos acarretaram em excessos psíquicos, de acordo com seus relatos, devido à falta de acolhimento e reconhecimento do entorno. Assim, embora tais procedimentos possam ter facilitado a inscrição psíquica da perda, não o possibilitaram por completo, conferido um elemento traumático à experiência. Maldonado e Cardoso (2009) referiram que o aparelho psíquico pode ser incapaz de metabolizar experiências dessa ordem em um primeiro momento, o que também se verificou nos casos mencionados, embora depois uma elaboração tenha sido iniciada pela vivência de uma nova gestação. É preciso mencionar, também, que essas participantes vivenciaram duas experiências de perda gestacional, cujas repercussões podem se sobrepor psiquicamente, também (re)atualizando o processo de luto (Rios et al., 2016).

É importante lembrar que pode ser complicado para a rede de apoio estabelecer um suporte adequado, pois as particularidades da perda gestacional podem ser incompreensíveis e irreconhecíveis para quem não vivenciou experiência similar (Rios et al., 2016). O não reconhecimento do entorno e sua sistemática não autorização diante da perda gestacional tende a contribuir para uma resposta patológica ante a morte do filho (Aguiar & Zornig, 2016; Iaconelli, 2007), dificultando a elaboração desse processo e configurando uma relação de recusa, que intensifica o caráter potencialmente traumático dessa vivência.

Por fim, devido à natureza narcísica da perda gestacional, a melancolia é apontada na literatura como uma possibilidade nesse processo de luto (Aguiar & Zornig, 2016; Aragão, 2012; Freire & Chatelard, 2009; Soubieux, 2014). Na melancolia, a escolha objetal apresenta uma base narcísica, permanecendo uma identificação com o objeto interno, para garantir a permanência do vínculo (Freud, 1917-1915/1974), denotando certa recusa da perda (Aguiar, 2016). Considerando os casos analisados, embora as filhas de Artemis tenham utilizado os mesmos pertences e recebido o mesmo nome, o que poderia remeter a uma via melancólica pela recusa da perda, não foi examinada, neste estudo, a interação e a relação estabelecida por ela com o bebê, o que possibilitaria verificar se estaria sendo colocado pela participante na posição de bebê de substituição (Vidal, 2008).

De todo modo, também foi possível perceber que parece ser inerente ao processo de perda gestacional uma não diferenciação mãe-bebê e, até mesmo, certa culpa das mulheres por não conseguirem manter a gestação. Nesse sentido, foram percebidas dificuldades para as participantes de compreensão do que foi realmente perdido com o bebê, talvez pela falta de recordações de vivências mútuas (Lemos & Cunha, 2015). Essa falta pode acarretar em um caráter melancólico nesse tipo de perda, embora não seja um indicativo necessariamente patológico e possa dar lugar ao investimento em outros objetos futuramente (Soubieux, 2014).

 

Considerações Finais

A análise dos casos permitiu verificar que as repercussões físicas advindas da perda gestacional contribuíram para uma inscrição psíquica dessa experiência, permeada por elementos de ordem narcísica e, ainda assim, traumática. De modo geral, evidenciou-se uma gradual elaboração da perda gestacional. Entre as repercussões desse tipo de perda, foi constatado o seu impacto no narcisismo materno, tanto pelos efeitos físicos como pelo investimento direcionado ao bebê na gestação, situação em que se perde uma relação e um bebê muito idealizado e pouco "real".

Diante desses achados, é importante ressaltar que, embora o processo de luto das participantes não tenha sido identificado como prolongado, isso não significa que seja vivido sem sofrimento, o que corrobora os estudos da área. É importante destacar que essa amostra demonstrou a existência de recursos psíquicos, mesmo que incipientes em alguns casos, talvez influenciado pelos critérios de inclusão no estudo relativos ao estado de saúde emocional materno. Esses recursos possibilitaram, ou estavam possibilitando, uma gradual elaboração da(s) experiência(s) de perda.

De qualquer modo, entende-se que a perda gestacional é um fenômeno bastante complexo, que pode não ter uma elaboração definitiva. Esse tipo de perda, portanto, dá origem a um processo de luto infindável, revivido em outros momentos da vida, especialmente durante as gestações que sucedem a morte do bebê (Soubieux, 2014). De fato, esse novo acontecimento permitiu às participantes a atribuição de um significado à(s) perda(s) gestacional(is) anterior(es). Em função disso, futuros estudos poderiam comparar mulheres com e sem filhos após uma perda gestacional para verificar diferenças no processo de luto e nos recursos utilizados para a ressignificação dessa experiência. Também parece importante contemplar diferentes causas de perda gestacional, bem como os efeitos do tempo entre a perda e a gestação subsequente, pois esses fatores podem ter efeitos diferenciados no processo de luto e na vivência da nova gravidez (Perez & Wendland, 2016).

Os achados do presente estudo apontam para a importância de dar voz a essas mulheres e as suas experiências "inomináveis" de perda, já que a falta de reconhecimento social para o seu sofrimento contribui para um suporte insatisfatório, dificultando a elaboração da vivência. Particularmente, o tratamento recebido pela equipe hospitalar mostrou-se crucial na facilitação ou não dessa vivência. Assim, é necessário que as equipes de saúde, familiares e a sociedade em geral não reforcem um movimento de recusa e negação diante dessa morte permeada de particularidades. Para tanto, ações de educação continuada e de interlocução sobre o tema são imprescindíveis. Espera-se que este estudo contribua para uma mudança de conduta pessoal e profissional, e que inspire novas pesquisas sobre o tema, ainda escassas na literatura científica, revelando o pouco espaço também no âmbito acadêmico para se discutir a morte no contexto gestacional.

 

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Endereço para correspondência:
Andressa Milczarck Teodózio
E-mail: andressamilczarck@hotmail.com

Marina Camargo Barth
E-mail: barthcmarina@gmail.com

Jaqueline Wendland
E-mail: jaqueline.wendland@parisdescartes.fr

Daniela Centenaro Levandowski
E-mail: danielal@ufcspa.edu.br

Recebido em: 13/08/2019
Revisado em: 05/02/2020
Aceito em: 19/05/2020
Publicado online: 15/10/2020

 

 

1 O luto prolongado caracteriza-se por sintomas específicos, como intensas saudades e anseio pela pessoa que morreu; descrença ou dificuldade em aceitar a morte; pensamentos intrusivos acerca do falecido; dormência emocional, choque ou confusão; percepção de que a vida é vazia ou sem significado; sentimentos de amargura ou revolta; desconfiança em relação aos outros; sentimento de que parte de si morreu com o falecido; dificuldade em continuar com a própria vida e significativo comprometimento da atividade social ou ocupacional (Delalibera et al., 2017). Esses sintomas são avaliados nesse instrumento de acordo com a sua severidade e o seu tempo de ocorrência (no caso, se presentes por seis meses ou mais meses após a perda). Contudo destaca-se que não se trata de um instrumento específico para avaliar o processo de luto prolongado em virtude de perdas gestacionais. O PG-13 foi utilizado neste estudo devido à inexistência, no momento da coleta de dados, de outro instrumento mais específico para esse fim validado para o Brasil.

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