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Print version ISSN 2359-0769On-line version ISSN 2359-0777

Rev. Subj. vol.20 no.2 Fortaleza May/Aug. 2020

http://dx.doi.org/10.5020/23590777.rs.v20i2.e9923 

RELATOS DE PESQUISA

 

Nominações na Adolescência e Sua Relação com o Autor de Ato Infracional

 

Nominations in Adolescence and their Relationship with the Author of Infractional Act

 

Nominación en la Adolescencia y su Relación con el Autor de Delito

 

Nominations a l'Adolescence et leurs Relations avec l'Auteur de l'Acte Infractionnel

 

 

Carolina Nassau RibeiroI; Daniela Paula do CoutoII; Carla Almeida CapanemaIII; Vinícius Moreira LimaIV; Ângela Maria Resende VorcaroV; Jacqueline de Oliveira MoreiraVI; Andréa Máris Campos GuerraVII

IDoutoranda em Psicologia e Pesquisadora do Núcleo Psicanálise e Laço Social no Contemporâneo (PSILACS) em Belo Horizonte. Bolsista Capes
IIDoutoranda do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG
IIIPsicanalista, Pós-doutoranda do Programa de Pós-graduação em Psicologia da UFMG, Bolsista CAPES
IVPsicanalista. Mestrando em Estudos Psicanalíticos no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFMG (2020-2022). Graduado em Psicologia (UFMG). Bolsista de mestrado do CNPq
VPsicanalista. Doutora em Psicologia Clínica (PUCSP). Professora associado Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais aposentado, exerce atividades de orientação de alunos na graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado
VIProfessora da Pós-graduação em Psicologia da PUC-Minas. Doutora em Psicologia Clínica pela PUC-SP. Mestre em Filosofia pela UFMG. Psicanalista. Bolsista Produtividade CNPq PQ2
VIIProfessora Associada do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-graduação em Psicologia da UFMG. Bolsista Produtividade CNPq PQ2. Doutora em Teoria Psicanalítica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e Pós-doutorado em andamento da Université Paris 8

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este texto pretende localizar pontos de novas saídas na trajetória de vida de adolescentes e jovens adultos que estiveram, de alguma forma, envolvidos com a prática de atos infracionais. Perguntamo-nos em que medida o acontecimento vivido pelo adolescente pode ser acolhido por ele como uma nova amarração entre os registros real, simbólico e imaginário, a qual sustente a decisão pelo desligamento na relação com a criminalidade, reinterpretando e acrescentando novos aportes à teoria sociológica do desligamento do crime. Metodologicamente, servimo-nos da narrativa memorialística, que visa recuperar a história de vida a partir da associação livre inconsciente de jovens atravessados pela criminalidade. O material que possibilitou tal acesso é composto por 14 áudios de narrativas, que foram colhidas por diferentes duplas de pesquisadoras/es que integravam o núcleo de pesquisa responsável, em diferentes territórios do município no qual se realizou a investigação. Para este trabalho, foi feito um recorte composto por fragmentos das narrativas de três adolescentes (até 17 anos), sete jovens adultos (entre 18 e 20 anos) e quatro adultos (acima de 20 anos) do sexo masculino. Os casos nos ensinam que, enquanto o nome, na adolescência, apresenta uma função de separação em relação à alienação ao Outro, a nominação estaria relacionada a uma amarração dos três registros, como efeito de sua incidência sobre o modo de gozo. A dimensão da nominação ensina, no trabalho com o adolescente, que as expectativas do mundo adulto podem se tornar ideais muito distantes do que indica a trajetória do sujeito, único que pode orientar sua causa e cernir um nome para o gozo.

Palavras-chave: nominação; nome; sujeito; adolescência; ato infracional.


ABSTRACT

This text intends to locate points of new solutions in the life trajectory of adolescents and young adults who were, in some way, involved with the practice of infractions. We ask ourselves to what extent the event experienced by the teenager can be welcomed by him as a new bond between the real, symbolic and imaginary records, which sustains the decision to disconnect from the relationship with crime, reinterpreting and adding new contributions to the sociological theory of disconnection from crime. Methodologically, we use the memory narrative, which aims to recover the life story from the free unconscious association of young people crossed by crime. The material that enabled such access is composed of 14 narrative audios, which were collected by different pairs of researchers who were part of the responsible research nucleus, in different territories of the municipality in which the investigation was carried out. For this work, a cut was made consisting of fragments of the narratives of three adolescents (up to 17 years old), seven young adults (between 18 and 20 years old), and four adults (above 20 years old) all male. The cases teach us that, while the name, in adolescence, presents a function of separation concerning the alienation from the Other, the namination would be related to binding of the three registers, as an effect of its incidence on the mode of enjoyment. The dimension of nomination teaches, in the work with the adolescent, that the expectations of the adult world can become ideals that are very distant from what the subject's trajectory indicates, the only one that can guide their cause and create a name for enjoyment.

Keywords: nomination; name; subject; adolescence; offense.


RESUMEN

Este texto pretende localizar puntos de nuevas salidas en la trayectoria de vida de adolescentes y adultos jóvenes que estuvieron, de alguna manera, involucrados con la práctica de delitos. Nos preguntamos en qué medida el ocurrido experimentado por el adolescente puede ser recibido por él como un nuevo amarre entre los registros real, simbólico e imaginario, la cual sostenga la decisión por el cierre en la relación con la criminalidad, reinterpretando y aportando novedades a la teoría sociológica del cierre del delito. Metodológicamente, nos servimos de la narrativa biográfica, que busca recuperar la historia de vida a partir de la asociación libre inconsciente de jóvenes pillados por la criminalidad. El material que permitió tal acceso es compuesto por 14 audios de narrativas, que fueron elegidas por diferentes pares de investigadores(as) que componían el núcleo de investigación responsable, en distintos territorios del municipio donde la investigación fue realizada. Para este trabajo, se hizo un recorte compuesto por fragmentos de las narrativas de tres adolescentes (hasta 17 años), siete adultos jóvenes (entre 18 y 20 años) y cuatro adultos (más de 20 años) del sexo masculino. Los casos nos enseñan que, mientras el nombre, en la adolescencia, presenta una función de separación en relación a la alienación al Otro, la nominación estaría relacionada con un amarre de los tres registros, como efecto de su incidencia sobre el modo de gozo. La dimensión de la nominación enseña, en el trabajo con el adolescente, que las expectativas del mundo adulto pueden ser ideales muy distantes de lo que indica la trayectoria del sujeto, único que puede orientar su causa y separar un nombre para el gozo.

Palabras clave: nominación; nombre; sujeto; adolescencia; delito.


RÉSUMÉ

Ce texte a l'objectif à repérer des nouvelles solutions dans le parcours de vie des adolescents et des jeunes adultes qui ont été, par n'importe quel moyen, impliqués dans la pratique des actes infractionnels. On se demande dans quelle mesure l'événement vécu par l'adolescent peut être accueilli par lui comme un nouveau lien entre les enregistrements réels, symboliques et imaginaires, lesquels soutient la décision de se déconnecter du rapport au crime, en réinterprétant et en ajoutant des nouvelles contributions à la théorie sociologique du crime. Méthodologiquement, nous utilisons le récit mémorialiste, qui vise à récupérer l'histoire de la vie à partir de l'association libre de jeunes traversés par le crime. Le matériel qui a rendu cet accès possible est composé de 14 narratifs enregistrés en audio. Ce matériel a été collecté par différentes paires de chercheurs qui font partie du groupe de recherche en charge, dans différents territoires de la ville où l'enquête a été menée. Pour ce travail, nous n'avons pris que des fragments de les récits. Les récits ont été fait par trois adolescents (jusqu›à 17 ans), sept jeunes adultes (entre 18 et 20 ans) et quatre adultes (plus de 20 ans) du sexe masculin. Les cas nous apprennent que, si le nom, à ladolescence, présente une fonction de séparation par rapport à laliénation de lAutre, la nomination serait liée à une reliure des trois registres, comme un effet de son incidence sur le mode de jouissance. La dimension de la nomination enseigne, dans le travail avec ladolescent, que les attentes du monde adulte peuvent devenir des idéaux très éloignés de la trajectoire du sujet, le seul qui puisse guider sa cause et créer un nom pour la jouissance.

Mots-clés : nomination ; nom ; sujet ; adolescence ; acte infractionnel.


 

 

Este trabalho se insere entre as produções acadêmicas de um núcleo de pesquisa e visa, diretamente, apresentar às comunidades científica, profissional e jovem, envolvidas no tema, os resultados de investigações e intervenções relativas à desistência do crime na adolescência. Em paralelo, busca-se, por meio da linha de pesquisa dos processos psicossociais envolvidos na área de direitos humanos, criminalidade e juventudes, articular um campo clínico-político aplicado e a construção de estudos de referência internacional, com vistas à compreensão e superação de situações críticas de vulnerabilidade e segregação social envolvendo adolescentes. Propõe-se uma inovação no campo criminológico a partir de dois aspectos: uma nova leitura teórica do fenômeno político da violência juvenil, conjugando os saberes populares, a oralidade dos jovens, a leitura do Outro social e os saberes acadêmicos, articulados em diálogo com a psicanálise, e a aplicação metodológica da pesquisa psicanalítica por meio das narrativas memorialísticas como método de investigação de fenômenos sociais complexos, orientada também pela psicanálise.

Neste texto, especificamente, nosso principal objetivo é o de localizar os aspectos referidos às novas soluções distintas da infração na trajetória de vida de adolescentes e jovens adultos que estiveram, de alguma forma, envolvidos com a prática de atos infracionais. Perguntamo-nos em que medida o acontecimento vivido pelo adolescente pode ser acolhido por ele como uma nova amarração entre os registros real, simbólico e imaginário, a qual sustente a decisão pelo desligamento na relação com a criminalidade, reinterpretando e acrescentando novos aportes à teoria sociológica do desligamento do crime.

Partimos da hipótese de que encontramos na adolescência a emergência do real do sexo, uma alteração da imagem do corpo com sua incidência sobre o registro imaginário e a criação de uma nova língua no campo simbólico. Os efeitos dessa irrupção da adolescência sobre os registros real, imaginário e simbólico promovem um desenlaçamento destes com do que, até então, funcionava na infância. Sendo assim, consideramos que nesse tempo de passagem, a adolescência, são visíveis momentos turbulentos, errantes, em busca de uma nova ancoragem que faça valer as inscrições construídas na infância. Partimos da concepção fornecida pela teoria de Jacques Lacan de que as amarrações que acontecem entre os registros real, simbólico e imaginário com um quarto elo podem favorecer uma organização psíquica nos sujeitos (Lacan, 1974-75), nesse caso, em pleno florescer da adolescência.1

Para localizar os pontos de enlace e desenlace que sustentam ou não uma amarração, nos servimos da narrativa memorialística como método de acesso à história de vida de adolescentes e jovens adultos que tiveram ou têm alguma passagem no envolvimento com a criminalidade. As narrativas memorialísticas são um artifício para se pesquisar fenômenos sociais a partir da psicanálise, considerando as dimensões simbólica, imaginária e real (Guerra et al., 2017) enquanto dit-mension2, casas do dizer, em que a experiência de linguagem "[...] localiza o respondente como sujeito no discurso [...] e a narrativa como ficção que porta, paradoxalmente, a verdade dos fatos" (p. 1250). O respondente, portanto, assume a posição de narrador na formulação de sua própria história, a partir de sua memória, a qual está sujeita "[...] a rearranjos e comporta hiatos temporais, nos quais as narrativas permanentemente produzem história. Além disso, comporta as ressignificações impressas pelo inconsciente na experiência do sujeito com o mundo através da linguagem" ( p. 1250).

Partimos de um pedido disparador genérico: "conte-nos sua história de vida", sem focar no tema-objeto da pesquisa, a saber: o desligamento precoce do crime na adolescência. As narrativas colhidas foram escutadas pelos pesquisadores e enviadas a artistas para a produção de obras artísticas (literárias, pictórias, fotográficas ou teatrais). Após esse tempo de elaboração em três níveis: jovem, pesquisador e artista, um encontro entre os três coletivos encerra o momento de produção de um saber sobre o tema-objeto da pesquisa. Nesta investigação, trabalhamos com 14 entrevistas de jovens do sexo masculino, isolando as entrevistas com as jovens do sexo feminino, por buscarmos uma aproximação com a pesquisa norte-americana sobre a desistência do crime do casal Glueck e Glueck (1975). Eles afirmam que a idade de 32 anos é a idade ouro da desistência do crime, de modo que buscamos investigar quais elementos condicionariam uma saída antecipada ou 'precoce' na adolescência, visando isolar seus elementos psíquicos determinantes a partir da psicanálise de orientação lacaniana.

Portanto, nos interessa o que o adolescente enuncia de sua história, já que, aí onde o significante se inscreve no texto que o sujeito produz ao falar, encontra-se uma possibilidade de acessar o real pelo simbólico, o que implica considerar não somente seu enunciado, mas também sua enunciação. "Assim é que o dito não vai sem o dizer. Mas, se o dito sempre se coloca como verdade, nem que seja nunca ultrapassando um meio-dito [...], o dizer só se emparelha com ele por lhe ex-sistir, isto é, por não ser da diz-mensão [dit-mension] da verdade" (Lacan, 1972/2003b, p. 451). Portanto, a verdade só pode ser "meiodita", porque ela comporta uma dimensão de real que "ex-siste" ao discurso e que marca a impossibilidade de que ela seja toda dita. No caso dessa investigação, entendemos que os nomes encontrados pelo sujeito para lidar com os efeitos do desenlace em sua vida não são definitivos por constituírem um modo de funcionamento momentâneo, ainda em construção, no ponto sincrônico de um deslize diacrônico.

Sendo assim, abordaremos alguns fragmentos das falas dos jovens, buscando os pontos de ruptura e posteriores construções de saída que funcionaram como nome/nominação para os mesmos. O material escutado é composto por 16 áudios de narrativas que foram colhidas por diferentes duplas de pesquisadoras/es que integravam o núcleo de pesquisa responsável em diferentes territórios do município no qual se realizou a investigação, dentre os quais selecionamos 14 áudios para a confecção deste trabalho. Esse recorte foi composto por fragmentos das narrativas de três adolescentes (até 17 anos), sete jovens adultos (entre 18 e 20 anos) e quatro adultos (acima de 20 anos) do sexo masculino. As entrevistas foram feitas em centros culturais, espaços de cumprimento de medidas socioeducativas de semiliberdade ou internação, na Associação Profissionalizante do Menor (AssProM), na Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (APAC), na própria residência do jovem e em outros territórios da cidade.

O texto das narrativas dos jovens é marcado por três pontos que merecem destaque: (1) a constatação de que a adolescência promove uma espécie de ruptura no que até então estava funcionando bem para aquele jovem; (2) um espaço de tempo em que o jovem está um pouco errante, à procura de saídas, nomes, identificações e amarrações que possibilitem que algo novo se construa para ele, face ao desmantelamento das soluções e sintomas infantis; (3) e um ponto contingencial, em que alguns conseguem encontrar uma saída singular (pela paternidade, pelo encontro amoroso, pela arte, pelo estudo, por meio de uma nova identificação ou, até mesmo, por uma nova amarração dos registros real, simbólico e imaginário que pode funcionar como nominação). Apesar de podermos indicar pontos comuns no discurso dos jovens, ressaltamos que cada sujeito produz um texto próprio, marcado por uma singularidade que não pode ser transposta para outro sujeito nem para o coletivo (Guerra et al., 2017). Assim, como propõe Freud (1905[1901]/1996a), a singularidade de cada caso pode ensinar à generalização conceitual sobre modos operatórios de fazer falar o inconsciente.

Em alguns áudios, escuta-se um ponto de decisão do adolescente em relação à prática infracional. A partir disso, uma das perguntas que este texto levanta, sem a pretensão de fechar a questão, é: em alguns casos, o próprio encontro com a criminalidade não seria um enodamento? Não seria a via do crime também um modo de amarração, mesmo que precário ou temporário, para alguns sujeitos que encontram ali a sua morada? Donde vem nossa hipótese psicanalítica, em colaboração com o campo criminológico, de que, no momento em que há o estancamento pelo Outro social da dialética que permitiria a extração de uma identificação resolutiva na adolescência, pode-se formular como resposta a construção do objeto criminogênico, assinalando-se um impasse sem superação no confronto com a angústia de castração na puberdade. Dessa resolutividade em suspenso, pode-se extrair a lógica que passará a regular a solução do púbere, com uma nova orientação para o desejo e com o aparecimento do objeto criminogênico na fórmula do gozo do sujeito, a partir de então. Isto configura uma experimentação temporária ou uma solução mais definitiva para a satisfação pulsional (Guerra, 2016-2018).

Resta entender, enfim, como a desistência no laço com o crime opera, em cada caso, depois de instalado esse circuito de gozo com o objeto criminogênico. Seria da ordem de uma nominação? Faria uma amarração, uma solução aos impasses da puberdade? Ou, ao contrário, indicaria aspectos em que o gozo não condescende com o desejo, ficando o sujeito à deriva sob o império da pulsão de morte? A fim de pesquisar os desligamentos em relação à criminalidade, explicaremos, primeiramente, o que compreendemos como nome e nominação e sua incidência na experiência adolescente.

 

A Função da Nominação na Adolescência

Há uma desorientação típica na adolescência em que as amarras parentais já não sustentam o sujeito como antes, o que faz com que ele busque uma nova amarração, mesmo que ela ainda esteja voltada ao campo do Outro. Como descreve Quinet (2009, p. 15), a adolescência é:

[...] como uma travessia das aparências, na qual o sujeito abandona determinadas identificações imaginárias com os pais para partir em sua aventura do outro lado da ponte [...]. Tal travessia do imaginário, muitas vezes não pouco tumultuada, é determinada por uma conjuntura simbólica própria a cada um, diante do real de um gozo desconhecido pelo sujeito.

Assim, a adolescência, enquanto tempo de passagem, implica que o jovem está às voltas com uma tentativa de nominação, o que se diferencia do adulto que pode narrar em retrospectiva as vivências que lhe possibilitaram constituir uma amarração e uma consequente saída da criminalidade. Nesse sentido, a adolescência, como tempo de experimentação, envolve uma travessia em que pode estar indicado um caminho, mesmo que a solução não seja definitiva.

A desorientação da adolescência parece constituir um traço de universalidade, no entanto cada adolescente inventa soluções para lidar com a desamarração dos registros real, simbólico e imaginário. A singularidade própria a essas soluções tem a ver com a função do nome, por isso nos questionamos como essa nominação se fez em algumas situações específicas nas vidas dos adolescentes envolvidos com atos infracionais e que escolheram abandonar a prática de tais atos.

De acordo com Ramirez (2018), e como nos mostrou a pesquisa3 sobre nominação, desde o início da obra de Lacan encontramos referências importantes sobre a nominação. Ao nomear um objeto, mata-se a coisa, mas funda-se a existência desse objeto para além da concretude da coisa. A nominação cria o efeito de sujeito quando algo que se articula ao desejo que é nomeado.

Na Lição VI de O Seminário, livro 9, Lacan (1961-62/2003a) aponta que o nome teria uma função, que não seria simplesmente a de dar um nome. A nominação teria uma "função significante, enquanto ponto de amarração de alguma coisa de onde o sujeito continua" (p. 82). Podemos pensar essa amarração como uma reorganização na realidade psíquica do adolescente depois que uma ruptura se instaurou, provocada pela decisão do abandono da criminalidade. A partir da nominação daquilo que sustentou a decisão, como o nascimento de um filho, por exemplo, o adolescente continua, como nos diz Lacan, mas agora orientado por algo novo.

A nominação reconhece, no espaço da contingência, um ato do sujeito. Assim, por mais que familiares insistam de forma contundente para que o adolescente tome outros rumos, o que vemos é que a localização e consequente nomeação de algum acontecimento provoca um arrebatamento que faz com que ele pondere sobre seus atos violentos, pois é pela coisa nomeada que o sujeito "poderá encontrar seu lugar e se construir" (Lacan, 1953-54/2009, p. 142).

N'O Seminário, livro 12, Lacan (1964-65/2006, p. 65) define "o nome próprio como alguma coisa que intervém na nominação do objeto". Nomear não seria o mesmo que colar um nome à coisa, etiquetá-la. "A nominação intervém no real como marca e rastro que modifica o estatuto da coisa. A nominação introduz algo de perturbador no mundo das coisas" (Vidal, 2015, p. 166). A nominação, então, não estaria restrita a uma intervenção no simbólico, pois modifica algo no real do objeto (Ribeiro & Guerra, 2018).

Embora o termo nominação esteja presente desde o início da obra de Jacques Lacan, temos n'O Seminário, livro 22: R.S.I., um importante avanço no que diz respeito à teoria das nominações, que passa a ser articulada ao quarto elo do nó borromeano, que mantém juntos o real, o simbólico e o imaginário. Dessa forma, R.S.I. é a heresia (hérésie) de Lacan ao Nome-do-Pai e a primazia do simbólico em seu ensino. A partir daí, é possível pensar em múltiplos tipos de enodamentos na estrutura do nó de quatro elos para que seja possível amarrar juntos os três registros da realidade psíquica. À diferença da proposição freudiana do complexo de Édipo como eixo articulador da realidade psíquica de um sujeito, ao implicar singularmente o simbólico, o imaginário ou o real, o nó borromeano, gira em torno não de Um, mas de diferentes Nomes-do-Pai (Autor).

Podemos constatar a importância do período da adolescência para a construção de uma nominação própria que suporte o nó borromeano, é o momento em que todo sujeito terá que fazer uma nova versão paterna. Além da sincronia de estrutura, esse quarto elo supõe a diacronia de acontecimentos constituintes do sujeito. Não basta o não do pai, também não basta estar inscrito na Metáfora Paterna, é um momento em que todo sujeito tem que refazer esse nó do Nome-do-Pai, retraçando sua biografia e reparando sua imagem (Capanema, 2018).

Esse ponto nos parece crucial, pois os adolescentes se nomeiam, mudam de nomes, criam apelidos na sua relação real, imaginária e simbólica com o mundo, com os pais, com o grupo, com sua comunidade. Eles também são nomeados por outros e, como veremos, buscam nomes que possam enodá-los a novos modos de existir e de gozar.

 

O Afrouxamento dos Laços

Em uma reunião da Sociedade Psicanalítica de Viena, em 1910, Freud toma a palavra após o discurso de um educador e fala sobre o suicídio de adolescentes nas escolas. Ele deixa em suspenso da breve discussão as implicações psíquicas do suicídio e destaca em seu comentário dois pontos que merecem a nossa atenção. O primeiro se relaciona ao papel da escola na adolescência e o segundo, ao afrouxamento que esses púberes experimentam em relação aos laços até então estabelecidos com os pais. Para ele, a escola não impele o jovem a esse ato: "Não nos deixemos levar demasiado longe [...]" (Freud, 1910/1996c, p. 243). Não obstante ele não as exime de fracassar no sentido de suscitar o desejo dos jovens pela vida:

Mas uma escola secundária deve conseguir mais do que não impelir seus alunos ao suicídio. Ela deve lhes dar o desejo de viver e devia oferecer-lhes apoio e amparo numa época da vida em que as condições de seu desenvolvimento as compelem a afrouxar seus vínculos com a casa dos pais e com a família. Parece-me indiscutível que as escolas falham nisso, e a muitos respeitos deixam de cumprir seu dever de proporcionar um substituto para a família e de despertar o interesse pela vida do mundo exterior. (Freud, 1910/1996c, pp. 243-244, grifos nossos)

Devemos entender que, hoje, não se trata apenas da referência parental, mas de toda aquela da família ampliada que incidiu sobre o jovem. Assim como devemos pensar mais alargadamente a escola e incluir as diferentes instituições e grupos que suportam o corpo adolescente do falasser.

Freud ressalta, e isso nos parece um ponto muito atual, a importância de a escola suportar que os jovens se demorem "[...] em certos estágios do desenvolvimento e mesmo em alguns um pouco desagradáveis" (Freud, 1910/1996c, p. 244). Não há a menor dúvida de que um estágio pouco agradável é a adolescência. Período de mudanças, estranhamentos, distanciamentos, perdas, lutos, transgressões, experimentações, mas também de muitas conquistas.

Portanto, encontramos nesse apontamento freudiano o que buscamos ao escutar esses jovens. O afrouxamento em relação aos pais ou seus substitutos, marcando aí uma ruptura com o período da infância e entrada na adolescência. E também a possibilidade de se vincular a algo que possa enlaçá-los à vida, passando pelas instituições ou prescindindo delas. Afinal, "[...] cada sujeito terá sua adolescência determinada pela história de sua vida, pelos acidentes de seu percurso e pela virulência com que empreende o início de sua travessia" (Alberti, 2009, p. 253).

Muitos dos jovens escutados já apontam para um esgarçamento dos laços familiares antes mesmo da entrada na adolescência. Algumas famílias, não todas, são marcadas por vulnerabilidades, agressões, violações e reformulações constantes de membros, ausência de investimento libidinal que enode e nomeie um desejo. Nesse sentido, o jovem D., 17 anos, diz sobre a relação com a mãe: "Aí ela não colocou muita fé em mim não e foi embora".

Freud já nos alerta sobre a fragilidade psíquica observada nesse momento da vida e nos fala de "substitutos para o trauma", colocando que é preciso inventar dispositivos que auxiliem o adolescente na fase de transição. Para Freud, não basta evitar o pior, é necessário que o adolescente tenha o desejo de viver, em um tempo no qual se faz necessário um imenso trabalho psíquico para se tornar um adulto. Assim, é preciso dar sustentação e ponto de apoio no lugar em que o laço familiar está tão distendido (Deltombe, 2010).

Nessa direção, podemos fazer uma conexão com o afrouxamento dos laços, ressaltado por Freud nesse pequeno artigo, com a hipótese inaugural deste texto, qual seja, que o próprio período da puberdade precipita (pelo menos em um grande número de sujeitos) uma desamarração dos registros real, simbólico e imaginário? Pensamos que não seria ir longe fazer essa aproximação entre eles.

 

As Funções do Nome a partir da Pesquisa

Freud (1910/1996c) aponta que a escola ou as instituições fracassam no ponto de orientar o jovem em sua travessia. A escuta das narrativas memorialísticas dos jovens nos possibilitou pensar que, a partir de uma construção singular, eles se servem de muitos significantes ou nomes que podem ter essa função de amarração, seja pela prevalência do imaginário, especialmente em saídas identificatórias, como pela via do amor, no caso G., seja pela via da religião, como no caso de L.H., seja pela do simbólico, como nas travessias em que o sujeito se reorienta quanto ao que fazia função de Nome-do-Pai, como o caso de A.L. e o uso da rua; seja pela via do real, na qual sujeitos permanecem num circuito repetitivo de angústia, como no caso do jovem adulto da APAC.

A investigação também permitiu evidenciar o quanto a dimensão da contingência é central no cálculo do trabalho de nominação. Em grande parte dos casos, elementos aparentemente contingentes - perda de um amigo, acidente grave, paternidade, encontro com um pastor evangélico - foram a alavanca que rearticulou a posição subjetiva do adolescente face ao nome e, algumas vezes, face ao crime. A contingência é diferente da aleatoriedade, no sentido de que recompõe elementos significantes, especialmente infantis, já presentes na economia libidinal do jovem, em novas cenas permitidas pelas metamorfoses da puberdade (Freud, 1905/1996b).

Finalmente, percebemos também que a adolescência é um momento privilegiado para construção ou invenção de novos modos de composição ou de saber-fazer com o gozo, dado que o encontro com o real desmonta as soluções infantis. Entendendo que a nominação intervém nesse arranjo de gozo ao nomear a coisa, supomos que os incidentes contingentes na travessia adolescente não são sem consequências sobre o sujeito e sobre o laço social. Ao analisarmos as narrativas memorialísticas, ficou muito evidente a distinção entre o tratamento do nome a posteriori, possível de ser feito pelos jovens adultos, e os embaraços, as dúvidas, as idas e vindas às experimentações dos adolescentes quanto ao nome.

Assim, esses três elementos: (1) modos singulares de amarração do nome prevalecentes pelo imaginário, simbólico ou real; (2) a incidência determinante da contingência e (3) a operação lógica quanto ao nome ainda em curso na adolescência, foram recolhidos na análise de dados como pontos de capitonagem ou resultados relevantes a partir da metodologia adotada. Ela nos permitiu inferir alguns elementos acerca do nome e da nominação entre adolescentes, mesmo que se refiram a casos únicos e percursos singulares.

Vejamos como as trajetórias desenharam-se a partir da prevalência dos registros RSI. Primeiramente, retomamos um percurso de arranjo imaginário quanto ao nome. O adolescente G., 17 anos, escancara essa busca quando justifica os motivos que o levaram a se envolver com a criminalidade:

Eu quis fazer meu nome. [...] em qualquer lugar da minha quebrada, eu sou bem recebido, sou respeitado, tenho meu conceito, posso chegar lá de cabeça erguida que não dá nada. [...]. Eu queria fazer meu nome no dinheiro, o pessoal queria fazer o nome na guerra. Fazer nome na guerra é eu matar uns oito nego da quebrada de baixo para os outros acharem que eu sou cabuloso. Fazer o nome pelo dinheiro... vocês passando e eu de carrão, chato. (G., 17 anos)

Envolvido com o tráfico de drogas desde os 13 anos, G. morava com os pais, seu irmão gêmeo, uma tia e um tio, de quem apanhava desde pequeno. Ele relata que as agressões só cessaram no dia em que ele deixou de "ter sangue de barata", quando o tio ameaçou bater no irmão gêmeo: "Eu vi, meu sangue ferveu, eu atirei nele". O tio não morreu. G. conta que pensou em fugir, mas quando foi se despedir da namorada, ela o convenceu a se entregar à polícia.

O arranjo imaginário quanto ao nome permanece atuante quando G. descobre que será pai, notícia que lhe impulsiona a fazer um curso técnico por meio do qual poderá ter um emprego e condições para cuidar do filho, já que para ele a imagem de um pai não é condizente com a imagem de um traficante: "Eu vou querer isso pra mim, vou querer isso pro meu menino? Eu vou querer que ele nasce vendo eu assim? Não dá, não".

G. enfatiza que não se arrepende de ter se envolvido com o tráfico, nem de ter atirado no tio, porque sempre apanhava dele, por isso não faria nada de diferente do que fez. Mas, no que se refere ao futuro, sua percepção é outra, já que pretende fazer algo diferente: "Trabalhar, coisa que eu nunca gostei na vida. Eu já trabalhei, mas o que eu tirava no mês eu fazia em dois minutos num carro bonito. Mas agora eu tenho que cuidar do meu menino". Se antes havia uma identificação imaginária com o traficante poderoso e cheio de dinheiro, depois do advento da paternidade, a identificação imaginária é com o pai trabalhador e honesto, tanto que, se antes ele queria fazer um nome como traficante, hoje quer poder oferecer um nome ao filho: "Hoje em dia, eu tô de boa! Suave... Criar meu filho longe disso aí, longe da maldade".

A tentativa de tratamento pela via do real se destacou no caso do adulto da APAC. Conta J. que sua mãe o criou sozinho, tendo o pai abandonado a família quando soube da gravidez da mulher. Posteriormente, teve um padrasto, mas sem criar um vínculo de "pai e filho". Diz ter estudado num bom colégio estadual, mas, quando chegou à quinta série, começou a "ser moleque". Relata que foi expulso dessa primeira escola "por causa de molecagem": tumultuava a sala, por exemplo, atrapalhando a execução de provas; começou a ser "o centro das atenções na sala, mas por um lado ruim". Foi expulso quatro vezes de três escolas diferentes.

Paralelamente a essas ocorrências, J. conta que, com 14 anos, começou a frequentar baile funk. Nesses bailes, ele e alguns colegas queriam ser iguais aos "donos do baile": homens com quem ninguém mexia; isso atraía as mulheres dali. Começou a entrar em brigas para tentar marcar um lugar nesse espaço; trocou uma bicicleta por maconha para vender na escola. No meio desse processo, J. relata: "as porta da escola fechou pra mim. Ou eu fechei as porta da escola pra mim. E já tinha uma aberta, já tava é me abraçando, que era a porta do crime".

Assim, em 2002, J. comprou uma arma, a fim de revidar uma agressão que sofrera de um inimigo de outro bairro. Mas foi preso, antes de efetivamente "descontar a raiva" no inimigo. Como ainda era adolescente, J. foi detido, mas liberado. Ele conta que, quando começou a frequentar esses espaços, tratava-se de "heroísmo". Entretanto, depois, começou a "trocar tiro" nas portas de bailes e, como consequência, "várias mortes começaram a sair". Algumas pessoas passaram a andar com seu grupo em busca de proteção, devido ao "grau de nome" que J. e seu grupo já ganhavam nessa idade.

Progressivamente, J. teve seu nome cada vez mais falado pela polícia, que ia atrás dele e de seu grupo por "todo tipo de crime que acontecia". Foi preso em 2003, com 16 processos, envolvendo homicídio, porte ilegal de arma, indução de menores. Relata que, apesar da condenação, não deixou de cometer crimes. Dentro do próprio presídio, realizou mais um homicídio, além de outras três tentativas; tornou-se líder de rebelião. Passou a ser transferido de presídios.

Quando teve uma oportunidade de entrar para a APAC, aderiu ao discurso institucional e se formou como segurança, num curso da própria instituição. Atualmente, diz que seu trabalho é o de incentivar "os meninos que tão ali a saírem do crime", que é um "mundo completamente de ilusão". Afirma ser um exemplo para os "recuperandos" que ali estão. J. diz ter abraçado essa oportunidade: "A APAC me deu todas as oportunidade de vida que eu precisava pra eu tá na vida que eu tenho. Eu prego muito que a APAC não muda a vida de ninguém, mas ela te dá toda oportunidade. Mas, se eu não quiser mudar, eu não vou ser ninguém".

Trata-se de um discurso institucionalizado ao qual, já adulto, J. adere, colando-se aos seus ideais. Distintamente do próximo caso, o abandono da criminalidade não parece ser sustentado por uma decisão subjetiva clara, em que um novo nome para o gozo tenha se escrito. Aqui vemos um sujeito na adolescência embaraçado com o gozo, em iterações do mesmo, nos quais o nome e o modo do gozo não se alteram. Seu objetivo é sempre fazer-se um nome, mas pela exclusão, perdendo o amor do Outro, no qual, supostamente, não tem lugar. Há uma contínua atualização pela via da repetição nas expulsões que o deslocam continuamente de uma orientação desejante. Ele trata sua falta de lugar, fazendo-se expulsar, como conclui na vida adulta.

Já o relato de A., outro jovem adulto, traz uma idiossincrasia que chamou nossa atenção e nos parece uma situação paradigmática da função da nominação e como se pode fazer com ela um novo nome de gozo. Aqui, nos parece, temos um tratamento simbólico com o nome.

A família de A. veio do interior e ele nasceu e cresceu em uma comunidade da capital com muitas vulnerabilidades sociais. Até os sete anos de idade, A. não havia sido registrado em cartório. Era chamado pela sonoridade de uma sílaba. Somente aos sete anos foi registrado e ele escolheu o nome a partir do som que funcionava para ele como nome. Interessante como isso se relaciona a uma das denominações de nome próprio em Lacan: "[...] a partir daí definiremos o nome próprio como alguma coisa que intervém na nominação do objeto, em razão das virtudes próprias de sua sonoridade [...]." (Lacan, 1964-65/2006, p. 65). O nome de A., ao contrário do da maioria das pessoas, não veio do desejo dos pais, mas apenas de um traço, de um som - objeto vocal? - desse desejo. Foi ele quem interpretou esse som e escolheu o nome com o qual foi registrado.

Na adolescência, experimentou errâncias geográficas, deslocamentos, drogas e criminalidade. Apesar de ter a casa dos pais como ponto de referência, gostava da rua. Enfatizou muito essa vida na rua, do seu lugar nas ruas, da sua trajetória nas ruas e nas estradas. Narra que estava vivendo um "turbilhão de coisas", que queria sair da criminalidade e tentou vários caminhos. "Eu achava que era 'zicado' porque não era batizado".

Conta ele que ansiava muito por uma solução. Usava droga, arrumava briga, chorava. Os pais nunca aceitaram o dinheiro que ele trazia do tráfico e ele sempre esteve dividido em relação a essa escolha. O ponto que intensificou a sua necessidade de parar foi a paternidade, mas ainda assim não encontrava nada que fizesse laço para ele além da vida do crime nas ruas da comunidade.

Um dia, descendo uma ladeira, foi convidado por uma mulher para ir até a igreja que ela frequentava. Ficou um pouco na dúvida e, depois de muito pensar, achou que poderia ser interessante. Nessa primeira ida, achou que o pastor falava para ele. Relata, então, que encontrou na Igreja Batista a estabilidade que procurava. Nas suas palavras: "Senti uma paz muito grande, algo inexplicável, uma onda que eu nunca tinha sentido antes, pensei que quero isso todo dia na minha vida". Refere-se a esse momento com o de um encontro com a "palavra", "palavra de Deus". De acordo com ele, nada místico, mas conversas mesmo, palavras de conforto. E, aos poucos, foi-se fazendo uma torção na sua posição nas ruas. Tornou-se agente de saúde e educador social no trabalho com jovens. Aconselha jovens que estão envolvidos com a prática de atos infracionais, conversa com eles sobre saídas possíveis e continua tendo acesso às novas gerações que comandam o tráfico na região, mas de uma outra perspectiva, de um novo lugar: "Eu voltei para a rua, mas de outra forma".

Interessante notar, nessas narrativas memorialísticas de adultos e jovens adultos, uma elaboração sobre um tempo passado, diferentemente dos relatos dos adolescentes, que se articulam na atualidade do tempo presente. J., por exemplo, pode constituir a linha da expulsão no campo do Outro, que forçava na adolescência, para tratar sua falta de lugar no desejo parental. E ainda que não faça um trabalho de significação e de retificação sobre esse ponto, pôde encontrar, já na vida adulta, novos ideais para regência de seu modo de inscrição no laço social através da APAC.

A., por seu turno, pode localizar, a posteriori, a significação do nome próprio, que o interroga do ponto de onde o Outro não compareceu, a saber, "zicado", pois sem o "batismo" - a benção de Deus que viria como índice do desejo do Outro parental. Ele trata a errância no momento em que a adolescência interroga sua resposta infantil, com o saber-fazer da rua e, depois, com o encontro com a palavra de Deus - "conversas" mesmo -, que o conforta e o relocaliza. No ponto em que o Outro nunca se inscreve - mesmo se houvesse o batizado com o banho da palavra de Deus no seu corpo de bebê -, desse ponto de falta estrutural no Outro, que ele, na adolescência, relança a questão sobre seu ser e constrói, com o real da rua - o real do pai? - uma nominação, reatando os três registros, real, simbólico e imaginário, num novo modo de ocupar o uso de seu nome, de seu corpo e da rua.

É importante dizer que a análise permitida pela psicanálise se associa às múltiplas referências sociológicas, materiais, culturais e econômicas que condicionam a entrada e a saída na criminalidade pelos adolescentes em conflito com a lei. Não se trata de reduzir ou negar tais determinantes face às soluções individuais, mas de agregar novos elementos ao campo de análise do fenômeno da infração e da violência na adolescência, por meio do aporte da psicanálise.

Assim, as análises aqui dispostas devem ser compreendidas como suplementares aos condicionantes sociológicos clássicos de entrada e desligamento do crime, e não como individualização da culpa, criminalização descontextualizada da pobreza e da raça ou, ainda, como psicologização dos problemas advindos das mazelas societárias e da distribuição desigual de riquezas. Feita essa observação indispensável, vejamos de maneira mais detida, como as soluções quanto ao nome se articulam à experiência infratora.

 

Pontos de Enodamento: O Nome e o Crime

Especialmente quanto ao crime e sua relação com o nome e com a nominação, podemos constatar como o crime entra numa via de mão dupla que pode tanto desarticular o nome do gozo quanto compor um modo criminogênico de gozar, venha ele a se tornar definitivo ou não.

Nesse sentido, G. apontou o amor e a paternidade como aquilo que possibilitou a sua saída da criminalidade. Se ele entrou no crime para ter um nome, saiu para ser pai e pelo encontro com uma mulher: "Eu fiz a minha escolha. Mudei por ela. Me entreguei por ela. Ela sabe. Eu falo: se não fosse você, eu já tinha ido embora".

Outra solução que se fez presente em muitas dessas narrativas foi o encontro com a religião ou com um pastor. Ao que nos parece, uma saída identificatória para muitos desses jovens. L., 18 anos, narra:

Eu quero transmitir o amor de Jesus pra eles também. Se Jesus me resgatou, pode resgatar eles também. E tem vez que eu penso em desistir de tudo e voltar, mas eu vejo que não vale a pena, porque se eu voltar, com certeza, eu vou morrer, porque Deus já me deu uma segunda chance e eu não quero desperdiçar essa segunda chance. (L., 18 anos)

Já o adolescente L.H. encontrou sua saída do crime após um encontro com uma possível morte e, posteriormente, com a religião. "Eu descendo o morro de bicicleta, bati no carro e fui para o outro lado da avenida. Rasguei a perna, quebrei as duas clavículas, eu fiquei três meses na cama. Eu achei que ia morrer." Nesse encontro com o real, pela via de uma possível morte, ele decide "sair dessa vida": "Nesse momento, Deus me mudou totalmente". O encontro com o pastor funcionou como ponto de ancoragem para sustentar a "saída dessa vida". Ele expressa que o seu encontro com o pastor promove uma referência para ele: "Eu me espelho nele, ele para mim é como um pai".

A religião não se mostrou ser uma saída para todos, mas possibilidade para alguns. G. nos conta que a revelação chega para todos, menos para ele. Ele pede para Deus mudar a vida dele, mas Ele não muda. No campo das possibilidades, uma multiplicidade de contingências se revelou: a dança, o estudo, a participação em trabalhos institucionais dentro da comunidade.

Por sua vez, o caso de J., já relatado, mostra como a criminalidade pode constituir um nome para o gozo. Ele alega que muitos se sentiam protegidos na comunidade pelo nome que tinham a partir de sua inserção no mundo do crime: "Alguns acharam que estariam protegidos com a gente pelo grau de nome que a gente estava ganhando nessa idade". Enuncia como esse nome na criminalidade lhe deu um lugar, ainda que pela via do delito: "Fui preso e condenado por um crime que não foi eu que cometi, mas que eu tinha o nome e eu ganhei o nome por isso".

J. declara que "tinha um nome na rua, um nome no crime também dentro da cadeia", pois, "uma vez falado no crime, você não consegue tirar essa ficha da sua testa mais... você vai ter escrito ali presidiário, criminoso...". Essa afirmação se articula com a posição que J., como vimos, parece não ter nunca abandonado: expulso da escola na adolescência, expulso (transferido) das prisões na idade adulta, ele se mostra aprisionado no circuito da repetição de ser excluído pelo Outro. Não por acaso, encontra sua saída na APAC, por meio de uma espécie de perpetuação de sua posição de criminoso, agora em recuperação - eles são chamados ali de "recuperandos".

Podemos dizer, face às singulares relações com o crime, que os adolescentes encontraram algo no que toca ao "fazer-se um nome" e que, sem um tratamento que dê outro destino ao gozo, a criminalidade pode se constituir como a via pela qual o sujeito busca fazer um nome, mesmo se não produz um novo nome do real em jogo no gozo ou uma nova nominação. Há, portanto, uma imensa possibilidade aberta pela via socioeducativa ou pelas instituições destinadas ao público jovem e adolescente de fazer operar uma nova gramática do nome.

 

Considerações Finais

Os casos nos ensinam que, enquanto o nome apresenta uma função de separação em relação à alienação ao Outro, especialmente na adolescência, a nominação estaria mais relacionada a uma nova amarração dos três registros, como efeito de sua incidência sobre o modo de gozo, que se torna possível, em alguns casos, de ser verificado já na vida adulta. A dimensão da nominação ensina, no trabalho com o adolescente, que as expectativas do mundo adulto podem se tornar ideais muito distantes do que indica a trajetória do sujeito, o único que pode orientar sua causa e cernir um nome para o gozo.

Dessa maneira, com essa dimensão da investigação, podemos aprender que a dimensão temporal não é objetiva, que a adolescência é uma travessia preciosa que pode se abrir a mudanças estruturantes, que o estilo do adolescente de saber-fazer com o gozo é um índice no cálculo da intervenção - institucional ou clínica -, e, finalmente, que há uma intensidade que escapa a esse cálculo, mas que pode ser capturada e orientada pela contingência dos encontros que atravessam a experiência do adolescente e recompõem o arranjo entre os registros simbólico, imaginário e real, incidindo em sua relação com a criminalidade.

Diante do exposto, podemos pensar que os limites da pesquisa estão relacionados ao caráter não universal das saídas encontradas pelos jovens citados. Além disso, optamos por um recorte disciplinar, orientado pela psicanálise freudo-lacaniana, o que aprofunda a abordagem do tema nessa perspectiva, mas a isola do contexto ecológico, multifacetado e determinado da escolha pelo crime. Se ganha em profundidade, mas se perde em extensão e em transdisciplinaridade. Do ponto de vista da prevenção, pudemos levantar, assim, algumas hipóteses do que pode contribuir para o desligamento dos adolescentes da prática infracional.

Destacamos, em especial, a atenção a ser conferida ao que pode ganhar valor simbólico identificatório ou oferecer novas vias de satisfação e realização pulsional na travessia adolescente, funcionando como alça para sustentar essa passagem para a vida adulta. Sua limitação reside no fato de que os pontos colhidos como possibilidade de amarração são contingenciais, só podem ser pensados levando-se em conta a singularidade de cada narrativa e apenas podemos colher os efeitos da aposta no enlace mais forte a essas alças a posteriori. Se tudo isso irá produzir um novo nome para o gozo, só saberemos a posteriori Porém, como diz o compositor, "o novo sempre vem".

 

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Endereço para correspondência:
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Recebido em: 05/09/2019
Revisado em: 11/06/2020
Aceito em: 30/06/2020
Publicado online: 15/10/2020

 

 

1 Destacamos que não temos a pretensão de traçar aqui os modos como os nós se enlaçam, apenas tentar escutar nas narrativas os pontos de enlace e desenlace, bem como o que faz limite, amarração para alguns casos.
2 O editor do texto Televisão explica que, para falar do sujeito como um habitante da linguagem, Lacan utiliza o termo "dit-mension, neologismo homófono de dimension (dimensão) e que remete, na parte final de sua formação, aos homônimos mention (menção) e mansion (derivado do latim mansio, mansão)" (Lacan, 1974/2003c, p. 514, [nota do editor]).
3 Pesquisa já citada no início do artigo.

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