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versão impressa ISSN 2359-0769versão On-line ISSN 2359-0777

Rev. Subj. vol.20 no.3 Fortaleza jul./dez. 2020

http://dx.doi.org/10.5020/23590777.rs.v20i3.e10196 

RELATOS DE PESQUISA

 

Autismo e a Hipótese de uma Estrutura não Decidida

 

Autism and the Undecided Structure Hypothesis

 

Autismo y la Hipótesis de una Estructura no Decidida

 

L'Autisme et l'Hypothèse d'une Structure Indécise

 

 

Leticia BineviciusI; Lara Cristina d'Avila LourençoII

IMestranda em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo, Graduada em Psicologia pela Universidade Federal de São Paulo
IIProfessora Associada no curso de Psicologia da Universidade Federal de São Paulo, campus Baixada Santista, atuando na área de Psicanálise

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo tem por objetivo apresentar um fragmento de caso clínico e discuti-lo a partir das teses de Jacques Lacan sobre o autismo e da hipótese de uma psicose não decidida na infância. Para esse autor, o indivíduo autista é aquele que, apesar de estar na linguagem, não está no discurso. A relação com o Outro primordial se dá de tal forma, pode-se dizer sem os limites impostos pelo nome-do-pai, que ocorre a holófrase do primeiro par significante. O sujeito fica, assim, congelado, submetido ao significante. A forclusão do nome-do-pai aponta, para Lacan, para uma estrutura psicótica, da qual o autismo seria um representante. Mas, diante de uma fenomenologia característica do autismo, em que momento é possível concluir que de fato houve forclusão do nome-do-pai? Segundo nossa hipótese, o fragmento clínico aqui apresentado diz respeito a uma criança que, apesar de ter recebido diagnóstico médico de TEA (transtorno do espectro autista), ainda teria possibilidade de inscrição da metáfora paterna e, portanto, de realizar outro destino estrutural.

Palavras-chave: autismo; psicose; psicanálise; infância.


ABSTRACT

This article aims to present a fragment of a clinical case and discuss it based on Jacques Lacan's theses on autism and the hypothesis of an undecided psychosis in childhood. For this author, the autistic individual is one who, despite being in language, is not in the speech. The relationship with the primordial Other occurs in such a way it can be said without the limits imposed by the name-of-the-father, that the holophrase of the first significant pair happens. The subject is thus frozen, submitted to the signifier. In Lacan's opinion, the exclusion of the name-of-the-father points to a psychotic structure, of which autism would be a representative. But, in the face of a phenomenology characteristic of autism, at what point is it possible to conclude that the name-of-the-father was indeed excluded? According to our hypothesis, the clinical fragment presented here concerns a child who, despite having received a medical diagnosis of ASD (autism spectrum disorder), would still have the possibility of registering the paternal metaphor and, therefore, of accomplishing another structural destiny.

Keywords: autism; psychosis; psychoanalysis; childhood.


RESUMEN

Este trabajo tiene el objetivo de presentar un fragmento de caso clínico y discutirlo a partir de las tesis de Jacques Lacan sobre el autismo y de la hipótesis de una psicosis no decidida en la niñez. Para este autor, el individuo autista es aquél que, aunque esté en el lenguaje, no está en el discurso. La relación con el Otro primordial ocurre de tal forma, se puede decir sin los límites impuestos por el nombre-del-padre, que ocurre la holofrese del primer par de significante. El sujeto queda, así, congelado, sometido al significante. La forclusión del nombre-del-padre indica, para Lacan, para una estructura psicótica, de la cual el autismo sería un representante. Pero, ante una fenomenología característica del autismo, ¿en qué momento es posible concluir que de hecho hubo forclusión del nombre-del-padre? Según nuestra hipótesis, el fragmento clínico aquí presentado dice respecto a un niño que, aunque tenga recibido diagnóstico médico de TEA (trastorno del espectro autista), aún tendría posibilidad de inscripción de la metáfora paterna y, por lo tanto, de realizar otro destino estructural.

Palabras clave: autismo; psicosis; psicoanálisis; niñez.


RÉSUMÉ

Cet article vise à présenter un fragment de cas clinique et à en discuter à partir des thèses de Jacques Lacan sur l'autisme et de l'hypothèse d'une psychose indécise dans l'enfance. Pour cet auteur, l'individu autiste est celui qui, bien qu'il soit dans le langage, n'est pas dans la parole. La relation avec l'Autre primordial se produit sans les limites imposées par le nom-du-père. La conséquence est l'arrivée de l'holophrase de la première paire de signifiants. Le sujet est, donc, figé, soumis au signifiant. L'exclusion du nom-du-père pointe, pour Lacan, vers une structure psychotique, dont l'autisme serait le représentant. Mais, face à une phénoménologie caractéristique de l'autisme, quand est-il possible de conclure qu'il y a eu, en fait, la forclusion du nom-du-père? Selon notre hypothèse, le fragment clinique présenté ici fait rapport à un enfant qui, malgré avoir reçu un diagnostic médical de TSA (trouble du spectre autistique), aurait, encore, la possibilité d'enregistrer la métaphore paternelle et, donc, d'accomplir un autre destin structurel.

Mots-clés: autisme ; psychose ; psychanalyse ; enfance.


 

 

Nos últimos anos, vimos um crescimento significativo dos diagnósticos de TEA (transtorno do espectro autista). De acordo com o Centers for Disease Control and Prevention (CDC) (2019), no ano de 2002, a prevalência de casos de autismo nos Estados Unidos era de 1 em cada 150; em 2014, esse número sobiu para 1 em cada 59, quase triplicando, portanto, em um intervalo de 12 anos.

De acordo com Klin (2006), existem algumas razões para esse crescimento, entre elas: reconhecimento do autismo como um espectro, ampliando suas definições; maior conscientização sobre as manifestações do quadro; compreensão de que o diagnóstico e tratamento precoces aumentam as chances de um prognóstico positivo.

É importante frisar que, apesar desse "boom" diagnóstico, não é possível afirmar que houve aumento real de pessoas com autismo. Para Klin (2006), esse aumento nos diagnósticos é consequência de uma identificação mais precisa, o que ele opõe, por exemplo, a um rumor que adquiriu grandes proporções nos Estados Unidos: o de que as vacinas estariam "causando" o autismo.

Allen Frances (2014), que dirigiu a equipe que redigiu o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) IV, tem outras ideias sobre esse crescimento. Para ele, qualquer dificuldade está sendo transformada em transtorno, de modo que a indústria farmacêutica possa, convenientemente, vender a solução. Como exemplos ele usa o TDAH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade) e a síndrome de Asperger, que tiveram um crescimento espantoso em seus diagnósticos depois que, segundo Allen, laboratórios começaram a produzir medicamentos para o tratamento desses transtornos e puderam fazer publicidade dos mesmos.

Kupfer (2015) também coloca em questão esse aumento exponencial, considerando-o resultado da imprecisão diagnóstica que ocorreria, em parte, devido às sucessivas modificações dos critérios do DSM. Notamos que, de acordo com o DSM V (APA, 2014), os principais critérios diagnósticos para o TEA são: "a. Déficits persistentes na comunicação social e na interação social em múltiplos contextos [...]; b. Padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades [...]" (p.50). A autora (Kupfer, 2000) ressalta, ainda, a dificuldade de realização de estudo epidemiológico fiel, uma vez que não há consenso entre os profissionais sobre o autismo.

E, para a psicanálise, o que é o autismo? Também os psicanalistas apresentam diversas hipóteses (Kupfer, 2000), as quais, muitas vezes, são alvos de críticas, porquanto compreendidas como instrumentos de culpabilização das mães de autistas. Contudo, principalmente a partir de Bettelheim, a discussão da etiologia, do tratamento, e mesmo a descrição do autismo "não pode ser posta em termos de quem tem a culpa, pois não é de culpa que se trata. A atribuição de culpa é muito mais o efeito de um debate que se deixa levar pela paixão" (Ferreira, 2014).

Abordamos aqui as teses de Lacan e de autores críticos sobre o assunto. De início, vale destacar que, para esse autor, a constituição subjetiva ocorre através de um processo de apropriação lógica da linguagem. Esse processo é possível a partir do momento em que o Outro primordial (normalmente quem exerce as funções maternas) interpreta as primeiras manifestações do recém-nascido, introduzindo-o no mundo simbólico e no circuito da demanda (Pinheiro & Freire, 2008), oferecendo-lhe significantes, aos quais ele irá se alienar, como condição de montagem da sua imagem especular. Para que o movimento de entrada na linguagem não se interrompa, é necessário que o saber do Outro seja furado. Em outras palavras, é necessário que a falta, inerente ao seu saber, não seja tamponada pela imagem especular da criança. Para Lacan (1998), são justamente os vazios entre os significantes do discurso do Outro que impulsionam a constituição subjetiva, via linguagem.

Lacan (1998) fala sobre algo que, no autista, se congela. Para Freire e Oliveira (2010), esse algo seria precisamente o primeiro significante (S1).

Em termos lacanianos, o autista se reduz ao S1, a esse significante que não faz cadeia [...]. Quando S2 emerge, o par se solidifica em holófrase: mesmo que haja fala, não há intervalo entre os significantes, não há espaço para a emergência do sujeito. (Gonçalves, 2017, p.233)

Podemos dizer, portanto, que, no autismo, o sujeito se encontra na linguagem, porém o Outro primordial não teria transmitido a linguagem via interpretação, mas por meio da transmissão maciça e esmagadora do significante (S1) (Lacan, 1998). A diferença está em que a interpretação permite espaço para o mal-entendido, para as suposições e todo o jogo simbólico que sustenta o discurso; já a transmissão acachapante de um significante não realiza tal permissão. Nesse caso, a relação com o Outro, sentido como invasivo, seria desesperadamente evitada. Esse autor adverte que a evitação não deixa de ser uma forma de referência ao Outro, isto é, não deixa de ser uma forma de comunicação.

A relação com o Outro é insuportável, justamente porque, nesse caso, não há mediação entre ele e a criança. Para essa mediação é necessária a separação entre o Outro materno e a criança, garantida pela nomeação de seus lugares. Cumpre notar que, ao acatar essa mediação, o Outro materno consente o espaço da falta, que a criança lhe faça falta.

A mediação entre a criança e o Outro materno é realizada pelo que o autor denomina nome-do-pai, o qual tira a criança do lugar de objeto do gozo desse Outro, possibilitando a organização fantasmática de um sujeito desejante. Segundo Lacan, isso seria o que deixa de ocorrer nas psicoses. É a partir dessa ideia que esse autor entende o autismo como um quadro de estrutura psicótica.

Mas em que momento a não ocorrência dessa mediação seria definitiva? Ou seja, em que momento seria possível afirmar que o nome-do-pai está de fato forcluído?

Segundo Bernardino (2004), toda a sintomatologia psicótica pode consistir em defesas contra um Outro que ainda pode vir a ser barrado. E, sendo a experiência analítica o espaço privilegiado da falta, o analista representa a possibilidade de apresentação do Outro que permite alguma nomeação e consente a falta.

Discutimos essa possibilidade, neste artigo, a partir da apresentação de um fragmento de caso clínico infantil.

 

O Autismo na Perspectiva de Lacan

Segundo as afirmações de Lacan, a gênese do autismo se encontra associada às relações do bebê com o Outro primordial, ou seja, com o agente que propicia a primeira experiência prazerosa do bebê, atendendo ao seu choro de desprazer (Pimenta, 2003). Essa intervenção do Outro permite que o bebê registre os traços mnêmicos do objeto e as palavras por ele pronunciadas (Nascimento, 2010). Ocorre, assim, a operação de alienação significante: o Outro primordial interpreta o grito do recém-nascido como apelo, fornecendo-lhe significantes - S1 (Pimenta, 2003).

Quando o Outro interpreta o grito do bebê e responde, institui-se um S2, um segundo significante, que nada mais é do que o saber do Outro (Pimenta, 2003). Temos, então, a formação do primeiro par significante (S1-S2). Sua articulação possibilita a "constituição da cadeia discursiva pressuposta pela extração de gozo, pela perda do objeto" (Silva & Calzavara, 2016, p. 91).

O sentido que vem do Outro, porém, não é capaz de abarcar completamente o ser do sujeito; sempre há uma perda. As autoras continuam dizendo que temos aí a implicação de uma primeira falta (sempre há um resto) que divide o sujeito inexoravelmente (Silva & Calzavara, 2016).

O desejo do Outro (baseado na falta), como nos dizem Silva e Calzavara (2016), é o que causa o desejo da criança, na medida em que produz o objeto a. Esse último pode ser definido como "o resto produzido quando a unidade hipotética mãe e filho se rompe" (p. 91). Para Nominé (2012), a separação é justamente o que torna a alienação suportável. Esse "resto" (objeto a), produzido no rompimento da unidade mãe-criança (separação), "se condensa sobre esses objetos separadores que são o olhar e a voz. São objetos que resistiram ao sacrifício ao Outro. Por isso, são objetos sobre os quais o sujeito se apoia para existir como desejo e resistir à total submissão ao Outro" (p. 36).

De acordo com Lopes e Bernardino (2011), a inscrição no discurso só é possível através do nome-do-pai, que condiciona a operação de separação, barrando o desejo materno e impedindo que a criança permaneça aprisionada no lugar de objeto. Cabe destacar que Lacan (2003/1969) distingue duas posições em que a criança pode estar: como representante, por meio da construção de seu sintoma, da verdade do casal parental (em outras palavras, o sintoma seria a resposta da criança à indagação sobre o desejo do Outro); ou como objeto da fantasia materna. Colada na posição de objeto, a criança não faz os deslizamentos necessários para o jogo do discurso, ou seja, apesar de, segundo Lacan, estarem na linguagem, esses indivíduos não se encontram divididos pelo enigma do sintoma. (Silva & Calzavara, 2016).

Sabemos, então, que o sujeito emerge da relação que estabelece com a linguagem. Lacan (1999) afirma que a linguagem precede o sujeito, que já nasce falado no mundo, mas o saber fazer com a linguagem é adquirido em um processo que coincide com a constituição subjetiva. Assim, se o infans já está imerso na linguagem quando nasce, os autistas estão na linguagem, são falados pelo Outro. Mas não podem da linguagem se utilizar, o que, importa ressaltar, não significa que não falem. Falam, porém não como agentes do discurso, sujeitos da enunciação, e sim colados ao enunciado advindo do Outro (Campanário & Pinto, 2006). É o que diz Lacan (1998) quando afirma que não se pode dizer que o autista não fala, mas que são personagens "verbosos".

Pinheiro e Freire (2008) nos dizem que a inserção da criança no mundo se dá por meio do corpo como organismo sexuado. As autoras afirmam que é necessário mais do que os cuidados fisiológicos com o bebê para que esse corpo viva; ele precisa ser "corporalizado de maneira significante" (p.155), o que só é possível através da linguagem. Pode-se dizer então que a mãe, como Outro primordial, introduz a criança no campo simbólico e no circuito da demanda, fazendo essa mediação da linguagem com o corpo, "ao empregar sua voz para regular o gozo" (Pinheiro & Freire, 2008, p.155).

"É do enxame significante produzido no campo do Outro, em que o ser vivo está imerso, que surge o lugar prévio do sujeito como efeito da linguagem" (Vorcaro & Lucero, 2010, p.149). Nascimento (2010) correlaciona o processo de alienação ao encontro do sujeito com essa produção significante realizada pelo Outro.

Maleval (2015) nos diz que o autista está na alienação, mas não a assume, ele a recusa, e aceitá-la é condição para ultrapassá-la. O autor explica que, nesse caso, não há afânise do sujeito, ou seja, o sujeito se recusa a desaparecer sob a demanda do Outro, a tomar o lugar de objeto. Em decorrência disso, o autista fica reduzido a esse lugar prévio (Vorcaro & Lucero, 2010), ou seja, S1 não faz cadeia, não há intervalo entre S1 e S2. Tal processo de aglutinação significante, Lacan (1988) chama de holófrase, que, sem intervalo, impossibilita o jogo significante produtor de sentido (Pimenta, 2003).

O autista estaria condenado, portanto, a ser subjugado pelo significante-mestre (Nominé, 2012). Diante dessa indiferenciação experimentada como invasão, excesso, ele atesta sua posição diante do Outro, a de isolá-lo (Freire & Bastos, 2004).

Maleval (2015) fala, ainda, sobre a precocidade com que é possível diagnosticar o autismo, colocando como uma de suas características o "não desencadeamento", ou seja, ele estaria presente desde os primeiros meses de vida do indivíduo, senão desde o nascimento. Nesse ponto, compartilhamos o questionamento que faz Bernardino (2004): "o tempo da infância, caracterizado por um tempo gerúndio, de inserção no campo da linguagem, de inacabamento em relação à identidade, poderia abrigar a ideia de estrutura?" Para a autora, a resposta é negativa, notando que dificilmente não há alguma possibilidade de abertura ao Outro na infância.

O risco que corremos ao sustentar um diagnóstico estrutural da criança é o de direcionar o tratamento de forma a não permitir as condições necessárias ao aparecimento do sujeito, sendo elas a antecipação subjetiva e a aposta na possibilidade do desejo do analisando (Bernardino, 2004).

 

Fragmento de Caso Clínico: Uma Estrutura Não Decidida?

Rodrigo, com oito anos de idade, esteve pela primeira vez no Serviço Escola de Psicologia (SEP) de uma universidade pública, levado pelos genitores, a partir do encaminhamento da instituição em que estivera acolhido pouco tempo antes. Rodrigo recebeu atendimento psicológico no SEP (os atendimentos ocorreram via projeto de pesquisa, aprovado sob o número CAAE n.º 67741517.6.0000.5505).

O garoto e seus três irmãos haviam sido acolhidos institucionalmente sob a justificativa de abuso de substâncias e negligência por parte dos genitores, bem como violência física entre o casal parental.

A família se mantinha financeiramente, em grande parte, com o auxílio oferecido pelo governo federal (Benefício Assistencial ao Portador de Deficiência), obtido por Rodrigo e seu irmão Marcelo, de 4 anos de idade, o qual também recebera diagnóstico de TEA (transtorno do espectro autista). Esse é um fato que Agnes, mãe de Rodrigo, enfatizou bastante durante as entrevistas realizadas antes do início dos atendimentos à criança: "não preciso trabalhar, porque já aposentei meus dois autistas"; assim como salientou o fato de que não precisava pagar transporte público, em virtude da gratuidade que lhe fora concedida a partir dos diagnósticos de TEA dos filhos: "uso o Rodrigo".

Nessas entrevistas, Agnes contou das dificuldades para cuidar dos quatro filhos e da relação difícil com o parceiro, pai das crianças. Referiu-se a Rodrigo e a Marcelo como seus "autista maior" e "autista menor", respectivamente. Quanto ao primeiro, reclamou que ele não parava de falar, propositalmente, para atormentá-la. Sobre o segundo, contou que ele não falava, mas que não seria mesmo necessário que ele falasse: "até melhor que não fale, pois o Rodrigo já fala demais e, além disso, ele já aprendeu a pedir água".

Em tratamento psiquiátrico em um Caps da cidade, Agnes falou sobre a relação com o marido violento. O encontro com esse homem teria se dado em um banco de praça, onde ela se prostituía, e ele a teria tirado de lá, conforme suas palavras. Homem salvador e violento, ela disse saber tirá-lo do sério: "digo que estou com ele por causa do dinheiro". Usuário de cocaína, ela falou que experimentou drogas para provocá-lo, mas que depois teria ficado viciada.

Agnes trazia as marcas de um gozo mal limitado em seu corpo. Chegava ao SEP com o nariz sangrando, em virtude do uso da cocaína. Corpo objeto da violência do marido e dela, em suas diversas tentativas de suicídio. Tentativas que ela fazia questão de relatar, mesmo diante do filho Rodrigo, na sala de espera do SEP. "Gosto de ver corpo sangrando", repetia à analista. Seu corpo teria ficado "estragado" por causa das gestações dos filhos: "não gosto da minha barriga".

O pai de Rodrigo, Manuel, após muita insistência da analista, também compareceu à entrevista, individualmente. Muito resistente a trazer o filho para os atendimentos, ele, assim como Agnes, não questionava o diagnóstico de autismo dado a Rodrigo. Ao contrário de Agnes, ele não parecia ver Rodrigo como incômodo, mas como alguém que cumpria papel importante em sua relação conjugal. Desconfiado da fidelidade da mulher, Manuel disse que Rodrigo era "cagueta", ou seja, vigiava a mãe e lhe contava tudo depois.

Os atendimentos a Rodrigo podem ser divididos em duas etapas. Na primeira, a qual durou cerca de oito sessões, ele estava sob a guarda dos pais e era trazido por eles ao SEP; na segunda, quando os atendimentos foram retomados, por volta de dois anos depois, estava novamente em acolhimento, na mesma instituição e pelos mesmos motivos.

As primeiras sessões de Rodrigo foram marcadas por sua necessidade de estar sempre vigiando a mãe, quando era ela quem o levava ao SEP. Olhava pela janela, saía da sala de atendimento, andava aflito pelos corredores do SEP nessa função. À intervenção da analista, de que ele não precisaria ficar vigiando sua mãe, respondeu: "sou autista, é o que eu faço". De fato, Rodrigo agia de acordo com as estereotipias do autismo, com dificuldades na comunicação verbal e comportamentos repetitivos, em consonância com o discurso dos genitores.

A vigília era, ao mesmo tempo, evitação, pois, à medida em que vigiava e procurava a mãe, Rodrigo procurava e tentava escapar do "rato" (significante que, após ouvir o relato da tentativa de suicídio da mãe, transformou-se em "rato morto"). Por meio desse objeto fóbico, Rodrigo buscava controlar a aproximação desse Outro mortífero. Cumpre ainda notar que, quando era a mãe quem o levava aos atendimentos, sua dicção era mais prejudicada, muitas vezes incompreensível.

Nas sessões seguintes à intervenção de que ele não precisaria ficar vigiando a mãe, Rodrigo começou a reclamar. Reclamou da "falta de espaço" em sua casa, "não tinha como andar de bicicleta". Assim, saía da sala de atendimento para chutar a bola e, nessas ocasiões, por algumas vezes, tentou abraçar e beijar a analista, sem qualquer constrangimento, pois não contava com os recursos de um nome-do-pai. A falta desse significante organizador era clara em sua confusão sobre a partilha dos sexos: "quando eu crescer, vou virar menina [...] porque é assim: as meninas, quando crescem, viram meninos; e os meninos, quando crescem, viram meninas".

Depois de poucas sessões, o tratamento foi interrompido pelos pais que, paralelamente, intensificaram o uso abusivo de substâncias e a violência doméstica. Esse contexto levou ao novo acolhimento institucional e à nova solicitação de atendimento psicológico a Rodrigo.

Nesse retorno, as estereotipias do autismo eram menos evidentes no comportamento de Rodrigo. Menos aflito, pois um limite tinha sido dado em sua função de vigiar a mãe. Ele não podia mais vê-la (exceto nas visitas semanais, que seus pais lhe faziam na instituição de acolhimento) e, assim, não precisava mais de um objeto fóbico para regular sua aproximação. O significante "rato morto" transformou-se em "ratinho", peça de um quebra-cabeça que ele conseguia procurar e encaixar durante as sessões. Nessa transformação, era o pai quem era buscado: Rodrigo separava a peça "do pai", deixava-a fora da cena montada, e perguntava à analista onde estava "o corpo do pai".

Localizar essa peça chave, o pai, lhe possibilitou caminhar em pequenas brincadeiras. Seu "faz de conta que sou" lhe permitiu, mesmo que fragilmente, sair do lugar de "autista". Ao contrário da afirmação de que era autista, feita em uma das primeiras sessões, Rodrigo demandou à instituição de acolhimento não mais frequentar a instituição especializada em crianças com transtornos mentais no contraturno escolar, justificando com o fato de lá "só ter autista", colocando-se, portanto, como algo diferente. Essa solicitação foi atendida pela instituição de acolhimento, não sem muitas reservas, e teve anuência da analista. Desde então, Rodrigo frequenta o Programa Escola Total, juntamente com as outras crianças que estão em acolhimento na mesma instituição e, segundo profissionais da escola, ele tem se socializado a contento com os outros alunos.

A relação com a analista, na segunda etapa dos atendimentos, Rodrigo regulava por meio do relógio. A princípio, constantemente acompanhava a passagem dos minutos, dizendo a que horas iria embora, ao que a analista deixava claro que ele poderia ir quando quisesse, bem como só viria às sessões se assim ele desejasse. Com esse Outro que aceitava sua falta, Rodrigo pôde negociar e argumentar. Isso se dava especialmente quanto aos objetos da sala de atendimento, os quais ele queria levar consigo. É interessante considerar que, ao lhe afirmar que tais objetos seriam utilizados por outras crianças que usavam a sala, a analista acentuava o limite do Outro (melhor dizendo, o funcionamento da instituição intervia sob a analista).

Em determinadas sessões, Rodrigo passou a esconder os objetos que queria levar consigo e, nas vezes em que foi surpreendido, ficou envergonhado. Lembrando que "o sujeito envergonhado não é, para Lacan, um ser passivo por sua condição de objeto, mas um sujeito surpreendido em seu desejo" (Prudente, 2016, p.730), apostamos que Rodrigo demonstrava, assim, que caminhava na construção de seus recursos simbólicos.

Ele segue vindo às sessões, nas quais, muitas vezes, reclama que quer voltar para "casa", mas que o "juiz folgado" não deixa. Ele pode, agora, rivalizar com a função paterna, que intervém na sua relação com a mãe. Rivalidade necessária, embora não suficiente para o alcance da metáfora paterna.

Rodrigo estaria ainda se apropriando dos elementos necessários à metáfora paterna? Nossa hipótese é que sim, o que exige manejo delicado da transferência, isto é, não se trata de causar a suposição de saber no Outro, mas de permitir que ela aconteça. Nesse momento do tratamento, Rodrigo tem feito perguntas constantes à analista: "você sabe fazer essa conta? Faz essa conta para mim? Posso levar esses papéis para casa?". "Você precisa saber o que quer com isso", foi a intervenção da analista, que ele não só suportou como respondeu no sentido de uma condição desejante: "na semana que vem eu volto!", disse enfático.

Rodrigo ainda mantém certas estereotipias do autismo em seu comportamento, como falas e gestos repetitivos. Digno de nota é que isso é particularmente reforçado nas sessões que ocorrem no mesmo dia em que os pais o visitam na instituição de acolhimento. Esse fato nos leva a questionar se o caminho que ele tem feito, rumo a uma possível metáfora paterna, seria interrompido caso voltasse à guarda parental (possibilidade que ainda é considerada em seu processo de acolhimento institucional). Outra hipótese é que suas dúvidas quanto ao seu destino fragilizam a construção de seus recursos simbólicos. Em outras palavras, até que ponto o "juiz" poderia barrar esse casal parental?

 

Conclusão

Ocupar o lugar de objeto da fantasia materna é a condição do indivíduo no autismo, como lembra Freire (2017). Entendemos que Rodrigo, conforme o fragmento do caso clínico aqui apresentado, ocupava esse lugar. Talvez possamos dizer que, de certa forma, ele ocupava um lugar de objeto no sintoma do casal parental, o que é distinto de produzir um sintoma para responder à verdade desse casal, que seria a condição na neurose, como indica Lacan (2003). Isso ocorreu porque o lugar de "cagueta", bem delimitado nas palavras de seu pai, sem dúvida estava em jogo no seu comportamento de vigiar a mãe. Também é importante observar que sua mãe demandava que ele parasse de falar (sua fala a atormentava, conforme salientado na descrição do caso), enquanto seu pai demandava que ele falasse, mas não enquanto sujeito da enunciação, e sim puro olho, ou seja, pedia-lhe um relato sem filtros e interpretações. Dessa maneira, o pai entrava em cena como um elemento entre ele e sua mãe, mas não enquanto função paterna, que barraria o gozo do Outro primordial.

Recordando as afirmações de Nominè (2012), de que olhar e voz são objetos separadores do Outro, consideramos que, embora Rodrigo falasse e, em certa medida, suportasse o olhar, ele não se desligava o suficiente do gozo mortífero do Outro. "Cagueta", "autista", ele não se descolava da obscenidade dos relatos e do corpo violentado de sua mãe. Pelo menos, não se descolava na medida necessária para que pudesse se constituir como sujeito de desejo. Todavia alguma evitação e controle desse Outro invasor ele buscava, por meio da construção do objeto fóbico "rato" e "rato morto", nas primeiras sessões de seu atendimento clínico.

Com efeito, o acolhimento institucional representou um limite a esse Outro, uma possibilidade de separação dessa instância. Separação que talvez ainda seja sentida por Rodrigo como privação, o que se manifesta em sua rivalidade imaginária com o "juiz". A experiência de castração do Outro, apostamos, está sendo realizada por meio da transferência, que lhe apresenta um Outro que suporta as faltas e cujo saber é furado. A analista, além de ter que considerar as normas da instituição (SEP) a qual está ligada, não sabe a que horas Rodrigo quer ir embora; não sabe se ele voltará na próxima sessão; não sabe fazer as contas mirabolantes que ele lhe apresenta; não sabe se ele voltará para a guarda de seus pais; não sabe que caminhos ele seguirá na conclusão de sua estrutura psíquica. Sobre isso, são interessantes as palavras de Bernardino (2004): "no caso [...] do diagnóstico de uma psicose não decidida, a intervenção psicanalítica surge como o tratamento privilegiado no qual, na relação transferencial com este Outro que suporta ter faltas, o encaminhamento estrutural pode tornar-se outro".

A analista sabe que ele ainda tem possibilidades de criar recursos que lhe encaminhem para uma estrutura neurótica. Consideramos que "autista", de início o lugar que lhe era destinado, pode estar se constituindo em um significante que lhe permita transitar, inclusive literalmente: ele não quer mais ficar na instituição que "só tem autistas", ele é outra coisa. Dessa maneira, "autista" seria uma nomeação, talvez capaz de fazer mediação com o Outro.

Na clínica, encontramos muitas crianças que se apresentam, inicialmente, sem possibilidades de mediação, capturadas pela fantasia materna, mas que, no decorrer do tratamento, conseguem construir alguma nomeação que possibilita mediar essa relação com a mãe, separando-a do seu lugar de objeto da fantasia materna. Talvez seja esta a aposta de toda condução de tratamento possível para um sujeito em sua construção, ou seja, a possibilidade de se separar do gozo mortífero que faz anular o desejo. (Freire, 2017, p.3)

Tais considerações nos levam a pensar a respeito da ética do analista no tratamento de crianças. O analista, em casos como o aqui apresentado, é convocado a sustentar ativamente o furo em seu saber, apostando que é dali que pode ser construída a nomeação capaz de tirar a criança da imobilidade frente ao discurso do Outro. Essa nomeação depende da participação e consentimento do analista na transferência, o que só acontece porquanto há aposta no advento do sujeito. Fica, contudo, a dúvida sobre até que ponto esse processo é possível quando, nas contingências da vida da criança, o Outro parental não recebeu limites.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Leticia Binevicius
E-mail: leticia.binevicius@gmail.com

Lara Cristina d'Avila Lourenço
E-mail: avila.lourenco@unifesp.br

Recebido em: 10/11/2019
Revisado em: 09/08/2020
Aceito em: 02/10/2020
Publicado online: 23/12/2020

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