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Revista Subjetividades

Print version ISSN 2359-0769On-line version ISSN 2359-0777

Rev. Subj. vol.21 no.1 Fortaleza Jan./Apr. 2021

http://dx.doi.org/10.5020/23590777.rs.v21i1.e10495 

ESTUDOS TEÓRICOS

 

Teoria laclauniana e psicanálise: articulações teóricas no interior de um campo dialógico

 

Laclaunian Theory and Psychoanalysis: Theoretical Articulations within a Dialogic Field

 

Teoría Laclauniana y Psicoanálisis: Articulaciones Teóricas en el Interior de un Campo Dialógico

 

Théorie Laclaunienne et Psychanalyse: Articulations Théoriques dans un Champ de Dialogue

 

 

Deivson Filipe Barros da SilvaI; Frederico Alves CostaII

IMestre em Psicologia pela Universidade Federal de Alagoas. Membro do Núcleo de Psicologia Política UFAL
IIDoutor em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais; Professor no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFAL. Coordenador do Núcleo de Psicologia Política UFAL. Presidente da Associação Brasileira de Psicologia Política

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo do artigo é discutir posições referentes à articulação entre o pensamento de Ernesto Laclau e a psicanálise presentes na literatura científica. Metodologicamente, realizamos uma revisão bibliográfica e, a partir da leitura do material selecionado e da discussão desenvolvida, compreendemos que há três posições quanto à articulação entre a teoria laclauniana e a psicanálise: a) o uso de conceitos psicanalíticos como homólogos e/ou sinônimos de conceitos laclaunianos; b) a compreensão de que haveria usos insatisfatórios da psicanálise por parte do Laclau; c) o reconhecimento da influência da psicanálise na teoria laclauniana articulada a outras influências teóricas, mas sem a realização de delimitações precisas sobre como ocorrem essas articulações. Compreendemos que essas posições são problemáticas e destacamos ser importante compreender a articulação entre a teoria laclauniana e a psicanálise a partir da consideração do campo dialógico que fundamenta o pensamento de Laclau.

Palavras-chave: política; psicanálise; teoria democrática; Ernesto Laclau.


ABSTRACT

The article aims to discuss positions regarding the articulation between Ernesto Laclau's thought and the psychoanalysis present in the scientific literature. Methodologically, we performed a bibliographic review and, from reading the selected material and the developed discussion, we understand that there are three stances regarding the articulation between Laclaunian theory and psychoanalysis: a) the use of psychoanalytic concepts as counterparts and/or synonyms of Laclaunian concepts; b) Laclau's understanding that there would be unsatisfactory uses of psychoanalysis; c) the recognition of the influence of psychoanalysis on Laclaunian theory articulated with other theoretical influences, but without making precise delimitations on how these articulations occur. We understand that these positions are problematic, and we emphasize that it is relevant to understand the articulation between Laclaunian theory and psychoanalysis from the consideration of the dialogical field that underlies Laclau's thought.

Keywords: politics; psychoanalysis; democratic theory; Ernesto Laclau.


RESUMEN

El objetivo del artículo es discutir posiciones referentes a la articulación entre el pensamiento de Ernesto Laclau y el psicoanálisis presente en la literatura científica. Metodológicamente, realizamos una revisión bibliográfica y, a partir de la lectura del material seleccionado y de la discusión desarrollada, comprendemos que hay tres posiciones cuanto a la articulación entre la teoría Laclauniana y el psicoanálisis: a) el uso de conceptos psicoanalíticos como homólogos y/o sinónimos de conceptos laclaunianos; b) la comprensión de que tendría usos insatisfactorios del psicoanálisis por parte de Laclau; c) el reconocimiento del influjo del psicoanálisis en la teoría Laclauniana articulada a otros influjos teóricos, pero sin la realización de delimitaciones precisas sobre como ocurren estas articulaciones. Comprendemos que estas posiciones son problemáticas y enfocamos la importancia de comprender la articulación entre teoría Laclauniana y el psicoanálisis a partir de la consideración del campo dialógico que basa el pensamiento de Laclau.

Palabras clave: política; psicoanálisis; teoría democrática; Ernesto Laclau..


RÉSUMÉ

Le but de l'article est de discuter des positions concernant l'articulation entre la pensée d'Ernesto Laclau et la psychanalyse présente dans la littérature scientifique. Méthodologiquement, nous avons effectué une revue bibliographique et, à partir de la lecture du matériel sélectionné et de la discussion développée, nous comprenons qu'il existe trois points concernant l'articulation entre la théorie laclaunienne et la psychanalyse: a) l'utilisation de concepts psychanalytiques comme homologues et / ou synonymes des concepts laclauniens; b) La compréhension de Laclau selon laquelle il y aurait des usages insatisfaisants de la psychanalyse; c) la reconnaissance de l'influence de la psychanalyse sur la théorie laclaunienne articulée avec d'autres influences théoriques, mais sans faire des délimitations précises sur la manière dont ces articulations se produisent. Nous comprenons que ces positions sont problématiques et nous soulignons qu'il faut comprendre l'articulation entre la théorie laclaunienne et la psychanalyse à partir de la considération du champ dialogique qui base la pensée de Laclau.

Mots-clés: politique; psychanalyse; théorie démocratique; Ernesto Laclau.


 

 

Circunscrito no interior de um campo de debates teóricos que diz respeito à articulação entre política e psicanálise, este trabalho objetiva problematizar posicionamentos diversos presentes na literatura sobre a articulação entre a Teoria Democrática Radical e Plural, proposta por Ernesto Laclau e por Chantal Mouffe, mais especificamente o pensamento de Laclau1, e a teoria psicanalítica. De acordo com Stavrakakis (2010):

Nos últimos dez a quinze anos, a psicanálise, e, especialmente a teoria lacaniana, tornou-se um dos recursos mais importantes no marco da atual reorientação da teoria política contemporânea e da análise crítica, circunstância reconhecida mesmo nos fóruns de ciência política mais tradicionais. Por exemplo, em uma crítica publicada no British Journal of Politics and Internacional Relations um dos periódicos da Associação de Estudos Políticos no Reino Unido que leva o título significativo de "The Politics of Lack" (A política da falta), lê-se que "nos últimos tempos a abordagem da política popularizou-se cada vez mais entre os teóricos da psicanálise lacaniana [...]. Apenas o liberalismo analítico supera essa abordagem da teoria política" (Robinson, 2004, p. 259). O fenômeno em si já é surpreendente: ninguém poderia tê-lo previsto dez anos atrás. Mas sua característica mais marcante é o fato de que os principais teóricos e filósofos políticos ligados à esquerda se voltam cada vez mais para a obra de Jacques Lacan (p. 17, tradução nossa).

Destacamos ser importante estudar os posicionamentos sobre a Teoria Democrática Radical e Plural devido à relevância que ela tem ganhado no Brasil, em diferentes áreas do conhecimento, nos últimos anos (Mendonça, 2018). Ainda que o livro Política e ideologia na teoria marxista: capitalismo, fascismo, populismo (obra marcadamente marxista, de corte althusseriano) tenha sido publicado por Laclau, em inglês, em 1977, e pouco tempo depois tenha sido traduzido e lançado no Brasil, em 1979, o livro seminal da Teoria Democrática Radical e Plural, publicado por Laclau e Mouffe, em 1985, intitulado Hegemonia e Estratégia Socialista, e as obras posteriores de Laclau, referentes à sua fase pós-estruturalista, começaram a ser traduzidas no Brasil tardiamente, a partir de 2011 (Mendonça, 2018).

Segundo Mendonça (2018), um dos aspectos que podem apontar para a recepção tardia do pensamento pós-estruturalista de Laclau e de Mouffe no Brasil é que, historicamente, a corrente de pensamento na teoria política que aqui se tornou hegemônica foi o liberalismo: modo de pensar a política que tem se mantido em disputa com as tradições marxistas, as quais, assim como o próprio liberalismo, fecham "as portas para correntes teóricas que questionam a validade dos fundamentos sociais e políticos a que tanto se agarram" (Mendonça, 2018, p. 01), como é o caso do pensamento de Laclau e Mouffe, contrário a qualquer essencialismo ou fundamento último.

Outro aspecto pelo qual destacamos a importância de estudar a teoria democrática de Laclau e Mouffe, mais especificamente a articulação entre essa teoria e a psicanálise, é que, a partir da literatura abordada na revisão bibliográfica aqui realizada, compreendemos que as considerações feitas sobre os usos da psicanálise por Laclau podem ser aprofundadas e ampliadas a partir da compreensão desses usos na articulação com as demais bases teóricas que fundamentam o pensamento do autor.

Abordaremos, neste texto, três posicionamentos presentes na literatura: a) relações de homologia e/ou similaridade conceitual entre a psicanálise e a Teoria Democrática Radical e Plural; b) a compreensão de que o autor faz usos insatisfatórios da psicanálise; c) o reconhecimento da influência da psicanálise articulada a outras referências teóricas de Laclau, porém não apresentando o modo como essas articulações são propostas. A partir disso, problematizaremos cada um deles quanto ao modo de compreensão da teoria de Laclau. Por fim, apontaremos, como conclusão, para um quarto caminho possível de reflexão sobre a articulação entre a psicanálise e a Teoria Democrática Radical e Plural.

 

Delineamento Metodológico

As produções bibliográficas investigadas neste texto decorreram de um levantamento bibliográfico realizado entre os meses de junho e agosto de 2018, que objetivou mapear a produção do conhecimento sobre a articulação entre a psicanálise e a Teoria Democrática Radical e Plural, mais especificamente sobre o pensamento de Ernesto Laclau. O levantamento foi feito no Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES/Brasil).

A busca do material foi feita no modo "pesquisa avançada", a partir dos seguintes filtros: a) campo - "qualquer"; b) tipo de material "artigos científicos"; c) idiomas "português" e "espanhol". Os filtros utilizados foram selecionados respectivamente pelos seguintes motivos: a) buscar encontrar um amplo número de material; b) pelo motivo de os artigos serem materiais de fácil acesso; c) pela habilidade do pesquisador com a leitura de texto nos idiomas português e espanhol.

Foram utilizadas doze combinações de descritores. A escolha dos descritores decorreu da busca por palavras que remetessem à Teoria Democrática Radical e Plural e à psicanálise. Foram utilizados os seguintes descritores: "Laclau and Lacan", "Laclau and Freud", "Laclau and psicanálise", "teoria democrática and psicanálise", "democracia and psicanálise", "antagonismo and psicanálise", "hegemonia and psicanálise", "significante vazio and Lacan", "significante flutuante and Lacan", "Laclau and discurso", "político and psicanálise" e "política and psicanálise".

Apesar das doze combinações de descritores utilizadas, apenas "Laclau and Lacan", "Laclau and Freud" e "Laclau and psicanálise" forneceram artigos que focalizavam a articulação entre psicanálise e o pensamento de Laclau.

A combinação entre "Laclau and Lacan" resultou em 103 arquivos. Desse total, 33 arquivos foram desconsiderados por: a) não serem artigos; b) por serem textos repetidos; c) não serem textos em português ou espanhol. A partir da leitura dos resumos dos 70 artigos restantes, 58 foram desconsiderados por não proporem discussões entre a teoria democrática de Laclau e a psicanálise. Assim, apenas 12 artigos foram selecionados para serem lidos na íntegra.

A combinação "Laclau and psicanálise" resultou em 16 arquivos. Desse total, oito arquivos foram desconsiderados por: a) não serem artigos; b) já estarem contidos na busca realizada com a combinação "Laclau and Lacan"; c) não serem textos em português ou espanhol. Dos demais artigos, seis foram desconsiderados por não proporem discussões entre a teoria democrática de Laclau e a psicanálise, e dois artigos foram selecionados para serem lidos na íntegra.

Já a combinação "Laclau and Freud" resultou em 73 arquivos. Desse total, 72 foram desconsiderados por: a) já terem sido descartados a partir da combinação dos outros descritores utilizados; b) por não serem artigos; c) por não serem artigos escritos em português e espanhol; d) por serem artigos que não discutiam a influência da psicanálise na Teoria Democrática Radical e Plural. Dessa maneira, considerando as três combinações de descritores utilizadas, selecionamos 15 artigos.

Após a seleção, foi realizada uma primeira leitura na íntegra a fim de organizá-los em torno de eixos de discussão. Para tanto, foi construído um mapa da literatura que nos auxiliou a identificar pontos em torno dos quais os artigos se articulavam. Segundo Creswell (2007), o mapa da literatura é um sumário visual construído por meio de figuras, um recurso que auxilia no processo de categorização e organização do material encontrado. A partir dele torna-se possível visualizar as discussões existentes na literatura sobre o tema estudado e compreender em que aspectos a pesquisa a ser realizada pode contribuir com a discussão já existente.

Em suas discussões, os autores da revisão da literatura localizam, implícita ou explicitamente, o foco de suas análises em torno de categorias analíticas relacionadas aos registros real, simbólico e imaginário propostos por Lacan. Considerando o registro lacaniano que mais se associava à determinada discussão, foi realizado o agrupamento dos artigos. Dez artigos foram agrupados a partir do registro simbólico, os quais discutem, sobretudo, categorias associadas à compreensão de "discurso" de Laclau e à constituição e ordenamento discursivo do social. Três artigos foram agrupados em torno do registro imaginário e discorrem sobre o processo de constituição das identidades, em que está em jogo o investimento libidinal direcionado à figura do líder. Já relacionado ao registro real foram agrupados dois artigos, os quais discutem a participação do afeto na constituição das articulações discursivas e a instituição das identidades imaginárias.

Diante desse primeiro agrupamento e de uma nova leitura dos artigos, compreendemos que há três posições quanto à articulação entre a teoria laclauniana e a psicanálise: a) o uso de conceitos psicanalíticos como homólogos e/ou a partir da relação de similaridade com conceitos laclaunianos (onze artigos); b) a compreensão de que haveria usos insatisfatórios da psicanálise por parte do Laclau (dois artigos); c) o reconhecimento da influência da psicanálise na teoria laclauniana articulada a outras influências teóricas, ainda que haja ausência de delimitações precisas sobre como ocorrem essas articulações (dois artigos). Dessa maneira, conforme o objetivo deste artigo, construiremos a discussão em torno dessas três posições, problematizando-as e apresentando um quarto caminho possível de reflexão sobre a articulação entre a psicanálise e a Teoria Democrática Radical e Plural.

 

Discussão

Homologias e Relação de Similaridade Conceitual

Em 11 dos artigos selecionados pudemos observar a compreensão de homologias e relações de similaridade entre conceitos e pressupostos laclaunianos e psicanalíticos: Motta e Serra (2014), Peller (2011), Gutiérrez (2011), Vila (2017), Arditi (2010), Blanco e Sanchez (2014), Engelken-Jorge (2011), Prudente (2017), Giacaglia (2004), Cerbino, Maluf, e Ramos (2017) e Barbosa (2014).

Motta e Serra (2014) buscam resgatar a influência althusseriana na obra de Laclau e apontar o diálogo entre esses dois autores, tendo como elo os conceitos "ideologia" e "sobredeterminação", que, segundo os autores, possuem ligação com a psicanálise freudo-lacaniana, sobretudo a partir da concepção de sujeito descentrado e discursivamente sobredeterminado. Em ambas as abordagens teóricas, psicanálise de orientação lacaniana e teoria laclauniana, o sujeito é compreendido como o resultado de articulações simbólico-discursivas precárias, estando fadado a continuamente emergir e desvanecer no campo do discurso.

Nesse sentido, essas perspectivas se afastariam de qualquer determinação última na constituição do sujeito. Motta e Serra (2014) nos dizem que a noção de sujeito em Laclau, antes mesmo da sua fase pós-estruturalista, por meio de Althusser, recebia influência da psicanálise (articulada a partir da teoria marxista):

O sujeito na perspectiva althusseriana é tanto o sujeito da ação como também, ao mesmo tempo, o sujeito sujeitado a outro Sujeito (com s maiúsculo) que vem a ser uma ideologia, as crenças políticas, culturais, religiosas, esportivas etc., que todos os sujeitos individuais possuem. Não há, para Althusser, indivíduo, noção ideológica constituída pela modernidade capitalista, mas sim sujeitos: o indivíduo é sempre um sujeito desde o seu nascimento quando lhe é conferido um significado (um nome), e não é dotado de uma consciência autônoma já que é sempre sujeitado a algo (um Sujeito) que o interpela cotidianamente, sem que perceba a existência desse mecanismo de sujeição que, em última instância, reproduz as relações de poder. Há sempre, de acordo com Althusser, o mecanismo de reconhecimento-desconhecimento na constituição dos sujeitos pelas interpelações: o sujeito reconhece-se em um discurso, mas desconhece esses mecanismos interpelatórios dos quais reproduz (ou transforma) as relações de poder da sociedade. (Motta & Serra, 2014, p. 130-131)

Entretanto, segundo Motta e Serra (2014), a publicação de Hegemonia e Estratégia Socialista (1985/2015) aponta para um reordenamento teórico no pensamento de Laclau, tendo ele e Mouffe, neste livro, se afastado de correntes marxistas e passado a se orientar mais especificamente por categorias pós-estruturalistas e psicanalíticas, o que implicou no abandono da noção de sujeito ideologicamente alienado e seu estreitamento com a compreensão de posições de sujeito e de sujeito enquanto falta.

Sobre as compreensões de posição de sujeito e sujeito enquanto falta, Peller (2011) nos diz que, em Hegemonia e Estratégia Socialista, Laclau e Mouffe referem-se à natureza discursiva do sujeito enquanto "posição de sujeito". As diferentes posições subjetivas são o resultado de articulações constituídas por meio de operações hegemônicas. Elas são o resultado de processos de sobredeterminação contingente que constituem lócus de identificação. Segundo Laclau e Mouffe (1985/2015):

Onde quer que usemos a categoria "sujeito" neste texto, o faremos no sentido de "posições de sujeito" no interior de uma estrutura discursiva. Os sujeitos não podem, portanto, ser a origem das relações sociais - nem mesmo no sentido limitado de serem dotados de poderes que traduzam uma experiência possível -, assim como toda "experiência" depende de condições discursivas de possibilidade precisas. (...) Do caráter discursivo de todas as posições de sujeito nada se segue com respeito ao tipo de relação que poderia existir entre elas. Como toda posição de sujeito é uma posição discursiva, ela compartilha do caráter aberto de todo discurso; consequentemente, as várias posições não podem ser totalmente fixadas num sistema fechado de diferenças. (...) Como a afirmação do caráter discursivo de toda posição de sujeito foi relacionada à rejeição da noção do sujeito como totalidade originária e fundante, o momento analítico que prevaleceu foi o da dispersão, destotalização ou descentramento de certas posições com respeito a outras. (p. 190-191)

Desse modo, ser homem, mulher, pai, mãe, filho, operário são posições de sujeito que se estabelecem como tal no interior de uma formação discursiva, em sua relação com outras posições de sujeito. Já a compreensão de sujeito enquanto falta foi formulada por Laclau (1990/2000) em Nuevas reflexiones sobre la revolucion de nuestro tiempo em virtude de críticas apresentadas por Slavoj Zizek (1990/2000) à redução da categoria sujeito à posição de sujeito.

Segundo Zizek (1990/2000), apesar da compreensão de posição de sujeito se opor a ideia do sujeito como plenitude/unidade fechada em si mesmo, ela não abarca a compreensão de radicalidade do esvaziamento de sentido concernente a toda e qualquer identidade (como propõe a teoria da hegemonia). Os sentidos concernentes a posições de sujeito, como mãe, mulher, professor, já estão dados socialmente e estão consideravelmente sedimentados, sendo por via da emergência de um sujeito que os sentidos dessas posições de sujeito tornam-se passíveis à ressignificação (Zizek, 1990/2000).

Isto posto, Laclau (1990/2000) toma a crítica de Zizek para se referir a um sentido radical do sujeito que se diferenciaria das posições de sujeito no campo da objetividade social. Trata-se do sujeito marcado por uma falha fundamental, o qual tem como condição de possibilidade de emergência os momentos de deslocamento2 da estrutura, momento em que é passível ao sujeito identificar-se com um determinado projeto político de sociedade, distinto daquele que se encontrava sedimentado. Uma vez que o social é caracterizado por contínuos deslocamentos, constituído por um fracasso original por uma indecidibilidade que impede sua plena constituição, nos momentos em que o sujeito se identifica com determinado projeto político de sociedade temos como efeito o reestabelecimento da sedimentação do social, sua reconfiguração, seu reordenamento. Como propõe Laclau (1990/2000):

Como essa estrutura é, no entanto, deslocada, a identificação nunca chega ao ponto de plena identidade: todo ato de decisão no interior da indecidibilidade estrutural implica num ato de reconstrução [de poder, visto que a reconstrução de uma estrutura social implica a negação de um pluralidade de outras estruturas] - o que equivale a dizer que o criador (o sujeito) procurará em vão, no sétimo dia de sua criação, o seu descanso, o sujeito estará continuamente no processo de tomadas de decisão, uma após a outra, que continuamente reconfigurarão a estrutura, desvelando assim sua impossibilidade constitutiva de uma positivação final. (...) O conjunto desses trilhos não pode, portanto, ser algo objetivo, tem que ser o lugar de uma ausência. Este lugar é, exatamente, o lugar do sujeito. Sujeito = forma pura do deslocamento da estrutura, da sua distância inflexível de si mesmo. (...) Ou, em uma terceira formulação equivalente: a emergência do sujeito como resultado do colapso da objetividade estrutural. (p. 76)

Retornando a Motta e Serra (2014), os autores argumentam que o que motivou o reordenamento teórico de Laclau, na passagem do marxismo para o pós-estruturalismo (pós-marxismo), foi o histórico de críticas à teoria marxista da Segunda Internacional e também posterior a ela, e em decorrências dos insucessos das experiências socialistas do Leste Europeu, do declínio da social-democracia e do eurocomunismo, bem como da emergência do neoliberalismo e da ascensão dos novos movimentos sociais. Nesse contexto, para os autores, fazia-se necessário problematizar o potencial analítico e explicativo da teoria marxista, pois as análises fundadas sob o argumento de que a luta de classes entre burguesia e proletariado era o grande motor que moveria a história já não eram mais satisfatórias (Motta & Serra, 2014).

Em meio à crise instaurada sobre o marxismo, e considerando as incursões de Laclau e Mouffe na corrente de pensamento pós-estruturalista, a noção de "discurso", bem como conceituações relacionadas a articulações simbólicas, passaram a ocupar importante lugar na Teoria Democrática Radical e Plural (Motta & Serra, 2014). O que deve ficar claro, quanto à compreensão de discurso, é que Laclau e Mouffe (1985/2015) não a entendem como uma combinação de fala e escrita. A fala e a escrita são apenas componentes internos das totalidades discursivas.

Dito isto, o termo "discurso" é usado para sublinhar o fato de que toda configuração social é uma configuração significativa. Se alguém chutar um objeto esférico na rua ou chutá-lo em um jogo de futebol, o fato físico é o mesmo, mas seu significado é diferente. O objeto é uma bola de futebol apenas na medida em que ele estabelece um sistema de relações com outros objetos, e essas relações não são dadas pela mera referência material dos objetos, são socialmente construídas (Laclau, 1990/2000). Nas palavras de Mendonça (2014):

Discurso, por sua vez, não deve ser entendido como o simples reflexo de conjuntos de textos ou de falas, numa dimensão meramente linguística. Discurso é uma categoria que une palavras e ações, que tem natureza material e não mental e/ou ideal. Discurso é prática - daí a ideia de prática discursiva - uma vez que quaisquer ações empreendidas por sujeitos, identidades, grupos sociais são ações significativas. (p. 149)

Para além de discussões referentes às categorias "sujeito" e "discurso", os artigos da revisão da literatura trazem análises que debatem, de modo homólogo ou a partir de similaridades conceituais, outros pressupostos e categorias laclaunianas simbólico-discursivas advindas da psicanálise. Este é o caso de autores como Vila (2017), Arditi (2010), Gutiérrez (2011), Blanco e Sanchez (2014) e Giacaglia (2004).

Vila (2017) concebe que Laclau recorre à psicanálise para construir a compreensão da impossibilidade de sutura do social. Em ambas as matrizes de pensamento (teoria laclauniana e psicanálise), o social, segundo a autora, é visto como um espaço discursivo, um campo no qual a produção de significados e as práticas sociais são sobrepostas e constitutivamente ligadas. A partir dessa perspectiva teórica, compreende-se o social como um espaço aberto, constitutivamente marcado por disputas político-discursivas e passível a ressignificações, deslocamentos e rupturas. Basicamente, o que a autora sustenta é que o social é constituído como uma ordem simbólica precária marcada por articulações parciais (Vila, 2017).

Recorrendo às compreensões de "centros de força" de Nietzsche, "pontos nodais" de Laclau, "point de capiton" de Lacan e "sobredeterminação" de Freud, Arditi (2010) propõe a compreensão de "arquipélago de pontos nodais" a fim de fornecer uma figura operacional para pensar a mobilidade e a natureza polifônica das relações de poder no interior da totalidade social. Com isso, o autor discorre sobre a estruturação do social de modo a compreender que a totalidade do social é constituída por um excesso de organizações e grupos (sistema partidário, Estado, estudantes, empresas, trabalhadores, instituições religiosas, entre outros) (Arditi (2010), compreensão que coincide com a proposta laclauniana de que o social é constituído pelo jogo infinito das diferenças do discurso:

Se o social não consegue fixar a si mesmo nas formas inteligíveis e instituídas de uma sociedade, o social só existe, no entanto, como esforço para construir esse objeto impossível. Qualquer discurso se constitui como tentativa de dominar o campo da discursividade, de deter o [contínuo] fluxo das diferenças, de constituir um centro. (Laclau & Mouffe, 1985/2015, p. 187)

Gutiérrez (2011), por sua vez, ao discorrer sobre o caráter não todo da sociedade no pensamento de Laclau, associa-o à compreensão de castração psicanalítica como fundante da abertura do social, do simbólico não todo. O autor aproxima esses dois arcabouços teóricos e os utiliza de modo homônimo e complementar para discutir o populismo e a constituição de formações hegemônicas em Laclau.

Não muito distante do que discutem Arditi (2010) e Gutierrez (2011), no tocante à abertura do social, Giacaglia (2004), recorrendo a autores como Derrida, Deleuze e Lévi-Strauss, discorre sobre a estruturalidade do social e sobre como se pode pensar a dimensão da falha estrutural, da impossibilidade de fechamento da estrutura. Para tanto, toma as noções laclaunianas de significante vazio e significante flutuante em sua relação de similaridade com a noção de sujeito enquanto falha proposta por Lacan. Sujeito que, tal qual os significantes laclaunianos, é vazio de sentido e representa um ponto parcial e precário de fixação de sentidos no interior de formações discursivas que estão continuamente em processo de rearticulação.

O nono artigo, que traz em sua discussão a dimensão de uma similaridade conceitual entre a teoria laclauniana e a psicanálise, é o trabalho de Cerbino et al. (2017). Ao analisarem os sentidos que os cidadãos equatorianos constroem em torno da ação do governo e da figura do presidente Rafael Correa, os autores recorrem a Laclau e compreendem que este dialoga com Freud quanto aos mecanismos que estão em jogo durante o processo de constituição de um grupo. Segundo os autores, em Laclau haveria, assim como em Freud, um modelo de análise que consiste na exteriorização primária de um laço afetivo com o outro (a figura do líder) a partir de qualidades comuns compartilhadas (Cerbino et al., 2017).

Considerando o que propõem os autores (Cerbino et al., 2017), compreendemos que se trata de uma questão que poderia ser aprofundada ao se investigar em que medida a dimensão das demandas equivalenciais (lógica da equivalência proposta por Laclau) enquanto aquilo que é compartilhado pelas partes que constituem um grupo seria aquilo que, mediado pelos afetos, possibilita que os grupos se constituam. Sobre isso, vejamos o que propõe Laclau (2005/2013):

(1) a emergência do "povo" requer a passagem, via equivalências, de demandas isoladas, heterogêneas, a uma demanda "global", que envolve a formação de fronteiras políticas e a construção discursiva do poder como uma força antagônica; (2) no entanto, como essa passagem não decorre de mera análise das demandas heterogêneas - não existe uma transição lógica, dialética ou semiótica de um nível para o outro -, algo qualitativamente novo tem que intervir. (...) se uma entidade se torna objeto de investimento - como apaixonar-se ou odiar -, este pertence necessariamente à ordem do afeto. (...) O afeto não é algo que existe por si próprio, independente da linguagem. Ele se constitui somente através da catexia diferencial de uma cadeia de significação. É exatamente este o significado de "investimento". A conclusão é clara: os complexos que denominamos "formações discursivas ou hegemônicas", que articula a lógica diferencial e a lógica da equivalência, seriam ininteligíveis sem o componente afetivo. (p. 172-173, grifo nosso)

Entre os autores que, de algum modo, trabalham conceitos psicanalíticos e laclaunianos a partir de relações de similaridade e/ou homologias, Barbosa (2014) é aquele que mais fortemente sustenta tal ideia. O autor discorre sobre a existência de isomorfismos entre conceitos utilizados na psicanálise e na teoria democrática de Laclau, apontando que categorias como "sutura", "identidade", "identificação" e "sujeito como falta" são tomadas por Laclau tal qual se encontram em Lacan.

Também diz que existe uma estreita afinidade conceitual entre as categorias "ponto nodal" e "point de capton"; "significante vazio" e "significante mestre"; o "radicalmente excluído" e o "objeto a"; a "impossibilidade da sociedade" e a "impossibilidade da relação sexual"; "exterior constitutivo de um interior" e a "extimidade". Barbosa (2014) argumenta que estes são alguns casos em que haveria influências perceptíveis da psicanálise em conceitos laclaunianos, os quais, consideravelmente, têm sido discutidos por autores como Zizek, Jason Glynos e Yannis Stavrakakis. No entanto pontua que categorias como "gozo" e "fantasia" poderiam ser mais bem discutidas a fim de ampliar a compreensão da noção de real em Laclau e sua relação com o real lacaniano.

De modo distinto ao que é trazido em Motta e Serra (2014), Vila (2017), Arditi (2010), Gutiérrez (2011) e Giacaglia (2004) enfocam suas discussões nas articulações simbólico-discursivas que constituem a compreensão de realidade em Laclau e Mouffe (1985/2015), e Blanco e Sanchez (2014) enfocam o "real" na obra de Laclau em termos da relação de sinonímia com a categoria gozo/jouissance de Lacan.

Blanco e Sanchez (2014), buscando apreender o modo como o afeto e o gozo encontram-se situados no registro do real na obra de Laclau, defendem que a dimensão afetiva é um componente primário de qualquer processo de construção hegemônica e buscam explicitar a impossibilidade de reduzir os afetos a operações estritamente internas ao registro simbólico.

Segundo Blanco e Sanchez (2014), Lacan caracteriza o real não apenas em termos negativos como o limite da objetividade e da significação , mas também vinculado ao gozo como sua modalidade positiva, ou seja, a falta (significante/simbólica) lacaniana não será reduzida ao limite do discurso, mas também concebida como uma falta de gozo do ponto de vista da dialética do desejo. A falta no Outro da linguagem não é apenas a falta de um significante que o suture, mas a falta de um gozo pleno experienciado no registro real antes de incidência simbólica.

O argumento trazido em Blanco e Sanchez (2014) estrutura-se da seguinte forma: o animal humano, aquele que deseja o desejo do outro, experiência um gozo pré-simbólico, um gozo pleno ao nível do registro do real, mas, uma vez que ingressa na dimensão simbólica, perde a posição que detinha. O interdito simbólico instaura a falta em duas dimensões básicas - falta de um gozo pleno ao nível do sujeito barrado e falta de completude significante tanto concernente ao sujeito quanto ao Outro da cultura. A falta estabelece uma lógica de funcionamento na estrutura em que o sujeito vai continuamente buscar no campo do grande Outro da cultura o significante que lhe devolveria a "experiência" de completude. No entanto, uma vez que a condição do Outro enquanto estrutura de relações arbitrárias e contingentes também é ser faltante, o sujeito estará na contínua busca por representação significante.

Assim, gozo nada mais seria que a lógica e a dinâmica de funcionamento que o sujeito "assume" em sua errância por significação. Nesse processo de significações representativas precárias, se experiencia a ambivalência/ambiguidade da angústia atrelada à satisfação. Tomando tal lógica de funcionamento, Blanco e Sanchez (2014) argumentam que, ao nível das formações identitárias coletivas, o gozo, que em Laclau é tomado em sua dimensão de sinonímia como afeto, investe e recobre um significante vazio, fazendo dele um ponto nodal no interior de uma cadeia de equivalência. Assim, o significante vazio assume status de ponto nodal e articula as diferenças em uma demanda equivalencial sob o efeito de um gozo "afetivo".

Por um lado, se Blanco e Sanchez (2014) buscam explicar como se daria a relação entre significante e gozo/afeto em Laclau; por outro lado, apontam que teóricos como Jason Glynos e Yannis Stavrakakis não só questionam a ausência da noção de afeto/gozo nos primeiros escritos de Laclau (anteriores à obra A razão populista) - apontando a impossibilidade de que essa reconceituação tardia funcione retroativamente sobre a teoria do discurso -, como também se opõem à incorporação da categoria de gozo sob a categoria de discurso:

Ver o discurso e o significante como elementos que tudo abarcam, considerar co-extensivos o afeto e a representação é negar que aqui há dois lados que se encontram em jogo, e isso dificulta muito a tarefa de teorizá-los produtivamente (afeto e significante). Por exemplo, como seria possível, em tal marco teórico, estabelecer uma diferença entre os discursos que conseguem funcionar exitosamente como objetos de investimento (afetivo) e aqueles que não conseguem se interar com a jouissance (que não conseguem ser hegemônicos?). (Stavrakakis, 2010, p. 122, citado por Blanco & Sanchez, 2014, p. 412, tradução nossa)

Desse modo, Stavrakakis, segundo Blanco e Sanchez (2014), compreende que a dimensão dos afetos é uma importante ferramenta para a análise dos efeitos simbólicos e imaginários da identificação política. Isto equivale a dizer que certos pontos nodais podem ser fortalecidos porque, além de proporcionar uma cristalização simbólica hegemônica além de constituírem-se por meio de operações simbólicas como a sobredeterminação , operam efetivamente sob a influência dos afetos.

Para Stavrakakis, segundo Blanco e Sanchez (2014), portanto, o discursivo não pode ser reduzido ao seu aspecto simbólico no sentido estrito, de modo que se deve considerar que o gozo é um elemento distinto da estrutura dos significantes. Tal posicionamento de Stavrakakis é contrário e uma resposta ao que propõe Laclau quando o autor argumenta que:

Toda a sobredeterminação exige não apenas condensações metafóricas, mas também investimentos catéticos. Isto é, que algo que pertence à ordem do afeto tem um papel primordial na construção discursiva do social. Freud já sabia: o laço social é um vínculo libidinal. E o afeto não é algo agregado à significação, mas consubstancial a ela. (Laclau, 2008, p. 402, grifo nosso)

Em termos lacanianos, o que Laclau está a dizer referente à relação entre afeto, simbólico e real é que o gozo/afeto é compreendido enquanto expressão libidinal no interior do simbólico, não como uma instância totalmente à parte dele. Com isso, o que Blanco e Sanchez (2014) nos mostram é que a compreensão sobre a categoria afeto e sua relação com o simbólico e com o real é um campo de discussões tortuosas e que se encontra em aberto, pois, se, por um lado, temos Laclau considerando que o afeto é intrínseco ao significante; por outro, temos Stavrakakis negando essa afirmação e defendendo que se trata de duas instâncias que se relacionam, mas que não se limitam uma à outra.

O cerne das questões às quais chamamos a atenção refere-se a problemáticas apresentadas a Laclau quanto ao uso que o autor faz do registro real, e como este o articula a categorias simbólico-discursivas; dizem respeito à necessidade de se buscar compreender: a) como Laclau subverteria a noção psicanalítica, segundo Blanco e Sanchez (2014), de que o real seja anterior ao simbólico; b) quais são os efeitos que incidem sobre a teoria democrática ao se sustentar que o real está contido no simbólico; c) e, ao fazer isso, buscar entender qual o lugar que a categoria "afeto" ocupa na Teoria Democrática Radical e Plural. A discussão sobre esses pontos pode nos levar a uma explicitação minuciosa sobre como a compreensão de abertura do social (sociedade impossível), discutida por Vila (2017), Arditi (2010) e Gutiérrez (2011), dialoga com o que Lacan propõe como o real, a falha constitutiva no simbólico.

Salientamos também que, ainda que possa haver homologias e relações de similaridade entre categorias psicanalíticas e laclaunianas trazidas pelos autores mencionados na presente seção do artigo, é importante debater quais implicações essas homologias conferem à elaboração teórica de Laclau em sua articulação com conceitos de outras correntes teóricas relevantes em sua obra. Nesse sentido, é interessante destacar, como nos aponta Glynos e Stavrakakis (2008), Motta e Serra (2014), que há em Laclau reordenamentos conceituais que dizem respeito ao fato de o autor ter redimensionado/reformulado categorias da sua teoria do discurso que, a princípio, majoritariamente, recebiam influência de autores outros que não Freud e Lacan, como Saussure, Derrida, Althusser e outros. Isso nos mostra haver a necessidade de se buscar compreender e delimitar de modo preciso os modos como ocorrem as articulações teóricas entre a psicanálise e as demais correntes de pensamento que constituem a teoria de Laclau.

Também destacamos que os teóricos que argumentam haver homologias e relações de similaridade conceitual compartilham a compreensão comum quanto ao uso de categorias simbólico-discursivas na obra de Laclau. Trata-se da compreensão de uma realidade fundada a partir de articulações e rearticulações discursivas (Engelken-Jorge, 2011; Vila, 2017). Articulações essas que não ocorrem por via de consensos, mas por meio de enfrentamentos entre formações discursivas hegemônicas e contra-hegemônicas que disputam no campo da discursividade a possibilidade de significação da realidade (Engelken-Jorge, 2011; Motta & Serra, 2014; Peller, 2011; Retamazo & Fernández, 2010; Vila, 2017).

Usos Insatisfatórios de Conceitos Psicanalíticos em Laclau

Os artigos circunscritos em torno da compreensão de que haveria usos insatisfatórios de conceitos e pressupostos da psicanálise por parte de Laclau são de autoria de Aibar (2014) e de Gallego (2009).

Aibar (2014) argumenta que haveria em Laclau um silenciamento quanto ao potencial explicativo do registro imaginário lacaniano nos processos de formação de identidades coletivas. Assim, partindo da pergunta "por que Laclau apenas faz fronteira com o imaginário sem enfrentá-lo?" (p. 24), Aibar (2014) levanta a hipótese de que o imaginário não se encaixa plenamente e todas as suas consequências no trabalho de Laclau. Isto ocorre porque incorporá-lo desestabilizaria a lógica de constituição das identidades por via exclusiva do crivo da negatividade, das relações de diferenciação entre elementos simbólicos.

Aibar (2014) aponta que Laclau reconhece dois aspectos que relacionam o imaginário à constituição das identidades: a) que em Le Bon a chave para a influência exercida pelas palavras (simbólico) na formação de uma multidão é encontrada nas imagens que essas palavras evocam, independentemente de seu significado; b) que as imagens parecem sintetizar aspirações inconscientes3. No entanto, segundo Aibar (2014), ao invés de Laclau desenvolver esses aspectos, ele ressalta a importância da dimensão simbólica nos processos de formação de multidões:

Em termos teóricos contemporâneos, poderíamos dizer que Le Bon está se referindo a dois fenômenos bem conhecidos: a instabilidade da relação entre significado e significante (nas palavras de Le Bon, a relação entre palavras e imagens) e ao processo de sobredeterminação pela qual uma certa palavra condensa em torno de si uma pluralidade de significados. (Laclau, 2005, p. 38 citado por Aibar, 2014, p. 25, tradução nossa)

A iniciativa tomada por Laclau de "traduzir" as considerações de Le Bon quanto aos dois aspectos da participação do imaginário na constituição das multidões para termos "teóricos contemporâneos" seria, segundo Aibar (2014), um equívoco cometido por Laclau com a finalidade de reduzir a imagem à relação significante/significado do signo saussuriano e, assim, não operacionalizar a dimensão do imaginário como parte constituinte dos processos de identificação.

Aibar (2014) aponta que toda vez que teóricos abordam o papel do registro imaginário na constituição do sujeito na obra de Lacan, a referência tomada é O estádio do espelho... texto publicado em 1949, existindo duas leituras possíveis sobre o processo de constituição identitária. Para alguns, a experiência do espelho é uma operação situada quase exclusivamente no registro imaginário, numa relação dual de reconhecimento especular frente à imagem refletida no espelho, um momento pré-simbólico. Para outros, a identificação da criança com a imagem refletida já é marcada pela operação simbólica que a precede antes do seu nascimento, e no momento do reconhecimento estão presentes três elementos: a criança, sua imagem refletida e um terceiro (Outro da linguagem) que medeia tal relação.

Apesar de não analisar essas duas leituras possíveis do O estádio do espelho... Aibar (2014) toma uma posição ao considerar que, se existe falta, é porque, em algum momento, se experienciou completude (o momento do eu ideal); se há deslocamento, haveria um momento em que se experienciaria uma "harmonia" simbólica do todo com as partes e entre as partes do todo; e, se há manifestações do real, as operações simbólicas serão sempre insuficientes para cobrir a lacuna deixada pelo recuo totalizante do imaginário.

Assim, tomando como postulado a noção de que, em algum momento do processo de constituição identitária, haveria uma experiência de completude, a hipótese de Aibar (2014) sobre o silenciamento de Laclau referente ao registro do imaginário seguiria a lógica de que em Lacan a constituição da identidade ocorreria, inicialmente, a partir de uma positividade. A constituição imaginária do ideal do "eu" partiria do reconhecimento do outro como semelhante, não como uma diferença, tal qual uma imagem refletida no espelho. Essa ideia de uma identidade positiva, a partir da similaridade com o outro, decairia frente à incidência do registro simbólico, que explicitaria a incompletude das identidades frente à multiplicidade de identificações significantes possíveis.

O simbólico, ao incidir sobre a dimensão imaginária das identidades ilusoriamente unívocas, explicitaria a falta constitutiva que faz emergir o sujeito, o qual vai demandar no campo simbólico, por meio de significantes, a completude identitária ilusoriamente perdida, mas que nunca existiu. Seria, na leitura de Aibar (2014), a constituição imaginária positiva a condição inicial para que o sujeito, como falta, emerja e elabore uma demanda direcionada ao Outro.

De modo similar ao que ocorre em Lacan, segundo a lógica argumentativa de Aibar (2014), caso fosse feito o devido uso do imaginário em Laclau, o processo para a constituição de identidades coletivas ocorreria, inicialmente, a partir da positividade, do reconhecimento do outro como semelhante a partir de um sentimento de pertença grupal. Havendo essa constituição positiva, a dimensão da negatividade apareceria num segundo momento, com a pluralidade das diferenças significantes que demandariam ao sujeito coletivo manutenção da sua identidade a partir de outro que ameaça sua existência. Tal como o sujeito psicanalítico demanda ao Outro identificações precárias que o represente, o sujeito coletivo formularia suas demandas democráticas por manutenção de sua existência no campo das disputas políticas.

Segundo tal concepção, Aibar (2014) toma o imaginário como um postulado que permite aos sujeitos sentir ou pensar serem pertencentes a uma unidade e que essa pertença lhes dá direitos. O imaginário funcionaria como uma amarração das articulações significantes de identificação, visto que caberia ao registro em questão, segundo Aibar (2014), a função de estabelecer a ilusão de um sentido unívoco compartilhado pelas partes que compõem uma identidade.

Considerando que, entre duas possíveis leituras existentes sobre a constituição do eu no Estádio do espelho, Aibar (2014) opta por uma das leituras para realizar a crítica a Laclau a que reconhece uma positividade fundante das identidades , entendemos que a significação sobre a positividade ou a negatividade primária da identidade é um ponto passível a uma discussão mais ampla do que a que leva à rápida conclusão de que haveria em Laclau um uso insatisfatório da dimensão do imaginário por este "ameaçar" a estrutura argumentativa que privilegia o registro do simbólico.

Destacamos, assim, que a questão sobre a primazia da negatividade ou da positividade, concernente aos processos de constituição identitária, diz respeito a como, ontologicamente, determinado autor se localiza, considerando suas tradições de pensamento. No caso de Laclau, trata-se de um autor de tradição marxista, mas que empreendeu deslocamentos teóricos via autores estruturalistas e pós-estruturalistas para se desvencilhar de toda e qualquer noção determinista e essencialista de sociedade e de sujeito. Dito isto, salientamos a importância de se buscar compreender se Laclau não considera o imaginário, como afirma Aibar (2014), ou se o concebe de maneira distinta ao que pressupõe esse autor. Acreditamos se tratar da segunda opção, visto que se encontra presente no pensamento de Laclau (1990/2000) a compreensão de imaginário social, a qual tem efeitos de totalização no processo de sedimentação do social mediante a vigência de um determinado projeto político de sociedade:

O imaginário é um horizonte, não é um objeto entre outros objetos, mas um limite absoluto que estrutura um campo de inteligibilidade e que é, nesse sentido, a condição de possibilidade do surgimento de todo objeto. O milênio cristão, a concepção iluminista/positivista de progresso, a sociedade comunista são, neste sentido, imaginários: como modos de representação na própria forma de plenitude, situam-se para além da precariedade e dos deslocamentos próprios do mundo dos objetos. Isso ainda poderia ser formulado de outra forma: é porque só existem objetos "falidos", quase-objetos, que a própria forma de objetividade deve se emancipar de toda entidade concreta e assumir o caráter de um horizonte (Laclau, 1990/2000, p. 79-80, tradução nossa)

Gallego (2009) também argumenta haver usos insatisfatórios da psicanálise por parte de Laclau, sem, no entanto, se questionar sobre as distintas leituras possíveis que podem ser feitas da teoria psicanalítica ou sobre a articulação da psicanálise com outras correntes teóricas constituintes do pensamento de Laclau. Ao discorrer sobre o lugar que ocupa a categoria "afeto" na Teoria Democrática Radical e Plural, Gallego (2009) argumenta que Laclau não desenvolve bem o registro simbólico por não fazer uso satisfatório das categorias de pulsão e real, as quais em Freud e Lacan, respectivamente, seriam indispensáveis para operacionalizar o funcionamento das estruturas discursivas.

Assim, Gallego (2009) questiona: "o que não está claro em Laclau é o que mobiliza as demandas, o que liga os significantes aos significados, o que é aquela 'energia' que une essas correntes significativas?" (p. 4). Nesse ponto, o autor está a discorrer sobre o aspecto significativo da realidade, sobre como em Laclau a infinidade de discursos significa uma realidade que, por conta da falta/falha constitutiva, está fadada ao fracasso. Se, por um lado, Laclau admite a dimensão da falta, que é proposta por Lacan como concernente ao real; por outro, não deixa bem delimitada, segundo Gallego (2009), como se dá a participação da pulsão como algo da ordem do não simbolizável em sua insusceptibilidade ao significante.

O questionamento trazido em Gallego (2009) é equivalente, para colocarmos em termos de Laclau, ao que pontuam Blanco e Sanchez (2014) no tocante a questionarem, a partir de Stavrakakis, a dissociação entre o registro dos afetos e o registro dos significantes em Laclau. Segundo a compreensão de Gallego (2009), Laclau (2005/2013) tenta delinear os afetos em A razão populista, mas não deixa clara a função que lhes é atribuída, de modo que apenas os introduz, assim como muitos outros autores, não avançando na discussão sobre o funcionamento dos afetos: "ele não consegue separar o afeto do plano discursivo" (p. 09). E sobre esse ponto, Gallego (2009) conclui que, mesmo que Lacan tenha traduzido Freud para a teoria dos discursos (pelo menos nos dois primeiros terços de sua obra), Freud estaria mais interessado no que está por trás dos discursos. Tal interesse estaria presente em suas várias postulações sobre afetos e pulsões.

Considerando essa posição de Gallego (2009) e, ao mesmo tempo, a pluralidade de tradições intelectuais que influenciam o pensamento de Laclau, ao invés de respondermos a essas questões colocadas a partir da afirmação de um uso "não satisfatório" das categorias "pulsão" e "real" na obra de Laclau, questionamos se não seria propício buscar compreender se haveria outras possibilidades de análise da mobilização das demandas que não sob a transposição direta de conceitos psicanalíticos para a Teoria Democrática Radical e Plural.

Delimitações Imprecisas do Campo Dialógico que Constitui a Teoria Laclauniana

Em dois dos artigos selecionados há o reconhecimento da articulação entre a psicanálise e outras referências teóricas na produção de Laclau, porém não apresentam o modo como essas articulações são propostas: Elorza, Tzveibe, & Assunção (2010), Retamazo e Fernández (2010).

Elorza et al. (2010) discorrem sobre os conceitos de "articulação" e "hegemonia" propostos por Laclau e sua relação com o conceito de "significante flutuante", os quais resultam de giros teóricos que ocorreram ao decorrer da obra de Laclau. Os autores pontuam que o pensamento de Laclau é influenciado, inicialmente, por Althusser (sobredeterminação), em relação à indagação sobre a especificidade do político e do ideológico, e por Gramsci, no que diz respeito à noção de bloco histórico, tendo Laclau formulado o conceito de hegemonia a partir dessas influências.

Articulada a base althusseriana-gramsciana, novas influências, segundo Elorza et al. (2010), como as de Derrida, Lacan e Wittgenstein, produziram uma reviravolta no pensamento de Laclau, que resultou na formulação e reformulação de categorias simbólico-discursivas. No entanto não há uma argumentação no artigo sobre como esses "giros teóricos" e "reviravoltas" ocorreram na TDRP.

Esses giros são reconhecidos e abordados por comentadores da obra de Laclau (Glynos & Stavrakakis, 2008; Mendonça, 2012; Stavrakakis, 2010, 2015), sobretudo os giros concernentes à articulação da psicanálise (J. Alemán & E. Laclau, 2011)4. Glynos e Stavrakakis (2008), para sustentar o argumento do giro psicanalítico na TDRP, recorrem a uma entrevista concedida por Laclau em 1993, na qual o autor pronuncia: "a teoria lacaniana desempenhou um importante papel em minha trajetória teórica, ao menos, desde o começo dos anos oitenta. [...] Essa influência tem aumentado nos últimos anos" (Glynos & Stavrakakis, 2008, p. 250).

Retamazo e Fernández (2010) pontuam que Lacan - em articulação com outros teóricos: Wittgenstein, Heidegger, Barthes e Derrida - é uma influência na obra de Laclau, contribuindo para o pensamento desse autor em termos das compreensões de discurso e de ordenação simbólica do social. Os autores mencionados, segundo o que colocam Retamazo e Fernández (2010), ajudaram a criar condições para uma teoria do discurso que possibilitasse pensar os modos como sentidos são parcialmente fixados em torno de significantes, que ordenam uma dada noção da realidade. O modo como se dá a articulação entre os teóricos que são tomados por Laclau em sua teoria, não é, no entanto, investigada por Retamazo e Fernández (2010).

 

Considerações Finais

A partir da discussão desenvolvida, demonstramos que há muitos pontos a serem discutidos quanto à articulação entre a psicanálise e o pensamento de Laclau, seja referente a categorias simbólico-discursivas elencadas para compreender a dinâmica constitutiva do social enquanto estrutura precária e marcada por uma dimensão conflitiva, seja a fim de compreender como a dimensão do imaginário participa nos processos de identificações discursivas, seja sobre qual o lugar dos afetos na teoria de Laclau e qual a sua relação com a compreensão de real.

Essas questões estão relacionadas aos modos como Laclau incorpora pressupostos e conceitos psicanalíticos em seu pensamento, no qual articula diferentes influências teóricas. Também dizem respeito a escolhas de leitura que Laclau faz de pressupostos teóricos freudianos e lacanianos, e que estão relacionados a determinados interlocutores, a quem Laclau recorre em seus diálogos com a psicanálise.

Assim, consideramos três posicionamentos circunscritos na revisão da literatura: a) relações de homologia e/ou similaridade conceitual entre a psicanálise e a Teoria Democrática Radical e Plural; b) o posicionamento de que haveria usos insatisfatórios da psicanálise na obra de Laclau; c) o reconhecimento da influência da psicanálise articulada a outras referências teóricas presentes no pensamento de Laclau, sem, no entanto, realizar uma delimitação de como ocorrem essas articulações.

Esses três posicionamentos são epistemologicamente problemáticos, uma vez que as correntes estruturalistas e pós-estruturalistas que se fazem presentes na fundamentação da teoria laclauniana compreendem que nada é significativo por si mesmo, inclusive categorias analíticas e conceitos, isto é, que todo conhecimento num dado sistema de ideias, como no caso da Teoria Democrática Radical e Plural, é perpassado e dialoga com todos os outros conceitos no mesmo sistema.

Desse modo, supor e/ou esperar que um conceito psicanalítico funcione homologicamente a um conceito laclauniano de modo imediato, sem que seja flexionado na relação com outros conceitos laclaunianos, é desconsiderar esse pressuposto estruturalista/pós-estruturalista de que o sentido das coisas (conceitos) só se dá na relação com uma outra coisa interna à formação discursiva (sistema de relações) vigente.

Frente a esse pressuposto estruturalista/pós-estruturalista, o segundo posicionamento dos teóricos da revisão da literatura quanto aos usos insatisfatórios da psicanálise por parte de Laclau mostra-se insustentável. Não se trata do fato de que Laclau faz usos equivocados ou insatisfatórios de conceitos psicanalíticos, por estes não corresponderem às teorizações propostas por Freud ou Lacan, mas, como dito, esses conceitos são flexionados, repensados, subvertidos, e podem assumir sentidos outros na Teoria Democrática Radical e Plural.

O terceiro posicionamento presente na revisão da literatura, referente à articulação entre a psicanálise e outros referenciais teóricos que constituem a teoria de Laclau, mostra-se problemático, visto que, para que se possa entender qualquer que seja o aporte teórico, se faz necessário, para além de reconhecer quais são as bases constituintes da teoria, entender as lógicas argumentativas que articulam e sustentam estas bases.

Assim, compreende-se que as categorias psicanalíticas na teoria de Laclau necessitam ser compreendidas de maneira integrada na estrutura particular do pensamento do autor, ou seja, no caso, a articulação da matriz psicanalítica com Derrida, Saussure, Althusser, Wittgenstein e Heidegger, entre outros autores que contribuem para a construção do pensamento laclauniano.

Além disso, toda significação resulta dos contextos em que são propostos: os fatos/objetos/conceitos são parte de um todo e só em relação a ele podem ser apreciados. Desse modo, concebemos que um conceito que é pensado num contexto clínico-psicanalítico e vinculado a problemas de análise específicos não pode ser simplesmente aplicado num campo de análises sociopolíticas mais amplas, não se devendo esperar uma homologia perfeita de categorias psicanalíticas na teoria democrática de Laclau (Longo, 2006).

Dito isto, um quarto modo de compreender a relação entre a psicanálise e a teoria democrática é não nos orientarmos pela compreensão de que Laclau deveria fazer usos "corretos" de categorias e pressupostos psicanalíticos, como se o autor estivesse incumbido de algum tipo de fidelidade teórica à psicanálise. O próprio Laclau, em momentos distintos da sua produção, apesar de reconhecer as importantes contribuições da psicanálise para o seu pensamento, destaca não ter como objetivo desenvolver uma teoria psicanalítica. Laclau (2005/2013), por exemplo, salienta o uso desse aporte teórico articulado à pluralidade de tradições intelectuais que constituem a sua teoria democrática.

Assim, entendemos que um caminho frutífero é buscar entender as contribuições da psicanálise para a teoria de Laclau no interior do campo dialógico das distintas tradições de pensamentos que constituem sua teoria democrática, ao invés de analisar a psicanálise de maneira isolada no pensamento do autor, como se fosse uma "influência" na obra, e não como parte da construção de uma proposta teórica. Consideramos que esse quarto caminho contribuiria de maneira relevante para problematizações sobre a teoria de Laclau e também para ampliarmos análises que possibilitem pensar estratégias de radicalização da democracia.

 

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Endereço para correspondência:
Deivson Filipe Barros da Silva
E-mail: deivsonfbarros@gmail.com

Frederico Alves Costa
E-mail: frederico.costa@ip.ufal.br

Recebido em: 03/02/2020
Revisado em: 09/11/2020
Aceito em: 29/12/2020
Publicado online: 24/03/2021

 

 

1 Laclau e Mouffe são autores do livro seminal da Teoria Democrática Radical e Plural, Hegemonia e estratégia socialista: por uma política democrática radical, publicado por eles em 1985. No entanto, quando nos remetermos à Teoria Democrática Radical e Plural a partir de obras específicas de Laclau, publicadas posteriormente ao "Hegemonia", citaremos apenas o nome deste.
2 Deslocamento é um conceito proposto por Laclau (1990/2000) para se remeter às "falhas", às "disjunções", aos descontínuos característicos da estrutura social que decorrem da falta constitutiva (Real lacaniano) de um significante último que suture a estrutura social.
3 Aibar (2014) compreende "inspirações inconscientes" como o investimento libidinal que participa no processo de identificação imaginaria dos integrantes de um grupo com a figura do líder. Nos termos de Aibar (2014), "uma 'substância pegajosa' que recobre os líderes 'imaginados'" (p.35-36).
4 Sobre o argumento do giro psicanalítico no pensamento de Laclau temos a seguinte fala do autor em diálogo com Jorge Alemán no seminário Psicanálise, retórica e política apresentado na biblioteca da Faculdade de Filosofia e Letras da rua Viamonte, Buenos Aires: "(
) o trabalho de Derrida, deste ponto de vista, tem sido fundamental. Mas há, em segundo lugar, todas as outras dimensões reconstrutivas. Uma vez desconstruído o caráter lógico de uma série de relações, elas ainda existem. E esse tipo de relação requer outro tipo de abordagem além do que a desconstrução pode oferecer. É aí que, acredito, a teoria lacaniana representa uma ajuda fundamental. É isso que estamos tentando fazer e o que queremos é que, entre psicanalistas, estudantes de retórica e linguística e estudantes da política, [a teoria lacaniana] se estabeleça como uma perspectiva teórica, cada vez mais unificada. E acho que podemos ter sucesso nessa tarefa" (Alemán & Laclau, 2011, comunicação pessoal).

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