SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.21 número1Freud, a alteridade e as massas: da metapsicologia à éticaA arte de hélio oiticica como experiência de ócio estético índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista Subjetividades

versão impressa ISSN 2359-0769versão On-line ISSN 2359-0777

Rev. Subj. vol.21 no.1 Fortaleza jan./abr. 2021

http://dx.doi.org/10.5020/23590777.rs.v21i1.e10945 

ESTUDOS TEÓRICOS

 

A norma do falo e a abjeção da mulher na psicanálise

 

The Phallic Norm and the Abjection of the Woman in Psychoanalysis

 

La Norma del Falo y la Abyección de la Mujer en el Psicoanálisis

 

La Norme du Phallus et l'Abjection de la Femme dans la Psychanalyse

 

 

Paula Gruman Martins

Psicóloga Clínica. Doutoranda em Psicanálise e Psicopatologia pela Université de Paris. Mestre em Psicanálise e Pesquisa Interdisciplinar pela mesma universidade. Atua também como tradutora de língua francesa

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Neste artigo, a autora analisa o lugar que "a mulher", formação discursiva e essencializada, ocupa em alguns extratos das obras de Freud e Lacan. A partir do modelo do sexo único, tal como concebido por Thomas Laqueur, ensaia-se demonstrar que, em muitos momentos, a psicanálise operou em um paradigma de um só sexo, apesar da aparente centralidade do conceito de diferença sexual em suas teorias. Fundamentando-se em textos centrais de Freud e Lacan, notadamente aqueles que versam sobre uma suposta diferença sexual, a autora conclui existir uma norma do falo em suas teorias. Propõe-se que a importância conferida ao elemento fálico impede a psicanálise de pensar outras formas de subjetivação, em que o falo (anatômico ou simbólico) não seja tão central. Considerando tal norma do falo, as contribuições de Julia Kristeva e Judith Butler sobre a abjeção são utilizadas para pensar a fabricação do gênero feminino enquanto abjeto na teoria psicanalítica. Entende-se que uma leitura acrítica de Freud e Lacan produz e reforça uma divisão entre sujeitos e abjetos sob a norma fálica. Sustenta-se que uma subjetivação pensada pela falta do falo mantém "a mulher" em um lugar de inexistência e, mesmo, de abjeção.

Palavras-chave: feminilidade; psicanálise; abjeção; norma; falo.


ABSTRACT

In this article, the author analyzes the place "the woman", a discursive and essential formation, occupies in some extracts from the works of Freud and Lacan. From the single-sex model, as conceived by Thomas Laqueur, it is attempted to demonstrate that, in many moments, psychoanalysis operated in a single-sex paradigm, despite the apparent centrality of the concept of sexual difference in its theories. Based on central texts by Freud and Lacan, notably those that deal with a supposed sexual difference, the author concludes that there is a phallus norm in their theories. It is proposed that the importance given to the phallic element prevents psychoanalysis from thinking about other forms of subjectivity, in which the phallus (anatomical or symbolic) is not so central. Considering this phallus norm of Julia Kristeva and Judith Butler's contributions on abjection are used to think about the fabrication of the female gender as an abject in psychoanalytic theory. It is understood that a non-critical reading of Freud and Lacan produces and reinforces a division between subjects and abject under the phallic norm. It is maintained that a subjectivity thought by the lack of the phallus keeps "the woman" in a place of nonexistence and, even abjection.

Keywords: femininity; psychoanalysis; abjection; standard; phallus.


RESUMEN

En este trabajo, la autora analiza el lugar que "la mujer", formación discursiva y esencializada, ocupa en algunos extractos de las obras de Freud y Lacan. A partir del modelo del sexo único, tal como concebido por Thomas Laqueur, se ensaya demostrar que, en muchos momentos, el psicoanálisis operó en un paradigma de un único sexo, a pesar de la aparente centralidad del concepto de diferencia sexual en sus teorías. Basándose en textos centrales de Freud y Lacan, especialmente aquellos que versan sobre una supuesta diferencia sexual, la autora concluye existir una norma del falo en sus teorías. Se propone que la importancia atribuida al elemento fálico impide el psicoanálisis de pensar otras formas de subjetivación, en el que el falo (anatómico o simbólico) no sea tan central. Considerando tal norma del falo, las contribuciones de Julia Kristeva y Judith Butler sobre la abyección son utilizadas para pensar la fabricación del género femenino mientras abyecto en la teoría psicoanalítica. Se entiende que una lectura acrítica de Freud y Lacan produce y refuerza una división entre sujetos y abyectos bajo la norma fálica. Se sostiene que una subjetivación pensada por la falta del falo mantiene "la mujer" en un lugar de inexistencia y, hasta, de abyección.

Palabras clave: feminidad; psicoanálisis; abyección; norma; falo.


RÉSUMÉ

Dans cet article l'auteure analyse la place qu'occupe «la femme », formation discursive et essentialisée, dans certains extraits des œuvres de Freud et Lacan. À partir du modèle du sexe unique, tel que conçu par Thomas Laqueur, on essaie démontrer que, dans de nombreux moments, la psychanalyse a fonctionné dans un paradigme d'un seul sexe, malgré la centralité apparente du concept de différence sexuelle dans ses théories. Pour cela, des textes centraux de Freud et de Lacan ont été utilisés, notamment ceux qui présentent une supposée différence sexuelle. L'auteure conclut qu'il y a une norme du phallus dans leurs théories. Il est proposé que l'importance donnée à l'élément 'phallus' empêche la psychanalyse de penser à d'autres formes de subjectivation, c'est-à-dire, celles où le phallus (qu'il soit anatomique ou symbolique) ne soit pas si central. En considérant telle norme du phallus, les contributions de Julia Kristeva et de Judith Butler sur l'abjection sont utilisées pour penser à la création du sexe féminin comme abject dans la théorie psychanalytique. Il faut comprendre qu'une lecture dénuée de toute critique de Freud et de Lacan produit et renforce une division entre des sujets et abjects sous la norme du phallus. Il est compris qu'une subjectivation pensée par l'absence du phallus maintient «la femme » dans une place d'inexistence et, même, d'abjection.

Mots-clés: femininité; psychanalyse; abjection; norme; phallus.


 

 

Desde as origens do pensamento freudiano, "a mulher" interpela o pensamento psicanalítico. O suposto mistério da sexualidade feminina operou um papel fundamental na história das conceitualizações psicanalíticas; tal enigma é frequentemente presente na obra de Sigmund Freud, que chega a confessar sua ignorância sobre o assunto. Para o inventor da psicanálise, o tema das mulheres era o continente negro de sua teoria (Freud, 1926/1976c). Sob a ótica de Freud, a diferença anatômica entre os sexos acarretaria consequências psíquicas, que diferenciariam a vida mental das mulheres da dos homens (Freud, 1933/1976d, 1937/1976e, 1931/2010, 1924/2011a, 1924/2011b, 1925/2011c). Na obra de Jacques Lacan, apesar das mudanças sociais ocorridas no intervalo de tempo que separa sua teoria daquela de Freud - transformações que incluem a publicação do Segundo Sexo por Simone de Beauvoir (1949/1986) e a segunda onda do feminismo -, podemos pensar que a centralidade do falo continua a ser um motor teórico, porém, dessa vez, a partir de seu caráter simbólico.

Neste artigo, sugere-se haver uma norma do falo presente na psicanálise. Na construção da teoria psicanalítica freudolacaniana, essa norma operou como linha condutora e acabou por produzir, concomitantemente a uma exaltação do falo, uma invisibilização de diversas categorias do dispositivo sexo-gênero, dentre as quais, a das mulheres. Essa centralidade precisa ser repensada para que seja viável oferecer uma escuta psicanalítica adequada para sujeitos que apresentem conflitos que possam não se centrar necessariamente em torno da problemática ser/ter o falo enquanto conflito fundamental. A inexistência na teoria psicanalítica de formas de pensar para além do falo implica que o assunto da feminilidade e da subjetividade das mulheres seja lido a partir de uma ótica única, pensada para um homem mítico, inscrito na lógica fálica. Essa escolha epistemológica acaba recaindo numa ontológica: o sujeito psicanalítico é masculino ou, ao menos, é fálico. Em que lugar isso coloca a categoria das mulheres?

Em sua história, a psicanálise sempre se interessou pelas partes mais abjetas da nossa humanidade: nossos aspectos perversos, destrutivos, incestuosos, a nossa sexualidade infantil. Entretanto isso não a impediu de (re)produzir suas próprias abjeções. Acredito que, para repensar o discurso psicanalítico, não precisamos nos situar fora dele. Sugiro que um movimento de vida a realizar-se pela psicanálise seja o de fazê-la sair do ponto estático em que se encontra no que tange ao gênero. Pensar a representação da mulher nessa teoria não se trata de versar sobre teorizações "esquecidas", ou de uma empreitada tornada inútil pela mera passagem do tempo desde esses escritos. Pelo contrário, os escritos freudianos sobre a feminilidade e a teoria lacaniana são elementos ainda vivos, que seguem produzindo efeitos em suas teorizações hoje.

A partir da premissa de que uma psicanálise feminista é possível, propõe-se realizar um exercício crítico de reconhecer e questionar o discurso subjacente às conceitualizações sobre a feminilidade em Freud, principalmente nos textos da década de 1930, (Freud, 1933/1976d, 1931/2010) e à teoria da sexuação no Seminário XX de Lacan (1975). O objetivo do presente estudo teórico não é encontrar uma lógica única, estável e impassível em todos os momentos da teoria de Freud ou Lacan. Isto seria não apenas reducionista, mas virtualmente impossível. A proposta é de apontar um caminho possível de leitura desses autores, a partir de certos marcos de suas obras, que considero momentos-chave para pensar o sexo/gênero (Rubin, 1975)em suas teorias. Apesar do enfoque notadamente teórico deste estudo, entende-se que os textos clássicos freudolacanianos fundamentam nossa escuta analítica, de forma que abordar criticamente tais escritos pode surtir efeitos na clínica, ampliando a capacidade de escuta do analista no que tange a questões de gênero.

 

O Sexo Único em Freud

Segundo Freud (1923/1976b), a inveja do pênis funda-se no momento da organização sexual infantil caracterizado pela primazia fálica. Nesse período do desenvolvimento psicossexual, o pênis seria o depositário de grande parte dos investimentos libidinais da criança, menino ou menina (Freud, 1924/2011a, 1925/2011c). Em tal organização psicossexual, a noção de vagina seria inexistente: a única concepção de órgão genital acessível à criança seria a do membro fálico masculino (Freud, 1924/2011a). A menina se veria sem pênis, reconhecendo-se como membro de um gênero inferior. Devido à sua inveja, o prazer sentido na prática de masturbação clitoridiana da menina se esvairia (Freud, 1933/1976d). Segundo o autor, a possibilidade de elaborar a inveja do pênis de forma saudável reside no desejo de ter um filho, preferencialmente, menino (Freud, 1933/1976d, 1937/1976e). Ainda, a incapacidade de renunciar ao falo produziria na mulher o complexo de masculinidade, o que dificultaria o desenvolvimento da sua feminilidade (Freud, 1925/2011c).

O papel e objetivo do clitóris parecem ser mistérios da sexualidade feminina que inquietava Freud (1931/2010). O suposto caráter ativo do clitóris sustenta a ideia de que o prazer clitoridiano seria masculino e, portanto, de que mantê- lo após a fase fálica representaria um fracasso no desenvolvimento da feminilidade. A ideia de uma mulher com pênis é intolerável. Segundo Freud, a feminilidade é vaginal, passiva e masoquista (Freud, 1933/1976d, 1931/2010): trata-se de receber o membro fálico, potente e ativo do outro, e não de ostentar aquilo que, para Freud, seria o seu pênis diminuto. No pensamento de Freud, a sexualidade clitoridiana é inteligível tão somente enquanto for lida a partir de um paradigma fálico. A ausência mesmo de tentativas de Freud de pensá-la de outra forma denuncia a sua ininteligibilidade fora da norma fálica.

Mas, afinal, a psicanálise freudiana interessa-se pelo corpo anatômico ou pulsional? Desde seus "Três ensaios..." (Freud, 1905/1976a), parece-nos que Freud pensa o corpo como superfície pulsional. Seu interesse parece residir mais nos investimentos libidinais do/no corpo do que em qualquer cartografia somática imutável. O corpo torna-se inseparável do psíquico e, talvez principalmente, da experiência subjetiva. Nessa linha, em 1933, Freud postulou que aquilo que constitui a masculinidade e a feminilidade está para além da anatomia. Mas, também nesse momento, estabeleceu uma relação entre o feminino e o passivo e entre o masculino e o ativo (Freud, 1933/1976d).

Notamos as ambiguidades na teoria, pois, se tais disposições psíquicas estão para além da anatomia, por que a vagina (membro que recebe no coito heterossexual) representa a passividade, e o pênis (membro penetrante) incorpora a atividade? Ainda que Freud (1905/1976a) tenha proposto certa amplitude nas possibilidades da experiência corporal individual, parece- nos que, no tema da feminilidade, uma problemática corpórea anatômica advém, uma que quase se propõe como universal e total. Nessa equação, pênis e clitóris são equivalentes; o ativo é fálico e penetrante, já o passivo é penetrado, penetrável. Tomado a partir de uma vaginalidade cuja razão de ser é a penetrabilidade, o feminino é o negativo da presença.

Ainda, Freud (1933/1976d) pensou a feminilidade como algo adquirido. Mas a coerência teórica exigiria pensar que, se nos tornamos mulheres, devemos, também, tornarmo-nos homens. Do contrário, isso significaria que, em sua base, o sujeito é masculino. Em 1937, Freud chega à conclusão de que "o repúdio pela feminilidade só pode ser um fato biológico, uma parte do grande enigma do sexo" (Freud, 1937/1976e, p. 251, tradução livre). Essa ideia de Freud ilustra o argumento de que a rejeição da feminilidade é um pilar teórico subjacente em Freud. Talvez possamos pensar que ela reside na base de conceitos fundamentais, como a castração, a inveja do pênis e mesmo o complexo de Édipo. O autor naturaliza o suposto fato da rejeição da feminilidade, conferindo a isso um caráter biológico, natural e inevitável. O repúdio à feminilidade não reside em premissas veladas, mas mesmo bastante explícitas, por exemplo, quando se refere à "deficiência genital" (Freud, 1933/1976d, p. 90) da mulher.

Nas origens da psicanálise, o clitóris foi pensado como um pênis que deu errado, e a vagina como um receptáculo, o lugar da passividade (Freud, 1933/1976d, 1931/2010, 1924/2011a, 1924/2011b). Na história psicanalítica, podemos pensar que o clitóris foi não apenas esquecido, mas quase agressivamente apagado enquanto fonte de expressão sexual das mulheres. Tudo isso porque ele seria, segundo a narrativa freudiana, o correlato inferior do pênis. As razões para o apagamento do clitóris se originam na visão do órgão como um pênis reduzido, sendo este último interpretado como o membro ativo na relação sexual homem/mulher (Freud, 1933/1976d). O suposto fato de que a masturbação clitoridiana manteria uma característica ativa é a premissa que sustenta a ideia de que o prazer clitoridiano seria, portanto, masculino. No pensamento de Freud (1933/1976d, 1931/2010), o continuar da sexualidade ativa e clitoridiana indicaria uma sexualidade fálica, o que impediria um percurso desenvolvimental em direção à feminilidade passivo-vaginal. Na direção contrária, encontramos, em muitos trabalhos de Freud (1933/1976d, 1931/2010), predicados valorizantes para o pênis, que o classificam frequentemente ocupando uma posição de potência e atividade.

Apesar do interesse de Freud pelas questões do social e suas influências nos processos psíquicos em geral, ele parece ter dificuldade em refletir sobre as influências da centralidade cultural do falo na constituição psíquica das mulheres. Isto se mostra completamente paradoxal quando refletimos sobre as descobertas teóricas de Freud quanto às histéricas (Freud, 1893-95/2016) e às suas proposições sobre o sintoma neurótico na cultura (Freud, 1930/2015). Nesse tópico, unimo- nos a Karen Horney (1926/1991) quando sugere haver fatores sociais que contribuiriam à inveja do pênis nas mulheres. Ela observava que as condições pouco favoráveis das mulheres na sociedade eram subestimadas na teoria psicanalítica, principalmente pela ausência de uma reflexão sobre a fuga dos dois gêneros face à, sempre repudiada, feminilidade (Horney, 1926/1991). A inveja do pênis poderia não estar tão ligada ao órgão quanto ao que possuir o pênis representaria em termos de poder e liberdade nessa sociedade.

No discurso psicanalítico, muitas vezes, as mulheres parecem estar aquém de uma norma, frequentemente sendo caracterizadas como seres diferentes, que ocupam um lugar obscuro de alteridade. Quando Freud (1933/1976d, 1931/2010) e Lacan (1975) buscam pensar a mulher enquanto objeto epistemológico, podemos dizer que rapidamente somos levados a postulados teóricos problemáticos, pouco precisos, certas vezes incoerentes com outras de suas formulações teóricas e talvez mesmo reducionistas. Neste trabalho, emprego o termo "a mulher" para pensar tal formação discursiva (Foucault, 1969) da forma como foi essencializada e concebida em Freud e Lacan. Compreende-se que o termo transmite a noção de um senso unívoco para o "ser mulher", que acaba sendo sugerida em tais autores. Entretanto entende-se que a categoria das mulheres enquanto coletividade não se beneficia de definições pela essência (Butler, 1990a, 1990b) e ultrapassa enormemente um conceito claustrofóbico das subjetividades.

Com a subjetivação em psicanálise tendo o falo como elemento central, é natural questionar as implicações dessa centralidade para, então, rever a forma como o sexo que não detém o pênis é pensado e conceitualizado. Assim, o paradigma fálico dominante na psicanálise, operando enquanto Norte para pensar a forma como nos tornamos sujeitos, tem reiteradamente implicado associar as mulheres a uma falta e condená-las à exclusão.

A predominância de um pensamento em torno do falo remete ao modelo do sexo único descrito por Thomas Laqueur (1990). Segundo o autor, a ideia de dois sexos diferentes é apenas um dos paradigmas possíveis para pensar o sexo/gênero anatômico. Laqueur (1990) pensa que sexo e gênero são construções indissociáveis. O autor sustenta que toda teoria médico- anatômica é fruto de contingências sócio-histórico-culturais. De certa forma, em um nível macro, o gênero precederia o sexo para Laqueur (1990).

Para Laqueur, até a transição do século 17 para o séc. 18, o modelo do sexo único imperava: os corpos eram compreendidos com base no ideal masculino. O feminino seria o inverso do corpo sexuado masculino. Também as emoções e os fenômenos psíquicos eram analisados de acordo com a relação sexo ideal/sexo invertido. Podemos entender que as teorizações sobre o sexo anatômico estão sempre inseridas em um contexto discursivo, em que encontramos categorias de gênero e relações de poder previamente estabelecidas, o que tem papel decisivo na construção da verdade científica sobre o sexo dito biológico. As leituras das diferenças anatômicas repousam sobre preconcepções sociais sobre o gênero, as quais, por sua vez, influenciam a compreensão que produzimos sobre o corpo. Para Laqueur (1990), uma verdade sobre o sexo não é passível de ser encontrada, pois essa não seria jamais livre de um discurso que a crie e que, por fim, fabrique o corpo no dispositivo sexo/gênero.

Assim como no modelo do sexo único, podemos pensar que uma visão que totaliza a existência em torno do homem atravessa o corpo teórico psicanalítico clássico (Laqueur, 1990). Os textos freudianos, principalmente aqueles que versam mais enfaticamente sobre a feminilidade e a diferença sexual (Freud, 1933/1976d, 1931/2010, 1925/2011c), parecem, à primeira vista, empregar uma visão do sexo/gênero a partir do modelo binário da diferença entre os sexos, porém o fato de que Freud se mantém ancorado à centralidade do falo talvez o tenha impedido de ser coerente nessa aparente escolha epistemológica. A presença das mulheres como objeto de discussão e de estudo na psicanálise freudiana não significa o seu reconhecimento enquanto um conjunto com existência própria.

Laqueur (1990) argumenta que, para sua época, Freud expõe posicionamentos incomuns quanto à figura da mulher e de sua sexualidade. A sua classificação, separando os orgasmos da mulher em clitoridiano ou vaginal, por exemplo, é uma contribuição insólita para época, na qual a ciência médica ocidental sequer consideraria um orgasmo feminino que não fosse de origem clitoridiana (Laqueur, 1990)1. A invenção do orgasmo vaginal por Freud (Laqueur, 1990) ocasionou importantes consequências no tratamento psicanalítico de diversas mulheres, como aquelas ditas frígidas, clitoridianas (Bonaparte, 1961) ou lésbicas (Jones, 1927).

O apagamento do clitóris em Freud é não somente problemático pelas consequências causadas na vida de muitas mulheres, mas é também uma demonstração de como um atributo das mulheres foi tornado pejorativo. O potencial produtor de prazer do clitóris foi excluído para dar lugar a uma feminilidade ideal passiva. Tal teorização é indissociável do domínio do "político" pensado de forma foucaultiana, isto é, considera-se que as tramas que produzem os saberes são inseparáveis dos discursos e relações de poder (Foucault, 1969). Assim, encontramos uma posição político-epistemológica subjacente ao discurso psicanalítico: as mulheres (cisgênero) e suas vaginas são o território sem existência própria. A suposta passividade masoquista feminina é metaforizada, no corpo, pelo espaço vazio da vagina, sempre em sua condição faltante: a ser preenchida, colonizada pelos conteúdos rejeitados do outro.

Ressalto, com Laqueur (1990), que toda verdade científica sobre o sexo anatômico é herdeira de concepções de gênero já existentes na cultura, pois a verdade da mulher residir em qualquer substrato corporal é algo tão artificial quanto pensar a sua subjetividade obrigatoriamente ancorada ao falo. Assim, sublinho que criticar o paradigma fálico não acarreta a consequência de substituí-lo por um paradigma uterino, clitoridiano ou vaginal. Conceber o psiquismo a partir do falo ou pensá-lo a partir de outro significante para as mulheres seria reproduzir uma essencialização pouco interessante, porque também deixaríamos de representar uma pluralidade de pessoas e grupos (todos que estão fora da norma cisgênero/heterocentrada).

Se a feminilidade em Freud não se dá a partir do corpo anatômico, ela também não se produz independentemente dessa corporeidade, visto que é a ausência do pênis na menina que faria com que ela desenvolvesse a passividade e o masoquismo próprios da sexualidade vaginal (Freud, 1933/1976d, 1931/2010, 1924/2011a, 1925/2011c). Na verdade, a leitura atenta dos textos que pensam o "outro sexo" torna evidente a ideia subjacente à teoria freudiana: que ela trata de um só sexo, do qual o feminino é o negativo. Em Freud (1933/1976d, 1931/2010), a ausência do pênis originaria uma subjetivação antípoda àquela da norma, isto é, a daqueles sujeitos que possuem o pênis. A questão das mulheres na teoria de Freud se situa, sobretudo, no nível da inexistência de uma outra lógica de pensar.

Talvez possamos pensar que as mulheres que encontraram inteligibilidade na teoria de Freud tenham sido as histéricas. Isso possivelmente porque seu conflito evoca exatamente o sintoma social que Freud descreve, afronta e, paradoxalmente, reproduz em sua teoria: a marcada diferença de outrora em termos de liberdade sexual, poder e circulação social entre aqueles que detêm o pênis e aquelas que não o possuem. O conceito de inveja do pênis pode operar representando tal fenômeno na teoria. Observemos que aquilo que encontramos na obra freudiana não é da ordem da diferença, mas da falta, e que a inveja do pênis é o conceito principal para o desenvolvimento de uma teoria da feminilidade (1933/1976d, 1931/2010) por Freud.

A teoria freudiana é a base do pensamento psicanalítico. Sugiro que a mesma norma do falo que aparece em Freud será também central na obra de Lacan (1958/1966), levando a predicados como o aforismo sobre a inexistência da mulher (Lacan, 1975). Ressalto isso para mostrar que aquilo que Freud pensa a partir de certa concepção de anatomia produziu efeitos nas obras de outros autores-chave da psicanálise, o que pode ainda gerar consequências na nossa clínica hoje. Não se trata de uma temática obsoleta, mas de uma que impacta a forma como escutamos nossos pacientes em análise, sobretudo as mulheres e aqueles que estão fora da heteronorma (Butler, 1990b). Se a norma fálica está subjacente a conceitos nucleares da psicanálise, é natural que, se não for questionada, produza efeitos em nossa escuta.

Uma possível inexistência, na teoria psicanalítica, de formas de pensar para além do falo implica que o assunto da feminilidade e da subjetividade das mulheres seja lido a partir de uma ótica única, pensada para um mítico homem inscrito na lógica fálica. A incapacidade de pensar outra forma de ser sujeito, uma que não seja guiada pela castração (anatômica ou simbólica), poderia significar uma ausência de um pensar sobre o sujeito "mulheres" na psicanálise. Podemos dizer que as mulheres existem se as definimos pelo que supostamente lhes falta? Será que, para Freud, a mulher ainda é o outro sexo?

Os postulados teóricos do psicanalista mantêm a noção de fundo do falo como elemento determinante. Esse posicionamento epistemológico produz efeitos em sua teoria, visto que uma definição pela ausência é não somente forçosamente baseada em uma suposta essência "faltante", mas também obrigatoriamente pejorativa em certo grau. Discutir a vida mental das mulheres sem pensar outras representações possíveis para além do falo as condiciona a uma posição de obrigatória desvantagem de status representacional em relação àqueles que detêm o falo anatômico/imaginário. Observemos o quanto isso vai ao encontro da proposição de Laqueur (1990), que considera que o modelo do sexo único privilegia o falo, assim como os elementos que lhe são atribuídos.

 

Fundamentos Anatômicos na Teoria Lacaniana

A leitura do falo em Freud como simbólico por Lacan (1958/1966), uma de suas mais notórias contribuições, é central para a discussão deste artigo. Possivelmente, o falo simbólico não se distancia enormemente das "origens anatômicas" da teoria. O autor retoma a teoria freudiana da castração sob outra ótica, mas está de acordo com suas premissas, sobretudo em relação ao elemento central da teoria da castração: a dinâmica fundamental do ter/ser o falo. A compreensão que proponho é a de que o pênis segue operando como pressuposto em Lacan, em detrimento do esforço lacaniano de desbiologizar e dessexualizar o falo.

Mantermo-nos literais na leitura de Freud significaria seguir presos a uma compreensão biológica da castração e do falo, o que seria declaradamente essencializante. Tal interpretação acarretaria entender o complexo de castração e a inveja do pênis enquanto situações predeterminadas pela biologia, desconectadas da cultura. Aquilo que Lacan busca defender - e não sustenta de forma contínua - é o falo como elemento significante privilegiado nas relações sociais, o que não teria relação com qualquer corporeidade generificada.

Em 1958, Lacan sugeriu trabalhar o conceito de falo enquanto significante, opondo significante a significado. Segundo o autor, os conteúdos que preenchem esse significante são contingenciais ao Outro e à singularidade do sujeito. Dessa maneira, o falo não teria valor nem significação em si. No pensamento lacaniano, os significantes, pelo próprio fato de serem falados e de nomear as existências, criam os fenômenos. O falo, como proposto por Lacan (1958/1966), é um significante privilegiado na cultura: ele seria um elemento insaturado, a ser preenchido conforme o sentido que convém ao sintoma de cada sujeito. Lacan (1958/1966) justifica o falo como o escolhido para ocupar esse lugar eminente na linguagem a partir do que se perceberia na diferença sexual. O autor acrescenta que o fato de sua ereção favorizaria também a imagem de um fluxo vital transgeracional. Por fim, o falo seria passível de representar tudo o que pode ser significado, se o tomarmos como significante.

Embora muitos anos tenham transcorrido entre a teorização lacaniana sobre a dimensão simbólica do falo (Lacan, 1958/1966) e o Seminário XX (Lacan, 1975), em que se deteve nas fórmulas da sexuação, talvez possamos reconhecer nessas obras, de diferentes momentos teóricos, uma tendência em comum. Sobretudo, percebemos que a dialética do sujeito face à castração segue presente. Não se pretende aqui dissecar a obra de Lacan, tampouco desprezar suas contribuições. O que se coloca é a possibilidade de pensar elementos constantes no pensamento lacaniano através do desenvolvimento de sua teoria, sem, contudo, impor essa interpretação de Lacan como única ou incontestável, mas como uma leitura possível.

Poderíamos dizer que, na obra lacaniana, a lógica do falo atravessa a relação entre os sexos. Ela gira em torno do ter/ não ter e ser/não ser o falo (Lacan, 1975). No que tange à diferença sexual, o significante fálico estrutura as relações em duas esferas diferentes: uma anatômica e, outra, simbólica (e não necessariamente consonante com certa anatomia). Isso quer dizer que encontramos em Lacan uma castração anatômica - a ausência de pênis nas mulheres, que acaba por "explicar" sua inexistência, como veremos depois -, latente, subjacente a uma castração simbólica. Essa última é efetivamente discutida e realçada na obra de Lacan.

O que encontramos no pensamento lacaniano está sempre em referência a um falo e a uma castração simbólicos, que aparecem vizinhos a postulados (um pouco misteriosos) sobre o corpo feminino e a relação entre anatomia e sexuação. A partir disso, poderemos notar que certos enunciados teóricos que se propõem a dar um estatuto simbólico à castração, por exemplo, não conseguem manter sua promessa, porque encontramos uma ideia de corpo/anatomia generificada nos pressupostos teóricos de Lacan.

Para Lacan (1958/1966), todos nos encontramos face à castração - aqui compreendida como a lei, aquilo que marca a falta, os limites que impedem um gozo infinito (Bruno & Guillen, 2012). Sob sua ótica, ter o falo é uma virtualidade, algo que remonta a uma completude utópica, desconhecida e inatingível. Apesar disso, a lógica que sustenta as suas fórmulas de sexuação apresenta incoerências em relação ao estatuto da castração para os dois gêneros.

A forma com que Lacan (1975) pensa a sexuação propõe duas posições subjetivas frente à castração. Essas duas possibilidades, a masculina e a feminina, são apresentadas tais como significantes (idealmente, sem substrato anatômico). A masculina é marcada pela promessa de completude via obtenção do falo. A lógica seria a seguinte: atividade e movimento do psiquismo orientam-se em direção à busca por ter o falo. As mulheres também não têm o falo para Lacan, mas seu mecanismo seria o de tentar ser o falo, ou seja, ser o objeto de desejo. As vias de acesso na busca pelo falo diferenciariam assim a masculinidade da feminilidade. A mulher, na visão lacaniana, é aquela que ocupa o lugar de falo do homem (Lacan, 1975). O significante da mulher também seria o falo, mas, para ela, a marca da falta faria com que ela o busque no corpo do outro.

Parece-nos que Lacan nos fala por vezes de um falo simbólico e, por outras, mostra-se ancorado a um discurso em que o falo equivale a pênis. Talvez isso se dê, pois, em suas origens, o conceito de falo não se encontra tão distante de uma noção de falicidade a partir da presença do pênis e de falta a partir de sua ausência - ser castrado, passivo, vaginal, como em Freud (1933/1976d, 1931/2010). Como poderíamos originar conclusões sobre o psiquismo que sejam desvinculadas de uma anatomia se nossas premissas nos falam de um corpo/gênero específico?

Decorre que percebemos incongruências teóricas. Se mulheres e homens são igualmente castrados e marcados pela falta, por qual motivo o homem tenta obtê-lo e a mulher sê-lo para ser desejada como falo do homem? Tal ideia mantém a noção de uma atividade masculina e de um feminino passivo/objeto. As essencializações presentes, que se originam nos papéis estereotípicos em um coito penetrativo heteronormativo, parecem-nos contraditórias com a concepção de posições subjetivas independentes da anatomia.

A partir de Lacan, mudamos como abordamos o falo, mas seguimos, possivelmente, numa ontologia fálica. Para que existamos, Lacan (1975) sustenta que é preciso saber onde nos encontramos em tal existência. Sustento o argumento de que, na psicanálise, essa existência se situa do lado do falo e que a mulher desprovida desse órgão é o sexo que resta. Nas palavras de Lacan, "a mulher é isto que existe em relação a este Outro" (Lacan, 1953, p. 75, tradução livre).

Possivelmente, a tarefa de dessexualizar o falo encontra obstáculos na linguagem. Essa estrutura em si seria um dos fatores que impedem a utilização da língua com o sentido que desejemos. O fato de ser compartilhada por um coletivo impede que demos o sentido que quisermos às palavras. Como poderíamos separar o falo do sentido anatômico se ele é definido como o "pênis em ereção; símbolo da virilidade; representação do membro viril em ereção, símbolo da força viril e da fecundação" (Larousse, 2018)? Perguntamo-nos sobre o que a necessidade de nos mantermos ancorados nesse significante pode nos dizer sobre nossa área de conhecimento. Nas palavras de Jane Gallop (1988/2001):

Saber se podemos separar o falo do pênis anda junto com saber se podemos separar psicanálise e política. O pênis é o que os homens têm e as mulheres não têm; o falo é o atributo do poder que nem os homens nem as mulheres têm. Mas enquanto o atributo do poder for um falo que só pode ter significado por referência a um pênis ou sendo confundido com um pênis, essa confusão sustentará uma estrutura em que parece razoável que os homens tenham poder e as mulheres não o tenham. E enquanto os psicanalistas sustentarem a separabilidade ideal do falo em relação ao pênis, eles podem agarrar-se a seu falo e acreditar que seu discurso falocêntrico não precisa ter qualquer relação com a desigualdade sexual, nem qualquer relação com a política. (Gallop, 1988/2001, p. 280)

Butler (1993) acrescenta um argumento interessante quando afirma que o falo como conceito em Lacan é inseparável do pênis. Para Butler (1993), o falo simboliza também o pênis, porque o pênis torna-se a referência privilegiada a ser negada, isto é, o falo está sempre em relação ao pênis, mesmo quando ele o está pela recusa. A filósofa defende que, se temos que negar o tempo todo a equivalência entre falo e pênis, não estamos livres de seu domínio.

O famoso aforismo lacaniano "A mulher não existe" (Lacan, 1975, p. 68, tradução livre) é justificado a partir de diversos elementos interconectados de sua teoria da sexuação: o gozo, a impossibilidade de relação sexual e a castração - elementos em que o falo opera papel fundamental. Se a mulher não existe para Lacan, isso não quer absolutamente dizer que ela não tem existência concreta, mas que alguma coisa nela escapa à primazia fálica. Não existe a mulher como categoria ontológica universal, no pensamento lacaniano, porque a elas falta um significante que sintetize sua posição subjetiva elementar (Lacan, 1975).

Uma explicação lacaniana para a impossibilidade de dizermos "A mulher" funda-se, justamente, no gozo feminino, que, segundo o autor, é da ordem do infinito (Lacan, 1975). O seu gozar, assim como sua (in)existência, não teria bordas. Nessa perspectiva, a posição masculina estaria sempre em relação ao gozo fálico, em que prevalece a lógica do ter o falo, da castração e das interdições. O gozar fálico é limitado, algo o interdita, tornando-o incompleto. A posição feminina é diferente pelo olhar de Lacan. O autor posiciona a mulher nesse gozo Outro, sobre o qual confessa poder pouco nos dizer.

Frequentemente, o gozo da mulher ou a posição feminina acaba aproximada de uma ideia de real (Lacan, 1974-1975/2002), igualado àquilo que escapa à linguagem, à representação, ultrapassando as bordas (castrantes) da linguagem. Essa visão não se afasta de uma suposta essência da feminilidade distante da razão, insubmissa à lei e consonante com uma insurgência própria daquilo que não é linguajeiro, mas até animalesco. Ademais, se o gozo da mulher é Outro gozo, ele é Outro em relação a algo/alguém, em relação ao qual ela está na exterioridade. Ela estaria excluída de um território de existência: o domínio do sujeito em sintonia com a norma do falo.

O enunciado sobre a inexistência d'a mulher nos leva à discussão sobre a castração e o seu papel na sexuação para Lacan. A lógica da sexuação origina-se no mito do pai totêmico freudiano (Freud, 1913/2012) e é sustentada pela lógica argumentativa aristotélica (Viviani, 2015). Conforme essa linha de pensamento, para formar um conjunto que tenha existência ontológica, ele deve estar em relação com a alteridade, ou seja, é necessário que haja um elemento diferente do conjunto (Melman, 1986; Viviani, 2015). A disparidade entre o elemento diferente e o conjunto dos similares contribui, assim, para a constituição do conjunto. Seria essa diferença que torna os elementos um. O conjunto existe porque existe ao menos um diferente, uma exceção (Melman, 1986).

Ao pensar o mito freudiano (Freud, 1913/2012), compreendemos o porquê de o homem existir a partir dos predicados lógicos aplicados por Lacan. Todos os homens da tribo são castrados, exceto o pai totêmico. Sua não castração permite que haja uma marca nos outros: eles são castrados e o sabem, porque ao menos um não o é (Melman, 1986). Os homens são, assim, um conjunto. Eles existem enquanto um coletivo com contornos marcados, pois há ao menos um que não é castrado. A questão das mulheres seria bem diferente. Elas não formariam um conjunto, razão que justificaria a impossibilidade de sua existência enquanto entidade. Para Lacan, a não existência de uma exceção à castração encerra-as nesse lugar em que o sujeito não é marcado pela castração (Melman, 1986; Viviani, 2015). A castração atingiria todas as mulheres, não haveria exceção. Elas não formariam um conjunto, razão que justificaria a impossibilidade de sua existência enquanto entidade.

Por que Lacan mantém o mito freudiano, fundado sobre a corporalidade, para justificar a existência do homem e a inexistência da mulher, se nem homem nem mulher possuem o falo? Não podemos ignorar a escolha de Lacan de tomar o mito freudiano pelo viés da dialética ter/não ter o falo: parte-se de uma norma do falo para pensar as existências. Assim, argumento que é justamente porque o falo não é completamente insaturado de sentidos que chamamos essa "potência" utópica pelo significante "falo".

Questiona-se aqui o quanto podemos considerar verificar-se a suposta instauração simbólica da estrutura significante. Não se trataria de um significante já saturado em termos de como o falo foi e é significado? Principalmente, friso aqui seu pertencimento ao universo masculino, tradicionalmente compreendido como racional, lógico, político (Birman, 2001), em oposição a um feminino classicamente entendido como pertencente à ordem do Real (Lacan, 1974-1975/2002) - um não representável fundamental, o resto impossível de significação, a ausência de sentido que habitualmente acaba equiparada a certa corporeidade, à ausência de bordas e a uma mítica proximidade com o aquém do simbólico.

Se, de fato, quisermos escapar à lógica falocêntrica e heteronormativa, seria necessário encontrar novos nomes para chamar aquilo que não é, nem nunca foi, concretamente, o falo. Na linguagem, falo, feminino e masculino trazem consigo um sentido prévio à nossa ação sobre tais significantes. Mesmo que almejemos à inexistência de essência para essas categorias, elas são culturalmente preenchidas por predicados, ancoradas a valores e representações estabelecidas através dos tempos na cultura ocidental. Argumenta-se que a crença em uma suposta neutralidade significante é um obstáculo para ver claramente os posicionamentos psicanalíticos em relação ao gênero.

Faz-se preciso reconhecer a impossibilidade de esvaziar tanto as posições subjetivas face à sexuação quanto o significante fálico dos sentidos a ele já conferido pela língua. Fazêlo é um passo importante para notar que as teorizações freudianas e lacanianas sobre a diferença sexual apresentam incoerências. Não haveria como ser diferente, pois são teorias polissêmicas. Isto não elimina que reconhecer tais incongruências seja um mandato epistemológico para elaborar uma teoria psicanalítica capaz de incluir o gênero. Como Butler afirmou em 1993, as diferenças sexuais não podem ser separadas dos discursos - isto é, os discursos são a lente pela qual olhamos, analisamos e, afinal, produzimos os fenômenos.

 

A Abjeção na Norma do Falo

Para Butler (1993), os discursos sobre os corpos são uma prática inevitável de significação. No discurso do falo, nascido no seio do dispositivo da sexualidade tal como concebido por Foucault (1976/1988), a mulher é uma categoria essencializada: castrada, passiva, vaginal, mãe, puta, histérica. O homem também é fruto dessa norma. Ele é associado a predicados como atividade, agressividade, potência, razão, intelecto etc.

Dessa forma, sugere-se que o conceito de abjeção, proposto por Kristeva (1980) e desenvolvido posteriormente por Butler (1990b, 1993), pode lançar luz sobre o papel ocupado pela mulher na teoria psicanalítica. A noção de abjeto relaciona- se às categorias que foram social e historicamente construídas e excluídas, apesar do aparente paradoxo nesse enunciado. A (in)existência para aquém da sujeição é aquela que se impõe aos indivíduos que não acederam à condição de sujeitos (Kristeva, 1980) segundo uma norma: os abjetos.

Butler (1990b) faz uso do conceito de abjeção de Kristeva (1980) para refletir sobre as categorias dos homossexuais, transsexuais, transgêneros, drag queens, entre outros. O que esses grupos têm em comum é seu caráter fora da heteronorma. Consideremos que os mesmos mecanismos que produzem os corpos que importam, os sujeitos, constituem também o território do impensável, do inumano (Butler, 1993). Os discursos que fabricam os sujeitos realizam uma operação em que sempre se produz um resto. A trama discursiva cria simultaneamente o inteligível e um domínio do excluído, território do abjeto. Conforme o ponto de vista de Butler (1993), encontramos uma relação dialética entre sujeitos e abjetos: um não existe sem o outro. Efetivamente, tanto Butler (1990b) quanto Kristeva (1980) teorizam que o abjeto faz fronteira com o território dos sujeitos e colabora para o traçar dos limites que os separam.

A diferença sexual em Freud e a sexuação em Lacan se relacionam à discussão a respeito dos filhos míticos do pai da horda primitiva, pensada por Freud (1913/2012). Eles são aqueles que não têm o falo, que são marcados pela falta e pela busca por tê- lo. As mulheres, nesse mito, são a moeda de troca: ter todas as mulheres nesse contexto representaria ter o falo. Na psicanálise, a mulher é muitas vezes teorizada como o representante temporário, o suporte desse significante primordial que rege o universo freudiano. No que tange ao sexo/gênero, apesar da capacidade da psicanálise de pensar a singularidade, consideramos que o seu sujeito elementar acaba por se circunscrever ao falo: a lógica é a da castração. Seria o falo o sujeito dessa teoria?

Como vimos, a norma fabrica sujeitos e produz, ao mesmo tempo, um território de ininteligibilidade. A questão a se colocar ênfase é a de que os corpos que não se produzem, que não são fabricados, constituem o "lado de fora" de alguma coisa (Butler, 1993). No tema deste artigo, convém pensar: o que a mulher que não existe faz existir? Lembro que, conforme Porchat (2007, p. 94), Butler "afirma que é pela voz do 'abjeto' que a reflexão sobre a produção do humano, as normas que o regulam e a possibilidade de transformação social se fará ouvir". O lado de fora, terra do abjeto, é sempre contingente a uma norma, isto é, ele é uma formação do discurso que o rejeita. Assim, o abjeto é um excluído paradoxal, porque ele é um produto do discurso, mesmo que não seja assimilado por esse. Provindo do seio mesmo da norma, o abjeto acaba ainda por contribuir para a sua construção: ao ser rejeitado, torna mais evidentes as bordas entre inteligível e ininteligível.

Segundo Butler (1993), a matriz que forma os sujeitos funciona por exclusão. Os corpos não existem, e, podemos pensar, tampouco os sujeitos, senão no seio de algumas normas existentes em esquemas complexos de gênero (Butler, 1993). Essa trama normativa produz o dispositivo da diferença sexual e os seus derivados, tais como o homem e a mulher. Essas categorias não existem isoladas, mas se constroem mutuamente.

Pensar a sexuação como um movimento de constituição mútua pode contribuir para compreender a mulher como habitante de um território de inexistência. Sua condição de (in)existência na psicanálise é a de ser abjeta do homem. Ela existe somente na posição de antípoda do sujeito inteligível. A mulher seria a categoria do resto. A exclusão dos elementos abjetos é constitutiva da subjetivação. O ato de tornar-se sujeito obriga a um rejeitar daquilo que não é "eu". Em relação a que a mulher seria rejeitada? Que norma poderia fabricar tal exclusão?

Por serem vistas como aquelas que não detêm o falo, muitas vezes, em Freud e Lacan, a mulher acaba igualada à castração anatômica e simbólica, uma ideia aterrorizadora para os sujeitos dentro do paradigma fálico. Consequentemente, a mulher vira abjeta. Ela é um rejeito, sobretudo, da norma do falo. Dessa forma, compreendemos que a categoria da mulher é uma formação discursiva (Foucault, 1969), uma inexistência ontológica que chamamos "a mulher". As percepções sobre ela na norma do falo psicanalítica desembocarão, necessariamente, em predicados conformes à sua condição abjeta.

Pensar o lugar que a mulher ocupa na psicanálise nos leva a refletir sobre a norma que sustenta o discurso psicanalítico, no qual a mulher é uma formação discursiva entre outras. Isto quer dizer que, como objeto de pesquisa e teorização, a mulher é fabricada. Sua conceitualização, como vimos, acabou por resultar frequentemente em uma essencialização a serviço de um discurso heteronormativo falo-privilegiante. Sugerimos pensá-la como uma formação discursiva (Foucault, 1969). Essas são objetos, temas, conceitos que atravessam diferentes domínios. Para compreender a sua origem, convém refletir quanto às condições que permitem a existência de um determinado discurso e as estratégias que o sustentam. A formação discursiva a mulher não é uma produção circunscrita ao discurso psicanalítico, ela provém também de diversos de outros domínios do conhecimento: jurídico, social, político, filosófico, médico etc.

Da mesma forma, não podemos ignorar o posicionamento epistemológico presente no enunciado sobre a inexistência da mulher (Lacan, 1975). Cabe atentar para não recair em uma artificial separação entre a teoria e o caráter político inerente a toda posição epistemológica, visto que a produção de conhecimento é sempre fruto do momento social, da inserção política e da subjetividade de seu autor. Parte-se do pressuposto de que não existe teoria apolítica, pois toda produção de conhecimento nasce no seio de complexas relações de poder, como bem explicado por Laqueur (1990).

A ideia da sexualidade feminina como passiva e vaginal é congruente com a noção do status a-ontológico das mulheres. A mulher como continente é o receptáculo dos conteúdos, uma estrutura flexível e vazia, que recebe os elementos do outro, afinal, a mulher que recebe o pênis é o continente para um órgão. Butler (1993) argumenta que a mulher vista como receptáculo não poderia ter estatuto ontológico. Segundo a autora, o que é da ordem do ser se constitui por formas, exatamente aquilo que a mulher vista como continente não pode ser. Como designar ou representar aquilo que existe enquanto negatividade? E, ainda, que espaço haveria para pensar a transexualidade ou a lesbiandade, por exemplo, nesses termos?

Se produzimos a mulher no discurso psicanalítico enquanto passiva e falo do homem, ela não pode existir, pois sua existência está condicionada aos conteúdos do Outro. Ela seria uma negatividade em si, no sentido da ausência mesma da presença da forma do ser. A ausência de forma própria não a permitiria existir enquanto categoria-sujeito. Podemos imaginar que não seria por acaso que a vagina é o órgão paradigmático da sexualidade feminina em Freud. Na realidade, trata-se de ver a mulher como o objeto da sexualidade ativa de outrem. A vagina como escolha teórica de paradigma mantém a formação discursiva "a mulher" nesse lugar de não existência e nega-lhe o acesso a representações que permitam pensar as mulheres como sujeitos para além da dialética da castração.

Se pensarmos apenas no filho da horda primitiva com as ferramentas da psicanálise, o ser mulher torna-se, de fato, ininteligível. Podemos pensar que, para que o falo se produza como sujeito da psicanálise, alguma coisa se cria como seu dejeto, seu subproduto rejeitado: a mulher. Ela, enquanto categoria, seria na psicanálise o resultado de um movimento de abjeção que forma os contornos do sujeito da psicanálise.

Eis o que se diria no pensamento lacaniano: o gozo por ela experimentado é da ordem de uma ex-istestência, jogo de palavras para sugerir uma existência externa. Elas são o Outro sexo. O caráter intolerável da mulher como sujeito condiciona sua existência, por fim, ao domínio do abjeto. Proponho que pensemos a abjeção da mulher face à norma fálica como um dos elementos fundadores da disciplina psicanalítica. Essa abjeção serviu para o delinear do próprio sujeito da psicanálise e, por fim, da teoria psicanalítica em si.

Reitero aqui que tal fenômeno teórico tem consequências clínicas. Não precisamos (nem devemos) negar tudo o que a psicanálise fez para uma escuta da histeria, por exemplo, e para o descolamento do conceito de histeria de uma base corporal generificada. É justamente porque a psicanálise é um método capaz de oferecer uma escuta singular e de verdadeiramente acolher o sintoma do sujeito que defendo que poderíamos oferecer uma escuta muito mais polissêmica a nossos pacientes. A impossibilidade, até o presente, de repensar essas bases epistemológicas acaba por deixar inúmeras formas de ser e estar no mundo sem representação.

Possivelmente, pensar em termos de dialética fálica afunilaria os sentidos passíveis de serem encontrados em uma análise, em vez de expandi-los. Nutrir o falo como elemento central para pensar o psiquismo nos obriga a falar sempre de um mesmo psiquismo: o do homem cisgênero heterossexual, paradigma restrito para pensar todas as formas de subjetivação. Abandonar o modelo de um sexo único faz-se necessário para podermos pensar paradigmas outros para a constituição psíquica.

 

Conclusão

Neste artigo, a partir da visão de sexo e gênero de Laqueur (1990), sustenta-se que a produção do sexo/gênero foi operada muitas vezes, em Freud e Lacan, a partir do modelo do sexo único. A lógica psicanalítica de se centrar em torno do falo a torna refratária a pensar formas diferentes de se tornar sujeito que não se circunscrevam ao ser/ter o falo, enquanto condição primordial do ser desejante. Pensando as relações de poder inerentes a toda produção de conhecimento, considera- se que o discurso psicanalítico confina as mulheres a um domínio de abjeção devido à sua resistência em pensar outras formas de ser sujeito que não sejam mediadas pelo falo.

Com o sujeito da psicanálise sendo o falo, a mulher, enquanto formação discursiva essencializada, seria obrigatoriamente excluída e abjeta. Por meio de um percurso teórico e crítico sobre a maneira como as mulheres foram vistas, pensadas e conceitualizadas na psicanálise, proponho que elas, na verdade, não o são, pois a única representação possível seria aquela do negativo do homem. A sua condição de existência é a de ser o outro sexo. Convém sublinhar que a mulher não é a única habitante desse território do excluído. A norma do falo produz diversas categorias abjetas, sendo a mulher apenas uma dentre outras formações abjetas.

O exercício do pensamento psicanalítico reside em sustentar certa pluralidade por meio do estabelecimento de construções teóricas que sejam capazes de movimento, de teorizações que desconstruam o instituído. Isto exige o abandono da ingênua tentativa de dessexualizar o falo (Gallop, 1988/2001), o que talvez só sirva ao propósito de manter a lógica que sempre imperou na psicanálise, uma que está em consonância com a heteronorma. A urgência da questão encontra-se na recusa de pensar que essa norma se aplique a todas as existências e formas de ser sujeito. O exercício psicanalítico em questão seria um subversivo repensar constante das normas que possamos estar colocando em prática, considerando outras subjetivações para além da norma fálica. Ademais, sugiro que acreditemos no esforço utópico de tentar pensar todas as formas de existência como válidas, apesar da eventual impossibilidade de concretizar esse objetivo.

Entendo que a psicanálise não é uma teoria dissociada das relações e estruturas de poder. Por essa razão, ela deve poder reconhecer sua natureza política e responsabilizar-se pelos efeitos de suas produções teóricas. Como qualquer outro campo de conhecimento, a psicanálise é parte de dispositivos. Ela reproduz, cria e reforça discursos e normas. Para manter-se capaz de escutar todo tipo de demanda clínica, e aqui me refiro, sobretudo, às questões de gênero, o campo psicanalítico precisa repor em movimento sua subversividade original (Ayouch, 2018). Acredito que sustentar um discurso de gênero tradicional na contemporaneidade impacta na forma como os analistas escutam seus pacientes, dificultando sua clínica e arriscando tornar invisíveis suas inúmeras contribuições teóricas.

O potencial da psicanálise para acolher e pensar todas as formas de existência sem reproduzir discursos estáticos e totalizantes é condição para sua perenidade. Isto não se produzirá sem o abandono pelos psicanalistas de algumas de suas concepções. Penso que isso não se iguala à perda da identidade da psicanálise, mas a um retorno às suas raízes. Acredito que isso lhe permitirá aumentar sua capacidade de escutar e acolher os abjetos da cultura dominante por meio do exercício de considerar todas as formas de ser como igualmente pensáveis.

 

Referências

Ayouch, T. (2018). Psychanalyse et hybridité: Genre, colonialité, subjectivations. Leuven: Leuven University Press.         [ Links ]

Beauvoir, S. (1986). Le deuxième sexe. Paris: Gallimard. (Originalmente publicado em 1949)        [ Links ]

Birman, J. (2001). Gramáticas do erotismo: A feminilidade e suas formas de subjetivação em psicanálise. Rio de Janeiro: Civilização brasileira.         [ Links ]

Bonaparte, M. (1961). La sexualidad de la mujer. Buenos Aires: Hormé         [ Links ].

Butler, J. (1990a). Fundamentos contingentes: O feminismo e a questão do "pós-modernismo". Cadernos Pagú, 11, 11-42.         [ Links ]

Butler, J. (1990b). Gender Trouble. New York: Routledge.         [ Links ]

Butler, J. (1993). Bodies that matter. New York: Routledge.         [ Links ]

Bruno, P., & Guillen, F. (2012). Phallus et fonction phallique chez Lacan. In P. Bruno & F. Guillen, Phallus et function phallique (pp. 37-53). Toulouse: Éditions Érès.         [ Links ]

Foucault, M. (1969). L'archéologie du savoir. Paris: Gallimard.         [ Links ]

Foucault, M. (1988). A história da sexualidade. Sao Paulo: Graal. (Originalmente publicado em 1976)        [ Links ]

Freud, S. (1976a). The three essays on the theory of sexuality. In J. Strachey (Ed), The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud (Vol. 7, pp. 123-246). London: Hogarth Press. (Originalmente publicado em 1905)        [ Links ]

Freud, S. (1976b). The Infantile Genital Organization (An Interpolation into the Theory of Sexuality). In J. Strachey (Ed), The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud (Vol. 19, pp. 139-146). London: Hogarth Press. (Originalmente publicado em 1923)        [ Links ]

Freud, S. (1976c). A questão da análise leiga. In J. Strachey (Ed.), Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. 20, pp. 203-293). Rio de Janeiro: Imago Editora. (Originalmente publicado em 1926)        [ Links ]

Freud, S. (1976d). Feminilidade. In J. Strachey (Ed.), Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. 22, pp. 139-16). Rio de Janeiro: Imago. (Originalmente publicado em 1933)        [ Links ]

Freud, S. (1976e). Analysis Terminable and Interminable. In J. Strachey (Ed.), The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud (Vol. 23, pp. 209-254). London: Hogarth Press. (Originalmente publicado em 1937)        [ Links ]

Freud, S. (2010). Sobre a sexualidade feminina. In S. Freud, Obras completas (Vol. 18, pp. 202-222). São Paulo: Companhia das Letras. (Originalmente publicado em 1931)        [ Links ]

Freud, S. (2011a). A dissolução do complexo de édipo. In S. Freud, Obras completas (Vol. 16, pp. 182-192). São Paulo: Companhia das Letras. (Originalmente publicado em 1924)        [ Links ]

Freud, S. (2011b). O problema econômico do masoquismo. In S. Freud, Obras completas (Vol. 16, pp. 165-181). São Paulo: Companhia das Letras. (Originalmente publicado em 1924)        [ Links ]

Freud, S. (2011c). Algumas consequências psíquicas da diferença anatômica entre os sexos. In S. Freud, Obras completas (Vol. 16, pp. 256-271). São Paulo: Companhia das Letras. (Originalmente publicado em 1925)        [ Links ]

Freud, S. (2012). Totem e Tabu. In S. Freud, Obras completas (Vol. 11, pp.13-244). São Paulo: Companhia das Letras. (Originalmente publicado em 1913)        [ Links ]

Freud, S. (2015). O mal-estar na cultura. Porto Alegre: L&PM. (Originalmente publicado em 1930)        [ Links ]

Freud, S. (2016). Estudos sobre a histeria. In S. Freud, Obras completas (Vol. 2). São Paulo: Companhia das letras, (Originalmente publicado em 1893-1895)        [ Links ]

Gallop, J. (2001). Além do falo. Cadernos Pagú, (16), 267-287. (Originalmente publicado em 1988)        [ Links ]

Horney, K. (1991). Psicologia feminina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. (Originalmente publicado em 1926)        [ Links ]

Jones, E. (1927). The early development of female sexuality. The International Journal of Psychoanalysis, 8(4), 459-472.         [ Links ]

Kristeva, J. (1980). Pouvoirs de l'horreur: Essai sur l'abjection. Paris: Editions du Seuil.         [ Links ]

Lacan, J. (1966). La signification du phallus. Ecrits. Paris: Editions du Seuil. (Originalmente publicado em 1958)        [ Links ]

Lacan, J. (1975). Le séminaire, livre 20: Encore (1972-1973). Paris: Editions du Seuil.         [ Links ]

Lacan, J. (2002). El seminário, libro 22: RSI (1974-1975). Buenos Aires: Escola Freudiana de Buenos Aires.         [ Links ]

Laqueur, T. (1990). Making sex: Body and gender from the greeks to Freud. Cambridge: Harvard University Press.         [ Links ]

Melman, C. (1986). A mulher não existe, leitura das fórmulas da sexuação. Che vuoi? 44-49.         [ Links ]

O'Connell, H., Eizenberg, N., Rahman, M., & Cleeve, J. (2008). The anatomy of the distal vagina: towards unity. The journal of sexual medicine, 5(8), 1883-1891. DOI: 10.1111/j.1743-6109.2008.00875.x        [ Links ]

O'Connell, H., Sanjeevan, K., & Hutson, J. (2005). Anatomy of the clitoris. Journal of urology, 174(4), 1189-1195. DOI: 10.1097/01.ju.0000173639.38898.cd        [ Links ]

Porchat, P. (2007). Gênero, psicanálise e Judith Butler - do transexualismo à política. Tese de doutorado, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo.         [ Links ]

Rubin, G. (1975). The Traffic in Women. Notes on the "Political Economy"of Sex. In R. Reiter (Org.), Toward an Anthropology of Women (pp. 157-210). New York: Monthly Review Press.         [ Links ]

Viviani, A. (2015). Considerações sobre o aforismo "A mulher não existe". In I. Kisil, I A. Santana & C. Katz, Leituras e leitores de Lacan em três aforismos (pp. 53-65). São Paulo: Intermeios.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Paula Gruman Martins
E-mail: paulagruman@gmail.com

Recebido em: 16/05/2020
Revisado em: 29/12/2020
Aceito em: 06/02/2021
Publicado online: 01/05/2021

 

 

1 Hoje, o clitóris é pensado como fonte principal de prazer no corpo da mulher. A literatura médica atual (O'Connell et al., 2005; 2008) o tem concebido como uma estrutura interna, muito maior do que se pensava previamente. O formato do corpo clitoridiano permite que abrace o canal vaginal, o que justificaria parte do prazer sexual na penetração. O orgasmo nas mulheres cisgênero - seja penetrativo, seja por estímulo na vulva - seria, afinal, clitoridiano

Creative Commons License