SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.21 issue2Considerations on Religious Fundamentalism from the Freudian Critique of ReligionGeorges Devereux: A Freudian Psychoanalyst? author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Revista Subjetividades

Print version ISSN 2359-0769On-line version ISSN 2359-0777

Rev. Subj. vol.21 no.2 Fortaleza May/Aug. 2021

http://dx.doi.org/10.5020/23590777.rs.v21i2.e10888 

ESTUDOS TEÓRICOS

 

No Início do Caminho Tinha Um Furo: Sujeito, Linguagem e Figuração do Real

 

At the Beginning of the Path, there was a Hole: Subject, Language, and Figuration of the Real

 

En el Inicio del Camino había un Orificio: Sujeto, Lenguaje y Figuración del Real

 

Au Début du Chemin il y avait un Trou : Sujet, langage et Figuration du Réel

 

 

Keylla BarbosaI; Thalita Camargo AngelucciII

IPsicóloga pela UFSCar, Especialista em Saúde Mental em Saúde Pública pela UNICAMP, Mestre em Linguística pela UNICAMP e doutoranda em Psicopatologia e Psicanálise pela Université de Paris
IIPsicóloga pela UFSCar (Brasil) e bolsista de doutorado em Ciências da Educação pela UNR (Argentina). Professora Adjunta no curso de graduação em Ciências da Educação. Membro do grupo de estudos "Línguas, cultura e educação" no IRICE-CONICET (Argentina)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente artigo visa discutir as concepções de sujeito, linguagem, discurso e figuração do real como estando intimamente ligadas e articuladas pela noção lacaniana de furo (trou). Apesar de essa última noção ser explicitada tardiamente dentro do ensino desse psicanalista, podemos encontrar outras indicações do que seria esse furo estrutural desde o início de suas elaborações. A partir do estabelecimento de uma hipótese sobre uma falta de ordem simbólico-estrutural no nível da linguagem, iremos aproximá-la ao conceito de ato discursivo proposto por Benveniste. Sabemos que esses dois autores - Benveniste e Lacan - travaram um extenso diálogo ao longo da construção de suas ideias. Porém, aqui, nosso objetivo será demonstrar como as concepções de linguagem e realidade desses autores nos levam, irremediavelmente, à seguinte hipótese: não é porque o mundo é dizível que a linguagem existe, mas, ao contrário, é a linguagem que torna o mundo indizível, pois nela própria está a impossibilidade de dizê-lo.

Palavras-chave: linguagem; furo; discurso; real; simbólico.


ABSTRACT

This article aims to discuss the conceptions of subject, language, discourse, and figuration of the real as being intimately linked and articulated by the Lacanian notion of the hole (trou). Although this last notion is explained later in the teaching of this psychoanalyst, we can find other indications of what this structural hole would be since the beginning of his elaborations. From the establishment of a hypothesis about a lack of symbolic-structural order at the level of language, we will bring it closer to the concept of discursive act proposed by Benveniste. We know that these two authors - Benveniste and Lacan - engaged in an extensive dialogue throughout the construction of their ideas. However, here, our objective will be to demonstrate how these authors' conceptions of language and reality irremediably lead us to the following hypothesis: it is not because the world is speakable that language exists, but, on the contrary, it is the language that makes the world unspeakable, for in it is the impossibility of saying it.

Keywords: language; hole; speech; real; symbolic.


RESUMEN

Este trabajo tiene el objetivo de discutir las concepciones de sujeto, lenguaje, discurso y figuración del estado real como estando íntimamente relacionadas y articuladas por la noción lacaniana de orificio (trou). Aunque esta última noción haya sido explicitada tardíamente dentro de la enseñanza de este psicoanalista, podemos encontrar otras indicaciones de lo que sería este orificio estructural desde el inicio de sus elaboraciones. A partir del establecimiento de una hipótesis sobre una falta de orden simbólico-estructural en el nivel del lenguaje, iremos acercarla al concepto de acto discursivo propuesto por Benveniste. Sabemos que estos dos autores - Benveniste y Lacan - hicieron un extenso diálogo a lo largo de la construcción de sus ideas. Sin embargo, aquí, nuestro objetivo será demostrar cómo las concepciones de lenguaje y realidad de estos autores nos llevan, sin remedio, a la hipótesis siguiente: no es porque el mundo es decible que el lenguaje existe, pero, al contrario, es el lenguaje que hace el mundo indecible, porque en el lenguaje está la imposibilidad de decirlo.

Palabras clave: lenguaje; orificio; discurso; real; simbólico.


RÉSUMÉ

Cet article vise à discuter les conceptions de sujet, de langage, de discours et de figuration du réel comme étant intimement liées et articulées par la notion lacanienne de trou. Bien que cette dernière notion soit expliquée plus loin dans l'enseignement de ce psychanalyste, on peut trouver d'autres indications de ce qui serait ce trou structurel depuis le début de ses élaborations. A partir de l'établissement d'une hypothèse sur un manque d'ordre symbolique-structural au niveau du langage, nous la rapprocherons du concept d'acte discursif proposé par Benveniste. On sait que ces deux auteurs - Benveniste et Lacan - ont engagé un long dialogue tout au long de la construction de leurs idées. Cependant, ici, notre objectif sera de montrer comment les conceptions du langage et de la réalité de ces auteurs nous conduisent irrémédiablement à l'hypothèse suivante : ce n'est pas parce que le monde est exprimable que le langage existe, mais, au contraire, c'est le langage qui fait le monde inexprimable, car l'impossibilité de le dire est trouvé chez le langage.

Mots-clés : langue ; trou ; discours ; réel ; symbolique.


 

 

Este artigo tem como propósito revisitar as concepções de sujeito, língua e linguagem a partir da psicanálise lacaniana e da linguística saussuriana, dando especial ênfase ao constructo de furo e aos efeitos da tomada desse termo como algo central para se pensar a subjetividade. Trata-se de um constructochave para compreender a configuração das subjetividades modernas, imbricadas com a ideia de mundo e ultramundo - formulação emprestada da literatura de Baricco (2019) -, realidade física e realidade virtual que, em definitivo, não são mais que a própria realidade. A partir de e com a linguística, ao longo de seu ensino, Lacan pôde ir até as últimas consequências de sua hipótese sobre a função da falta no campo da linguagem. Neste artigo, propomos, então, seguir esses desenvolvimentos e pensá-los com proposições linguísticas mais atuais. Cabe aclarar que nosso foco está posto sobre a discussão teórico-conceitual, lançando mão de exemplos paradigmáticos que auxiliem a construção coerente de nosso discurso.

Sabemos que Lacan, em sua releitura da obra freudiana, traz para a psicanálise diversas contribuições da linguística de Saussure. Entretanto os conceitos cunhados por Saussure, (1916/1977) e apresentados no livro Curso de Linguística Geral sofreram grandes mudanças ao serem transportados para a psicanálise por Lacan. No início do Curso, há um esforço de Saussure em delimitar a ciência linguística, atribuindo-lhe um método, uma tarefa e, principalmente, um objeto. Nesse caminho, o autor passa pela distinção entre língua e linguagem, de modo que cabe à linguística o estudo da língua, sendo esta seu objeto:

Mas o que é a língua? Para nós ela não se confunde com a linguagem; é somente uma parte determinada, essencial dela, indubitavelmente. É, ao mesmo tempo, um produto social da faculdade de linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos. (Saussure, 1916/1977, p. 17)

Ainda nesse percurso de definição da linguística, Saussure faz outra distinção importante. Assumindo a língua como objeto de estudo da linguística, é importante situá-la em relação à fala. Segundo consta no Curso, a relação entre língua e fala é da mesma ordem da relação entre aquilo que é social e o que é individual.

A língua é um sistema cujo elemento principal é o signo linguístico. Este se define a partir da conjunção de duas partes: o conceito, chamado por Saussure de significado, e a imagem acústica, entendida como uma espécie de representação psíquica dos fonemas e chamada de significante. Como o próprio nome manifesta, a imagem acústica se constitui sinestesicamente a partir dos sentidos da visão e da audição, sendo capaz de ser gravada na memória. Essa imagem do som do signo impressa na memória se associa a um conceito que, por sua vez, longe de ser uma imagem, relaciona-se com a construção do significado no pensamento. Para Saussure, então, significante e significado são como os dois lados de uma folha de papel, sendo essa relação arbitrária. Não há nada, nenhum tipo de força ou motivação, que garanta a união de um significado a um significante1. Além disso, no signo saussuriano, não há prevalência entre suas partes, ambas têm a mesma importância no interior do signo.

Lacan, ao trazer para a psicanálise as novidades da linguística, transforma vários de seus termos. Como psicanalista, ele deu mais ênfase à fala do que à língua. Isto ocorreu porque a psicanálise se constituiu por meio da escuta dos sujeitos e tem na fala sua maior fonte de desenvolvimento teórico. Somando-se a isso, a linguagem, como aquilo que é mais próprio ao homem, não será, de modo algum, desprezada pela psicanálise lacaniana; ao contrário, ela ganha um lugar de destaque como fundamento da estrutura. Assim, Lacan faz seu caminho em direção à primazia do significante a partir do estabelecimento do 'inconsciente estruturado como linguagem'. A ênfase na fala e na linguagem fez com que o conceito de signo se tornasse, em Lacan, bem diferente do modo como ele foi apresentado por Saussure. Em Lacan há uma nítida primazia do significante em relação ao significado. Privilegiar a fala e, por conseguinte, a escuta, fez Lacan notar que o significante tem um papel importante na constituição dos sujeitos, o que o levou à seguinte fórmula: "um significante é aquilo que representa o sujeito para outro significante" (Lacan, 1960/1998b, p. 833)2. Em outras palavras, o sujeito se constitui como efeito da articulação de significantes evocados no campo do Outro. Um sujeito não pode ser representado por um significante a não ser que o seja para outro significante. É uma forma de dizer que um signo ou um significante qualquer não pode dizer o que é o sujeito e, assim, fica posta a impossibilidade de um sujeito ser definido, explicado, subsumido em um único significante.

Continuando com o raciocínio, ao escutar um significante, não necessariamente escutamos o significado que o falante atribui a esse significante. Assim, além da primazia do significante, fica claro também o protagonismo do sujeito falante. Diferente do que está no Curso, em que significado e significante têm a mesma importância dentro do signo, na psicanálise lacaniana, o significante é mais fundamental, visto que é da sua articulação que surgem os significados3.

Seguindo a mesma lógica, a disposição dos elementos no interior do signo linguístico é outro ponto importante que marca uma diferença entre Saussure e Lacan. O algoritmo saussuriano que aparece no Curso para representar o signo coloca o conceito sobre a imagem acústica, ou seja, significado sobre significante:

 

Figura 1

 

Lacan inverte o algoritmo colocando o significante sobre o significado e ainda o escreve com letra maiúscula, marcando assim sua primazia:

 

 

Além disso, Lacan enfatiza a presença da barra, elevando-a a um grau máximo de importância, como aquilo que não apenas separa, mas também que faz barreira, marcando um impedimento nessa relação. Em "A instância da letra ou a razão desde Freud", Lacan (1957/1998a) afirma que o algoritmo que funda a linguística é o S/s, e mesmo que Saussure não o tenha escrito desse modo, o que importa nele é a distinção entre significante e significado através da barra, que opera uma resistência à significação e, ao mesmo tempo, possibilita a apreensão da função do significante no surgimento do significado.

Para Lacan, o significante é o sinal de uma ausência. Ele se coloca no lugar de algo que não se apresenta; é, portanto, um sinal que evoca a falta constitutiva da/na linguagem. Em si mesmo, o significante não significa nada e, quanto mais ele não significa nada, mais potente ele se torna, na medida em que se dispõe à rotação na cadeia significante. Essa articulação em cadeia com outros significantes tem como resultado os significados; portanto, como dissemos, é da relação de um significante com outro que surge o significado.

Todavia essa primeira teoria do significante, que encontramos no Lacan dos anos de 1950, que tende a um estruturalismo rigoroso de forte inspiração saussuriana, não permanecerá intacto ou imutável. Se há algo que marca o pensamento lacaniano, desde seu início até seu fim, é sua flexibilidade e constante atualização. Assim sendo, este artigo também atualiza a noção de barra proposta ao longo dos primeiros seminários. É verdade que, a partir de seu ápice - do Seminário 3 (1981) ao Seminário 5 (1957/1998a), mas sobretudo no artigo de 1957 intitulado "A instância da letra ou a razão desde Freud" - essa noção tende a desaparecer, lentamente, abrindo espaço para outras categorias que se impõem na ordem do dia. Talvez o primeiro deslocamento da barra em Lacan é a passagem de sua apreensão não como a separação entre significante e significado, mas sim como algo que explicita o limite e a incompletude do que ele chama de grande Outro: S(Ⱥ).

Grosso modo, o grande Outro em Lacan se refere ao que Saussure chamou de tesouro dos significantes: um lugar hipotético onde estariam todos os significantes existentes em uma dada língua à espera de serem escolhidos e colocados em uso pelos falantes. Pois bem, o matema do Outro barrado - comumente representado por Ⱥ - não é nada mais do que a ideia de que em toda língua falta algo, falta um significante, e se falta em todas as línguas, é porque ele é faltante na estrutura mesma da linguagem. E, partindo dessa lógica, qual é o significante faltante? Aquele que justamente seria capaz de dizer que significante, significado e referente formam uma unidade indivisível e coerente. Sendo o referente sempre real, ou seja, da ordem do impossível de ser apreendido pela linguagem ou, em termos freudianos, sendo o objeto distinto de sua representação, que é, por sua vez, distinta da palavra a qual pode ser ligada, o furo - lugar ontologicamente vazio de significante e de objeto - oriundo dessa relação é inevitável e nós somos, então, a ele confrontados. Barra [/], significante do Outro barrado [S(Ⱥ)], significante fálico [ɸ] e falo Imaginário (-φ) são apenas exemplos, tentativas de nomeação desse impossível. São, portanto, formulações dignas de nota a nos fazer lembrar que sempre faltará ao menos um significante ao Outro (A), sendo esse Outro marcado, desde sua origem, pela incompletude (Ⱥ). No ensino de Lacan, esse Outro passou, então, à condição de falta/furo constitutiva do sistema, da estrutura enquanto registro simbólico, em contraponto à língua dos linguistas modernos. Por corolário, sujeito ($) e causa-do-desejo (objeto a) teriam também suas origens a partir dessa falta/furo constitutivo do/no Outro.

É essa discussão teórica que, do ponto de vista da psicanálise, no seu entrecruzamento com a linguística, está por trás da impossibilidade de que um ser falante se faça compreender e compreenda o outro, completamente. Ora, podemos resumir esses pontos de impossível em uma só expressão: a incompletude do simbólico (Le Gaufey, 1991). De todo ato de fala haverá um resto, um indizível, um impossível de se transmitir pela via da palavra. É o que justifica também, em uma tradução qualquer, que haja sempre, a partir da ideia original, algo impossível de ser transmitido. O tema dos limites da tradução foi bastante trabalhado pelo filósofo Jacques Derrida e, na sua esteira, pela também filósofa e psicanalista Barbara Cassin. Para Derrida, o tradutor carrega uma responsabilidade ao mesmo tempo bela e terrificante que o coloca em uma posição de devedor, de portador de uma dívida insolvável. Segundo o autor:

(...) toda tradução implica este endividamento insolvável e este juramento de fidelidade para com um original dado - com todos os paradoxos de uma tal lei e de um tal engajamento, deste vínculo e deste contrato, desse engajamento aliás impossível e dissimétrico, transferencial e contra-transferencial, como um juramento condenado à traição e ao falso testemunho. (Derrida, 1998/2005, p. 566)4

Cassin (2016), por sua vez, cunha a ideia de intraduzíveis, não como aquilo que não pode ser traduzido, mas como aquilo que "não cessa de - não - ser traduzido" (p. 24)5.

Nesse momento, é importante fazer um rápido retorno a Freud a fim de lembrarmos que esses avanços teóricos pautados na questão da falta e do impossível não são uma completa novidade inventada por Lacan e seus colegas filósofos. Em Freud podemos encontrar essa questão dissolvida em duas ideias principais: recalque originário e umbigo do sonho.

No que concerne ao umbigo do sonho, o que está em jogo é a mesma impossibilidade, nesse caso, de interpretação. Interpretar um sonho ao esgotamento é da ordem do impossível; por mais que se trabalhe, exaustivamente, no sentido da interpretação, existe um limite, um indecifrável. É isto que Freud chama de umbigo do sonho, um nó - que contém um furo - central, de onde parte todo o trabalho onírico. Já o recalque originário é aquele que funda o inconsciente, que inaugura do ponto de vista tópico uma nova dinâmica e economia pulsional. Ele será o ponto de convergência de todas as representações que, posteriormente, serão negadas pelo consciente, devido a seu caráter de trauma, ou seja, de algo que pode causar uma instabilidade insuportável no aparelho psíquico. Dada a densidade desse recalque originário, ele opera atraindo em sua direção outras representações problemáticas, tal qual um buraco negro na teoria astrofísica. Assim, podemos ainda dizer que o recalque originário é consequência do furo, do furo da linguagem. Nas palavras de Lacan: "A fim de não me prolongar, vou me contentar em dar um nome para isso que chamo com Freud de Urverdrängt [recalque originário], o que, em suma é um modo de nomear o furo" (Lacan, 1976, p. 267)6. Por sua incompletude, a linguagem traumatiza na medida em que ela não consegue recobrir completamente a vida do ser falante. Isso explica o neologismo proposto por Lacan de troumatisme, o trou - furo em francês - que está na origem do trauma.

Outra faceta desse furo, dessa falta, desse impossível de simbolização é o que diz o aforisma "não há relação sexual"7. Não há unidade possível, não há relação de dois que possa fazer o um. Não há significante que possa significar a coisa; o das ding freudiano encontra aqui uma de suas expressões. A sexualidade do ser falante - do falasser - enquanto produto atravessado pela linguagem faz furo, não pode ser significada por completo: "Uma língua entre outras não é nada além da integral dos equívocos que sua história deixou persistir nela. E o veio em que o real - o único, para o discurso analítico, a motivar seu resultado, o real de que não existe relação sexual - se depositou ao longo das eras" (Lacan, 1973/2003, p. 492).

No curso de seu ensinamento em direção à topologia, já em meados dos anos de 1970, Lacan introduzirá o nó borromeano, que convergirá releituras de diferentes noções propostas anteriormente. Grosso modo, podemos dividir o ensino de Lacan em duas grandes partes: se o Lacan profundamente estruturalista dos anos de 1950 se apoiava na noção de cadeia significante como modelo para a articulação do simbólico, o Lacan dos anos de 1970 vai se apoiar na topologia dos nós, especialmente no nó borromeano como um modo de fazer a mostração de suas formulações teóricas. Lacan toma conhecimento da existência dessa figura por acaso em um de seus cursos e ela lhe cairá "como um anel no dedo" (Lacan, 1974-75, inédito)8. Ele então se apoiará nela para seguir suas pesquisas. Esse nó inclui não apenas o Simbólico, mas também o Imaginário e o Real no mesmo pé de igualdade; os três registros terão a mesma importância e nenhum pode garantir sua existência sem os outros dois. É isto que o nó apresenta: uma tripla e necessária união enlaçando três aros de maneira tal que se quebramos um deles, os outros dois também ficam livres. Podemos dizer que se trata de um arranjo de três furos que tem por função apresentar o modo como se articulam Real, Simbólico e Imaginário (RSI). A propriedade mais fundamental desse nó é que ele, ao enodar RSI, produz um furo no interior de sua intersecção. Esse lugar central será ocupado pelo conhecido objeto a, objeto causa de desejo, desejo que foi caracterizado, já nos anos de 1950, como falta. O furo real no simbólico ganha aqui também uma dimensão imaginária. Todos os três registros da realidade psíquica, RSI, se sustentam na falta, a qual se torna central na medida em que eles, ao redor dela, se articulam e se enodam.

 

 

Enfim, o que nós, seres falantes, tentamos fazer é sempre encobrir o furo da linguagem - furo real no Simbólico. O sujeito é, ele mesmo, o enunciador originário que cria, ao falar, esse furo que não é anterior à linguagem, mas nasce ao mesmo tempo em que ela. A linguagem tem, então, um ponto de impossível que lhe é originário. Ela não cessa de escrever o que nela não cessa de não se escrever, o que está de acordo com as elaborações de Lacan no Seminário 21 (1973-74), no qual ele afirma que o impossível é o que não cessa de não se escrever.

Como um exemplo dessa impossibilidade de tudo significar, temos o trabalho de Louis Wolfson (1970). publicado no livro Le schizo et les langues, em que o autor, desde seu lugar de estudante de línguas esquizofrênico, como ele mesmo se intitula, dedica-se a um árduo e longo trabalho linguístico. Nesse livro, Wolfson apresenta os resultados de seu método de tradução por meio do qual as palavras e frases devem ser traduzidas a partir de determinadas regras colocadas por ele. Essas regras deveriam incluir, necessariamente, além do sentido - como é de costume em qualquer tradução - também o som, os fonemas. Wolfson levou Saussure demasiado a sério e, nessa empreitada de supervalorização dos elementos do signo linguístico, Wolfson desconsiderou a barra.

Aproximando em paralelos linguísticos, significados e significantes, Wolfson tentava chegar ao mais próximo da melhor tradução possível, segundo as exigências de seu método. Igualar ou aproximar sentidos e sons seria colocar dois signos em plena relação, na qual um remete ao outro quase que sem barreiras, em uma relação de necessidade e determinação. Porém, na operação mesma desse método, o autor constata uma disparidade, um verdadeiro fosso entre a palavra a converter e a palavra para a qual ela seria convertida, fosso vivido pelo autor como patogênico9. De um lado, o fosso entre duas palavras colocadas em relação a partir de suas semelhanças; de outro, a aparente totalidade, um fundo comum constituído por todas as línguas que nada pode garantir. Sendo a tradução uma operação a ser feita a partir de uma decomposição fonética e de sentido, é como se ela devesse ser feita não a partir da palavra original, mas sim de uma massa que reuniria todas as línguas em oposição a sua língua materna.

Aqui, a língua materna de Wolfson, o inglês, assume uma posição fundamental. Ela deve desaparecer, subsumir-se nas outras línguas: "a linguística, como assassinato ritual e expiatório da língua materna" (Deleuze no prefácio de Wolfson, 1970, p. 11).10

É nesse sentido que, ao se referir à psicanálise enquanto prática, Lacan dirá que "elaborar o inconsciente, como fazemos em análise, não é nada mais do que produzir este furo" (Lacan, 1979-80, s/p).11 Isto não quer dizer que o furo já não estava lá ou que ele não existisse. Produzir o furo é encontrá-lo, reconhecê-lo, delimitá-lo. Assim, o sujeito pode viver ao circular sua borda, sem ser atraído para seu interior, onde não há nem apelo, nem recurso possível. Costumamos pensar que a psicanálise tem a função de ajudar os sujeitos a produzir sentido para suas angústias, seus dilemas e seus impasses, mas o que ela faz é o contrário, ela os "convoca" a saber fa-ser com o furo, em torno do qual erramos. O que denominamos, aqui, de fa-ser é a contração do neologismo lacaniano falasser - ser de linguagem - com o que, numa análise, é da ordem do saber fazer com o furo.12

Se uma das versões da história do mundo e da humanidade, aquela da tradição judaico-cristã, começa em Gênesis, primeiro livro da Bíblia, com um fiat lux - "que se faça a luz" - proclamado pelo criador, aqui, depois de todas essas articulações, pedimos licença para, seguindo Lacan, proclamar fiat trou que se faça o furo. Assim começa a era do falasser: "Parte-se da ideia de furo não para dizer 'fiat lux', mas 'fiat furo', e pensem que Freud, inaugurando a ideia de inconsciente, não fez nada mais do que isso. Ele afirmou, desde o princípio, que havia alguma coisa que fazia furo (...)". (Lacan, 1976, p. 266).13 A partir de uma bejahung do fiat trou - é preciso dizer "sim", introduzi-lo. Desse ponto de vista, o fiat lux é da ordem do impossível, posto que o simbólico não preexiste ao real; a possibilidade da existência da fala não é anterior ao real da coisa. Pensar a criação em uma ordem de antes e depois nos leva, obrigatoriamente, a uma tautologia, ou seja, luz enquanto palavra, enquanto simbólico, não pode existir antes da luz enquanto coisa. Do mesmo modo, a materialidade da luz não pode existir antes da palavra ou da ideia de luz. Isso remete analogicamente à ideia de que pensamos luz e falamos matéria: não cabe e jamais caberá tudo na palavra. Se não há simbólico, não pode haver real, assim como não pode haver imaginário para tentar suprir essa falta. Do mesmo modo, o real não está em algum lugar à espera de ser simbolizado; o real, dirá Lacan, ex-siste; ele não tem por si só nem existência, nem consistência. Não é porque o mundo é (in)dizível que a linguagem existe, mas, ao contrário, é a linguagem que torna o mundo indizível.

 

Furo e Discurso: Tangentes Possíveis

Como vínhamos dizendo, partimos do pressuposto de que o ser humano é um animal simbólico; o indivíduo da espécie torna-se sujeito na medida em que faz da natureza cultura ou, melhor dizendo, na medida em que a cultura - e, consequentemente, a linguagem - é a sua natureza. Em outras palavras, o ser humano se constitui como sujeito na e pela linguagem que, como vimos, não é completa e, portanto, não pode apreender o real na medida em que é com ela que ele surge.

Para avançar nessas reflexões, remetemo-nos brevemente à aquisição de uma primeira língua. No transcurso dos primeiros anos de vida, o ser humano vai ampliando seu léxico e complexificando suas produções sintáticas com o profundo desejo de conquistar - em sua fantasia - o mundo físico e simbólico a seu redor. Nomear novos objetos se traduz em autonomia física e social, no entanto reduz o real tridimensional do mundo a pequenas sequências bidimensionais. Além disso, as palavras, desde suas primeiras aparições na vida de uma pessoa, ao mesmo tempo que são de ordem fundamentalmente social, estão também impregnadas de subjetividade, memórias, marcas psíquicas singulares. As primeiras palavras servem aos sujeitos, então, como representação do real empírico. No entanto, como vimos, essa representação não passa de uma tentativa de. Trata-se de uma ficção eficaz e fundamental dada a necessidade vital do compartilhamento social. Pode-se, então, especificar essa ficção como uma figuração do real, ou seja, um processo de recorte do todo e o uso desse recorte no lugar do todo. Ocorre uma permanente ficcionalização metonímica do mundo e das relações - sempre bordeando o furo - como condição sine qua non do convívio social.

Para esse fim, é pertinente citar Revuz (1992/1998) quando afirma que as primeiras palavras de um indivíduo em processo de aquisição da linguagem não são apenas dotadas de significados linguísticos, mas também de significados libidinais inscritos nelas e inseparáveis da experiência do relacionamento com o outro: "Não há uma palavra que não seja, a um só tempo, designação de um conceito e discurso sobre o valor atribuído a esse conceito pelo ambiente. Esse sistema de valores impregna completamente o sistema linguístico." (p. 219). Desse modo, a experiência discursiva individual é desenvolvida em uma interação constante com as declarações externas sociais.

Nesse ínterim, lançamos mão da preocupação de Benveniste (1966/2015) não só com a forma linguística, mas também com a função da linguagem. Segundo o autor, a língua reproduz a realidade, no sentido em que a realidade é produzida de novo por meio da linguagem. Nesses termos, o falante faz renascer no seu discurso certo acontecimento ou experiência, no entanto seu interlocutor capta primeiro o discurso, e somente através dele acessa o acontecimento reproduzido. Ora, como defendeu Lacan, o sujeito se constitui no significante e pelo significante, o que nos faz pensar que todo falante foi antes ouvinte. Nesse ponto, remetemos a dois fatos interessantes:

Em primeiro lugar, podemos dizer que os ouvidos têm a especificidade de ser o único orifício de nosso corpo impossível de se fechar, o que nos leva a olhar com especial interesse para o sentido da audição, o primeiro dos cinco sentidos que se desenvolve no feto humano e que se relaciona com a função da escuta. Como já observamos em outra oportunidade (Angelucci, 2017), existimos como discurso antes de existir como corpo e, assim, não escolhemos a língua que somos. Como afirmou Derrida (1996/2012), não se fala nunca uma única língua, ao mesmo tempo em que não temos mais que uma língua e essa língua não é a nossa.

Em segundo lugar, se considerarmos que todo falante foi antes ouvinte - e falado -, surge uma questão radical: o mito do primeiro ser humano que interrompeu o silêncio do universo; ora, não existe tal Adão da língua. Junto com Bajtín (2002, p. 258), entendemos que "todo falante é, por excelência, um contestatário"14. Advertimos que o ouvinte saussuriano que compreendia passivamente dá lugar ao ouvinte-falante bajtiniano cuja compreensão é sempre ativa e prenhe de resposta. Por essas e outras razões, que extrapolam o alcance deste artigo, Bajtín critica a proposta do Curso de que a fala é fruto de decisões individuais e livres. Finalmente, agregamos que o ser falante atualiza o discurso no acontecimento cada vez que toma a palavra.

No amplo campo das Ciências Humanas, já ouvimos a anedota atribuída a Heráclito de que ninguém se banha duas vezes no mesmo rio. É também disso que estamos tratando aqui. Desde um ponto de vista didático, surpreendemos o ato discursivo em sua dupla função: reproduzir/representar o mundo (desde a perspectiva do falante) e recriar o mundo representado nas palavras do falante (desde a perspectiva do ouvinte). Essa dupla função do ato discursivo é uma das razões nas que se baseia Benveniste (1966/2015) para afirmar que a comunicação é intersubjetiva, já que introduz falante e ouvinte em um processo de representação-recriação da realidade. Vale acrescentar que tal realidade é da ordem do real, posto que não pode ser apreendida além da representação e da recriação. Como mencionamos anteriormente, a linguagem submete a realidade à sua própria organização. A realidade é na medida em que é palavra.

Agora voltamos à questão do signo saussuriano apresentado no início do texto. É Benveniste quem discute o uso ampliado que se faz do conceito de que o signo linguístico é arbitrário, ou seja, de que a união entre significado e significante é arbitrária. Benveniste aponta que o mestre genebrino esquiva de suas conjecturas a relação com a coisa em si, ou seja, com o referente. Ora, se significante e significado estão unidos no signo, como afirma Saussure, como as duas caras de uma mesma moeda, esses termos funcionam em relação de necessidade e não de arbitrariedade. Entretanto o que se dá de forma arbitrária é o vínculo entre o signo em si e sua materialidade no mundo, a qual, por consequência, não intervém na constituição mesma do signo. O pensamento não funciona como reflexo do mundo (no sentido de espelho), já que categoriza a realidade e, por isso, recorta e cria a mesma. De acordo com Benveniste (1966/2015, p. 27), sente-se "(...) o poder fundador da linguagem, que instaura uma realidade imaginária, anima as coisas inertes, faz ver o que ainda não é, devolve o desaparecido."15.

Como argumentamos, o real se erige no que é dito. Daí se depreende que, para compreender o mundo, é fundamental compreender os discursos que o inauguram e sustentam. Angenot (2010) se detém sobre esse tema e afirma que o dizível é o que se permite dizer em determinado espaço e tempo. Em linhas gerais, o autor define o discurso social como tudo o que se diz e se escreve em um dado estado de sociedade. Precisamente: "(...) os sistemas genéricos, os repertórios tópicos, as regras de encadeamento de enunciados que, em uma sociedade dada, organizam o dizível - o narrável e opinável - e asseguram a divisão do trabalho discursivo."16 (Angenot, 2010, p. 21, itálicos do autor). Trata-se de um sistema regulador global que tem o monopólio da representação da realidade e cuja natureza não se oferece imediatamente à observação.

A esse propósito, é importante destacar a perspectiva crítica de Angenot (2010), que assume a presença de uma inteligibilidade funcional à manutenção do status quo. Essa inteligibilidade permite ler o que permitido é. Em outras palavras, existe um tom que monossemiza a heterogeneidade discursiva, considerada inerente ao discurso. Em consequência, existe uma relação intrínseca entre conteúdo e forma, entre o que se diz e o modo adequado de dizê-lo.

De fato, existem discursos cuja forma aprisiona de tal modo que a atenção do interlocutor que se podem absorver traços da ideologia invocada sem sequer dar-se conta plenamente do conteúdo que é transmitido. Aqui retomamos a discussão de Lacan sobre a supremacia do significante por sobre o significado. Pensando no discurso político de um líder populista, a articulação significante em sua cadeia discursiva pode impregnar de tal modo a atenção do público que se chega a advertir um discurso ideológico de esquerda ou de direita, por exemplo, sem que o conteúdo inteligível manifestado (os significados) seja interpretado pelos interlocutores de uma maneira diferente da esperada.

Por fim, é mister pontuar que, indefectivelmente, toda linguagem é ideológica, tudo o que significa se faz signo na ideologia (Bajtín & Voloshínov, 1998). Desde a perspectiva do materialismo histórico dialético, a ideologia é concebida como um conjunto de proposições que explicam o funcionamento social de forma tal que o que é interesse de uma classe aparenta ser de interesse coletivo. Isto só é possível porque o que não se diz se completa com o que é sugerido pelo que, sim, se diz. No complexo conceito de ideologia, resgatamos o funcionamento de um discurso lacunar (Althusser, 1973), ou seja, um conjunto de proposições, entendidas como não falsas, que sugerem uma série de outras que, sim, o são, mas que não estão explicitamente incorporadas. Dito de outro modo, não só não se diz tudo, senão também, tudo o que se diz se erige sobre o que não se diz.

Junto à Angenot (2010), reiteramos que, em uma sociedade, os discursos se unem em um discurso social que demarca o dizível global mais além do qual só se pode chegar anacronicamente. Nesse sentido, quando se diz algo novo é porque, justamente, estão dadas novas condições que demarcam a possibilidade de que, agora sim, isto pode ser dito. A noção de discurso lacunar conflui com a de furo na linguagem, que vimos tratando. Com isto, propomos a seguinte atualização do enunciado "tudo o que significa se faz signo na ideologia": tudo o que significa se faz signo a partir do furo.

Em relação ao que pode ou não ser dito dentro de uma determinada cultura ou sociedade e em uma determinada época, podemos ainda acrescentar as limitações próprias de cada língua, mas não apenas. Somando-se a isto, é ainda mais fundamental deixar claro que essas limitações não são apenas de ordem sociocultural, mas, principalmente, elas são fruto de uma impossibilidade estrutural, ou seja, de uma falta elementar na natureza mesma da linguagem. É nesse sentido que Lacan trabalhará com a noção de verdade como algo que só pode ser semi-dito, ou seja, a questão não é a possibilidade de haver muitas verdades distintas, mas a prerrogativa de que não há nenhuma, ao menos nenhuma que seja inteira, completa. Só assim podemos dizer que uma ideologia é uma verdade semi-dita.

 

Considerações Finais

No desenvolvimento deste artigo, argumentamos em favor da não transparência da linguagem, de sua incapacidade de captar o todo e da centralidade não do furo, mas do contorno do furo no processo de tratamento psicanalítico. Apesar dos argumentos sólidos que se sustentam em fatos concretos da vida cotidiana que denunciam dia após dia a falta constitutiva da linguagem que não pode dizer tudo, ou seja, apesar dos inegáveis desentendimentos que transitamos permanentemente em nossa vida cotidiana, continuamos deparando-nos com setores sociais interessados em apresentar a linguagem desde uma transparência arrogante. Queremos chamar a atenção ao fato de que essa discussão não está fechada. Continua em tensão a disputa política entre a transparência e a opacidade da linguagem, que marca pontos de vista menos ou mais críticos.

O avanço vertiginoso dos meios massivos de comunicação, que agora estão incrustados em mini ecrãs dentro dos bolsos das nossas calças, nos alarma e convoca a continuar este debate. Se buscarmos nos recantos mais remotos dos escritos antigos, encontraremos essas estratégias lacunares de bordeamento do furo com o único interesse de empurrar-nos buraco adentro. Mas agora, caros colegas, temos nas mãos - nas pontas dos dedos - esses desenvolvimentos conceituais que nos impulsionam a assumir o compromisso de divulgar e, sobretudo, revisitar, a partir de novos olhares, essas velhas questões.

Como dissemos acima, entendemos a impossibilidade própria da linguagem -enquanto significante que falta ao Outro - como algo que é fundamentalmente colocado em obra pelo discurso. Assim, a pressuposição desse indizível se torna tanto um instrumento de análise quanto uma forma de resistência que nos libera de um fatal destino de aprisionamento ao discurso do Outro. Para que esse monolinguismo não possa, nunca, nem nos definir, nem nos possuir, é necessário um questionamento da língua no que ela diz e no que ela esconde. Esse não dito, esse não significável, esse incompreensível, essa barreira ou essa não relação que é, sem nenhuma dúvida, causa de angústia e sofrimento, pode - ao ser levada em consideração como algo do qual não podemos escapar - ser ou vir-a-ser ferramenta de ordem política contra a alienação e o totalitarismo, por exemplo, e ferramenta de ordem subjetiva, visto que incluir a falta é incluir o desejo em prol de uma política dos afetos (Safatle, 2016).

Esse campo em tensão influencia, como citamos, a produção e interpretação dos discursos hegemônicos e, além disso, repercute no campo das quatro paredes dos consultórios e das escolas. Findamos então nosso aporte propondo a desnaturalização, desconstrução e dissecação do trivial em prol de apreendê-lo crítica e analiticamente a partir da função do furo em todo e qualquer discurso.

 

Referências

Althusser, L. (1973). Du Capital à la philosophie de Marx. In L. Althusser & E. Balibar, Lire le Capital (pp. 9-86). Paris: PUF.         [ Links ]

Angelucci, T. C. (2017). La lengua materna en la lengua extranjera: Un arma de doble filo. In G. Cariello, G. Ortiz, J. Miranda, D. Bussola, F. Miranda (comp.). Tramos y Tramas IV: culturas, lenguas, literaturas e interdisciplina, estudios comparados (pp. 167-174). Rosario: Laborde Editora.         [ Links ]

Angenot, M. (2010). El discurso social: Problemática de conjunto. In M. Angenot, El discurso social. Los límites históricos de lo pensable y lo decible (H. H. García, Trad., pp. 21-50). Buenos Aires: Siglo Veintiuno Editores.         [ Links ]

Bajtín, M. M. (2002). El problema de los géneros discursivos. In M. M. Bajtín, Estética de la creación verbal (pp. 248-293). Argentina: Siglo Veintiuno Editores.         [ Links ]

Bajtín, M. M., & Voloshínov, V. (1998). La construcción de la enunciación. In M. M. Bajtín, V. Voloshinov, ¿Qué es el lenguaje? La construcción de la enunciación. Ensayo sobre Freud (pp. 43-78). Buenos Aires: Almagesto.         [ Links ]

Baricco, A. (2019). The Game. Barcelona: Anagrama.         [ Links ]

Benveniste, E. (2015). Problemas de lingüística general I. México: Siglo Veintiuno Editores. (Originalmente publicado em 1966)        [ Links ]

Cassin, B. (2016). Éloge de la traduction: Compliquer l'universel. Paris: Fayard.         [ Links ]

Derrida, J. (2005). Qu'est-ce qu'une traduction 'relevante' ? In J. Derrida, Cahiers de l'Herne (pp. 561-576). Paris: L'Herne. (Originalmente publicado em 1998)        [ Links ]

Derrida, J. (2012). El monolingüismo del otro, o la prótesis de origen. Buenos Aires: Manantial. (Originalmente publicado em 1996)        [ Links ]

Frege, G. (1978). Sobre o sentido e a referência. In G. Frege, Lógica e Filosofia da Linguagem (pp. 59-86). São Paulo: Cultrix/USP. (Originalmente publicado em 1892)        [ Links ]

Lacan, J. (1966-67). Le Séminaire, Livre XIV: La logique du Fantasme. Inédito.         [ Links ]

Lacan, J. (1973-74). Le Séminaire, Livre XXI: Les non dupes errent. Inédito.         [ Links ]

Lacan, J. (1974-75). Le Séminaire, Livre XX : RSI. Inédito.         [ Links ]

Lacan, J. (1976). Clôture des journées des cartels de de l'École freudienne de Paris - EFP le 13 avril 75. Maison de la chimie. Lettre de l'École freudienne. Paris, 18, 263-270. Link        [ Links ]

Lacan, J. (1976-77). Le Séminaire, Livre XXIV: L' insu que sait de l' une-bévue s 'aile à mourre. Link        [ Links ]

Lacan, J. (1979-80). Lettre pour la Cause freudienne du 23 octobre 1980. In J. Lacan, Le Séminaire, Livre XXVII: Dissolution. Inédito.         [ Links ]

Lacan, J. (1981). Le Séminaire, Livre III: Les psychoses (1955-56). Paris: Seuil.         [ Links ]

Lacan, J. (1998a). Le Séminaire, Livre V: Les formations de l'inconscient (1957). Paris: Seuil.         [ Links ]

Lacan, J. (1998b). Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano. In J. Lacan, Escritos. Rio de Janeiro: Zahar. (Originalmente pronunciado em 1960)        [ Links ]

Lacan, J. (2003). O aturdito. In J. Lacan, Outros escritos (pp. 448-495, Vera Ribeiro, Trad.). Rio de Janeiro: Jorge Zahar. (Originalmente publicado em 1973)        [ Links ]

Le Gaufey, G. (1991). L'incomplétude du Symbolique: De René Descartes à Jacques Lacan. Paris: EPEL.         [ Links ]

Revuz, C. (1998). A língua estrangeira entre o desejo de um outro lugar e o risco do exílio. In I. Signorini, Língua(gem) e identidade: elementos para uma discussão no campo aplicado (S. Serrani-Infante, Trad., pp. 213-230). Campinas: Mercado das Letras. (Originalmente publicado em 1992)        [ Links ]

Safatle, V. (2016). O circuito dos afetos. São Paulo: Autêntica.         [ Links ]

Saussure, F. (1977). Curso de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix. (Originalmente publicado em 1916)        [ Links ]

Wolfson, L. (1970). Le schizo et les langues. Paris: Gallimard.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Keylla Barbosa
E-mail: keyllafbarbosa@gmail.com

Thalita Camargo Angelucci
E-mail: angelucci@irice-conicet.gov.ar

Recebido em: 04/05/2020
Revisado em: 12/03/2021
Aceito em: 01/04/2021
Publicado online: 15/09/2021

 

 

1 A crítica de Benveniste à base dessa arbitrariedade será abordada mais adiante.
2 Para a formulação desta máxima, Lacan se serviu da já conhecida definição de signo de Charles Sanders Peirce, na qual o signo representa algo para alguém. Assim, Lacan mantém a estrutura da definição de Peirce, mas muda os elementos da frase para trazer à cena sua noção de sujeito como consequência do significante.
3 Devido aos limites deste texto, não ampliaremos a discussão sobre os sentidos e a significação. Para isto, ver, por exemplo, Frege (1892/1978).
4 Tradução nossa. No original: "toute traduction implique cet endettement insolvable et ce serment de fidélité envers un original donné - avec tous les paradoxes d'une telle loi et d'un tel engagement, de ce lien (bond) et de ce contrat, de cet engagement d'ailleurs impossible et dissymétrique, transférentiel et contre-transférentiel, comme un serment voué à la trahison et au parjure."
5 Tradução nossa. No original: "ce qu'on ne cesse pas (de ne pas) traduire".
6 Tradução nossa. No original: "j'essaye de me réduire à ne nommer que ce que j'appelle avec Freud l'Urverdrängt, ce qui se résume en somme à nommer le trou."
7 A tese da impossibilidade da relação sexual foi introduzida por Lacan no Seminário 14, A Lógica do Fantasma (1966-67) ainda sem publicação.
8 Uma das representações mais antigas deste nó se encontra no brasão da família italiana Borromeo como forma de representar a forte união desta com outras duas famílias.
9 Recuperamos essa visão de Gilles Deleuze presente no prefácio de sua autoria na publicação do livro de Wolfson.
10 Tradução nossa. No original: "La linguistique, comme meurtre rituel et propitiatoire de la langue maternelle".
11 Tradução nossa. No original: "Élaborer l'inconscient, comme il se fait dans l'analyse, n'est rien qu'y produire ce trou".
12 Este jogo de palavras também remete à expressão em francês: "Savoir y faire" (Lacan, 1976-77, inédito).
13 Tradução nossa. No original: "C'est partir de l'idée du trou, c'est dire non pas « fiat lux » mais « fiat trou », et pensez que Freud, en avançant l'idée de l'inconscient, n'a pas fait plus. Il a dit très tôt qu'il y a quelque chose qui fait trou (...)".
14 Tradução nossa. No original: "todo hablante es de por sí un contestatario, en mayor o menor medida".
15 Tradução nossa. No original: "(...) el poder fundador del lenguaje, que instaura una realidad imaginaria, anima las cosas inertes, hace ver lo que aún no es, devuelve aquí lo desaparecido."
16 Tradução nossa. No original: "(...) los sistemas genéricos, los repertorios tópicos, las reglas de encadenamiento de enunciados que, en una sociedad dada, organizan lo decible -lo narrable y opinable- y aseguran la división del trabajo discursivo."

Creative Commons License