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Revista Subjetividades

versão impressa ISSN 2359-0769versão On-line ISSN 2359-0777

Rev. Subj. vol.21 no.2 Fortaleza maio/ago. 2021

http://dx.doi.org/10.5020/23590777.rs.v21i2.e11466 

ESTUDOS TEÓRICOS

 

Clínica da Pharresía: Possibilidades de Cuidado na Atenção Primária em Saúde

 

Clinic of Parrhesia: Possibilities of Care in Primary Health Care

 

Clínica de la Pharresía: Posibilidades de Cuidado e la Atención Primaria en Salud

 

Clinique de la Pharresia : Options de Soins de Santés Primaires

 

 

Fernanda Carlise MattioniI; Cristianne Maria Famer RochaII; Luiz Felipe ZagoIII

IDoutoranda em Enfermagem do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFRGS e Mestre em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz. Enfermeira do Grupo Hospitalar Conceição e Tutora da Escola de Saúde Pública do RS, SES/RS
IIDoutora e Mestre em Educação pela UFRGS. Atua junto ao Curso de Bacharelado em Saúde Coletiva da UFRGS. É Professora Permanente do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS
IIIBacharel com Comunicação Social, Mestre e Doutor em Educação pela UFRGS. Pós-doutorando no Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFRGS. Pesquisador assistente na Escola de Enfermagem da USP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo consiste em um ensaio teórico cujo objetivo é refletir, a partir de conceitos foucaultianos, sobre a construção da atuação clínica na Atenção Primária à Saúde (APS). Por meio da exposição de um caso fictício, são desenvolvidos argumentos por meio dos quais defendemos que a principal estratégia biopolítica utilizada na clínica realizada na APS, atualmente, é a governamentalidade. Apontamos algumas ferramentas teórico-metodológicas foucaultianas, inscritas na fase do ser-consigo ou da ética, como possíveis estratégias de análise para pensar possibilidades de ampliação da clínica, na perspectiva da inclusão do sujeito em sua construção. Para além do governo das condutas, que levam ao assujeitamento por meio da utilização de dispositivos de governamento, as noções de práticas de si, conhecimento de si e pharresía apontam para a possibilidade de construção de uma clínica na APS pautada por uma relação ética entre profissionais e usuários do sistema de saúde.

Palavras-chave: atenção primária à saúde; pessoal de saúde; Michel Foucault.


ABSTRACT

This article is a theoretical essay aiming to reflect on the construction of clinical performance in Primary Health Care (PHC) based on Foucault's concept. Through an explanation of a fictitious case, arguments are developed in which we defend that the main biopolitical strategy used in the clinic performed in the PHC currently; is governmentality. We point out some of Foucault's theoretical-methodological tools, inscribed in the being-with-yourself or ethics phase, as possible analysis strategies to think about possibilities for the clinic extension, from the perspective of including the subject in its construction. In addition to the governance of behaviors, which lead to subjection through the use of governance devices, the notions of self-practices, self-knowledge, and parrhesia point to the possibility of building a clinic in PHC guided by an ethical relationship between professionals and health system users.

Keywords: primary health care; health personnel; Michel Foucault.


RESUMEN

Este trabajo se trata de un ensayo teórico cuyo objetivo es reflexionar, a partir de conceptos foucaultianos, sobre la construcción de la actuación clínica en la Atención Primaria a la Salud (APS). Por medio de la exposición de un caso ficticio, son desarrollados argumentos por los cuales defendemos que la principal estrategia biopolítica utilizada en la clínica realizada en la APS, actualmente, es la gubernamentalidad. Indicamos algunas herramientas teórico-metodológicas foucautianas, inscriptas en la fase del ser-consigo mismo o de la ética, como posibles estrategias de análisis para pensar posibilidades de ampliación de la clínica, en la perspectiva de la inclusión del sujeto en su construcción. Para allá del gobierno de las conductas, que llevan al asujetamiento por medio de la utilización de dispositivos de gubiernamento, las nociones de prácticas de uno mismo, conocimiento de uno mismo y pharresía indican la posibilidad de construcción de una clínica en la APS basada en una relación ética entre profesionales y usuario del sistema de salud.

Palabras-clave: atención primaria a la salud; personal de salud; Michel Foucault.


RÉSUMÉ

Cet article consiste en un essai théorique dont l'objectif est de réfléchir, à partir des concepts de Foucault, sur la construction de la pratique clinique en soins de santé primaires (SSP). À travers l'exposition d'un cas fictif, on développe des arguments avec lesquels on défend que la principale stratégie biopolitique utilisée dans la pratique clinique dans les SSP aujourd'hui est la gouvernementalité. Ainsi, on signale quelques outils théoriques et méthodologiques chez Foucault qui sont inscrites dans la phase de l'être-avec-sois-même ou de l'éthique, comme stratégies d'analyse possibles pour réfléchir aux possibilités d'expansion de la clinique, dans la perspective d'inclure le sujet dans sa construction. En plus de la gouvernance des comportements, lesquels conduisent à l'assujettissement par l'utilisation de dispositifs de gouvernance, les notions de pratiques de soi, de connaissance de soi et de pharresia indiquent la possibilité de construire une clinique en SSP guidée par une relation éthique entre professionnels et utilisateurs du système de santé.

 Mots-clés : soins de santé primaires ; personnel de santé ; Michel Foucault.


 

 

Recordo com muita nitidez o último dos muitos diálogos que tivemos, eu e o Sr. João1. Era uma manhã ensolarada de uma quinta-feira, dia em que eu realizo as visitas domiciliares como enfermeira de uma equipe de Atenção Primária à Saúde. Como tantas outras vezes, me desloquei, acompanhada pela agente comunitária de saúde, até a casa do Sr. João, que residia com sua cunhada Antonieta, portadora de diferentes doenças crônicas, com sua filha Julia, portadora de doenças crônicas e sofrimento psíquico, e com o neto, Manoel, também portador de sofrimento psíquico. A esposa de Sr. João, Alice, havia falecido em virtude de comorbidades associadas a uma depressão profunda, mais ou menos dois anos antes. Em seus 86 anos de vida, Sr. João seguia cuidando de todos da sua família: levava às consultas, administrava os medicamentos, cuidava da alimentação, gerenciava as contas de casa No entanto a saúde de Sr. João também se encontrava frágil. Ao longo da vida, um câncer de pulmão, a hipertensão arterial e a nefropatia deixaram frágil o corpo daquele senhor forte. Sim, muito forte. Convicto em relação a sua espiritualidade e à forma de levar a vida. Fiel às suas práticas cotidianas de cuidado de si (o uso de chás e a conversa diária com seus guias espirituais), que, por mais que nós, como serviço de saúde, tivéssemos tentado investir com nossa racionalidade, nunca ultrapassamos os limites da autonomia daquele senhorzinho de olhar sereno e forte. Naquela manhã de quinta-feira, fui visitá-los como habitualmente fazia para acompanhar a família que inspirava cuidados. Sr. João veio me receber no portão, visivelmente cansado e ofegante, mas com o mesmo sorriso de sempre. Entramos e começamos a conversar, como de costume. Entre uma palavra e outra, uma pausa para retomar o fôlego, o que me dizia que clinicamente Sr. João havia piorado muito. Verifiquei sua pressão, que estava bem acima dos parâmetros "normais", mas que, segundo ele, "era o normal dele" e assim "se sentia bem". Realizei, então, a ausculta pulmonar, que mostrou que a respiração estava ruim. Sabíamos que o Sr. João tinha um câncer de próstata, que ele decidiu não tratar. Sabíamos, ele e eu, que a doença tinha piorado muito. Nesse dia, conversei com o Sr. João sobre a necessidade de ir para o hospital. Não para realizar um tratamento curativo, pois ele já havia manifestado seu desejo de não intervir. Mas para ter conforto, para não ter tantas dores e falta de ar. Expliquei que o fim da vida poderia acontecer (como se ele não soubesse!). Nesse momento, o Sr. João pegou minhas mãos e, me olhando nos olhos, disse: "amiga, eu te agradeço por tua preocupação e pelo teu cuidado. Por ter vindo aqui todos esses anos, mas agora eu estou cansado e quero descansar na minha casa". Diante da verdade daquelas palavras, me coloquei mais uma vez em posição de respeito à autonomia do Sr. João. Conversamos mais um pouco e concordamos que, no momento que julgasse necessário, a ambulância seria acionada para levá-lo ao hospital, se esse fosse seu desejo. Nos despedimos no portão, sob um sol quente, mas agradável, com um abraço apertado e lágrimas, pois ambos sabíamos que seria o último. Sr. João se internou no final de semana e faleceu na semana seguinte.

Decidimos contar essa história, que é uma entre tantas que se passam no cotidiano de trabalho de uma equipe de Atenção Primária à Saúde (APS), porque ela remete a uma relação pautada na verdade. Na coragem de conhecer a verdade presente em uma relação de cuidado. Pretendemos, a partir de reflexões sobre essa história, discutir como os conceitos foucaultianos de cuidado de si, conhecimento de si e pharresía podem contribuir com reflexões acerca da constituição das relações de cuidado na APS. Ainda, pretendemos ensaiar reflexões sobre possibilidades para a clínica, no sentido de incluir a perspectiva da constituição do sujeito e suas implicações no processo terapêutico. Para tanto, fazemos os seguintes questionamentos: Como estabelecer relações entre profissional da saúde e usuário em uma perspectiva de construção de cuidado compartilhado, negociado e permanentemente produtivo entre o cuidado de si e o cuidado biopolítico? Como tornar possível a realização de uma clínica capaz de reconhecer o cuidado de si como limite do cuidado biopolítico? Seria possível falar em uma clínica da pharresía?

Nos próximos parágrafos, tentaremos responder a tais perguntas com reflexões que apontarão possibilidades no contexto de cuidado na APS. O presente artigo consiste, dessa maneira, em uma reflexão teórica a partir de uma cena fictícia, inspirada em fatos vivenciados por uma das autoras no cotidiano de um serviço de APS. O método empregado consiste em apresentar a cena e, posteriormente, construir análises por meio da discussão da cena apresentada em articulação com o referencial teórico escolhido. Para isso, inicialmente, abordaremos o cuidado em saúde e os cuidados paliativos, depois as estratégias biopolíticas de cuidado. Em seguida, vamos retomar os conceitos foucaultianos de cuidado de si, conhecimento de si e pharresia, no sentido de tentar fazer aproximações com a temática proposta neste ensaio teórico.

 

O Cuidado em Saúde e os Cuidados Paliativos na APS

A Atenção Primária à Saúde, ou Atenção Básica (AB)2, se constituiu como política pública de saúde, ao longo dos anos, em um processo progressivo de ampliação e aprimoramento da rede de serviços do Sistema Único de Saúde (SUS). Desde a sua criação, em 1990, o SUS prevê uma rede regionalizada e hierarquizada de serviços (Lei nº 8.080, 1990). A APS, cujos primeiros serviços existem desde a década de 1970/1980, teve o número de serviços, bem como seu escopo de atuação, ampliados ao longo dos anos. A criação do Programa Saúde da Família (PSF), em 1994, transformado em Estratégia Saúde da Família (ESF), e a criação do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) foram marcos para a reorganização e ampliação da APS no país. Nos anos subsequentes, a APS foi ampliada e passou por um intenso processo de qualificação. Em 2006, foi publicada a primeira Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) no Brasil. Trata-se de um momento importante para a APS e para o SUS, pois nesse ano a APS/ESF ganha status de política pública de saúde. Em 2011, e posteriormente em 2017, duas novas versões da PNAB foram apresentadas, sendo esta última a legislação vigente na atualidade.

De acordo com a PNAB atual (Portaria nº 2.436, 2017), preconiza-se que o cuidado em saúde seja realizado de maneira singular, a partir das necessidades individuais identificadas. O cuidado centrado na pessoa, conforme denominação adotada na legislação, aponta para o desenvolvimento de ações de cuidado de forma singularizada, que auxilie as pessoas a desenvolverem os conhecimentos, as aptidões, as competências e a confiança necessária para gerir e tomar decisões embasadas sobre sua própria saúde e seu cuidado de saúde de forma mais efetiva. Preconiza-se que o cuidado seja construído com as pessoas, de acordo com suas necessidades e potencialidades, na busca de uma vida independente e plena. Na mesma medida, a família, a comunidade e outras formas de coletividade são elementos relevantes, muitas vezes condicionantes ou determinantes na vida das pessoas e, por consequência, no cuidado.

No âmbito do cuidado em saúde, no contexto da APS, estão incluídas as práticas de cuidados paliativos:

A Atenção Básica é o conjunto de ações de saúde individuais, familiares e coletivas que envolvem promoção, prevenção, proteção, diagnóstico, tratamento, reabilitação, redução de danos, cuidados paliativos e vigilância em saúde, desenvolvida por meio de práticas de cuidado integrado e gestão qualificada, realizada com equipe multiprofissional e dirigida à população em território definido, sobre as quais as equipes assumem responsabilidade sanitária. (Portaria nº 2.436, 2017, p.1, grifo nosso)

Os cuidados paliativos são uma abordagem que visa à melhoria da qualidade de vida da pessoa e sua família diante de uma doença que põe em risco a continuidade da vida, por meio da utilização de estratégias para o alívio do sofrimento, quais sejam: o tratamento da dor e a abordagem de situações relativas às dimensões biopsicossocial e espiritual (Cervelin & Kruse, 2014). A necessidade de cuidados paliativos emerge como uma questão de saúde pública considerando o progressivo envelhecimento da população, o que implica na mudança do perfil epidemiológico, especialmente o aumento da incidência de doenças crônicodegenerativas não transmissíveis. Diante de tal conjuntura, tais cuidados ganham relevância, bem como a reorganização dos serviços de saúde com a finalidade de assegurar sua oferta (Vega et al., 2001).

Entretanto ainda restam diversos entraves à incorporação dos cuidados paliativos na APS, sobretudo em relação às dificuldades das equipes em abordagens familiares, crenças e valores morais dos usuários sobre vida e morte e à falta de recursos tecnológicos na APS. Por outro lado, destaca-se a capacidade desses profissionais para construir vínculo com as pessoas que necessitam desses cuidados, tanto por sua proximidade com essas pessoas quanto por sua qualificação e perfil diferenciado, com ênfase na interrelação entre equipe, comunidade e família (Baliza, Bousso, Spineli, Silva, & Poles, 2012).

O cuidado em saúde não se restringe aos aspectos técnicos, especialmente os cuidados paliativos, que incluem desafios éticos que implicam: a decisão sobre o local da morte, a maneira com que a equipe de saúde vivencia o processo de morte de um usuário e o respectivo luto, bem como a avaliação e manejo das condições familiares e da pessoa para esse tipo cuidado no domicílio (Souza et al., 2015). Identificamos como sensíveis às nossas reflexões os aspectos descritos por Souza et al. (2015). Entendemos que o cuidado em saúde na APS envolve a utilização de tecnologias complexas quando operado de modo centrado na pessoa e sua família. Os cuidados paliativos, por sua vez, ampliam a complexidade das estratégias a serem adotadas em virtude das implicações éticas que esse tipo de situação abarca.

Como anunciado na introdução, tentaremos lançar nosso olhar para o cuidado, ou a clínica, realizado na APS, por meio da utilização de conceitos foucaultianos. A seguir, apresentamos uma breve contextualização da obra de Foucault, com vistas a situar os conceitos que utilizaremos em nossas análises.

 

Perspectivas Foucaultianas de Análise

Morey (1991) classifica a obra de Foucault em três grandes domínios que se diferenciam pelo método e pelas questões abordadas em cada um. O primeiro domínio caracteriza a fase arqueológica do autor, o ser-saber. O segundo domínio caracteriza a fase genealógica, o ser-poder. Já o terceiro domínio refere-se ao conjunto de textos que integram a arqueologia, a genealogia e a ética, caracterizando a fase do ser-consigo.

No primeiro domínio - ser-saber - Foucault pretendia tratar os discursos politicamente como práticas, por seus efeitos de verdade e, na sua exterioridade, descentrado de representações, significados e sentidos, buscando expor suas condições históricas e de possibilidade de emergência.

Já no segundo domínio - ser-poder -, ele passou a se dedicar ao desenvolvimento de um método histórico de análise de relações e práticas de poder, por ele mesmo denominado genealogia do poder, problematizando os biopoderes modernos: disciplinas e biopolíticas, os dispositivos, a objetivação dos corpos e jogos de poder que operam de forma microfísica. Nessa fase, ocorre um deslocamento de objeto, dos saberes para os poderes, e um deslocamento de método, de uma estratégia arqueológica para uma estratégia genealógica.

No terceiro domínio - ser-consigo -, Foucault propôs e aplicou um método de análise de subjetivações, ou de relações do sujeito consigo mesmo, que compõem uma ética, um governo sobre si mesmo. E, na passagem de uma genealogia das práticas de poder a uma genealogia das relações éticas, mais uma vez, ocorre um deslocamento: de perspectiva, dos jogos de objetivação dos sujeitos para práticas de subjetivação, e de objeto, da produção do/pelo outro para as relações e trabalhos consigo mesmo (Prado Filho, 2017; Veiga-Neto, 2003).

Neste artigo abordamos conceitos foucaultianos que se situam nas fases do ser-poder e do ser-consigo. Inicialmente, retomaremos as origens e as noções de biopolítica, governo/ governamentalidade, para acionarmos os conceitos de cuidado de si, conhecimento de si e pharresía como chaves para nossas análises.

Com o surgimento dos Estados modernos, no século XV, desenvolveram-se um conjunto de técnicas capazes de possibilitar o desenvolvimento da sociedade capitalista. De acordo com Foucault (2008), inicialmente, tais técnicas se destinavam a manutenção da ordem por meio do poder disciplinar, que previa o controle individual das pessoas, por meio de técnicas de classificação e individualização. Com o passar dos anos, e com as modificações nas relações sociais e de produção, as técnicas de controle e regulação da sociedade também se modificaram. O capitalismo industrial, que data do século XVIII, apresenta a necessidade de modular o comportamento da população de outras maneiras, que não a caracterizada pelo poder disciplinar. É nesse contexto que o controle deixa de ser individual e passa a ser destinado para as populações. Um conjunto de estratégias capazes de conduzir a conduta das pessoas, não mais pela força, mas por meio de uma trama de dispositivos capazes de modular o comportamento passa a ser operado na sociedade daquela época. É isso que Foucault (2008) caracteriza como biopolítica (as ações voltadas a uma população para modular seu modo de ser), e é nesse contexto que se desenvolvem as técnicas de governamento que permanecem na contemporaneidade, com as modificações e aprimoramentos as quais foram submetidas ao longo da história.

De acordo com Lazzarato (2008), o governamento é uma tecnologia moderna originada na pastoral cristã e da qual o Estado moderno se apropriou. O liberalismo tratou de modificá-lo, adaptando-o de governo das almas para o governo dos homens, isto é, "governar pode se traduzir pela pergunta: como conduzir a conduta dos outros? Governar é exercer uma ação sobre ações possíveis. Governar consiste em agir sobre sujeitos que devem ser considerados como livres" (Lazzarato, 2008, p. 41).

Segundo o autor, o liberalismo desenvolveu um conjunto de técnicas a serem aplicadas sobre a sociedade para tornar possível a governamentalidade. No encontro das relações de poder, se constitui a interface entre governantes e governados. É nesse espaço que o liberalismo opera para governar e é onde atua a biopolítica, entendida como o conjunto de práticas e normas que se aplicam às diferentes dimensões da vida e são utilizadas para manter o equilíbrio e homeostase em uma sociedade. Portanto, são regras que têm por objetivo estabelecer modos comuns de viver, capazes de proporcionar o desenvolvimento econômico e social dentro da ordem vigente (Castro, 2016). E são, ainda, dispositivos postos em um campo heterogêneo, que ora se opõem, ora se potencializam, na perspectiva de agir sobre os comportamentos, modos de dizer e de fazer, sobre as subjetividades de sujeitos econômicos e políticos (Lazzarato, 2008).

A governamentalidade é a capacidade de incidir sobre as ações, sobre as condutas, de si, de outro indivíduo ou ainda de grupos de indivíduos. São ações realizadas sobre outras ações, ou seja, práticas de subjetivação, operadas por meio de dispositivos que visam conduzir/orientar condutas, individuais ou coletivas. Ela abarca um emaranhado de elementos que se relacionam entre si, que constroem tensões, a partir das relações de poder alicerçadas em um campo de saber (Castro, 2016).

Nossa intenção ao retomar o contexto em que surge a governamentalidade é de descrever os métodos pelos quais, historicamente, os serviços de saúde buscam modular comportamentos e induzir modos de viver dos indivíduos, usuários dos sistemas de saúde, assim como também o fazem outras instâncias do Estado. Embora essa seja a modalidade de cuidado hegemônica identificada nos serviços de saúde, isto é, o cuidado operado por meio da governamentalidade, que denominamos 'cuidado biopolítico', vislumbramos outras modalidades de cuidado, que não se inscrevem na perspectiva biopolítica, mesmo que ocupando espaço marginal nesse campo. Cabe ressaltar que nossa intenção não é operar julgamentos sobre as modalidades de cuidado. Nossa afiliação epistemológica nos leva a construir análises que buscam demonstrar como determinado objeto se constitui e é operado. Nesse caso, ao abordarmos o cuidado biopolítico, bem como outras variações de cuidado, não pretendemos julgar e criar critérios relativos ao "bom" ou ao "mau" cuidado. Nosso objetivo, bem mais modesto, consiste em demonstrar como as estratégias de cuidado se constituem, quais são as estratégias de cuidado hegemônicas e quais são as brechas ou as outras possibilidades de cuidado na APS.

No contexto dos cuidados paliativos, a discussão referente ao cuidado biopolítico, apoiado em estratégias de governamentalidade, de condução das condutas, ganha relevância no sentido da necessidade de desnaturalizar determinadas práticas. No cenário dos serviços de saúde, a promoção e manutenção da vida é um objetivo afirmado e, inclusive, aprendido nos espaços de formação. Reconhecer e aceitar que o respeito à autonomia do usuário, mesmo quando isso significa estar de acordo com a não continuidade da sua vida, também significa uma atitude de cuidado com o outro.

Por uma opção didática, procuraremos detalhar o modo como a governamentalidade é operada no âmbito da APS. Posteriormente, acionaremos os conceitos foucaultianos de cuidado de si e pharresía, buscando ilustrar e analisar outras possibilidades de cuidado que escapem à perspectiva da condução das condutas (governamentalidade), compreendendo que as práticas operadas na APS são heterogêneas e atuam de maneira conectada e em coexistência.

 

Estratégias Biopolíticas de Cuidado na Atenção Primária à Saúde

Na atuação clínica, em muitas situações, identificamos pouco espaço para a expressão do sujeito, ou ainda, para outra perspectiva de constituição do sujeito. Nessa lógica de cuidado em saúde, os discursos e as práticas objetivam levar indivíduos e comunidades a adotar modos de vida e práticas de saúde que sigam um padrão estabelecido de normalidade, desejável para que os corpos se mantenham saudáveis. Mesmo que com grande potencial produtivo, tais práticas podem apresentar pontos de tensão em relação à perspectiva do cuidado centrado na pessoa, presente em documentos técnicos e legais do SUS. A tensão seria gerada quando adotadas práticas de prescrição de comportamentos sem a inclusão das condições e do desejo do usuário no plano de cuidados. Diante de cenários em que são identificadas práticas verticais e pouco inclusivas, questionamos se existiriam outras possibilidades de articulação do cuidado, inclusive que sejam mais efetivas e viáveis no sentido de evitar atitudes cínicas3, nas quais se estabelecem relações em que o profissional "faz a sua parte" ao prescrever modos de vida e o usuário "finge" estar de acordo com esse plano de cuidados que, muitas vezes, não é o seu desejo ou, então, não é materialmente possível.

Em outra direção, questionamos se existem brechas nas possibilidades de atuação clínica que não estejam inscritaS na lógica do controle dos corpos, por meio dos dispositivos de saber-poder, ou seja, uma atuação clínica ampliada, que agregue outras possibilidades de cuidado para além da perspectiva do governo das condutas. Se considerarmos a clínica em seu aspecto "fabril", produtivo, saberemos que os sujeitos da relação de cuidado (usuários, profissionais etc.) estarão sempre se produzindo mutuamente, transformando-se mutuamente, resistindo e contraproduzindo no limite de suas (im)possibilidades. A questão que levantamos aqui se refere ao modo e aos objetivos dessa relação de coprodução na relação de cuidado.

Aqui podemos fazer referência a uma atitude de cuidado contra-hegemônica, pautada em uma clínica ampliada, capaz de agregar diferentes estratégias de cuidado, conforme preveem muitos documentos técnicos e legais do SUS. Não nos referimos a uma dicotomia entre o SUS (ou APS) "ideal" e o "real". Problematizamos os cenários que integram a APS enquanto espaços de uma complexa gama de relações de saber-poder que se traduzem em práticas heterogêneas, nas quais se destaca o cuidado biopolítico operado na perspectiva da condução das condutas. Nossa intenção com a presente reflexão é demonstrar a possibilidade de ampliação das estratégias de cuidado dentro da clínica realizada na APS. Parece-nos que essa ampliação, em termos práticos, está alinhada à perspectiva da clínica ampliada, definida como uma das diretrizes que a Política Nacional de Humanização propõe para qualificar o modo de se fazer saúde. Ampliar a clínica é aumentar a autonomia do usuário do serviço de saúde, da família e da comunidade. É integrar a equipe de trabalhadores da saúde de diferentes áreas na busca de um cuidado e tratamento de acordo com cada caso, é buscar criar vínculo com o usuário. Na clínica ampliada, a vulnerabilidade e o risco do indivíduo são considerados, e o diagnóstico é feito não só pelo saber dos especialistas clínicos, mas também leva em conta a história de quem está sendo cuidado (Ministério da Saúde [MS], 2004).

Retornando a história contada no início desse texto, podemos tecer algumas considerações. A primeira delas refere-se à relação que se estabeleceu entre o usuário e o profissional de saúde. Mesmo com a tentativa de condução da conduta, no sentido de convencer o usuário em questão a adotar comportamentos e cuidados que aproximassem suas condições de saúde aos parâmetros de normalidade e à prolongação da vida ao máximo, a relação estabelecida não se deu unicamente na lógica da governamentalidade, porque o Sr. João adotou uma postura de resistência e contraconduta4 frente ao cuidado biopolítico proposto. Ele não aceitou ser conduzido, não aceitou que sua conduta fosse ditada, prescrita por outro, ou seja, não aceitou a distanásia, a utilização de procedimentos invasivos desnecessários que, ao contrário de gerar vida, prolongariam o processo de morte, com sofrimento. No entanto o Sr. João se propunha a participar de uma relação de cuidado, desde que existisse espaço para a sua decisão e, talvez, para os seus desejos e vontades. Em outra perspectiva, talvez tal decisão pudesse ser compreendida como fruto da própria relação usuário-profissional ou serviços de saúde. Não desejar tratar o câncer poderia ter a ver também com o quanto somos, por vezes, constituídos pelas imagens, sons, cheiros oriundos de algo que teria sido dito a ele (ou por algum testemunho, ou memória dele mesmo) sobre os limites terapêuticos dos tratamentos quimio e/ou radioterápicos nos tratamentos de câncer.

Em relação ao câncer de próstata, mais precisamente, os homens, em geral, são governados pelo medo do tratamento, algo que, no mais das vezes, é reforçado pela relação usuário-profissional, na qual, por exemplo, toda a narrativa dos procedimentos de biópsia pode bem produzir a recusa do tratamento. Nesse sentido, seria possível também abordar a relação usuário-profissional como um "encontro fabril", isto é, um encontro em que se fabrica algo, além de ser um encontro em que, sem dúvidas, tem de haver o respeito àquilo que o usuário crê, quer, imagina, deseja. A produção de estratégias de cuidado pautadas em uma clínica ampliada.

Assim, abordar a relação usuário-profissional em seu aspecto "fabril", produtivo, como um encontro que produz algo, permite-nos pensar para além da perspectiva do cuidado de si versus o cuidado biopolítico, pois talvez seja aí que se desenvolvam as mais belas e sutis artimanhas do governamento, do assujeitamento, da obediência e, por outro lado, das contracondutas, das resistências, das insurreições. Nesse sentido, a decisão do Sr. João é emblemática, pois, ao recusar o tratamento do câncer, ele age de forma a impor um limite ao cuidado biopolítico da profissional de saúde. Entretanto podemos refletir o quanto a sua aparente contraconduta não poderia também ser interpretada como uma rigorosa obediência às normas que regulam a performatividade de gênero das masculinidades (Couto & Dantas, 2016). Ainda, ao mesmo tempo em que a postura de Sr. João significa uma atitude de contraconduta diante do cuidado que pretende o prolongamento da vida a qualquer custo, seu comportamento se inscreve na própria racionalidade dos cuidados paliativos, na medida em que são preconizados o respeito à autonomia do usuário e o respeito às suas decisões quanto à realização de procedimentos invasivos (MS, 2020).

A profissional de saúde também parece fazer uso de uma estratégica contraconduta, precisamente ao consentir com a recusa ao tratamento, pois mesmo que os profissionais de saúde sejam fortemente (as)sujeitados aos imperativos biopolíticos e pastorais de salvação, cura e promoção da vida a qualquer custo, sua atitude "sensível" e perspicaz lhe permite "chegar mais perto" daquilo que deseja/postula o Sr. João. Nesse sentido - e pensando de forma provocadora -, será que tal postura é apenas para "melhor controlar" o usuário, seguindo a desejável condução das condutas do pastorado? Ou, talvez, as práticas de cuidado na APS possibilitem que outros valores, para além dos cuidados de controle dos corpos, sejam utilizados na relação profissional de saúde-usuário? E se o Sr. João tivesse outro tipo de câncer? Ou outra enfermidade? E se a profissional de saúde em questão fosse um homem? Quais teriam sido as táticas e estratégias a serem utilizadas por ambos (usuário e profissional) no exercício de suas práticas de cuidado e/ou de resistência?

Ainda que muitas interpretações a respeito dessa relação sejam possíveis, cremos que a lógica hegemônica presente no âmbito do cuidado na APS segue a perspectiva foucaultiana da governamentalidade, diferente da forma como ocorreu a relação de cuidado com Sr. João. As ações desenvolvidas como cuidado pelos profissionais de saúde, de maneira geral, visam adequar os comportamentos individuais na expectativa de que, a partir da mudança de hábitos de vida e da obediência às prescrições realizadas, as condições de saúde das pessoas se aproximem dos parâmetros de normalidade estabelecidos na sociedade contemporânea.

Podemos supor que tanto a profissional quanto o usuário, fazendo uso de diferentes estratégias, buscaram transformar-se no encontro, um do outro. Se, por um lado, Sr. João resistiu e não aceitou o tratamento; de outro, aceitou morrer no hospital, com maior conforto e cuidados, conforme está previsto também no contexto dos cuidados paliativos. Morrer em casa é um processo que exige estrutura familiar e tecnológica. A opção por morrer no hospital, muitas vezes, significa ter acesso ao conforto e abreviação do sofrimento que os recursos tecnológicos podem oferecer, tornando o processo mais humanizado (MS, 2020).

A enfermeira, por sua vez, aceitou o risco e o limite de sua atenção, ainda que, em seu processo de formação profissional, a perspectiva do prolongamento da vida a qualquer custo tenha sido hegemônica. Sr. João se manteve fiel àquela escolha de vida que ele acreditava ser "uma vida vivível".

A obra de Foucault (2018) intitulada A Hermenêutica do Sujeito apresenta alguns conceitos que podem ser utilizados como chaves de análise sobre as possibilidades de outra forma de atuação clínica. Aqui apresentamos o que consideramos ser o potencial inovador do presente artigo. Em termos de práticas de cuidado, reafirmamos a localização contrahegemônica da clínica ampliada na APS. Na perspectiva teórica, trazemos uma perspectiva de análise inscrita nos escritos foucaultianos presentes no domínio da ética.

Foucault (2018) buscou, na Antiguidade greco-romana, elementos para constituir suas análises e descrever outros modos de constituição do sujeito, os quais se distinguem das práticas operadas pelos mecanismos disciplinares e de governamento. Mais do que as "tecnologias do eu", ganha relevo a noção de "cuidado de si" como expressão qualificadora do preceito ético da constituição da existência. O deslocamento está no fato de que o sujeito constitui a si mesmo, por meio de técnicas de si, no lugar de ser constituído por técnicas de dominação (poder) ou técnicas discursivas (saber) (Gros, 2018).

A seguir, pretendemos explorar essa perspectiva de constituição do sujeito, buscando encontrar ferramentas de análise capazes de sustentar reflexões sobre possibilidades para a atuação clínica na APS.

 

Possibilidades para a Atuação Clínica na APS: Cuidado de Si, Conhecimento de Si e Pharresía

As perspectivas acionadas neste texto se referem especialmente às noções de cuidado de si e conhecimento de si. Para desenvolvê-las, Foucault (2018) buscou, em textos de filósofos pré-socráticos, e também por meio da análise detalhada das práticas filosóficas ascéticas de escolas cínicas, epicuristas e estoicas, abordar os modos de constituição de si no início de nossa era, em especial antes do surgimento do cristianismo. Tais estudos fazem parte de uma série que tratam das artes de si, isto é, sobre a estética da existência e o governo de si e dos outros na cultura greco-romana. Nessa mesma obra, Foucault demonstra como tais práticas foram se transformando ao longo da história, especialmente com o surgimento do cristianismo e a conversão das práticas de si em técnicas de governamento dos homens. Essas reflexões se inserem na terceira fase foucaultiana, denominada fase do ser-consigo.

A constituição do sujeito estaria fortemente associada à adoção de práticas de si, ou seja, à realização de exercícios e à adoção de atitudes que nos levariam a ser quem somos. Ao longo da história, as práticas de si se inscrevem em diferentes perspectivas, desde a perspectiva greco-romana até a perspectiva cristã, presente na lógica de constituição do sujeito contemporâneo (Marcello & Fischer, 2014).

Atualmente, é possível identificar estratégias de condução das condutas, nos cenários da atuação clínica na APS, semelhantes às práticas de si presentes na perspectiva cristã, que se inscrevem na perspectiva da governamentalidade que, como já dissemos, denominamos como cuidado biopolítico. Muitas vezes, os consultórios de profissionais de saúde se assemelham a espaços de confissão, nos quais o usuário do sistema de saúde, visivelmente constrangido pelos "pecados" cometidos ao não seguir fielmente as prescrições do profissional de saúde, "confessam" suas atitudes e esperam o discurso repreensivo ou, até mesmo, a possível "punição" por terem transgredido as recomendações que atendem às normas do bem viver.

Em 1994, Jorge Larrosa descreveu exercícios de narração de si mesmo no cotidiano escolar, mostrando o quanto os alunos eram convidados a olhar para si mesmos e a falar disso, numa prática quase permanente de confissão e de revelação dos pensamentos e sentimentos como modo de "libertação", de "democratismo" e de "autenticidade" nas relações entre professores e alunos. Ficava evidente ali uma forte relação entre prática de si e técnicas de dominação e de controle (Larrosa, 1994).

A exemplo do espaço escolar, também os espaços de saúde, de atuação clínica, reproduzem estratégias de práticas de si, no sentido da prática confessional, que remetem a práticas de controle e dominação dos corpos, de apropriação das diferentes dimensões da vida. Estaríamos então fadados a sempre reproduzir essa perspectiva, dos profissionais da saúde que controlam, dominam, escutam confissões, absolvem ou condenam? Seria essa a única relação possível, pautada em preceitos de obediência e culpa? O personagem principal da história contada no início do texto nos mostra que existem outras maneiras de se constituírem as relações de cuidado. Relações essas que podem acontecer a partir do encontro entre sujeitos, profissionais e usuários, sendo esse um espaço de interseção e produção de cuidado. Foucault (2018), por sua vez, nos mostra que, na Antiguidade, existiam outras formas de constituição dos sujeitos que fogem à perspectiva cristã, cujas manifestações, ainda podem ser identificadas nos dias atuais.

As práticas de si da Antiguidade, representadas por exercícios que remetiam ao cuidado de si (epimeleia heautoû) e ao conhecimento de si (gnôthi seautón), em geral tinham o objetivo de preparar o sujeito para a vida, para as funções que viriam a assumir na vida ou, ainda, para os desafios que porventura o sujeito pudesse vir a enfrentar. Assim, eram práticas que visavam transformar o sujeito, torná-lo melhor para acompanhar o curso da vida em suas diferentes etapas (Foucault, 2018).

O cuidado de si é marcado por um princípio de movimento, que envolve deslocamento e ação, transformação e trabalho, ou seja, o cuidado de si designa um conjunto preciso de práticas e exercícios. Dizendo de outra forma, todo um conjunto de técnicas (tecnologias do eu) que se exerce sobre si mesmo com o fim último da transformação, da modificação, da transfiguração de si. Práticas e exercícios que sugerem um labor, árduo e contínuo, persistente e interminável, a partir dos quais o indivíduo se constrói, paulatinamente, como sujeito (Marcello & Fischer, 2014). "O cuidado de si é uma espécie de aguilhão que deve ser implantado na carne dos homens, cravado na sua existência e constitui um princípio de agitação, um princípio de movimento, um princípio de permanente inquietude no curso da existência" (Foucault, 2018, p. 9).

É importante destacar a relação que se estabelece entre cuidado de si e conhecimento de si. Essa relação coloca em debate a problemática do sujeito e nos permite pensar diferentemente a máxima segundo a qual o conhecimento está acessível ao sujeito em sua condição inata, ou então a afirmação de que é somente por meio do acesso ao conhecimento que o sujeito se modifica. "Essa afirmação nos permite colocar em discussão a noção de conhecimento hoje comum entre nós: conhecimento como 'matéria', como objeto de troca (que se dá ou se recebe), e não conhecimento como modo de transformação de si" (Marcello & Fischer, 2014, p. 167, grifo no original). Somos herdeiros de uma ênfase conferida não ao cuidado de si, mas a um modo específico de conhecimento de si.

Assim, tanto o ascetismo cristão levou à perspectiva da negação do cuidado de si quanto a emergência do método cartesiano levou ao fato do conhecimento de si se sobrepor à perspectiva do cuidado de si, desqualificando-o e deixando-o em segundo plano (Foucault, 2018).

No espaço de atuação clínica, podemos aproximar tais análises à perspectiva hegemonicamente pedagógica que se estabelece nas relações terapêuticas. O foco, muitas vezes, está no conhecimento técnico do profissional da saúde, que, por esse motivo, é quem supostamente tem condições e ocupa o lugar privilegiado para tomar as decisões quanto ao plano terapêutico. Ao usuário do sistema de saúde cabe, por sua vez, o dever de seguir as prescrições realizadas, inclusive as relativas ao seu modo de viver, bem como "aprender" a cuidar de si mesmo. Porém devemos assinalar que essa aparente dualidade entre quem cuida (profissional) e alguém que inspira/necessita de cuidados (usuário, pacientemente ou não) é geralmente compreendida como uma polarização excludente que em nada contribui para uma compreensão mais rigorosa da complexidade dessa relação. Afinal, tanto usuários quanto profissionais agem de acordo com estratégias de cuidado que buscam coadunar interesses diversos e que perpassem diferentes dimensões do cuidado de si.

Embora o termo medicalização seja, atualmente, utilizado para designar o intenso processo de utilização de medicamentos e tecnologias médicas, além de expressar a soberania do poder-saber médico em relação a outros saberes, o conceito alcança outras definições de acordo com o período histórico em que se contextualiza (Zorzanelli & Cruz, 2018).

Foucault (2014) demonstra, com detalhes, como ocorreu o processo de medicalização da vida nos séculos XVII e XVIII. Inicialmente, o desenvolvimento do capitalismo exigia medidas capazes de controlar epidemias que limitavam sua expansão. Foi nesse contexto que surgiram as estratégias de classificação e controle sobre os corpos, por meio da disciplina, um conjunto de estratégias que caracterizaram o poder disciplinar. Com as transformações do capitalismo, de mercantil para industrial, as necessidades de corpos saudáveis para o trabalho foram ampliadas sobremaneira (Foucault, 2014). Nesse contexto, eram necessárias medidas capazes de incidir sobre a população como um todo. As estratégias para manter os corpos saudáveis, além de incidir individualmente sobre eles (anátomo-poder ou poder disciplinar), passam a incidir coletivamente (poder sobre a espécie). Esse processo caracterizou o surgimento da biopolítica, que nada mais é do que a utilização de diferentes estratégias de saber-poder para fazer com que a população viva (Foucault, 2008).

Esses processos demonstram que a medicalização se caracteriza como estratégia biopolítica que se infiltrou em todo o tecido social, de diferentes maneiras, ao longo da história. Atualmente, a medicalização ganha uma nova roupagem, que ultrapassa as estratégias direcionadas ao processo de adoecimento. O risco de adoecer passa a ser considerado já um estágio (pré-enfermidade) que demanda estratégias de controle. Tais estratégias remetem à necessidade de seguir modos de viver, os quais devem seguir as normas ditadas pelo saber médico (Zorzanelli & Cruz, 2018).

É no âmago do discurso hiper-preventivo e do controle de riscos que ganham força as práticas que levam profissionais de saúde a assumirem posturas prescritivistas, as quais demandam que os usuários do sistema de saúde "aprendam" a cuidar se si mesmos, de acordo com as normas do bem viver, atualmente estabelecidas pelo saber-poder dos profissionais da saúde. Cabe desatacar que esse exercício de "aprender a cuidar de si mesmo", no contexto da clínica na APS, não se refere ao cuidado de si conforme descreveu Foucault (2018). Trata-se, nesse caso, de aprender modos de vida condizentes aos padrões de normalidade da sociedade contemporânea.

Diferente disso, o cuidado de si proposto na antiguidade, pelos filósofos grecoromanos, conforme analisou Foucault (2018), prevê o exercício de "ocupar-se consigo mesmo". Ter tempo para o trabalho de si, que prevê a transformação de si. São exercícios consigo mesmo que levam o sujeito a estar preparado para os desafios da vida. Tais práticas demandam tempo e disponibilidade para serem realizadas. Além disso, pressupunham a presença de um mestre, de um sábio, capaz de orientar e acompanhar tais práticas. Nessa perspectiva, o cuidado de si é realizado a partir de uma relação mestre-discípulo, que prevê a presença de confiança e empatia, diferente da perspectiva que remete à culpa e ao controle das ações.

Seria possível ampliarmos as relações dessa natureza no espaço da clínica na APS? Seria possível pensarmos na proposição de práticas de si, não na perspectiva de aprendizagem e adaptação a modos de vida considerados normais, mas sim de proposição de exercícios que coloquem as pessoas efetivamente em contato consigo mesmas, a fim de reconhecerem seus desejos, suas fragilidades e suas potencialidades, para assim, em vez de pensarmos na perspectiva da "mudança de hábitos", pensarmos na perspectiva da "transformação de si", mesmo que isso signifique a não adesão ao tratamento e à "norma do bem viver" vigente?

Novamente, invocamos nosso personagem para responder que sim, é possível estabelecer relações terapêuticas no espaço da clínica, cujos objetivos não sejam o "conhecimento" e a "obediência" às normas/padrões do bem viver. É possível estabelecer relações terapêuticas entre profissionais da saúde pautadas no cuidado e na coragem da verdade - tanto por parte dos profissionais quanto dos usuários, ou seja, uma atuação clínica alinhada à perspectiva da clínica ampliada.

Ainda, no âmbito das análises teóricas, arriscamos dizer que tal relação terapêutica pode encontrar sustentação na prática da pharresia, ou seja, na coragem de se dizer a verdade, independente das consequências desse ato (Foucault, 2018). Nosso personagem foi, sem dúvida, um pharresiasta. Não temia ser abandonado pela sua enfermeira ou pela sua equipe de saúde em virtude das suas convicções e da sua rebeldia. A profissional da saúde, por sua vez, também precisa ter coragem para ser uma pharresiasta e conseguir estabelecer uma relação de empatia, vínculo, afeto e cuidado, principalmente quando deixa de ser a detentora do conhecimento absoluto e passa a compartilhar conhecimentos e poder no espaço de atuação da clínica na APS.

Em uma relação de pharresia, é necessária uma intensa relação afetiva. É necessária certa qualidade na verdade, uma maneira de dizer que pressuponha uma ética da palavra. "Pharresía é a abertura do coração, é a necessidade, entre os pares, de nada esconder um ao outro do que pensam e se falar francamente" (Foucault, 2018, p. 124). Trata-se de uma ética de relação verbal com o outro, uma regra do jogo na relação com o outro na prática de direção da consciência. Ainda, a pharresia pode ser entendida como uma qualidade, uma técnica utilizada na relação entre profissional da saúde e indivíduo, entre mestre e discípulo: "é aquela liberdade de jogo, que faz com que, no campo dos conhecimentos verdadeiros, possamos utilizar aquele que é pertinente para a transformação, a modificação, a melhoria do sujeito" (Foucault, 2018, p. 216).

Nota-se, a partir dessa afirmação foucaultiana, que a adoção de uma perspectiva pharresiástica, no âmbito da clínica, abre possibilidades importantes para o profissional da saúde, porque, nessa perspectiva, o seu compromisso ético está voltado ao indivíduo que participa da relação de cuidado e não condicionado aos padrões de normalidade estabelecidos na sociedade contemporânea. Isto pressupõe que existe uma relação de escuta atenta e de apreensão dos desejos e necessidades de quem está sendo cuidado. Além disso, aponta para a constituição de planos de cuidado singulares, que demandam tempo para sua constituição e realização. Tais planos teriam potência terapêutica se oferecessem a possibilidade de realização de práticas de si, de cuidado de si.

Nesse ponto, é importante fazer uma distinção entre a perspectiva das técnicas eminentemente voltadas à mudança de hábitos e comportamentos. A proposta de uma clínica da pharresía está apoiada na coragem mútua da adoção de discursos verdadeiros, independente de suas consequências. Não se trata de reforçar a lógica da confissão que gera culpa ou absolvição. Pelo contrário, se trata da prática que inclui, no espaço da clínica e nos espaços terapêuticos, os anseios e desejos que constituem os sujeitos. Porém devemos chamar atenção para o fato de que a clínica da pharresía não é somente (é também, mas não só) um espaço e um tempo de "aparição" dos desejos e, sobretudo, é um espaço e um tempo de produção de desejo, de formas de vida, de transformação, de fabricação, tanto para usuários quanto para profissionais de saúde. Por isto, adotar uma postura pharresiástica na clínica do cuidado significa negar a perspectiva do cinismo na saúde, na qual o profissional acredita estar fazendo seu papel quando adota uma postura prescritivista de condutas, sem ocupar-se das condições materiais (sociais, culturais, econômicas) e dos desejos do indivíduo que está sendo cuidado.

Nesse sentido, cabe dizer que a clínica da pharresía pressupõe que os serviços de saúde estejam organizados e sejam capazes de oportunizar possibilidades do cuidado de si. Sugerimos, assim, espaços de exercícios de si que demandam a presença de profissionais de saúde que acompanhem tais práticas e tenham preparo e tempo para tal. Considerando as modificações propostas para a Atenção Primária à Saúde nos últimos anos, no cenário brasileiro (Melo, Mendonça, Oliveira, & Andrade, 2018), arriscamos a dizer que caminhamos na contramão dessa perspectiva, pois cada vez mais são utilizadas estratégias que privilegiam o produtivismo da saúde em detrimento de uma clínica singular, ampliada e, por sua vez, mais resolutiva.

Dessa forma, a clínica da pharresía, em seu aspecto agonístico, permite que o cuidado de si e o cuidado biopolítico coexistam, com suas tensões, nos encontros entre usuários e profissionais, que se alternam em posições de resistentes/insurgentes e agentes biopolíticos, ainda que muitos usuários acabem incorporando o governo biopolítico ao desejarem e/ou necessitarem ser pastoreados pelo Estado, pelas políticas públicas de saúde, pelo sistema previdenciário e por outros "pastores" da contemporaneidade.

Em última instância, o cuidado em saúde, tarefa primordial da APS, é promover a vida nas práticas cotidianas de saúde. Entendemos que tais práticas devem ser apreendidas nos planos imanentes de seus endurecimentos e cristalizações, mas também de suas desestabilizações e de seus movimentos que podem produzir ações instituintes no campo da saúde. Nessa composição, os endurecimentos operam através do que está instituído e insistem em capturar a vida nas formas em que essa se apresenta em determinadas circunstâncias. Esse plano, que é indispensável, mas insuficiente, nos liga às instituições de âmbito representacional, leis, planejamentos, regras, hierarquias e prescrições, que organizam e padronizam o trabalho no SUS. Por outro lado, os movimentos se dão no que foge às capturas instituídas, na dimensão micropolítica que pode inventar, mediante as conexões com forças que trazem o novo. Reprodução e invenção, verticalidade e horizontalidade, formas e forças que se encontram juntas, coexistindo nas práticas clínicas (Penido & Romagnoli, 2018).

A adoção de uma perspectiva pharresiasta no âmbito da clínica na APS significa adotar práticas de resistência e de contraconduta, tal qual definiu Foucault (2008). Assumir tal postura significa abrir espaço para as subjetividades em meio aos endurecimentos e assujeitamentos. Significa dar vazão para movimentos de resistência e expansão da vida, operantes na tecnologia leve dos encontros efetuados entre equipes, profissionais e usuários. Em encontros com tais características, além de tensionamentos, são produzidas também interfaces que rompem com os saberes estabelecidos, com as dicotomias e os assujeitamentos, fortalecendo os coletivos, a equipe e os usuários. Nesse sentido, podemos pensar em uma clínica que não opere por reprodução ou mantenha os lugares fixos de profissionais e usuários, mas que promova a convergência da heterogeneidade, considerando movimentos de resistência e contraconduta (Penido & Romagnoli, 2018).

Nas relações de poder há também as práticas de liberdade, pois, em sua natureza, encontramos a modificação da ação pela ação, o que possibilita que o sujeito possa atravessar esse campo de maneira nova e criativa. O indivíduo pode reconhecer seus desejos e ambições, mas também suas possibilidades de contraconduta, que são constituídas pelas práticas de liberdade, tais como protagonizou o Sr. João. Práticas que nos permitem tomar distância de nossa identidade preestabelecida e nos descuidar do eu normalizado, para evidenciar as relações do si com as estruturas de poder que o cercam (Penido & Romagnoli, 2018).

Pensamos que as reflexões apresentadas acima remetem a uma perspectiva otimista no sentido da inclusão do sujeito no espaço da clínica e na construção dos planos terapêuticos. Em termos teóricos, essa é uma "saída" para a perspectiva hermética apresentada por Foucault nas obras que caracterizaram suas fases anteriores, nas quais não encontrávamos alternativas à captura do sujeito. A partir das reflexões propostas por Foucault sobre as práticas de si, não só se torna pensável um eixo derivado das práticas de poder/saber, como também é possível pensar possibilidades para a resistência, no sentido foucaultiano. Esta, por sua vez, sempre tem sua origem no confronto direto com o poder, representando uma reação ao efeito de uma ação de poder anteriormente realizada (Maciel Jr., 2014, p. 4).

No âmbito das políticas e da conjuntura dos serviços de saúde, as perspectivas não são otimistas. Contrapondo a possibilidade de ampliação da atuação clínica, identificada no contexto teórico discutido neste ensaio, no cotidiano dos serviços de saúde, as práticas de cuidado se aproximam cada vez mais dos dispositivos de controle e normalização. Especialmente nos últimos anos, é possível identificar a fragilização, para não dizer a desconstrução, de políticas de saúde que buscavam contemplar as singularidades de indivíduos e comunidades. Em cenários como este, práticas de resistência e contraconduta, realizadas por meio da clínica da pharresía, são mais que um desafio para trabalhadores e usuários do sistema de saúde, são práticas necessárias para que ele siga existindo (e resistindo).

Para finalizar, mas sem pretender concluir essas reflexões, identificamos a necessidade de aprofundamento das possíveis respostas às muitas questões aqui apresentadas, considerando que os conceitos acionados abrem muitas possibilidades para a realização de análises de políticas e tecnologias utilizadas no campo da saúde. Além disso, reiteramos que a opção epistemológica das análises aqui realizadas sugere cuidado com as generalizações. A partir de uma cena específica, produzimos reflexões que julgamos capazes de contribuir com outros modos de pensar e operar cuidados no espaço da clínica, bem como constituir-se como um ponto de resistência nesse campo de saber-poder, e esperamos que novas reflexões sejam produzidas, a partir de outros cenários, oportunizando contrapontos e novos conhecimentos na área.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Fernanda Carlise Mattioni
E-mail: nandacmattioni@gmail.com

Cristianne Maria Famer Rocha
E-mail: cristianne.rocha@ufrgs.br

Luiz Felipe Zago
E-mail: professorluizfelipezago@gmail.com

Recebido em: 08/08/2020
Revisado em: 29/12/2020
Aceito em: 11/01/2021
Publicado online: 15/09/2021

 

 

1 Os personagens e o relato realizado são fictícios. O relato foi inspirado na prática profissional da primeira autora, que atua em uma equipe de saúde.
2 Atenção Básica e Atenção Primária à Saúde são utilizadas como sinônimos neste artigo, conforme delimitação da própria PNAB (Portaria nº 2.436, 2017).
3 Uma atitude cínica no contexto da atuação clínica poderia ser entendida como a adoção de práticas prescritivistas que ditam modos de vida que, em muitas situações, são inacessíveis à boa parte da população (Castiel, Xavier, & Moraes, 2016).
4 Resistência e contraconduta são noções foucaultianas que significam uma contestação do poder e das condições em que ele se estrutura e uma ação diferente da ação esperada produzida a partir dos modos de subjetivação hegemônicos, respectivamente (Castro, 2016).

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