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Revista Subjetividades

versão impressa ISSN 2359-0769versão On-line ISSN 2359-0777

Rev. Subj. vol.21 no.2 Fortaleza maio/ago. 2021

http://dx.doi.org/10.5020/23590777.rs.v21i2.e11018 

RELATOS DE PESQUISA

 

Discursos de Familiares Acerca da Sexualidade de Sujeitos Autistas

 

Discourses of Family Members about the Sexuality of Autistic Subjects

 

Discursos de Familiares acerca de la Sexualidad de Sujetos Autistas

 

Discours des Membres de la Famille sur la Sexualité des Sujets Autistes

 

 

Graziela Mezin da SilvaI; Rafael De TilioII

IMestre pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). Membro do Laboratório de Estudos e Pesquisa em Sexualidades e Gêneros (Hubris/UFTM)
IIDoutor em Psicologia. Docente do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFTM. Coordenador do Membro do Laboratório de Estudos e Pesquisa em Sexualidades e Gêneros (Hubris/UFTM)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Os diagnósticos de transtorno do espectro autista aumentaram consideravelmente nos últimos anos e, não raro, sujeitos autistas são considerados por seus familiares como sexualmente infantilizados ou descontrolados - fato este questionado pela psicanálise. O objetivo deste estudo foi investigar discursos de familiares sobre a sexualidade de sujeitos autistas. Participaram desta pesquisa dezesseis entrevistados (dois sujeitos autistas, oito mães, três pais, dois irmãos e um avô de sujeitos autistas) todos inseridos em formatos familiares nucleares cujos relatos foram organizados a partir de uma análise de conteúdo temática e analisados a partir da teoria dos quatro discursos de Lacan. Os principais temas e discursos produzidos pelos participantes foram organizados em eixos temáticos que destacaram: as dúvidas e questionamentos justificados pelos descompassos entre o desenvolvimento psicológico, físico e sexual dos sujeitos autistas; a suposição da imaturidade biológica e das inadequações atitudinais dos sujeitos autistas nas questões sexuais; o reforço dos papéis tradicionais de gênero, delegando às mães os cuidados íntimos dos filhos autistas e delegando aos pais o estímulo pela virilidade dos sujeitos autistas do sexo masculino; mas também - principalmente por parte dos irmãos - a possibilidade de os sujeitos autistas vivenciarem suas sexualidades de maneira autônoma, mesmo que referenciados nos esquemas neurotípicos e heterossexuais. Neste sentido, as tensões entre os discursos do mestre e discurso universitário (que pretendem o controle) e o discurso da psicanálise (que aposta na autonomia/singularidade dos sujeitos autistas no campo da sexualidade) se mostraram os mais evidentes nas entrevistas. Por fim, a teoria lacaniana dos quatro discursos se mostrou propicia para compreender a constituição dos laços sociais que organizam as vivências sexuais dos sujeitos autistas.

Palavras-chave: autismo; sexualidade; teoria dos discursos.


ABSTRACT

Diagnoses of autism spectrum disorder have increased considerably in recent years, and often, autistic subjects are considered by their families as sexually infantile or uncontrolled - a fact questioned by psychoanalysis. This study aimed to investigate family members' discourses about the sexuality of autistic subjects. Sixteen respondents (two autistic subjects, eight mothers, three fathers, two brothers, and a grandfather of autistic subjects) participated in this research, all inserted in nuclear family formats whose reports were organized from thematic content analysis and analyzed from the theory of four discourses by Lacan. The main themes and speeches produced by the participants were organized into thematic axes that highlighted: the doubts and questions justified by the mismatches between the psychological, physical, and sexual development of autistic subjects; the assumption of biological immaturity and attitudinal inadequacies of autistic subjects in sexual issues; the reinforcement of traditional gender roles, delegating to mothers the intimate care of autistic children and delegating to fathers the stimulus for the virility of male autistic subjects; but also - mainly on the part of the siblings - the possibility for autistic subjects to experience their sexualities autonomously, even if referenced in neurotypical and heterosexual schemes. In this sense, the tensions between the discourses of the master and university discourse (which aim to control) and the discourse of psychoanalysis (which bets on the autonomy/uniqueness of autistic subjects in the field of sexuality) were the most evident in the interviews. Finally, the Lacanian theory of the four discourses proved to be adequate to understand the constitution of the social bonds that organize the sexual experiences of autistic subjects.

Keywords: autism; sexuality; discourse theory.


RESUMEN

Los diagnósticos de trastornos del espectro autista aumentaron considerablemente en los últimos años y, frecuentemente, sujetos autistas son considerados por sus familiares como sexualmente infantilizados o descontrolados - este hecho es cuestionado por el psicoanálisis. El objetivo de este trabajo fue investigar discursos de familiares sobre la sexualidad de sujetos autistas. Participaron de esta investigación dieciséis entrevistados (dos sujetos autistas, ocho madres, tres padres, dos hermanos y un abuelo) todos inseridos en formatos en formatos familiares nucleares cuyos relatos fueron organizados a partir de un análisis de contenido temático y analizados a partir de los cuatro discursos de Lacan. Los principales temas y discursos producidos por los participantes fueron organizados en ejes temáticos que enfocaron: las dudas y cuestionamientos justificados por los desajustes entre el desarrollo psicológico, físico y sexual de los sujetos autistas; la suposición de la inmadurez biológica y de las inadecuaciones de actitud de los sujetos autistas en las cuestiones sexuales; el refuerzo de las funciones tradicionales de género, encargando a las madre del cuidado íntimo de sus hijos autistas y encargando a los padres el estímulo por la virilidad de los sujetos autistas del sexo masculino; sino también - principalmente por parte de los hermanos - la posibilidad de los sujetos autistas experimentaren sus sexualidades de manera autónoma, aunque referenciados en los esquemas neurotípicos y heterosexuales. En este sentido, las tensiones entre los discursos del maestro y discurso universitario (que pretenden el control) y el discurso del psicoanálisis (que apuesta en la autonomía/singularidad de los sujetos autistas en el campo de la sexualidad) se mostraron los más evidentes en las entrevistas. Por fin, la teoría lacaniana de los cuatro discursos se mostró propicia para comprender la constitución de los lazos sociales que organizan las experiencias sexuales de los sujetos autistas.

Palabras clave: autismo; sexualidad; teoría dos discursos.


RÉSUMÉ

Les diagnostics de troubles du spectre autistique ont considérablement augmenté ces dernières années et, souvent, les sujets autistes sont considérés par les membres de leurs familles comme sexuellement infantilisés ou incontrôlés - un fait remis en question par la psychanalyse. L'objectif de cette étude a été d'étudier les discours des membres de la famille sur la sexualité des sujets autistes. Seize personnes ont participé à cette recherche (deux sujets autistes, huit mères, trois pères, deux frères et sœurs et un grand-père de sujets autistes) tous insérés dans des formats de famille nucléaire dont les rapports ont été organisés à partir d'une analyse de contenu thématique et analysés à partir de la théorie des quatre discours de Lacan. Les principaux thèmes et discours produits par les participants ont été organisés en axes thématiques qui mettaient en évidence : les doutes et les questions justifiées par les faux pas entre le développement psychologique, physique et sexuel des sujets autistes ; l'hypothèse de l'immaturité biologique et des insuffisances comportementaux des sujets autistes en matière sexuelle; le renforcement des rôles traditionnels de genre, en déléguant aux mères les soins intimes des enfants autistes et en déléguant aux pères le stimulus de la virilité des sujets masculins autistes; mais aussi - principalement de la part des frères et sœurs - la possibilité que des sujets autistes vivent leur sexualité de manière autonome, même s'ils sont référencés dans des schémas neurotypiques et hétérosexuels. En ce sens, les tensions entre les discours du maître et du discours universitaire (qui visent le contrôle) et le discours de la psychanalyse (qui parie sur l'autonomie/singularité des sujets autistes dans le domaine de la sexualité) étaient les plus évidentes dans les entretiens. Enfin, la théorie lacanienne des quatre discours était propice à la compréhension de la constitution des liens sociaux qui organisent les expériences sexuelles des sujets autistes.

Mots-clés : autisme ; sexualité ; théorie des discours.


 

 

De acordo com a perspectiva psicanalítica, a família é uma unidade simbólica formada por laços afetivos entre sujeitos que desempenham papéis e funções específicos (Freud, 1925/2002). Desde antes do nascimento a criança é interpelada pelo imaginário e pelos significantes daqueles que sustentam as funções maternas e paternas (Lacan, 1985), sendo a cultura e a socialização, promovidas pelas famílias, fatores organizadores das experiências subjetivas dos sujeitos, inclusive no que se refere à sexualidade (Martini, 2019; Souza & Chaves, 2017). A sexualidade - mosaico de atitudes socialmente organizadas que envolve as excitações que proporcionam prazer aos sujeitos - desde a infância (Freud, 1905/2016; Lacan, 1992) é organizada pelas famílias por intermédio de discursos, não se limitando aos órgãos genitais e às relações sexuais, comportando também a linguagem, por exemplo (Neves, 2019; Savegnago & Arpini, 2016).

Na Contemporaneidade, o laço social baseado na diminuição da autoridade paterna produz diferentes efeitos, dentre os quais a suposição da plena liberdade, a sensação de poder e a busca incessante pelo gozo são organizadas pelo saber científico e pelas relações de consumo (capitalismo) que estabelecem regularidades e normalizações (Souza & Chaves, 2017). Em relação às tentativas de regularizações da sexualidade, no Brasil pode-se observar o acirramento das disputas entre grupos tradicionalistas/moralistas e grupos que defendem a existência (e os direitos) da sexualidade desde a infância; em outras palavras, trata-se do conflito entre a suposição da naturalidade e da normalidade do modelo da família nuclear composta por adultos heterossexuais e a assexualidade infantil versus o reconhecimento de modelos e dinâmicas não tradicionais de famílias e de manifestações sexuais desde a infância (Miskolci & Campana, 2017).

Neste sentido, diversos dispositivos - família, medicina, direito, religiões, escolas, mídia e etc. - são mobilizados e disputam o controle sobre a sexualidade das crianças e dos adolescentes (Leite, 2019; Seffner, Borrilo, & Ribeiro, 2018). A problemática se acirra quando o assunto compete à sexualidade dos adolescentes designados como deficientes, tais como são concebidos por parcela expressiva da sociedade os sujeitos autistas (Barnett, 2017; Navone, 2018) muitas vezes são desacreditados da possibilidade de vivenciarem satisfatoriamente sua sexualidade. Desse modo, a falta de diálogo sobre o assunto gera potenciais riscos e vulnerabilidades psicossociais para essa população (De Tilio, 2017; Ottoni & Maia, 2019).

Desde suas primeiras descrições o autismo enfrenta disputas teórico-científicas entre diversas áreas (Donvan & Zucker, 2016; Moraes & Perrone, 2018). De maneira geral, o Transtorno do Espectro Autista (TEA) é compreendido como a presença de características observáveis, geralmente desde a primeira infância, de desinteresse na interação com o outro, além da presença de padrões repetitivos de comportamentos, tais como balançar o corpo para frente e para trás, balançar as mãos ou os pés, estalar dedos e repetir sons ou palavras entre outros (American Psychiatric Association [APA], 2014). Considerado um transtorno do neurodesenvolvimento, sujeitos autistas comumente são submetidos às estratégias de adaptação social (Laurent, 2014). Todavia, numa perspectiva psicanalítica lacaniana, o sujeito autista possui particularidades em seus laços sociais, tendo uma forma singular de inserção no campo da linguagem (Bracks & Calazans, 2018), isto é, o autismo não seria uma doença ou uma desvantagem, mas sim uma maneira distinta de participação do sujeito no discurso e no laço social (Binevicius & Lourenço, 2020; Maleval, 2017).

Nascimento e Bruns (2019) destacam a escassez de pesquisas sobre as relações entre vivências da sexualidade por parte dos sujeitos autistas. Porém, compreende-se, então, que mesmo diante das dificuldades de se fazer falar os sujeitos autistas sobre sua(s) sexualidade(s), a psicanálise pode auxiliar as famílias de sujeitos autistas na compreensão dos discursos sobre tal tema (Laurent, 2014; Maleval, 2017). Neste sentido, a psicanálise lacaniana além de ser um método de investigação/tratamento clínico também permite a investigação dos discursos que estruturam o laço social, possibilitando a compreensão das relações de poder que produzem sujeitos (Dunker, Paulon, & Mílan-Ramos, 2017; Mariani & Magalhães, 2013). Assim, o objetivo deste estudo foi investigar discursos de familiares sobre a sexualidade de sujeitos autistas.

 

Aspectos Metodológicos

Tipo de Estudo

Estudo exploratório, transversal e qualitativo.

Participantes

Contribuíram com o estudo dezesseis participantes, todos inseridos em famílias nucleares heterossexuais, a saber: dois sujeitos autistas; oito mães de sujeitos autistas; três pais de sujeitos autistas; dois irmãos de sujeitos autistas; e um avô de sujeito autista - apresentados na Tabela 1. A decisão por entrevistar sujeitos autistas adolescentes se justifica visando tanto evitar as particularidades pertinentes às entrevistas com crianças, quanto enfatizar sujeitos que estivessem em momentos culturalmente demarcados como problematizadores da sexualidade (Bianco & Nicacio, 2015).

Instrumentos

Foram utilizadas entrevistas semiabertas cujos roteiros - específicos para cada membro da família - foram elaborados pelos próprios pesquisadores.

Procedimentos de Coleta e de Análise dos Dados

Os participantes foram contatados mediante a colaboração de uma ONG de uma cidade de médio porte de Minas Gerais que apoia voluntariamente famílias de sujeitos autistas. Após consentimento dos participantes, as entrevistas foram individualmente audiogravadas em uma sala da ONG - para futuras transcrições - com o intuito de uma análise de conteúdo temático (Braun & Clarke, 2006). Após serem agrupados em temas, os dados foram analisados a partir da perspectiva psicanalítica lacaniana da teoria dos quatro discursos.

Referencial Teórico

Os discursos organizam sentidos e modos de gozos relativamente estáveis entre os sujeitos, permitindo, assim, partilhar relações sociais (Dunker et al., 2017; Gaspard, 2012; Lacan, 1992; Mariani & Magalhães, 2013). Ao especificar as múltiplas possibilidades de compreensão dos discursos como constituintes dos laços sociais e das relações de poder entre os sujeitos, Dunker et al. (2017) destacam a teoria dos quatro discursos formulada por Lacan como possibilidade de questionar a unidade dos sujeitos diante das estruturas sociais.

Lacan (1992) elaborou a teoria dos discursos especificando quatro modos de estruturação do laço social que ocorrem por meio da organização entre elementos ($: sujeito barrado/cindido; S1: significante mestre; S2: saber; objeto a: objeto-a-mais-de-gozar, causa do desejo) distribuídos em posições específicas (agente/semblante: regime da aparência, no suporte à verdade se faz semblante; verdade: lugar apreendido apenas por seus efeitos e sustentado pelo seu agente; outro: lugar a quem o sujeito se endereça e de onde a fala retorna; produção: efeitos dos discursos e das relações entre os elementos) num formato de quadrante, divididos dois a dois, por duas barras, que simbolizam a resistência à significação. Especificamente, as relações entre os termos podem ser expressas pela fórmula a partir dos quatro discursos responsáveis pelos laços sociais (Castro, 2009; Dunker, 2017):

Lacan (1992) ainda incluiu que setas de conexão possam orientar o sentido da cadeia significante (progressão e regressão) possibilitando a circulação dos elementos pelos lugares fixos do quadrante. Além disso, Lacan (2003) incluiu as categorias impossibilidade (partindo do agente em direção ao Outro1, indicando a inscrição do furo estrutural específico de cada discurso) e impotência (localizada entre os lugares da produção e da verdade, partindo da produção em direção à verdade, protegendo a última), que se localizam em lugares específicos na estrutura dos discursos.

Em relação aos discursos, parte-se do discurso do mestre (Figura 1) que ao se realizar quartos-de-giro progressivos entre os elementos, outros três discursos são gerados. Esse é o discurso do governar que provoca um assujeitamento do outro se tratando de um sujeito que efetivamente sabe e não de um sujeito suposto a saber, típico do seu discurso avesso, que é o discurso da psicanálise.

 

 

Já o discurso da psicanálise (Figura 2) pretende produzir um saber próprio por parte dos sujeitos a partir (do semblante propiciado pelo analista) do objeto causa do desejo. Havendo mais um quarto-de-giro do discurso do mestre, decorre o discurso da histérica (Figura 3), que é o da impossibilidade de fazer desejar a partir de um sujeito barrado que se dirige ao outro como fonte do saber.

 

 

 

 

Por fim, de mais um quarto-de-giro decorre o discurso universitário (Figura 4), segundo o qual o outro é tomado como objeto a partir de um semblante de saber, ou seja, é o discurso do educar e o que produz sujeitos barrados partindo de um saber-mestre.

 

 

Aspectos éticos

Essa pesquisa é parte componente do projeto Discursividades Contemporâneas Sobre Sexualidade e Gênero aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da instituição de origem dos pesquisadores (CAAE 89552318.9.0000.5154 na Plataforma Brasil).

 

Resultados e Discussão

Para a apresentação e discussão dos resultados foram estabelecidos quatro eixos temáticos que compilam os principais temas discursivos para este estudo, a saber: sexualidade - desconhecimento e a presença da ciência-; imaturidade e incapacidades biológicas diante da sexualidade; mães cuidadoras e confidentes; negativas e possibilidades de produção do reconhecimento da sexualidade.

Tema 1 - Sexualidade: Desconhecimento dos Familiares e a Presença da Ciência

Em resposta a uma questão do roteiro de entrevistas - "O que você entende por sexualidade?"-, mães e pais apresentaram dúvidas e questionamentos: "Sexualidade? O que é sexualidade? Sensualizar? Como que é isso?" (Nina, 38 - mãe da Simone, 12); "Sexualidade. O que é sexualidade? Eu acho que todo mundo tem, mas eu não sei o que é exatamente sexualidade. Não consigo te definir" (Janis, 39 - mãe do Dylan, 12); "Deixa eu tentar te explicar. Na minha cabeça vem que, ele... não sei. Só vem preocupação" (Milton, 47 - pai do Ney, 15).

Estes questionamentos dos participantes se assemelham aos realizados pelo sujeito cartesiano diante de um saber constituído; e a partir deste movimento Lacan apontou a ciência e sua mobilidade frente ao sujeito das ciências humanas. Assim, o conhecimento sobre a sexualidade foi produzido pelos participantes mediante o discurso da ciência, haja vista que os discursos não se apresentaram no domínio da formulação de um saber próprio por parte do sujeito (Lacan, 1992), mas que foi endereçado à entrevistadora na esperança que ela pudesse responder às indagações, como se houvesse uma resposta universal ao domínio do cientista (figura ocupada pela entrevistadora). Apesar de não estabelecido por Lacan - que considera que todos os quatro discursos embutem a ciência - o discurso científico demonstra como a ciência se manifesta na cultura, ou seja, por meio do autogoverno imaginário do sujeito através da universalização do conhecimento (Rocha, 2021).

Nota-se com maior clareza esse atravessamento da ciência nas colocações de outros pais e mães que definiram a sexualidade como sendo a relação sexual (coito), a diferenciação entre os sexos (macho, fêmea) e/ou gêneros (masculino, feminino), a reprodução biológica, os elementos do corpo (hormônios), os afetos (amor) e os interesses. Sendo assim, têm-se as seguintes indagações: "Em que sentido, assim? (...) Não, com relação a sexo?" (Chico, 59 - pai de Caetano, 13); "Sexualidade? (...) vem de sexo? Ai, é, acho que é sexo, masculino, feminino. O corpo é o (...) tem a ver com o corpo da pessoa" (Arnaldo, 63 - avô do Raul, 16); "Eu acho que é o processo normal do desenvolvimento do ser humano, que tem as suas fases. Aí depois tem a sua fase sexual, que é a reprodução, que é fazer sexo, o amor. É difícil de dizer. Eu nunca parei pra pensar! [risos]" (Elza, 52 - mãe do Ney, 15).

Os significantes destacados pelos participantes (sexo, corpo, desenvolvimento, fases, reprodução) se referem quase que exclusivamente aos termos das ciências biológicas - considerados, portanto, verdadeiros - para explicar o que seria a sexualidade de qualquer sujeito, em geral, e dos sujeitos autistas, em específico. Trata-se aqui de discursos em relação aos quais parece não haver falhas no sujeito (S2 sustentado pelo S1), enquanto o outro é considerado objeto de um saber. Tendo como agente/poder/semblante o S2, o discurso universitário é equiparável, em partes, ao saber científico, pois o sujeito da ciência universitária se caracteriza como um sujeito crente em um saber onisciente, pautado nos conhecimentos produzidos por uma classe acadêmica que é valorizada socialmente. E assim ao outro sobra o silêncio ("é difícil de dizer. Eu nunca parei pra pensar!") ou o lugar de porta-voz reprodutor desses enunciados (Jorge, 1997).

Tema 2 - Imaturidade e Incapacidades Biológicas diante da Sexualidade

As mães participantes destacaram em seus discursos as mudanças fisiológicas nos filhos autistas na adolescência. As mães das adolescentes autistas citaram o crescimento dos seios, enquanto as dos adolescentes autistas citaram o crescimento do corpo, dos pelos, do pênis e a ejaculação. Os pais, irmãos e o avô participantes - todos em referências aos sujeitos autistas do sexo masculino - destacaram as mudanças de comportamentos (esconder conversas de WhatsApp e os interesses por atividades como videogame e computadores).

Sete das oito mães participantes relataram a imaturidade psicológica nos adolescentes em relação ao crescimento do corpo, fazendo uso frequente de adjetivos como criançona, bebê e imatura em seus discursos sobre a sexualidade dos sujeitos autistas. Os três pais também apontaram a imaturidade dos filhos diante das alterações do corpo. Não raro, os sujeitos autistas foram considerados por seus familiares, cuidadores e rede de contatos, como sexualmente imaturos, inadequados ou descontrolados e, por isso, são repreendidos quando ocorrem essas manifestações (Ottoni & Maia, 2019).

As mães e os pais relataram o atraso, a ausência ou a incompreensão dos sujeitos autistas sobre a própria sexualidade - o significante retardamento foi amplamente utilizado em comparação aos adolescentes neurotípicos. Os irmãos e o avô destacaram uma possível dificuldade dos sujeitos autistas para se envolverem e se interessarem sexualmente por outras pessoas, mesmo que isso possa ocorrer. Dessa forma, discursos baseados em concepções biológicas da sexualidade - decorrente da puberdade - legitimam sua ausência em função de um corpo biologicamente faltoso (Maia, 2016), por exemplo:

O autista ele vai ter a sua sexualidade normal, como a gente. Talvez um pouco retardada, porque cada autista tem uma comorbidade diferente. No caso do Caetano, ele tem um déficit cognitivo, que eu acho que vem por causa da prematuridade. É, mas ele tem a sexualidade dele. Eu acho que mesmo que ele não desenvolva a parte do sexo de fato, ele vai carregar essa sexualidade em algum nível. E ele tem algumas reações, só que ele não compreende essas reações. Então ele tem uma reação física da sexualidade, que é do físico, é fisiológico, do corpo e dos hormônios. E ele tem uma parte do cérebro dele que interpreta tudo isso que não está madura. Então, ele está imaturo para reconhecer e entender isso que está acontecendo com o corpo dele. O que eu acho que seja natural na adolescência, mas que nele talvez demore um pouco para ele entender. Que, por mais que a gente explique, ele vai absorvendo aquilo, vai absorvendo, mas o entendimento do porquê acontece, ligar isso com o sentimento, pra ele é mais difícil. Porque o autista tem grande dificuldade de trabalhar a emoção, as questões emocionais. Então pra ele, inclusive entender, ele tem que vivenciar a emoção. Se ele está chorando a gente tem que explicar: "você está chorando porque você está triste". Ou se ele está alegre, pulando, tem que dizer: "você está assim porque você está alegre". (Elis, 55 - mãe do Caetano, 13)

O excerto anterior expõe as dificuldades sexuais e emocionais do filho autista. De acordo com a mãe, a sexualidade estaria atrasada (retardada) devido ao atraso cognitivo. Ao se apropriar do diagnóstico (Transtorno do Espectro Autista) para caracterizar o sujeito autista, são produzidas limitações no campo da sexualidade. Sustentada pelo semblante de saber (S2), a mãe, em caráter de um discurso universitário, utilizou desse conteúdo para repassar ao outro (objeto a) o que advém dela, produzindo, assim, um sujeito que se aliena diante dessa categorização tida como verdadeira.

O efeito bumerangue (Vorcaro, 2011), decorrente do diagnóstico científico de autismo, reduz o saber parental ao saber ordinário constitutivo do laço social sobre o sujeito autista. Esse efeito bumerangue também incide no campo da sexualidade dos sujeitos autistas quando, a partir do suporte do saber científico, seus pais reiteram discursos de saber-poder que concebem sua sexualidade enquanto retardada e/ou anormal. No entanto, a sexualidade não deve ser concebida como uma unidade que será atingida com a utilização dos órgãos sexuais na pós-puberdade, mas sim como uma diferença e singularidade dos sujeitos (Freud, 1925/2002, 1905/2016). Devido às singularidades dos sujeitos autistas é possível a ocorrência de desordens sociais na expressão da sexualidade; contudo, isso se daria devido à falta de orientação e de suporte social e não devido a um fator biológico que obstaculiza a expressão da sexualidade (Maia, 2016).

Dois pais participantes questionaram a capacidade dos seus filhos autistas se relacionarem sexual e/ou emocionalmente com outra pessoa devido aos prejuízos na interação social decorrentes de fatores biológicos:

Porque a mente dele é muito infantil. O Alceu é muito infantil. Ele teve um atraso mental nele. O Alceu não tem essa noção, do que é relacionar com alguém mesmo. [entrevistadora: Atraso mental?] Ah, você vê pelo irmão dele que com 12 anos já estava pensando em namorada, nessas coisas. E o Alceu nessa idade só pensava em brincar, não quer saber em namorar, nunca pensou nessa parte de namorar. (Dorival, 45 - pai do Alceu, 17)

É preocupação. E só. Porque ele não tem como. Eu só fico preocupado mesmo de como ele vai reagir, se vai reagir, se ele tem isso, se já tá acontecendo. Eu não sei. Porque pela idade dele eu não sei, se ele já se masturba sozinho, se ele já se sente assim. Eu nunca vi, nunca peguei não. Então não sei se existe, se já existe. [entrevistadora: Se existe a sexualidade?] É, não sei se existe não. Não sei se já tá acontecendo, sabe? Nunca vi. [entrevistadora: E se existir, você acha que seria bom ou não?]. Eu acho que sim. Na medida dele. E a gente ter o interesse assim, procurar um especialista pra ver como tem que ser. Porque ele vai, não tô querendo ser machista, mas eu quero que seja as coisas normais pela cabeça dele. Se vai ter que ter, se não vai ter que ter. Se vai ter que segurar, se tem algum medicamento, se vai precisar usar um medicamento pra não ter isso. [entrevistadora: Isso que você fala é o que?]. É isso, a sexualidade, né? Que você perguntou. Porque se for melhor segurar isso pra ele, a gente tem que procurar orientar. (Milton, 47 - pai do Ney, 15)

Os pais participantes, em lugar de mestria (discurso do mestre), indicam o papel do corpo e, assim, definem as condições dos filhos; o outro (sujeito autista) é instituído como sujeito faltoso possuidor de um déficit e que, portanto, não detém capacidade de estabelecer relacionamentos afetivos-sexuais considerados adequados. Assim, a predominância do argumento "incapacidade do sujeito autista em estabelecer relacionamentos sexuais e afetivos" nos discursos dos pais, destaca a sexualidade definida apenas a partir das características biológicas do corpo (Santos, 2015).

Dentre os participantes, Milton (47) destacou a utilização de medicamentos para controlar a sexualidade do filho, valorizando o saber científico sobre o corpo do outro para produzir alívio (Bernardino, 2016). O discurso da ciência situa os adolescentes neurotípicos e, mais ainda, aqueles com deficiências/transtornos - no caso, os sujeitos autistas - como incompletos, segregando-os (Lima, Fontenele, & Gaspard, 2018). Por sua vez, a produção da segregação é um dos efeitos do discurso do mestre em conformidade ao discurso da ciência, que ao concentrar o conhecimento sobre um fenômeno/objeto (Lacan, 1992) - o autismo, no caso -, pode ser concebido como concentrado nos transtornos globais do desenvolvimento e no campo das deficiências.

Tema 3 - Mães Cuidadoras e Confidentes

Um dos discursos mais frequentes dos participantes foi sobre a necessidade do acompanhamento materno quanto à higiene íntima do corpo dos filhos autistas. Segundo os participantes, isso seria decorrência das especificidades do autismo que em algum grau causaria limitações necessárias de serem atendidas pelos cuidadores (Nobre & Souza, 2018; Silva et al., 2018). A maior parte dos cuidados dos filhos recai sobre as mães (as oito mães participantes são as principais cuidadoras dos filhos[as]): "Ele não toma banho direitinho, então, uma vez por semana eu tenho que dar banho nele e falo: 'põe esse peru [pênis] pra fora!'" (Janis, 39 - mãe do Dylan, 13); "É que às vezes eu fico lá, até faço a faxina na cabeça, porque ele lava a cabeça mal lavada: 'hoje é dia de faxina!'. Eu vou lá e lavo a cabeça dele" (Rita, 44 - mãe do Belchior, 13).

Para Mapelli et al. (2018), Misquiatti, Brito, Ferreira, e Assumpção (2015) e Silva et al. (2018) as mães de sujeitos autistas acentuam os cuidados dos seus filhos, sendo vigilantes e protetoras em excesso. Enquanto isso, os pais, segundo os discursos dos participantes, assumem posições secundárias no auxílio dos filhos - replicando as formas tradicionais de dinâmicas familiares nucleares heterossexuais. Nesse sentido, nas entrevistas de pais e de mães, o discurso do mestre tomou destaque - o lugar de agente é ocupado pelo significante mestre (S1), daquele que vigia, ordena e qualifica o corpo do sujeito autista - numa suposição de dever cumprido pela execução de sua função, mas que aliena o sujeito autista em sua condição de sujeito; isso ficou evidente com o emprego de imperativos como "põe esse peru pra fora!" ou "hoje é dia de faxina!", que destacam significantes que retificam (e subordinam) o corpo do sujeito autista.

Segundo Laurent (2014) e Maleval (2017), é pela via da palavra e pela construção de significantes que o corpo é delimitado pelo(s) outro(s), no caso, principalmente pelas mães cuidadoras. Portanto, as maneiras pelas quais os corpos e sexualidades desses sujeitos autistas são marcados pelos discursos é o que provavelmente vai definir seus laços sociais. As suposições de retificação, de incapacidade e de insuficiência destacadas no discurso do mestre das mães participantes retroalimentam suas inseguranças (Segeren & Françozo, 2014), haja vista que o interesse do mestre não está em saber, mas em ordenar. Como argumenta Lacan (1992) "um verdadeiro senhor não deseja saber absolutamente nada - ele deseja que as coisas andem" (p.123). O funcionamento do discurso do mestre por parte das mães também se apresentou quando elas se afirmaram como figuras de referência para os filhos:

Aí ele: "Você acha que eu vou dar conta de depilar meu saco, mãe?"; "Eu acho que vai doer demais, Dylan". Aí ele: "Então olha aqui pra mim!". Aí isso de noite, o pai no quarto, umas quatro horas da manhã. Aí eu: "A não Dylan, eu vou ter que ver isso?". Ai ele: "Vai ter que ver!". Aí foi lá e tirou a cueca. Aí o irmão: "Olha o meu!". Aí eu: "Nossa! Pelo amor de Deus, gente. Eu vou ter que tomar mais um Rivotril pra dormir. Vocês vão ser desse jeito quanto tiverem vinte anos?" Ele falou assim: "Eu vou, qual é o problema?". (Janis, 39 - mãe de Dylan, 13)

Aí eu tento explicar pra ele porque faz xixi pra cima, né? E aí o meu marido implica: "Tá fazendo xixi fora do vaso". "Mamãe, porque eu tô fazendo xixi fora do vaso?"; "Porque o pipi fica duro, aí você tem que fazer sentado que fica melhor". (Elis, 55 - mãe do Caetano, 13)

Além de mostrar que os filhos depositam na mãe o lugar de mestre, esses discursos destacam a autovalorização das mães quanto ao seu lugar de confidente dos filhos, delegando aos pais posições de repreensão afastadas do diálogo sobre o corpo do sujeito autista - ambos reiteram estereótipos de homens e mulheres pautados em tradicionalismos de gêneros (Bianco & Nicacio, 2015). Todavia, conforme relataram, as mães não são capazes de responder e compreender todos os aspectos concernentes aos filhos, o que é explicado pela impossibilidade estrutural de tudo governar (Lacan, 1992).

A masturbação (feminina e masculina) dos sujeitos autistas foi significada pelas mães como uma necessidade fisiológica que pode ser exercida desde que de maneira privada:

Ah, ela roçava o corpo na cadeira. Quando ela estava assim, por exemplo, jogando no computador (...) e aí eu sempre ia no computador olhar, ver se ela estava fazendo uso de alguma pornografia ou qualquer coisa assim, e não era. Você via que era fisiológico, corpo mesmo, né. Então eu falei: "Então ótimo, muito bom. Ela tem que ter isso. Ela já conseguir fazer isso e se resolver.". E hoje eu não vejo mais ela fazendo, não vejo. (Zizi, 49 - mãe da Nara, 12)

Agora essa questão de mexer, de ficar manipulando o pênis eu não falei nada, achei normal, dentro do quarto, então acho que não vou chamar a atenção pra isso. Agora se expor, aí é diferente, aí tem que dar uma falada. É isso mesmo? [risos] Tô certa? [risos]. (Rita, 44 - mãe do Belchior, 13)

A sexualidade do sujeito autista é aceita quando compreendida como expressão dos aspectos biológicos, mas se excedente (por exemplo, quando da recorrência à pornografia visando a excitação) ela é vetada. Assim, destaca-se a presença do discurso do mestre a partir do domínio do "tudo o saber", para que dele nada escape. Como consequência, esse discurso do mestre "impregna a cultura, levando as pessoas a buscarem as normatizações - tentativa essa de enquadrar a singularidade ao modelo social em uma linguagem direcionada a todos" (Mrech & Rahme, 2011, p. 13). É nesse sentido que o discurso do mestre se alinha aos discursos produzidos por essas mães: um discurso que pretende evitar o erro e maximizar o controle pautado no saber científico socialmente validado (Rocha, 2021).

O sujeito da Contemporaneidade está fadado a recorrer ao saber homogêneo ("é isso mesmo? Estou certa?") travestido de Outro soberano da ciência enquanto única forma possível de saber (Sgarioni & D'Agord, 2013). Isso é notório nos discursos dos pais quando recorreram ao diagnóstico, na tentativa de aliviar seu sofrimento ao nomear as manifestações e idiossincrasias dos filhos - são assim porque são sujeitos autistas e os relacionamentos sexuais são proibitivos:

Eu acho que não [ter um relacionamento]. Porque ele tem as dificuldades dele, assim, os problemas dele. Então eu acho que teria que ser uma mulher especial também. Porque igual lá na APAE2 eles têm os adolescentes que namoram entre si, né? Mas eu não sei se eles chegam ao ato sexual. Porque na minha cabeça o Ney não tem condição de ter um relacionamento desse jeito. Apesar dele querer, de falar que ama, falar que é apaixonado. Igual eu brinco: "Ney, essa menina não gosta de você não". Porque a menina é bem custosinha, sabe? Ainda bem que ela passou para[o período escolar] de tarde [risos]. Mas ela é bem custosa. Ela é bonitinha, a danada. Aí eu falei assim: "Ney, ela não tá nem aí pra você não". "Mas eu gosto dela, eu amo ela". (Elza, 52 - mãe do Ney, 15)

O trecho anterior colabora com dois fatos: o reforço da proteção materna por meio da resistência frente às potencialidades do filho e a negação dos interesses sexuais dos sujeitos autistas (significados como brincadeiras, erros e/ou inadequações). Quando o sujeito é reconhecido a partir do significante autismo o corpo passa a ser reconhecido a partir de uma marca de deficiência e de minoração (Maleval, 2017; Santos, 2015). Deslegitimar esses interesses é deixar de apostar nesses sujeitos autistas enquanto sujeitos de desejo (Bastos & Deslandes, 2012; Vieira, 2016). É nesse sentido, portanto, que o discurso do mestre produz efeitos de assujeitamento:

Como que eu espero? [que a sexualidade seja vivida pelo autista]. Eu não espero. Eu não queria que tivesse sexualidade. Já que tem que ser assim, já que tem que acontecer, porque é uma coisa assim, da natureza, do ser humano, quanto mais tarde for, melhor. E assim, sinceramente, eu não sei como é que eu vou agir, como é que vai acontecer. Então eu não espero. Por enquanto não. Por mais que eu já tenha pensado, assim, questionado, como é que vai ser, o que é que vai acontecer. (Elza, 52 - mãe do Ney, 15)

A recusa presente no discurso da mãe aponta para a tendência racionalista do modo de pensar científico. Na expectativa, para que não haja qualquer manifestação da sexualidade, as mães escancaram a sagacidade da ciência em dar imediatamente sentido a tudo, evitando dúvidas ou vacilações (Sgarioni & D'Agord, 2013). Para Ferreira e Vorcaro (2017) e Vieira (2016) pais de sujeitos autistas vivem a angústia do luto ao filho idealizado, do diagnóstico dos especialistas e, ainda, da inconstância frente ao futuro dos quais decorrem a superproteção materna e a preocupação em relação à identidade de gênero e sexualidade dos sujeitos autistas. Sendo assim, todos estes aspectos foram mencionados pelos participantes:

Eu quero assim, que ela saiba logo se ela gosta de menino ou se ela gosta de menina, sabe? Eu queria que ela soubesse logo, não sei porquê. Não sei porquê pra mim é importante, mas eu queria que ela soubesse logo. Não sei porquê. É uma coisa que eu ainda não consigo te falar porquê. Mas eu gostaria que ela identificasse e eu pergunto pra ela. "Você gosta mais de menina ou de menino? Você gostaria de beijar um menino ou uma menina? Você queria que um menino ou uma menina te beijasse na boca?". Aí ela falou: "Não. Eu gostaria que um menino me beijasse". (Zizi, 49 - mãe da Nara, 12)

Já perguntei pra ele: "Você gosta de meninas?". "Gosto". É muito natural pra gente. Um dia não sei o que foi que ele falou comigo: "Nossa mamãe, menina é muito chata né?". Aí eu falei com meu irmão e com o amigo: "Eu acho que o Dylan é gay porque ele acha menina chata". Aí o amigo me disse que ele está na fase de achar meninas chatas, e meninas também acham meninos chatos. Aí eu pergunto: "Dylan, você gosta de meninas?". Aí ele me fala: "Gosto!". Eu fico com medo dessa pressão lá em casa. Porque como o irmão é bailarino, eu fico com muito medo dessa relação com o homossexual. O pai fica: "Porque você vai virar viado, não sei". (Janis, 39 - mãe do Dylan, 13)

O saber sobre a sexualidade enquanto dispositivo do discurso universitário presente nos trechos anteriores, instaura uma redução do desconhecido àquilo que já se conhece. O desconhecido gera medo e, consequentemente, recusa, daí a necessidade em apropriar-se de um conhecimento legitimado a fim de significar aquilo que se apresenta no outro. A consequência para o laço social decorrente desse tipo de discurso é a burocratização das relações sociais e a negação da pluralidade da linguagem, tornando difícil o acesso ao novo, haja vista a possibilidade do desconhecido desmoronar o império do saber (Brandão, 2019).

Concomitante a isso, os discursos dos pais parecem se concentrar na preocupação de transmitir valores aos sujeitos autistas, especialmente os de identidade de gênero masculina e de orientação heterossexual para evitar outras marginalizações (Silva, Vieira, & Schneider, 2016). Assim, é importante destacar que os três pais participantes são heterossexuais e estão em casamentos monogâmicos que historicamente valorizam as distinções entre os gêneros e incentivam a virilidade sexual (Borges & Chagas, 2019):

Sim, porque ele é (...) no campo da sexualidade ele demonstra interesse porque são pessoas anônimas que ele não tem contato. Mas só que ele tá entrando nesse campo, que nem eu te falei. Eu não acho que o Alceu é gay. Ele tá entrando nesse campo de ter uma relação com outro homem, de conhecer outro homem porque pra ele é fácil. Tá ali pela internet, tá mais fácil, foi o que ele conseguiu encontrar. Ele não tem a capacidade. Na idade dele, me comparando com ele, eu saia a noite, ia pra barzinho, começava a ir nas festas, é, conhecer pessoas, entendeu? Ia procurar mulheres, ia procurar pessoas do sexo oposto. Eu acho, ele não tem essa capacidade de sair. Mesmo que ele não beba, eu falo "Alceu, vâmo ali, vâmo passear, num barzinho". "Não, não quero". Um dia a gente foi numa sorveteria e tinha umas meninas que ficava olhando pra ele, assim, e o Alceu, ele é um rapaz bonito, entendeu? Falei: "Alceu a menina tá olhando pra você, você conhece?". "Não, não conheço"; "Não quer ir lá conhecer?"; "Não, não quero conhecer". (Dorival, 45 - pai do Alceu, 17)

Ficou evidente o fato de os pais estimularem o interesse heterossexual dos filhos autista. Smeha (2010) destacou que pais de sujeitos autistas se preocupam em transmitir valores tradicionais de masculinidade para seus filhos, como tentativas de evitar outras marginalizações ou negar as particularidades dos filhos autistas. Nas entrevistas isso ficou evidente quando um dos pais relatou:

Ah, passando na rua assim. Mesmo quando a mãe dele tá perto, eu falo: "Olha que gatinha, Ney". Mas é brincadeira. Não é assim querendo jogar nada em cima dele não, dele namorar não, nada disso. É só brincadeirinha mesmo. Sem "Olha lá, gostosa". Nada disso não, é só "gatinha". Ah, é coisa masculina, né? Coisa masculina de homem que geralmente tem. Então, ele entra na onda, né, ele aprende também e aí ele mesmo fala "Olha as gatinhas ali, papai". (Milton, 47 - pai do Ney, 15)

E a gente fala "na vida da gente a gente cresce, a gente tem que ter um objetivo na vida, precisa trabalhar, você precisa ter uma profissão, você precisa ter um estudo, você precisa montar uma família. Se você quer montar uma família do jeito que você está pensando em montar, saiba que você vai passar por isso, por isso e por isso". [entrevistadora: Isso o que?]. Do homossexualismo. Não é o que a gente quer para ele, entendeu? Isso aí se ele quiser ele que vai tá fazendo a escolha dele. Mas a gente é cristão e a gente falar que isso não é certo, entendeu? Se é isso que ele quer pra vida dele, se vai fazer ele feliz, lógico que a gente quer o Alceu feliz, entendeu? Mas eu acho que primeiro ele precisa ter umas experiências na vida dele pra ele saber se é isso que ele quer. (Dorival, 45 - pai do Alceu, 17)

Nestes relatos os pais ocupam o lugar de saber (S2) ao gerenciar a transmissão de valores tradicionais aos filhos autistas que ocupam o lugar de objeto a - discurso universitário que ao impor uma suposta verdade impede a interferência de qualquer aspecto subjetivo. Nesse discurso, há espaço somente para a confirmação dos saberes acumulados; o agente desse discurso está fadado a recolher os significantes, organizando o discurso em torno de uma ordem estabelecida (Brandão, 2019).

Tema 4 - Negativas e Possibilidades de Produção do Reconhecimento da Sexualidade

Os discursos dos irmãos, por sua vez, estabeleceram sentidos e destacaram temas de maneiras divergentes das realizadas pelos pais e mães, apostando na possibilidade da vivência da sexualidade de seus irmãos autistas a despeito das particularidades ou das dificuldades que estes possam enfrentar nestes assuntos. Os irmãos relataram que os sujeitos autistas podem desenvolver recursos para enfrentar essas adversidades, mas a superproteção dos pais - principalmente das mães - tende a coibir as expressões da sexualidade do sujeito autista:

Porque eu acho que vai ser bom pra dar um tempo dele amadurecer. Porque como as pessoas ficam sempre evitando que aconteçam situações. Essa da sexualidade com certeza vai ser uma que vai ser evitada por um tempo. E aí eu acho que vai dar tempo dele amadurecer psicologicamente pra dar tempo dele entender o que é o ato sexual. Porque, por exemplo, ele não entende que um homem sai com outro homem e envolve uma penetração anal e que, provavelmente, ele vai ter um surto porque vai doer. Então como é que você pega uma pessoa que não entende, que não tem um desenvolvimento psicológico pra entender e coloca no meio disso? E se a outra pessoa não tiver (...) porque a outra pessoa não vai ser uma mulher, vai ser um homem (...) resolver agredir ele. Então tem que esperar, porque ele tem que entender. (Gal - irmã do Caetano, 13)

[entrevistadora: Você acha que pode ser diferente um autista viver a sexualidade dele do que uma pessoa que não tem autismo?] Provavelmente deve ser difícil. Porque ele tem o mundinho dele. Às vezes se desregular fica difícil, né. Porque como eles têm o mundinho deles, se eles ficar (...). Porque vamos supor, no mundinho deles é tudo padrão: homem é homem, mulher é mulher, criança é criança, trans é trans. É, às vezes se for alguma pessoa lésbica, trans ou essas coisas, às vezes pode desregular. [entrevistadora: Se o autista for lésbica ou trans?] É, ele pode sofrer até entender isso que acontece com o corpo dele. (Roger, 12 - irmão do Dylan, 13)

Esses trechos ilustram aspectos/efeitos assemelhados ao modo de funcionamento do discurso da psicanálise no que se refere às apostas e expectativas depositadas no sujeito autista em contraposição ao diagnóstico atribuído e seus limites- estes últimos que são elementos do discurso do mestre. Devido aos espaços que ocupam nas dinâmicas familiares (fraternidade, proximidade etária e afetiva etc.), os irmãos podem servir como elementos importantes para a melhoria da qualidade de vida de sujeitos autistas (Loureto & Moreno, 2016), especialmente por poderem - às vezes - se contrapor aos discursos dos pais.

Neste sentido, o discurso da psicanálise destaca a posição de objeto a (causa do desejo) ocupada pelo analista (e, no caso, pelos irmãos - mesmo que não ocupem intencionalmente a posição de analistas), pretendendo que o sujeito autista produza saberes (e experiências) próprios e singulares. Em outras palavras, há a possibilidade de o sujeito autista gozar (do outro) de maneira autônoma tendo domínio sobre seu próprio corpo. É o discurso da psicanálise que coloca o sujeito para desvendar seu sofrimento e descobrir suas próprias verdades - não se traduzindo nem em mestria (discurso do mestre) nem em educação (discurso da ciência, e também discurso universitário):

O analista não é aquele que adestra o sujeito autista, já que está advertido da relação de objeto no real que caracteriza a relação do sujeito autista com o Outro. Ele sabe que esse sujeito poderá se oferecer como objeto e, ao mesmo tempo, situá-lo como Outro gozador. O analista, ao contrário, causado por seu desejo de analista, será um Outro que se deixa descompletar, o qual criará as condições para que esse sujeito encontre, em alguma medida, um ponto aonde alojar-se no Outro e possa passar a circular um objeto que poderá inclusive ter o estatuto daquele que condensa algo de um gozo que se "separou" do corpo. Isso redundará então em uma possível pacificação do sujeito autista e na possibilidade de estabelecer com o Outro alguma forma de vínculo. (Restrepo, 2012, p. 61)

É nesse sentido, portanto, que o discurso da psicanálise pode ser contributivo: não se trata de ajustar/adaptar o sujeito autista em um campo da sexualidade considerada neurotípica, mas sim possibilitar que ele se singularize diante dos aspectos traumáticos da sexualidade que incidem sobre quaisquer sujeitos (Maleval, 2017). A ética da psicanálise tem caminho inverso às tentativas de obstrução do sujeito - como são os discursos que marginalizam os sujeitos autistas que supostamente não se adequam às normas sociais e sexuais neurotípicas (Bianco & Nicacio, 2015).

Ainda considerando os elementos e temas supracitados, participaram dessa pesquisa dois adolescentes diagnosticados com autismo: Fafá (13 anos) e Raul (16 anos). As entrevistas de ambos foram sucintas - Fafá, por exemplo, passou parte significativa da entrevista fazendo gestos de sim e não com a cabeça; e nestas duas entrevistas a entrevistadora além do roteiro de entrevistas utilizou recursos gráficos para manter a interação.

No que diz respeito às indagações sobre sexualidade, ambos os sujeitos autistas participantes repetiram em suas respostas padrões sociais de normalização neurotípica da sexualidade:

[entrevistadora: você sabe o que é sexualidade?] Sexo. [entrevistadora: e quem tem sexualidade?] Todo mundo. Tem o feminino e o masculino. [entrevistadora: o que é o feminino?] Mulher e masculino é homem. [entrevistadora: Ah sim! E essas pessoas podem namorar?] Pode. Esse (mulher) com esse (homem) e esse (homem) com esse (mulher). Eu gosto dos dois. [entrevistadora: Então todo mundo pode namorar?] Não, criança não pode. Sabe aquele menino que estava ali? [entrevistadora: que menino?] Aquele que estava ali, ó, lá na porta de fora. [entrevistadora: Ah! Sei. O que tem ele?]. Você viu, né, que ele não tem perna. Ele não anda. Ele também não pode namorar. [entrevistadora: Por quê?] Não sei. [entrevistadora: ele tem sexualidade?] Não, eu acho que não. Ele não anda. [entrevistadora: quem é deficiente não tem sexo?] [Fez que "não" com a cabeça]. Você já viu aquela série que chama Good Doctor? [entrevistadora: Eu já vi sim! O que tem?] Então, aquele menino lá ele é médico e ele tem 14 anos. [entrevistadora: É mesmo, né! Ele é muito inteligente!] Ele é autista! [entrevistadora: Sim! Ele é autista (...) por que você lembrou dele agora? Aqui tem autistas?] Tem. [entrevistadora: E você é autista?] Sou. Eu sou autista. [entrevistadora: Quem é autista pode namorar?] Pode! [entrevistadora: Quem é autista pode ter vontade de beijar?] Pode! Eu já namorei. Era um menino da minha natação. [entrevistadora: E foi bom?] Foi bom! [entrevistadora: E você ainda tem vontade de namorar?] Tenho. Esse menino que te falei, eu beijei ele! [risos]. [entrevistadora: Teve beijo?] Teve! [risos] Mas não de língua, não, foi só uns minutinhos () [risos]. [entrevistadora: E foi bom?] Foi gostoso [risos]. (Fafá, 13 anos)

Para Maleval (2017) e Restrepo (2012) o sujeito autista demonstra pelo corpo, pela fala (seja sua ausência, seja pelas repetições) e pelos atos, a forma como o Outro o situa como objeto - isto é, como é posicionado no laço social. Para estes autores essa invasão do Outro produzirá impactos nesse sujeito autista e isso é percebido por meio da sua performance nas relações sociais. Considerando esses aspectos, é notória nas entrevistas com os próprios sujeitos autistas que a suposição da sexualidade coadunada aos padrões normativos de gênero - em outras palavras, responder ao Outro pode significar ajustar-se às expectativas dos outros (familiares e sociedade) (Nominé, 2012).

Nominé (2012) e Maleval (2017) aludem à proeminência de discursos totalizantes sobre a dificuldade dos sujeitos autistas na comunicação/interação social e consideram fundamental a oferta de espaços que permitam aos próprios sujeitos autistas se expressarem voluntariamente a partir de suas demandas e desejos. Isso pode ser ilustrado na entrevista com Fafá, especialmente ao se considerar como ocorreu essa entrevista e seus efeitos consequentes - isto é, além das perguntas da entrevistadora foram utilizados elementos gráficos (escritos e desenhos) para estimular a produção discursiva da participante. Mas o mais significativo é que Fafá passou a ter iniciativa - isto é, passou a ter papel ativo - no relato das suas experiências durante a entrevista. Em outras palavras, a entrevistadora, que inicialmente poderia ter sido considerada invasiva (S1) pela participante com suas perguntas sobre sexualidade, deslocou-se da posição - de mestre - permitindo a expressão voluntária e singular de Fafá.

Essa movimentação dos discursos ilustra uma aproximação ao discurso da psicanálise - mesmo que a entrevistadora não tenha intencionado ocupar essa posição. Assim, o crescente interesse em sua própria produção fez Fafá discorrer com propriedade sobre sua realidade, suas histórias e suas vivências relacionadas à sexualidade - situando-se como sujeito produtor do seu discurso.

Por fim, ao contrário das perspectivas e dos discursos do mestre, universitário e conseguinte da ciência, que concebem e restringem o corpo e a sexualidade do sujeito autista como apenas resultado de elementos biológicos que estão disfuncionais, incompletos ou inadaptados; o discurso da psicanálise possibilita reposicionar o sujeito diante de seu desejo, implicando-o em suas experiências, ao invés de apenas lhe impor uma ordem educativa ou terapêutica (Ferreira & Vorcaro, 2017; Maleval, 2017; Roy (2017). A partir dessa pressuposição a condução do tratamento com sujeitos autistas permite romper com os discursos de poder-saber supostamente detentores da verdade sobre seus corpos e sobre sua sexualidade (Roy, 2017).

 

Considerações Finais

Os diagnósticos de transtorno do espectro autista aumentaram consideravelmente nos últimos anos e, não raro, os sujeitos autistas são considerados por seus familiares como assexuados, sexualmente pouco desenvolvidos, sexualmente infantilizados ou mesmo sexualmente descontrolados - fato este questionado pela psicanálise de orientação lacaniana.

Os principais resultados deste estudo destacam que: (1) as mães, pais, irmãos e avô participantes, a partir do discurso da ciência acoplado no discurso universitário, significaram a vivência da sexualidade de sujeitos autistas como dificuldades decorrentes da condição biológica e diagnóstica, colaborando com a segregação desses sujeitos; (2) as mães são delegadas aos cuidados dos filhos autistas e utilizam da posição de mestria para afirmar sua maternidade; (3) tanto as mães quanto os pais reproduziram padrões tradicionais de gêneros e de estruturas familiares nucleares durante o convívio com os sujeitos autistas; (4) os irmãos mencionaram as dificuldades, mas destacaram as possibilidades dos sujeitos autistas como plenipotenciários para construírem seus próprios saberes/prazeres e experiências sobre a sua sexualidade - discurso assemelhado ao da psicanálise.

Todavia, esse estudo possui algumas limitações, dentre as quais o número limitado de sujeitos autistas entrevistados, o fato de as famílias entrevistadas possuírem apenas formatos e dinâmicas nucleares heterossexuais e não privilegiar aspectos interseccionais das diferenças sociais. Mesmo assim, este estudo se mostrou relevanteao problematizar à luz da teoria lacaniana dos quatro discursos - uma das maneiras possíveis da psicanálise se debruçar sobre a compreensão dos fenômenos sociais - a produção de questionamentos de práticas diagnósticas e de cuidados para com sujeitos autistas que podem replicar e reforçar estereótipos de desenvolvimento - como atraso ou deficiência- no campo da sexualidade.

 

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Endereço para correspondência:
Graziela Mezin da Silva
E-mail: grazielamezinn@gmail.com

Rafael De Tilio
E-mail: rafael.tilio@uftm.edu.br

Recebido em: 28/05/2020
Revisado em: 15/05/2021
Aceito em: 29/06/2021
Publicado online: 05/10/2021

 

 

1 O termo Outro grafado em o maiúsculo é originário da teoria psicanalítica lacaniana e designa não um outro sujeito (da interlocução) mais ou menos equiparável e imediatamente reconhecido àquele que fala, mas um "Outro" que é estruturalmente anterior e inconsciente (virtualmente imperceptível) sobre todos os sujeitos. Em outras palavras, esse Outro é tanto a cultura quanto o inconsciente que sujeita os sujeitos por meio da linguagem.
2 Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais.

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