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versión impresa ISSN 2359-0769versión On-line ISSN 2359-0777

Rev. Subj. vol.21 no.2 Fortaleza mayo/ago. 2021

http://dx.doi.org/10.5020/23590777.rs.v21i2.e11048 

RELATOS DE PESQUISA

 

Cartagrafias: A Escrita Acadêmica entre Cuidado, Pesquisa e Acolhimento

 

Cartagrafias (Letters): Academic Writing between Care, Research and Reception

 

Cartografías: La Escrita Académica entre Cuidado, Investigación y Acogida

 

Lettragraphie: L'Écriture Académique entre Soins, Recherche et Accueil

 

 

Bruna Moraes BattistelliI; Lílian Rodrigues da CruzII

IDoutoranda em Psicologia Social e Institucional na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestra em Psicologia Social e Institucional pela UFRGS. Especialista em Psicologia Social e Institucional pela UFRGS
IIProfessora no Departamento de Psicologia Social e Institucional (UFRGS) e Professora no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional (UFRGS)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Como narrar a construção de um processo metodológico? Orientado por esta pergunta este artigo tem como objetivo discutir as possibilidades de construção de uma dissertação na forma de objeto a partir dos conceitos de coleção de Walter Benjamin (1987a; 1987b) e de fragmento de Gilles Deleuze (2011; 2013), articulados através do uso de cartas em uma metodologia denominada pela primeira autora como cartagrafia. O conceito de coleção, oriundo da obra de Walter Benjamin, fundamenta a busca por outras possibilidades de montagem para a dissertação em contraponto aos modelos instituídos. Este trabalho relata a experiência de pesquisa durante o mestrado da primeira autora orientada pela segunda autora, a partir de uma pesquisa realizada no campo do acolhimento institucional de crianças e adolescentes, pensando a produção de cuidado na política de Assistência Social. A criação de uma caixa como objeto final teve como foco a abertura da dissertação para múltiplas experimentações. Já o conceito de fragmento auxilia a pensar a escrita e a constituição do processo de pesquisa enquanto ferramenta de produção de cuidado. A escrita de cartas como parte do processo metodológico e da política de escrita teve como fundamentação a necessidade de ampliar os diálogos possíveis no texto acadêmico e aumentar sua capacidade polifônica. O encontro entre Walter Benjamin e Gilles Deleuze se origina na escrita e confecção do objeto final (dissertação) e teve como intenção discutir a possibilidade das cartas e da dissertação-caixa-coleção-de-cartas enquanto política de pesquisa e como ferramenta de produção acadêmica.

Palavras-chave: cartas; escrita; coleção; fragmento.


ABSTRACT

How to narrate the construction of a methodological process? Guided by this question, this article aims to discuss the possibilities of constructing a dissertation in the form of an object from the concepts of collection by Walter Benjamin (1987a; 1987b) and fragment by Gilles Deleuze (2011; 2013), articulated through the use of letters in a methodology called by the first author as cartagraphy. The concept of the collection, derived from the work of Walter Benjamin, underlies the search for other possibilities of assembly for the dissertation in counterpoint to the established models. This paper reports the research experience during the first author's master's degree, guided by the second author, based on research carried out in the institutional care for children and adolescents' field, considering the production of care in the Social Assistance policy. The creation of a box as the final object focused on opening the dissertation for multiple experiments. On the other hand, the fragmented concept helps to think about the writing and constitution of the research process as a care production tool. Letter writing as part of the methodological process and writing policy was based on the need to expand the possible dialogues in the academic text and increase its polyphonic capacity. The meeting between Walter Benjamin and Gilles Deleuze originated in the writing and making of the final object (dissertation) and intended to discuss the possibility of letters and dissertation-box-collection-of-letters as a research policy and as a tool for Academic production.

Keywords: letters; writing; collection; fragment.


RESUMEN

¿Cómo narrar la construcción de un proceso metodológico? Orientado por esta pregunta este trabajo tiene como objetivo discutir las posibilidades de construcción de una disertación en la forma de objeto a partir de los conceptos de colección de Walter Benjamin (1987a; 1987b) y de fragmento de Gilles Deleuze (2011; 2013), articulados por medio del uso de cartas en una metodología denominada por la autora como cartografía. El concepto de colección, originario de la obra de Walter Benjamin, fundamenta la búsqueda por otras posibilidades de montaje para disertación en contrapunto a los modelos instituidos. Este trabajo relata la experiencia de investigación durante el máster de la primera autora orientada por la segunda autora, a partir de una investigación realizada en el campo de la acogida institucional de niños y adolescentes, pensando en la producción de cuidado en la política de Asistencia Social. La creación de una caja como objeto final tuvo como enfoque la apertura de la disertación para múltiples experimentaciones. Ya el concepto de fragmento ayuda a pensar la escrita y la constitución del proceso de investigación como herramienta de producción de cuidado. La escrita de cartas como parte del proceso metodológico y de la política de escrita tuvo como fundamentación la necesidad de ampliar los posibles diálogos en el texto académico y aumentar su capacidad polifónica. El encuentro entre Walter Benjamin y Gilles Deleuze se origina en la escrita y confección del objeto final (disertación) y tuvo como intención la discusión de la posibilidad de las cartas y de la disertación-caja-colección-de-cartas como política de investigación y como herramienta de producción académica.

Palabras clave: cartas; escrita; colección; fragmento.


RÉSUMÉ

Comment raconter la construction d'un processus méthodologique ? Guidé par cette question, cet article vise à discuter des possibilités de construction d'une thèse sous forme d'objet à partir des concepts de collection de Walter Benjamin (1987a; 1987b) et de fragment de Gilles Deleuze (2011; 2013), articulés à travers l'utilisation de lettres dans une méthodologie nommée par le premier auteur comme lettragraphie. Le concept de collection, dérivé des travaux de Walter Benjamin, base la recherche d'autres possibilités d'assemblage pour la thèse en contradiction avec les modèles établis. Cet article décrit l'expérience de recherche pendant le master de la première auteur. Tel recherche a été guidé par le deuxième auteur et a eu comme thème le domaine de l'accueil institutionnelle des enfants et des adolescents, bien comme le soin dans la politique d'assistance sociale. La création d'une boîte en tant que l'objet final s'est concentrée sur l'ouverture de la thèse pour de multiples expériences. Le concept de fragment, à son tour, aide à penser l'écriture et la constitution du processus de recherche comme outil de production de soins. L'écriture de lettres dans le cadre du processus méthodologique et de la politique d'écriture avait pour fondement la nécessité d'élargir les dialogues possibles dans le texte académique et d'augmenter sa capacité polyphonique. La rencontre entre Walter Benjamin et Gilles Deleuze trouve son origine dans la rédaction et la préparation de l'objet final (thèse) et visait à discuter de la possibilité des lettres et de la boîte-collection-de-lettres en tant que politique de recherche et outil de production académique.

Mots-clés : lettres ; écriture ; collection ; fragment.


 

 

Como produzir uma pesquisa em Psicologia Social que consiga acolher as mais variadas vidas que constituem/desenvolvem um serviço de acolhimento institucional1 para crianças e adolescentes? Uma pesquisa a partir da ótica de profissionais atuantes sobre o tema do cuidado/cuidar, através de uma perspectiva de diversos relatos/narrativas sobre o mesmo lugar. Ou seja, formas múltiplas e subjetivas de se narrar experiências sobre o mesmo serviço, nesse caso o serviço de acolhimento institucional para com essas crianças e adolescente.

A partir da compreensão da importância do relato sobre o cuidado, escolheu-se a metodologia do uso de cartas para registro desse processo, pensando que o ato de escrever para o outro em forma de carta, estimulando um escrever coletivo, pode ser definido como um pesquisarCOM2, bem como um escreverCOM. Assim, este artigo visa discutir as possibilidades da experiência de uma escrita no pesquisar em Psicologia Social a partir da aproximação da ideia de colecionador na obra de Walter Benjamin e do conceito do fragmento em Gilles Deleuze. Para tanto, será apresentada a construção do processo metodológico que guiou a pesquisa de mestrado da primeira autora, orientada pela segunda autora, que chamaremos de cartagrafia; uma derivação brincante resultante da aproximação das cartas com a cartografia.

Assim as políticas de escrita, de pesquisa e do cuidado se entrelaçam na constituição de uma dissertação, possibilitando discutir outras possibilidades de narratividade que diferem da escrita hegemônica e que dão vazão para o exercício de pesquisar com inspirações cartográficas - exercício performado a partir da troca de cartas com os participantes da pesquisa.

A partir das ideias de Walter Benjamin e passando pelas discussões de Gilles Deleuze, apresentam-se as possibilidades de escreverCOM que foram se constituindo na pesquisa com crianças, adolescentes e trabalhadores em um serviço de acolhimento institucional da rede socioassistencial da cidade de Porto Alegre (RS). Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul com número de Certificado de Apresentação de Apreciação Ética - CAAE - 62251616.2.0000.5334 e número do parecer 1.902.954. Durante três meses (final de 2016 e início de 2017), a pesquisadora frequentou um serviço de acolhimento institucional gerenciado pelo órgão municipal (Fundação de Assistência Social e Cidadania [FASC]) para crianças e adolescentes da cidade de Porto Alegre. As visitas ocorriam uma vez por semana, com duração de aproximadamente quatro horas e em dias variados, para que a pesquisadora pudesse entrar em contato com o maior número possível de trabalhadores. Durante a estadia no cotidiano do serviço, a pesquisadora procedia em uma troca de cartas com trabalhadoras/es e moradoras/es do abrigo. Portanto, este artigo como um recorte da dissertação Carta-grafias: entre cuidado, pesquisa e acolhimento (Battistelli, 2017), tem como objetivo apresentar a discussão que embasou a montagem da dissertação enquanto um objeto (caixa-de-cartas3) e a potência da escrita de cartas enquanto perspectiva cuidante da pesquisa.

 

EscreverCOM e uma Pesquisa Escrita por/com Cartas

As cartas acompanham a civilização há muitos anos; com muitos significados e funções, o gênero epistolar acompanha a evolução dos meios de comunicação. Como por ocasião de uma viagem ou de um exílio, as cartas foram durante séculos o único meio de dirigir-se aos ausentes, de levar o pensamento onde o corpo não poderia ir e onde a voz não poderia estar (Comte-Sponville, 1994). Mas se com o passar dos tempos esse gênero se tornou um pouco obsoleto, dessa forma, por que insistir em um gênero de escrita tão antigo? Algumas pessoas dirão que as cartas já foram superadas, e que os Correios "estão com as horas contadas". Porém além de sua funcionalidade, com as cartas encontramos um meio de escreverCOM capaz de acolher diferentes modos de escrita e de produção de conhecimento, apostando em uma escrita que tem como principal característica o endereçamento.

No processo de pesquisa, na escrita com/de cartas, entre inúmeros destinatários e remetentes, escolhas foram sendo necessárias. Nesse processo de montagem de uma dissertação era preciso escolher as cartas que foram escritas à pesquisadora junto com as cartas que foram criadas por ela, compondo um modo de escrever e pesquisar interessados na multiplicação de histórias e novas versões de um mesmo objeto (no caso dessa pesquisa, escolheu-se a narrativa sobre o abrigo de acolhimento institucional e o cuidado possível neste ambiente). Inúmeras perguntas foram surgindo nesse caminho, como: Com quem escrevemos quando nos propomos a narrar trajetórias de vida?; Quais nossas fontes?; Como tratamos as vidas com as quais nos encontramos?; Quais as possibilidades que construímos para que a vida encontre vazão nos escritos acadêmicos? Desta forma, a troca de correspondências em um ambiente como um abrigo para crianças e adolescentes passa a operar como dispositivo de escritaCOM, pela qual o respeito pelo outro e por aquilo que é construído no encontro ganha força no endereçamento. Não se escreve mais um texto hermético, fechado em si mesmo, escreve-se COM o outro. As intencionalidades da pesquisa são colocadas em jogo em um processo de pesquisar junto e pelo qual os participantes da pesquisa, então, passam a se constituir como cartógrafos que estão no campo, antes mesmo da chegada da pesquisadora acadêmica. Portanto, já não é possível distinguir o pesquisador que entrou no jogo e o que se constitui também como alguém que cuida, que pesquisa e que brinca com a escrita.

Como afirma Sehn (2012), com o gênero epistolar, há uma aposta no sensível no espontâneo. Um gênero de escrita que revela tanto de quem escreve como sobre quem a receberá. O interessante nas cartas, diz de um direcionamento, ou seja, escrevemos para alguém (com nome, sobrenome, endereço) e esperamos uma resposta, ao passo que fazemos uma aposta em um diálogo. Assim, o interesse pelas cartas surge com a intenção de experimentar a troca de experiências com pessoas envolvidas na situação de acolhimento de crianças e adolescentes, uma ação que se orienta ao nível dos mistérios, de um não saber aquilo que o outro pensa, os caminhos que percorre e, principalmente, diz do fato de estar disponível para aquilo que vem e também o que pode não vir. É preciso lembrar que quando se envia cartas, passa-se pelos afetos e sentimentos gerados, mas a resposta pode ser também o silêncio, uma não troca de escritas. Como no exemplo do educador que fazia questão de conversar sobre a permanência de uma carta endereçada no fundo de sua mochila. Ou seja, tal educador, sempre que encontrava a pesquisadora, relatava sobre como deveria escrever e o que queria escrever. Ou em outro exemplo, a educadora que após receber e ler de imediato a carta recebida senta-se e põe-se a conversar sobre sua infância, sobre como é o trabalho no abrigo e como entende o cuidado. Outro exemplo que surgiu na pesquisa, deu-se no momento no qual uma profissional da higienização, após receber uma carta, pede para conversar, pois gostaria de contar sua história de cuidado. O movimento de escrever cartas assim passa pelo processo de constituir práticas de cuidado e pelo processo de responsabilização pelos vínculos e relações que vão sendo construídas no percurso da pesquisa. Dessa forma, como nos responsabilizamos com o outro e com sua vida?

Para Ferreira (2014), cartas remetem a condição passageira daqueles que escrevem e dos que lerão: "as palavras são frágeis e perecíveis, como são os que as escrevem" (2014, p. 16). Afirma, ainda, que uma carta é "um mundo, abertura possível para um mundo outro" (2014, p. 16). Em uma carta um vivente dirige-se a outro para compartilhar alguma coisa, um acontecimento, ou um pensamento, uma emoção ou um sorriso (Comte-Sponville, 1994).

Escrever não é um ato simples, é um procedimento complexo no qual nunca saberemos como estaremos ao terminar. A escrita pode ser "entendida como a abertura de um novelo, que secretamente, enredamo-nos às linhas e cavamos, sem o perceber, imagens de nós mesmos" (Ferreira, 2014, p. 19). "Escrever consistiria, assim, numa operação de alteração do que se pensa e, principalmente, do que se é, (...) em última instância, apenas superfície de irrupção de uma vida" (Ó & Aquino, 2014, p. 203). Os autores, em diálogo com Michel Foucault, assinalam que para o filósofo a escrita seria como um tipo de experiência que contemplaria não apenas os efeitos de sujeição, mas também os de transformação de si. Para Comte-Sponville (1994) escrever é sempre escrever para alguém, além dele considerar que toda carta é literária, ou seja, uma carta é uma obra, uma criação, um trabalho. Um indivíduo escrevedor de cartas se entrega como pode, como quer: com suas palavras e vida. Podemos pensar no processo de escrita de Foucault, descrito por Ó e Aquino (2014), enquanto uma arte de vida, uma estética de existência.

A correspondência, enquanto processo de produção de si, permite-nos afirmar que nunca saberemos como estaremos ao terminarmos a escrita de uma carta. Ferreira (2014), na introdução do livro Cartas para pensar: políticas de pesquisa em Psicologia nos relata que não temos muito controle sobre uma carta: nunca saberemos como será recebida, se será lida, se chegará ao destino ou com qual velocidade será lida e respondida. São apostas em um encontro com o outro. As correspondências são parte de um processo de escolha, de uma forma de se posicionar na vida. Ferreira (2014) afirma que as cartas nos colocam em condição simétrica com quem buscamos o diálogo e, referindo as cartas de Sêneca trabalhadas por Foucault, aponta que remetente e destinatário aprenderam "o quanto as coisas não são boas ou más em si mesmas, mas dependem da relação que estabelecemos com elas" (Ferreira, 2014, p. 17). As cartas para Sêneca são testemunho de uma ética, pois escrevemo-nos quando escrevemos uma carta. Desta forma, escrever cartas é dedicar-se a uma tarefa que não poderá ser cumprida/concluída, pois toda a carta é fragmento, como ressalta o autor.

Comte-Sponville (1994) afirma que nossas cartas se parecem conosco mesmo quando não o queremos. Pensando nisso, e numa aposta da escrita como produção de si, durante o processo de observação participante, foi feito o convite a algumas pessoas para trocarem cartas com a pesquisadora. A ideia era que a demanda pudesse se constituir ao longo do processo de observação e constituição de vínculo, podendo ser feito com diferentes sujeitos envolvidos no acolhimento institucional (trabalhadoras/es e moradoras/es do serviço). Em relação às trabalhadoras e trabalhadores, poderiam ser os que diretamente estavam envolvidos com o cuidado das crianças e adolescentes, mas também os que circulavam pelo abrigo. Nossa proposta se referia a outra possibilidade de escrita, quanto ao processo de cuidar e ser cuidado, podendo-se, assim, apostar não em um falar sobre, mas falar com as pessoas diretamente envolvidas e que, assim, passavam a coautores da pesquisa. Schiffer e Abrahão (2014) apontam que a problemática da produção do cuidado força a experimentação de modos de pesquisa capazes de produzir análise a partir do ato cuidador sendo os envolvidos, e apenas eles, os personagens capazes de contar desta relação. Desse modo, não só trabalhadoras/es são importantes, pois usuárias/os não podem ser consideradas/os como objetos de cuidar/pesquisar, devendo ocupar lugar de protagonistas em seus modos de existir que se encontram em desenvolvimento (lembrando que tratamos de crianças e adolescentes).

Nesse caminho não interessa somente a narrativa do outro, como um prontuário, uma descrição de doença, ou uma situação alheia à equipe, mas sim, a potência de narratividade pela qual essas histórias sejam de fato um processo construído com as fontes possíveis e acessíveis. Interessa, então, buscar a ação e a narratividade como ferramentas para falar sobre vidas (EPS em Movimento, 2014), em um exercício de produção de percursos e conceitos, que se dão em ato, no cotidiano, sem fórmula ou metodologia pré-determinada. O que descrevemos é um processo subjetivo de potência do narrar. Como escreve Silva (2009, p. 31), "não é o caso de afirmar que os relatos reproduzem uma homogeneidade e que eles são a 'pura' manifestação da verdade. Estes possuem contradições, porque são fontes, e como quaisquer fontes serão analisadas à luz de sua historicidade e produção". Ou seja, podemos afirmar que a memória se produz em acontecimento (EPS em Movimento, 2014).

Relatar, nessa experiência, é narrar do seu lugar de narrador/a o que e quem é o outro. Porém ao construirmos a história de alguém pelas narrativas das/os muitas/os que podem falar sobre ela/ele, o que vemos então, é a construção de um-muitos, uma espécie de multidão que não pode ser considerada como um caso (Merhy, 2011). O serviço de acolhimento às crianças, às/aos adolescentes, trabalhadoras/es contam muitas histórias sobre si e sobre o cuidado (tema que movimentou a pesquisa) e desta forma, precisam ser acolhidas/os no texto em sua imensidão narrativa.

 

O Colecionador Walter Benjamin e a Dissertação-Coleção

Quantas coisas retornam à memória uma vez nos tenhamos aproximado das montanhas de caixas para delas extrair os livros para a luz do dia, ou melhor, da noite. Nada poderia realçar mais a operação de desempacotar do que a dificuldade de concluí-la. Eu começara ao meio dia, e já era meia noite antes que tivesse aberto caminho até as últimas caixas. () Mas voltando àqueles álbuns: a herança é a maneira mais pertinente de formar uma biblioteca. Pois a atitude do colecionador em relação aos seus pertences provém do sentimento de responsabilidade do dono em relação à sua posse. (Benjamin, 1987b, p. 234)

Como diz o autor, uma coleção começa a existir quando ela suscita no colecionador uma questão (1987b). E quando se inicia uma dissertação-coleção? A necessidade de acolher cartas (fragmentos) em uma dissertação (todo) acionou a ideia de uma coleção de cartas guardadas em uma caixa construída no decorrer da pesquisa no serviço de acolhimento. Uma caixa produtora de efeitos múltiplos, produzida com o objetivo para afetar, em uma aposta por outras enunciações possíveis construídas coletivamente. Seguindo as pistas do colecionador benjaminiano, uma dissertação dialogada foi se construindo em interlocução com os outros agentes da pesquisa, pois os participantes da pesquisa, deste modo, também se constituíram como pesquisadoras/es do cuidado, mostrando uma reciprocidade na montagem da dissertação. Bolle (2009) reforça uma característica peculiar ao colecionador: a de possuir o dom mágico de manejar os objetos (fragmentos) como peças de uma enciclopédia mágica. Assim, quando se apostou na constituição de uma pesquisa a partir de um correio de cartas, o manejar das entregas de correspondências, o recebimento de respostas e a manutenção de um fluxo de troca de cartas fez a pesquisadora-carteira incorporar a figura do colecionador ao seu fazer.

Em Desempacotando minha biblioteca (1987b), Walter Benjamin nos convida a habitar com ele a desordem dos caixotes abertos, o ar cheio de pó de madeira, o chão coberto de papéis rasgados, para que com isso pensemos quanto ao papel do colecionador. Com este convite em mente e uma dissertação por montar, o exercício necessário foi o de espalhar documentos, livros, fragmentos e cartas. Sendo assim, o que a noção de coleção diz do como nos propusemos a montar a dissertação? Será que novas montagens de uma dissertação são possíveis? Como se constituir uma cartógrafa-colecionadora? Pois a cartografia, metodologia inicialmente escolhida para orientar a dissertação foco deste artigo, se transformou quando inspirada pela ideia de coleção de Walter Benjamin. Uma coleção de movimentos do cuidado inscritos em/por cartas, em uma metodologia que prima pela inscrição da pesquisa no lugar pelo qual ela passa através da escrita de si.

No texto A escrita de si, Foucault (2012) problematiza as formas de escrita de si e discorre sobre o tema da correspondência, situando esta enquanto produção de si. Nas correspondências eu escrevo de mim para o outro. E, para o autor, é a relação que se estabelece com o outro que contém a produção de si, portanto, o processo de produção de subjetividade do sujeito se dá no encontro com o outro. Assim, a escrita de si configura-se em um processo micropolítico pautado na intensidade das relações e dos afetos, onde a troca de correspondências enquanto produção de conhecimento e de cuidado se estabelece, não sendo possível a separação entre estes. Para Foucault, "escrever é, portanto, 'se mostrar', se expor, fazer aparecer seu próprio rosto perto do outro" (2012, p. 152); as cartas se consolidam, assim, como uma coleção de lembranças, afetos e encontros.

Assim, com uma série de escritas de si em mãos, a dissertação como uma coleção de cartas surge da necessidade de visibilizar o que foi ofertado à pesquisadora durante o processo de pesquisa. Uma junção de respostas escritas, dialogadas, desenhadas que precisavam ser inseridas no objeto final do mestrado da autora, para dar visibilidade aos processos de pesquisar, cuidar, acolher, sentir e existir. Como já mencionado, Benjamin (1987b) nos oferta a ideia de que o mais importante é a relação que se estabelece entre o colecionador e seus pertences, colocando a arte de colecionar em primeiro foco, mais do que a coleção em si. Desse modo, a montagem da dissertação enquanto caixa-de-cartas passa pela relação que a pesquisadora tem com as cartas, a escrita acadêmica e com os demais participantes do processo. Nesse caminho, o texto Infância em Berlim de Walter Benjamin (1987b) se constitui em um livro de pistas, uma cartografia (por assim se dizer) da vida, infância e da cidade; a cada texto/fragmento, a empatia cresce. Em Passagens (Benjamin, 2009) vemos o método da montagem operado pelo autor explicitado; pouco explicado, mas demonstrado quando o autor monta sua coleção sobre Paris do século XIX. Ao leitor, o convite é para montagens e desmontagens, em uma espécie de mosaico para o qual é fundamental a participação das/dos leitoras/es. Assim, o autor foi inspiração para uma cartagrafia do cuidado em serviço de Acolhimento Institucional para crianças e adolescentes. Dessa forma, a pesquisa narrada serviu para a construção de uma metodologia a partir de muitas inspirações com o objetivo promover e instigar encontros e conversas que sempre se iniciam com uma carta.

Benjamin (1984), em Origem do drama barroco alemão, diz que "o método é caminho indireto, desvio" (p. 50), abrindo espaço para um campo de possibilidades: da citação e do fragmento, como as partículas do mosaico e do tratado. Nesse percurso há uma abertura para pensarmos a pesquisa enquanto processo de coleção: de histórias narradas que ampliam a versão hegemônica (neste caso sobre cuidado, acolhimento institucional e sobre crianças e adolescentes). Colecionar para o autor está diretamente relacionado às lembranças, assim como as musas das narrativas são as memórias (Benjamin, 1987a, 1987b). A visibilidade do percurso de montagem da dissertação, no processo narrado, se constituiu por 45 envelopes: cartas, pequenos contos, relatos, referências, etc. Cartas escritas, trocadas, endereçadas, inventadas; cartas de crianças, adolescentes, trabalhadoras/es. Uma coleção partilhada na forma de uma dissertação-coleção; uma política de escrita que envolveu escrever cartas, romper com a ideia de capítulos, contornar as normas de produção acadêmica como as de citação, problematizar o anonimato, propor um novo formato para a dissertação.

A montagem relaciona-se, portanto, com a natureza fragmentária do texto (Corrêa & Souza, 2016) e, de acordo com as autoras, é a partir do projeto das passagens de Walter Benjamin, por exemplo, que pode ser tomado como um ensaio-montagem por excelência. As autoras afirmam que na construção de uma coleção, desconhecemos o ponto zero, mas percebe-se depois de certo tempo, a presença de algo que emerge como um vir a ser que, até então, não existia (Corrêa & Souza, 2016), ou seja, que acontece com o processo de colecionar.

Na montagem de uma dissertação-coleção-de-cartas não há como ser radical, como, por exemplo, o Manifesto Dadaísta propõe. As principais características do Dadaísmo são: o rompimento com os modelos tradicionais e clássicos, o espírito de protesto, uma busca de produção a partir da desordem e do caos - colocando em questão os valores hegemônicos e com uma crítica ao modelo capitalista. Assim, saíram de cena os termos capítulos, sumário e encadernamento da dissertação, em uma ordem pré-estabelecida, e entraram em cena termos como envelopes, caixas e laços de fita, além do resultado de uma dissertação que pode ser lida, tocada, rasgada independentemente da ordem escolhida, pois os envelopes contam histórias fragmentadas, versões de uma pesquisa.

Walter Benjamin foi, portanto, uma inspiração importante para a realização da dissertação que perdeu a forma pactuada hegemonicamente, mantendo as citações conforme a norma, mas embaralhando as demais regras que conjuram certo modo de escrever acadêmico. A discussão ofertada pelo autor sobre narrativas serve de campo de possibilidades para que o abrigo e seus personagens ganhem um novo espaço: de serem protagonistas na pesquisa acadêmica, com a possibilidade de se narrarem, além dessas narrativas serem acolhidas no processo de pesquisa como parcerias e referências importantes. As cartas, se constituindo como conversas escritas, possibilitaram que outras pessoas fossem assumindo a escrita do texto final, assumindo o lugar de referências para um trabalho sobre o cuidar. Assim, desde o primeiro encontro no abrigo, cartas foram encaminhadas às trabalhadoras e trabalhadores e moradoras/es da instituição. Todas as crianças, adolescentes e adultos que cruzaram o caminho da pesquisadora receberam, pelo menos, uma carta ao longo dos meses em que a mesma esteve presente no cotidiano do abrigo. Eram cartas que contavam sobre a pesquisa, que perguntavam sobre o que era visto no dia-a-dia, que falavam de sensações sobre o vivido durante as observações realizadas no abrigo. Escritas que convidavam o outro ao diálogo, deixando sempre facultativa a resposta por escrito. Nestas cartas, também era pedido o consentimento das/dos remetentes. Dessa forma, nesse percurso de pesquisa, uma interrogação passou a se apresentar no campo para a pesquisadora: O que seria feito com as cartas que eram respondidas?; Que tratamento seria dado a elas? Perguntas que surgiram de trabalhadores já acostumados a receber diferentes pesquisadoras/es em seu local de trabalho. Assim, a montagem da dissertação e o modo como seria produzido a análise dela ganhava importância.

"Os procedimentos de montagem sublinham o seu caráter de obra aberta, fazendo com que o leitor se torne coautor do texto, constituindo a montagem por conta própria" (Bolle, 1994, citado por Corrêa & Souza, 2016, p. 13). Assim, a dissertação se monta enquanto uma coleção de cartas e outros textos inventados e costurados a partir da experiência de pesquisa sobre acolher crianças e adolescentes, além de ser uma pesquisa que passa também a acolher outras questões, outros problemas. A leitora e o leitor, assim, podem remontar a dissertação-coleção a partir da sua própria perspectiva, pois uma ordem pré-estabelecida não faz mais sentido: "pegue uma carta na caixa!" (Battistelli, 2017). Assim, a dissertação foi se constituindo em uma obra aberta com pouco controle e sobre o que irá provocar no outro. Outras interrogações surgem: como organizar uma coleção?; Quais os critérios foram utilizados para adquirir novos itens? Cada novo objeto que chega para compor a coleção faz pensar/movimentar a coleção como um todo (Corrêa & Souza, 2016).

Importante ressaltar que um conjunto de coisas não é necessariamente uma coleção; há o movimento do colecionador, a montagem, assim como a curadoria em uma nova exposição, que deve dispor as obras conforme o que propõe suscitar em outros (mesmo que não domine totalmente o afeto pretendido). Uma dissertação montada com cartas e seus envelopes diz da relação próxima que se constitui entre pesquisa, escrita e cuidado. Dessa forma, ao final do processo de pesquisa, uma caixa-coleção-de-cartas foi montada para ampliar as histórias possíveis a serem narradas sobre um abrigo, sobre um coletivo de trabalhadoras/es e sobre moradoras/es de um abrigo. A coleção, então, é pensada como estratégia metodológica para aumentar a diversidade de narrativas sobre um local que costumeiramente é visto de formas muito duras. Uma coleção que por fim narra um momento, um período no qual ocorreu o encontro entre mundos diversos como os da pesquisadora e do acolhimento institucional. A partir disso, como contar novas histórias sobre o acolhimento institucional de crianças e adolescentes?

Para esse processo que está sendo narrado, é importante afirmar que a análise foi se construindo na relação com o campo, com as pessoas que aceitavam a troca de cartas e indagavam sobre os procedimentos da pesquisa. No livro Passagens de Walter Benjamin (2009), um fato importante é sua renúncia às interpretações; nele, o autor aponta a importância da montagem dos anexos e textos, como esta será recebida e manuseada pelo/a leitor/a, e como este/esta produzirá outra leitura do livro. Quando o procedimento-correio é instaurado e a troca de correspondências ocorre, é preciso que as respostas ofertadas sejam tratadas de outra forma que não com o procedimento de interpretação comum às pesquisas em Ciências Humanas. Assim, na montagem da dissertação, as cartas que foram recebidas durante a pesquisa formam um mosaico com cartas escritas para destinatários ficcionais, constituindo, assim, a coleção de cartas como dispositivo de análise e de restituição quanto ao que foi produzido na pesquisa.

A dissertação, desta forma, se constitui como um dispositivo montado no contato com os outros, composta por diferentes materiais e construída a partir de uma pesquisa em que outros cartógrafos e escritores de cartas foram se agregando ao processo, possibilitando assim, construir passagens para possíveis diálogos com o tema do cuidado. Portanto, o ato de produzir passagens para o cuidado com a pesquisa é apostar na escrita enquanto prática de produção de si. Para tanto, durante o processo de observação, era feito o convite para algumas pessoas trocarem cartas com a pesquisadora. A cada encontro as cartas escritas e entregues variavam de destinatários, sempre deixando em aberto o convite para que a resposta surgisse quando e se fosse do desejo de cada um. A constituição de vínculo era um dos objetivos da pesquisa, pois um processo investigativo que se paute como produtor de cuidado precisa ser orientado por uma constituição de vínculo, de espaço de escuta e de acolhimento. Quanto as/aos trabalhadoras/es, foram tanto convidadas/os aquelas/es que diretamente estavam envolvidos com o cuidado das crianças e adolescentes, como também os que circulavam pelo abrigo (como porteiros, motoristas etc.). Outra possibilidade de escrita quanto ao processo de cuidar e ser cuidado, deu-se na aposta não em um falar sobre, mas falar com as pessoas diretamente envolvidas e que passariam, portanto, a coautores da pesquisa.

O desafio do pesquisador-colecionador é o de encontrar a forma que melhor convém para a apresentação de sua coleção (Corrêa & Souza, 2016), sendo ele entendido como um mediador/curador entre partes, como: pesquisa, academia, leitor e etc. Compreende-se então, que a curadoria da própria coleção permite ao pesquisador/a um constante movimentar do seu trabalho. Desse modo, como fazer a curadoria em um processo de pesquisa cartagráfica? O que vai constituir a dissertação?

A experiência de construção de uma cartagrafia, como cunhado na dissertação que inspira este artigo, tem a ver com a constituição de um tempo cunhado a partir da escrita. O tempo em um abrigo institucional é o da pressa, da intensidade em se recolocar a criança ou adolescente em experiência familiar ou em família substituta. É o tempo da pressa do dia a dia, de um ambiente que vive a experiência da precariedade de recursos pessoais, o superlotamento com crianças e adolescentes que precisam ser recolocados em outros abrigos ou retornar para suas famílias, ou seja,um tempo da urgência. Por outro lado, porém compreende-se que as cartas operam de forma oposta: um convite para produção de um tempo outro. Assim, entre a escrita, entrega e leitura produz-se uma distância afetiva entre remetente e destinatário: um tempo do cuidar. Um tempo que encontrou ressonância no abrigo e que mesmo com a urgência e pressa do cotidiano de uma instituição, com muitas/os trabalhadoras/es e moradoras/es, entende-se que um tempo do cuidar sempre estava em gestação, em um cuidar do cuidado e do tempo que este necessita. Assim, o encontro entre uma instituição interessada no tema do cuidado e uma pesquisadora com a intenção de pensar a pesquisa enquanto produtora de cuidado permitiu que um correio de cartas sobre o cotidiano ganhasse corpo.

 

EscreverCOM Gilles Deleuze: Pistas para uma Cartagrafia

Como escrever uma dissertação em quepercursos e percorridos da pesquisadora são expressos em mapas? Deleuze (2011) afirma que não há como apontar um único mapa, mas múltiplos que consigam apresentar processos; assim uma pesquisa cartagráfica é possível de se desenvolver. Uma dissertação-coleção-de-cartas se escreve em cada carta que foi apresentada, em versões diferentes do percurso de pesquisa, ou seja, cada carta conta a pesquisa realizada a partir de um ponto de vista distinto. Uma mudança de vista que vai se alternando com curvas e desvios, paradas, passagem acelerada, conversas. Um mapa feito no trajeto, com mudanças, novos traçados, outras perspectivas e com os deslocamentos como foco de pesquisa.

Os mapas se superpõem de tal maneira que cada um encontra no seguinte um remanejamento, em vez de encontrar nos precedentes uma origem: de um mapa a outro, não se trata da busca de uma origem, mas de uma avaliação dos deslocamentos. (Deleuze, 2011, p. 75)

A pesquisa, assim, aprende com a criança que "não pára de dizer o que faz ou tenta fazer: explorar os meios, por trajetos dinâmicos, e traçar o mapa correspondente. Os mapas dos trajetos são essenciais" (Deleuze, 2011, p. 73). Uma cartagrafia, assim, precisa abrir espaços para que as relações possam existir, onde o convite ao diálogo coloque a pesquisa em suspensão e permita que todas/os participantes possam produzir seus pareceres sobre ela. Como dizem Deleuze e Parnet (1998, p. 9), "as questões são fabricadas, como outra coisa qualquer. Inventamos um problema, uma posição de problema, antes de encontrar a solução. O objetivo não é responder a questões, é sair delas". Sair delas, transformá-las, acoplá-las a novas questões. Questões e trajetos construídos conjuntamente com um processo de pesquisar pautado no paradigma do escreverCOM. Uma carta vai, porém uma resposta nem sempre volta e, desse modo, o trabalho da pesquisadora-escritora-de-cartas se produz a partir das relações que vai tecendo, de carta em carta, em conversas, com desenhos trocados: o convite é sempre pela conversa, pela troca. A escrita, mesmo sendo uma ferramenta privilegiada em um país com milhares de analfabetos, segue como meio de encontrar as pessoas. Cada carta escrita de acordo com a/o remetente exige da pesquisadora-cartagráfica acurada observação de seu cotidiano. O que escrever? Como começar? O que deixar de fora?

Uma pesquisa que ganhou um barco para explicar como a psicóloga enxerga o abrigo no qual trabalha. Um barco que acolhe passageiros dos mais variados tipos. A criança pede uma carta com barco e bichinhos - como o leão deseja o mar, a baleia quer a terra e o envelope-barco ganhou o mundo -, e assim uma dissertação ganhou um corpo-caixa. Escrever é dar corpo ao impossível, ao inventado, ao que insiste... "A lógica de um pensamento é como um vento que nos impele, uma série de rajadas e de abalos. Pensava-se estar no porto, e de novo se é lançado ao alto mar" (Deleuze, 2013, p. 122).

Abra os envelopes (se precisar rasgue-os)! Seria a manchete pertinente a uma pesquisa que se transforma em dissertação. A memória do trabalho em um serviço de acolhimento acompanha o trajeto, não há como separar. Assim, junto a esta memória, histórias são construídas em outro abrigo (onde a pesquisadora trabalhou), a partir de conversas, trocas, aprendizagens e muitos encontros... Uma pesquisa foi se escrevendo a cada provocação, questionamento, aprendizado. Carta por carta, um novo mapa-dissertação foi sendo traçado...

O método não foi definido a priori, foi se desenvolvendo enquanto os processos se abriam e se constituíam. O pedido que orienta a dissertação é simples: se ficares curioso/a siga os envelopes, neles estão as pistas, histórias e narrativas que se constituíram em um percurso de experienciar a pesquisa. Enquanto pesquisadoras sentimo-nos construindo uma estrada com rastros: de fragmento em fragmento, de pista em pista, de casa em casa, como no jogo da amarelinha...

Pensar é poder, isto é, estender relações de força, com a condição de compreender que as relações de força não se reduzem à violência, mas constituem, ações sobre ações, ou seja, atos, tais como "incitar, induzir, desviar, facilitar ou dificultar, ampliar ou limitar, tornar mais ou menos provável...". É o pensamento como estratégia. (Deleuze, 2013, p. 124)

Deleuze (2013) descreve o processo de relação de Foucault com o pensamento: é preciso produzir abalos e ao mesmo tempo experimentá-los. Aquino (2011) se referindo a Foucault quanto ao tema da escrita escreve: "uma experiência é qualquer coisa de que se sai transformado" (p. 644). Inspirada na construção de passagens construídas por Benjamin (2009); a pesquisa passou pelo processo de identificar e construir passagens, uma aposta no habitar um território, "que antes de tudo é um lugar de passagens" (Deleuze & Guattari, 1997, p. 132); consolidando uma pesquisa construída a partir dos tremores da experiência (Larossa, 2015), daquilo que nos passa, que nos afeta, que nos acontece. Assim, o cuidado passa a ser transversal na pesquisa, rasga espaços por onde passa... escapa pelas frestas... e segue se metamorfoseando ao sabor dos encontros possíveis. A escrita foi, assim, ganhando força no decorrer das observações realizadas semanalmente no abrigo, e desta forma, cartagrafar COM o abrigo foi se construindo aos pouquinhos...

Escrever é hábito, exercício... "Escrever é um fluxo entre outros, sem nenhum privilégio em relação aos demais, e que entra em relação de corrente, contracorrente, e redemoinho com outros fluxos" (Deleuze, 2013, p. 17). Sem um destinatário/a certo/a, escrever para alguém, para você; e a pesquisa, desta maneira, ganha endereçamento, como a lógica epistolar pressupõe. Como escrever uma dissertação? Como dissertar? O risco é o da pretensão de dissecar algo, e as perguntas se perderem no meio do caminho. O que fazer quando a metodologia ganha mais força que o problema de pesquisa? Quando metodologia e problema de pesquisa se mesclam? Ouso dizer que uma bricolagem entre metodologia e problema se construiu ao longo do processo, sendo bricolar um verbo menor (Maraschin & Raniere, 2012).

O movimento do escrever é incessante, inacabável: sempre que nos colocamos a escrever, ele acaba nos levando a lugares capazes de nos fazer escrever mais, escrever outras questões, novas linhas, vidas em prosa, em poesia. É que a escrita envolve o próprio escritor, que de certa maneira o modifica e, por isso, ele torna a modificar também o texto, e assim por diante (Zucolotto, 2014, p. 10)

Escrever de outras formas foi o desafio posto quando a primeira autora em sua dissertação se propôs a operar uma cartagrafia (uma brincadeira com o termo cartografia, que foi ficando sério ao longo do processo, quando as cartas ocuparam papel importante no processo da pesquisa), o que possibilitou a construção de uma política da narratividade para acolher e pesquisar, em uma política do texto que pudesse fazer movimentar o conceito de cuidado. Se o termo cuidado é pensado na relação, no encontro entre sujeitos, instituições, objetos, como escrever operando no entre? Como trabalhar com a escrita acadêmica? Pois se a escrita acadêmica apresenta-se institucionalizada, por vezes, inexpressiva, sem vida, fechada em si, um mero meio (Zucolotto, 2014). Como produzir textos que possam cumprir sua tarefa e ainda assim ser afetivo, simples e intenso? Como "dar língua" aos afetos? (Rolnik, 2011).

Desse modo, então, seguiu-se a escrita de uma pesquisa, de uma dissertação... uma dissertação transformada em coleção. Uma coleção de fragmentos, tomando emprestadas imagens benjaminianas. Tomar coisas emprestadas, pegando-as sem pedir e colocando-as em uma caixa-afecção (EPS em Movimento, 2014) que passam a constituir a política de pesquisa e escrita acerca do cuidado. Uma pista surge com Marcel Duchamp e suas caixas-valises. Marcel Duchamp4 foi um escultor e poeta francês; importante nome do movimento dadaísta e um dos precursores da arte conceitual, onde introduziu a ideia de readymade como objeto de arte; um termo para designar o deslocamento de objetos do cotidiano, selecionados pelo artista sem critérios estéticos e expostos enquanto obras de arte em museus ou galerias. Entre os anos de 1936 e 1941, o artista produziu trezentas caixas-valises que apresentavam de forma miniaturizada itens produzidos anteriormente. Empreendimento que acompanha seu aforismo: "Tudo o que fiz de importante pode ser colocado numa pequena valise"5.

A arte se define então como um processo impessoal onde a obra se compõe um pouco como um cairn6, esse montículo de pedras trazidas por diferentes viajantes e por pessoas em devir (mais do que de regresso), pedras que dependem ou não de um mesmo autor. (Deleuze, 2011, p. 78)

O autor escreve sobre uma arte-cartografia, que repousa nas "coisas do esquecimento e dos lugares de passagem" (Deleuze, 2011, p. 79). Marcel Duchamp em certo momento afirmou que "tudo o que fiz de importante pode ser colocado numa pequena valise". Enfim, as coisas importantes e, também, as desimportantes foram colocadas na caixa-dissertação, pois como aprendi com Manoel de Barros (2010), dou valor para as coisas inúteis. Coisas a serem carregadas com cuidado... Pequenos bilhetes, cartas redigidas com giz de cera, histórias compartilhadas, questionamentos sobre a pesquisa, desenhos, envelopes, enfim, aquilo que vem com a pesquisa e que por vezes é dada pouca importância.

 

Considerações Finais: "Cartagrafar" e a Criação de uma Política de Pesquisa

Para finalizar, este trabalho constitui-se em pistas da criação de uma política de pesquisa pautada pelo cuidado, escuta e acolhimento e que na dissertação na qual se inspira essa escrita, chamou-se de cartagrafias. Como constituir práticas de cuidado com uma pesquisa com cartas? Pergunta que segue nos guiando e que orienta uma dissertação construída por cartas e com cartas, apostando no cuidado enquanto ética de pesquisa e permitindo-se uma nova construção de texto. O texto fragmentário, endereçado, com remetente e com o objetivo de produzir conversas em um tempo infinito que para nós é o tempo do cuidado é ponto crucial neste empreendimento narrativo que apresentamos; pautado pela espera, pelo acolhimento dos silêncios e apostando na provisoriedade temporal, ou seja, narramos o tempo da instalação de um correio, que precisa respeitar os processos da instituição que acolhe o procedimento. Escrevem-se cartas, sem a pretensão de esperar uma resposta; escrevem-se cartas pensando em produzir encontros, ativar redes e relações a partir do processo de pesquisar. Assim, o exercício que embasou o processo de pesquisa narrado foi o de forjar a ação de "cartagrafar" para compor outra metodologia de pesquisa que permite povoar a academia de histórias, ampliar as narrativas sobre um campo ou tema, reconhecendo a provisoriedade do narrado, pois o mesmo se conta sobre o espaço-tempo de duração da intervenção. Histórias narradas a partir de um remetente, com destinatários definidos. Narrativas que se personificam a partir da experiência: o que eu posso contar para outra pessoa em uma carta? Pergunta que guia a construção de uma cartagrafia. Quantas histórias são possíveis de serem contadas com/por cartas? Para tanto, escrever cartas é uma aposta ética em dar língua aos afetos (Rolnik, 2011) e produzir conhecimento em uma relação de cooperação com as pessoas que constituem o campo da pesquisa. Se aposta, assim, em contar as histórias que nos ofertaram as cartas em um texto acolhedor a múltiplas vozes. Como operar "cartagraficamente"? Um verbo que exige operação, mais do que explicação, ou seja, cartagrafar exige se colocar em relação, à espreita dos encontros, ávidas pelo diálogo e composição entre múltiplas vozes. Cartagrafar é, então, um verbo polifônico, que visa acolher diferentes versões de uma mesma história.

Nesse caminho, as cartas e o correio, enquanto possibilidade de construção de uma pesquisa produtora de práticas de cuidado orienta o procedimento de escrita e montagem da pesquisa. As cartas, assim, têm como objetivo pensar coletivamente como constituímos práticas de cuidado, em um cuidar de si e do outro. Uma pesquisa escritaCOM outras pessoas, a partir de um correio que tinha o cotidiano como ponto de partida. Pensar escrita, pesquisa, cuidado e suas relações se dão pela instauração de uma escrita das miudezas do cotidiano e que prime pela lógica do diálogo.

Como escolher aquilo que entraria na caixa-dissertação, então? O que deveria ser abandonado? Para o procedimento cartagráfico o que deve ser escolhido são os materiais que acolham as mais diversas vozes que compõem a pesquisa. Com a coleção de cartas e a instauração do procedimento-correio, os movimentos da pesquisadora-escritora-colecionadora de cartas tinham como objetivo acolher e proporcionar escuta às mais diferentes e plurais vozes que nos ensinavam sobre o tema a que se propõe pensar a pesquisa (no caso em questão sobre o cuidado no acolhimento institucional).

Essa escrita se deteve sobre um processo de pesquisa quese deu pelo meio, costurando trajetos prévios, de experiências novas e um conjunto de cartas que foram construindo uma ética do pesquisar, em um estar junto mesmo que à distância. Construção de uma pesquisa entendida como um trabalho artesanal, onde mais importante que o conteúdo era a possibilidade de relações estabelecidas. Como escrever sobre as posições variáveis que o cuidado foi assumindo? Explicar não era o suficiente, era preciso se lançar na pesquisa enquanto experiência, assim como Gislei Lazzarato (2012, p. 101) nos ajuda a pensar:

Para experimentar se vista do não senso. Abandone a cronologia e habite o tempo que flui no movimento de pensar. Opte por seguir pelas passagens de novos sentidos e faça do absurdo a matéria do pensamento. Crie palavras para acolher os afetos que se produzem neste percurso. Deixe o método, a explicação e a interpretação desamparados. São essas questões que emergem quando se escolhe pesquisar com a orientação da experimentação sob a interferência da filosofia da diferença. Trata-se de ultrapassar o que se coloca como limite entre o sujeito e o objeto, para problematizar a relação produzida neste movimento. Implica construir um modo de pesquisar que acolha a experiência que insiste em expressar a multiplicidade que nos constitui. () Para experimentar, não basta entregar-se à experiência, é preciso construir um modo de permanecer no processo em curso que solicita invenção. Como construir esse percurso?

Portanto, cartagrafar, enquanto experiência, diz dos processos de juntar pessoas, ser acolhida em um espaço de trabalho de outros, juntar memórias, acolher histórias, criar condições para que novas histórias povoem a escrita acadêmica... Pesquisar e escrever COM é percorrer caminhos com outros sujeitos. Caminhos que se constroem no caminhar, construindo passagens para uma pesquisa cuidante... Para formar uma pesquisa, enquanto uma coleção, é necessário pensar nas possibilidades fragmentárias do texto, uma história a ser contada em partes que juntas vão constituindo a obra, uma espécie de móbile, que pode ser visto de muitas perspectivas. Assim, a montagem surge como inspiração metodológica e vai compondo em ato, na cartagrafia de percursos possíveis de pesquisa, constituindo uma escrita aberta ao infinito e que aciona texturas diversas, podendo assim, constituir uma intervenção produtora de práticas de cuidado. Os fragmentos em uma cartagrafia, portanto, são as cartas: escritas, manuseadas, guardadas, inventadas, esquecidas.

É doente uma mente que pensa por fragmentos? Que os cola, que compete com a fala e com a escrita, e estas saem sempre derrotadas? Colagem, montagem, encaixe de escritos que aparentemente são desconexos (e podem até ser) na composição de mosaicos; sem margens, fronteiras, barreiras, bordas, molduras. Espaço-tempo que vaza, que ultrapassa, que implode, que mina, que contamina. Indeterminada e inadvertidamente diz não ao não. (Guerra, 2016, p. 59)

Construir uma pesquisa em fragmentos - de vidas, de textos, de invenções, de cuidado - é possível apenas se formos sensíveis aos movimentos durante o processo de pesquisar; é com respeito ao outro que vai se constituindo o pesquisarCOM. Uma pesquisa que aposta em fragmentos que podem ser montados e desmontados pela/o leitora/leitor e, assim, constituindo uma ética de escrita em que os diálogos são múltiplos. Deste modo, complexificar a experiência do escreverCOM implica em uma tomada de posição das/os pesquisadoras/es, em um compromisso ético com a produção da vida e a abertura quanto aos aprisionamentos instituídos pelos modos hegemônicos de produção de conhecimento em Psicologia. O cuidado em serviços de acolhimento para crianças e adolescentes nesta proposta foi sendo pesquisado, (des)construído e recolocado em múltiplos lugares, por inúmeros sujeitos que auxiliaram na composição de uma dissertação-coleção-de-cartas.

O verbo cartagrafar instiga ao exercício de desapego do controle quanto aos moldes hegemônicos de se fazer pesquisa. Ou seja, um verbo interessado no cultivo de encontros e nas reverberações destes que podem ampliar as condições para que as pessoas envolvidas possam se movimentar. Pesquisar utilizando a política de pesquisa da cartagrafia é uma aposta, acima de tudo, no movimento enquanto um tornar-se corpo (Borges, 2019b). Não há como controlar o outro, não há controle para o movimento que o outro propõe. No livro Sopros da pele, murmúrios do mundo, Hélia Borges (2019b) apresenta sua pesquisa sobre a dança, onde ela vai afirmar que a "dança atualiza na gestualidade de um bailarino as potências adormecidas, o obscuro em nós" (p. 22). Deste modo, entendemos que o trabalho com as cartas é abrir espaços para que o movimento seja possível em uma dança entre corpos. Ou seja, corpos humanos e não-humanos que se agenciam em encontros que podem vir a se concretizar ou não. A finalidade primeira de uma pesquisa cuidante, produzida a partir da ação de cartagrafar, é a de acolher a vida do que ela tem de mais sensível e, assim, ampliar as possibilidades dos corpos se colocarem em movimento. Respostas às cartas enviadas é uma preocupação secundária, pois o que importa neste processo é ser passagem para os movimentos. Em é um exercício que não é simples e que exige desprendimento. Desprender-se do aprendido, do instituído, de um ideal de pesquisa, pois no momento que se assume uma política de pesquisa cuidante é preciso construir a mesma com todas/os envolvidas/os, em uma constante abertura do diálogo. Escrever para conversar, onde conversar tem como objetivo instigar a ampliação de práticas de cuidado que começam com a pesquisa, mas não se encerram na mesma. Cartagrafar, então, antes de um protocolo de pesquisa, se constitui em pistas éticas para a passagem do cuidado, para a ampliação da existência e para o pouso do acolhimento enquanto práticas acadêmicas. Um pesquisar que se interessa em polinizar os germens de futuro, como bem apresenta Suely Rolnik (2018) em seu livro Esferas da insurreição, e não na reprodução de formas, pois a processualidade é morada da instalação de cartagrafias, que assim, vai se metamorfoseando conforme a pesquisadora que a opera, bem como pelas peculiaridades do momento e parceiras/os da pesquisa.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Bruna Moraes Battistelli
E-mail: brunabattistelli@gmail.com

Lílian Rodrigues da Cruz
E-mail: lilian.rodrigues.cruz@gmail.com

Recebido em: 01/06/2020
Revisado em: 25/04/2021
Aceito em: 15/05/2021
Publicado online: 05/10/2021

 

 

1 O acolhimento institucional de crianças e adolescentes está situado como um dos serviços de Proteção Social Especial (PSE) de alta complexidade do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Se caracterizam, de acordo com a política nacional de assistência social (Brasil, 2004), como aqueles que deveriam garantir proteção integral, com a oferta de moradia, alimentação, higienização e trabalho protegido para famílias e indivíduos que destes necessitam. Conforme a política nacional de assistência social (Brasil, 2004), o público-alvo destes serviços é a população que vive em condição de risco pessoal ou social decorrente da ocorrência de abandono, maus tratos físicos e, ou, psíquicos, abuso sexual, uso de substâncias psicoativas, cumprimento de medidas socioeducativas, situação de rua, situação de trabalho infantil, dentre outras. De acordo com a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais (Brasil, 2009), são quatro os serviços que compõem a proteção social especial de alta complexidade: serviços de acolhimento institucional, serviços de acolhimento em república, serviço de acolhimento em família acolhedora, serviços de proteção em situações de calamidades públicas e de emergências. A instituição onde foi realizada a pesquisa caracteriza-se por ser um serviço de acolhimento institucional, na modalidade de abrigo institucional. Que funciona em espaço destinado ao atendimento de grupos de até 20 crianças e/ou adolescentes, que são atendidos por uma equipe de profissionais, formada por técnicos e educadores sociais.
2 PesquisarCOM é um modo de fazer Psicologia e pesquisa proposto pela pesquisadora Marcia Moraes (2010), professora na Universidade Federal Fluminense, e que visa uma atitude de pesquisadora em se colocar como parceira de pesquisa das/dos interlocutoras/es de seu campo problemático. Desta forma, escreverCOM é uma espécie de derivação desta ética de pesquisa que se consolida no encontro e no agenciamento colaborativo entre as/os envolvidas/os no processo do escrever a pesquisa.
3 Você já olhou para sua caixa de correios? O que ela guarda? Inspirada na ideia de coleção, a confecção da dissertação como uma caixa-de-cartas que pudesse acolher as produções, os envelopes e a troca de correspondência foi realizada ao longo da pesquisa narrada. Assim, decidiu-se trabalhar com coleções, com objetos, com materiais que produzissem efeitos no encontro entre pessoas envolvidas e que entrem em contato com a dissertação.
4 Para apreciação de uma das caixas-valises do artista, sugere-se acessar o link.
5 O aforismo citado foi encontrado no link. Este é um aforismo muito referenciado quando se fala da obra de Marcel Duchamp. Pesquisando sobre a referência do mesmo, encontramos o trabalho de Demos (2002), que afirma que este aforismo está referenciado no trabalho Ecke Bonk, Marcel Duchamp, the Box in a valise: de ou par Marcel Duchamp ou Rrose Sélavy: Inventory of an Edition, trans. David Britt (New York: Rizzoli, 1989), 174.
6 Termo que significa uma pilha de pedras artificial e pode ser pintado ou decorado de outra forma, seja por visibilidade aumentada ou por motivos religiosos.

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