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Revista Subjetividades

Print version ISSN 2359-0769On-line version ISSN 2359-0777

Rev. Subj. vol.21 no.3 Fortaleza sept./Dec. 2021

http://dx.doi.org/10.5020/23590777.rs.v21i3.e11404 

RELATOS DE PESQUISA

 

Fatores associados à prevenção sexual e reprodutiva de mulheres lésbicas

 

Factors Associated with Sexual and Reproductive Prevention of Lesbian Women

 

Factores Asociados a la Prevención Sexual y Reproductiva de Mujeres Lesbianas

 

Facteurs Associés à la Prévention Sexuelle et Reproductive des Femmes Lesbiennes

 

 

Aline Pompeu SilveiraI; Elder Cerqueira-SantosII

IMestrado e Bacharelado em Psicologia pela Universidade Federal de Sergipe
IIPós-Doutorado pela University of Toronto (Canadá). Doutor em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul/University of Nebraska (USA)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Buscou-se verificar as relações entre preditores e efeitos associados à variável abertura e sua relação com a prevenção sexual e reprodutiva de mulheres lésbicas. Conduziu-se um estudo com 1.146 mulheres brasileiras autoidentificadas como lésbicas com idade média de 23 anos. A principal hipótese foi que o distress, a abertura geral, a abertura para o profissional de saúde e as variáveis sociodemográficas interferem na prevenção sexual e reprodutiva dessa população. Os dados foram coletados por instrumento on-line autoaplicável, realizando-se análises descritivas e inferenciais, além de observadas diferenças de pertencimento a grupos. Os resultados indicaram que mulheres lésbicas têm pouco conhecimento sobre práticas preventivas e discute-se que a ausência de abertura/confiabilidade interfere no acesso de mulheres lésbicas a serviços de saúde, bem como na qualidade do atendimento, o que por conseguinte afeta sua prevenção sexual e reprodutiva. Dessa forma, alerta-se para a necessidade de um maior preparo dos profissionais de saúde para melhor compreender as demandas específicas de mulheres lésbicas para assim, então, instruí-las sobre prevenção, além de proporcionar um ambiente acolhedor no atendimento.

Palavras-chave: abertura; revelação; lésbicas; prevenção sexual; saúde reprodutiva.


ABSTRACT

We sought to verify the relationships between predictors and effects associated with the openness variable and its relation with sexual and reproductive prevention of lesbians. A study was conducted with 1,146 Brazilian women self-identified as lesbians with a mean age of 23 years. The main hypothesis was that distress, general openness, openness to the health professional, and sociodemographic variables interfere in the sexual and reproductive prevention of this population. Data were collected using a self-administered online instrument, performing descriptive and inferential analysis, in addition to observing differences in belonging to groups. The results indicated that lesbians have little knowledge about preventive practices, and it is argued that the lack of openness/reliability interferes with the access of lesbians to health services, as well as the quality of care, which therefore affects their sexual and reproductive prevention. Thus, it is alerted to the need for preparation of health professionals to better understand the specific demands of lesbians, to then instruct them about prevention, besides providing a welcoming environment in the care.

Keywords: openness; revelation; lesbians; sexual prevention; reproductive health.


RESUMEN

Se buscó verificar las relaciones entre predictores y efectos asociados a la variable apertura y su relación con la prevención sexual y reproductiva de mujeres lesbianas. Un estudio fue conducido con 1.146 mujeres brasileñas auto-identificadas como lesbianas con edad media de 23 años. La principal hipótesis fue que el distress, la apertura general, a apertura para el profesional de salud y las variables socio demográficas interfieren en la prevención sexual y reproductiva de esta población. Los datos fueron colectados por instrumento en línea auto aplicable, realizando análisis descriptivos y de inferencias, además de observadas diferencias de pertenencia a grupos. Los resultados indicaron que mujeres lesbianas tienen poco conocimiento sobre prácticas preventivas y se discute que la ausencia de apertura/fiabilidad interfiere en el acceso de mujeres lesbianas a los servicios de salud, como también en la calidad del atendimiento, lo que por consecuencia afecta su prevención sexual y reproductiva. Así, se llama la atención para la necesidad de un mejor entrenamiento de los profesionales de salud para comprender mejor las demandas específicas de mujeres lesbianas para, entonces, instruirlas sobre prevención, además de proporcionar un ambiente acogedor en el atendimiento.

Palabras clave: apertura; revelación; lesbianas; prevención sexual; salud reproductiva.


RÉSUMÉ

Nous avons cherché à vérifier les relations entre les prédicteurs et les effets associés à la variable 's'assumer' et sa relation avec la prévention sexuelle et reproductive des femmes lesbiennes. Une étude a été menée auprès 1.146 femmes brésiliennes assumées comme lesbiennes et dont l'âge moyen était de 23 ans. L'hypothèse principale était que la détresse, s'assumer pleinement, s'assumer au professionnel de santé et les variables sociodémographiques interfèrent dans la prévention sexuelle et reproductive de cette population. Les données ont été recueillies au moyen d'un instrument en ligne auto-administré. On a effectué des analyses descriptives et inférentielles, en plus d'observer des différences d'appartenance aux groupes. Les résultats ont indiqué que les femmes lesbiennes ont peu de connaissances sur les pratiques préventives et que le manque de fiabilité interfère avec l'accès des femmes lesbiennes aux services de santé, ainsi que la qualité des soins, ce qui affecte, donc, leur prévention sexuelle et reproductive. . Par conséquent, il y a une alerte sur la nécessité d'une meilleure préparation des professionnels de la santé pour mieux comprendre les demandes spécifiques des femmes lesbiennes, afin de les sensibiliser à la prévention, en plus d'offrir un environnement accueillant pour les soins.

Mots-clés: s'assumer; lesbiennes; prévention sexuelle; santé reproductive.


 

 

Mulheres lésbicas tendem a reportar menor saúde mental e física e, apesar disso, demoram mais a buscar cuidados básicos de saúde quando necessário ou preventivamente, se compararmos às mulheres heterossexuais (Valadão & Gomes, 2011). No entanto, mesmo assim, quando buscam esses cuidados, frequentemente vivenciam empecilhos, tais como situações de discriminação, homofobia e/ou heterossexismo, além de possível falta de informação por parte de profissionais para lidar com demandas específicas (Sobecki-Rausch, Brown, & Gaupp, 2017). Compreende-se, então, que esses são (na maioria das vezes) alguns dos motivos que levam mulheres pertencentes às minorias sexuais, que procuram atendimento em saúde, a omitir sua orientação sexual dos agentes de saúde (Van Dam, Koh, & Dibble, 2001).

No Brasil, em 2004, foi lançada a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher - PNAISM - com o objetivo de promover a prevenção e o controle das infecções sexualmente transmissíveis (IST's) e da infecção pelo HIV na população feminina. Nela estão listadas diretrizes específicas para a atenção à saúde de mulheres negras, indígenas e na terceira idade (Brasil, 2004), e, apesar disso, não foram postuladas orientações específicas de atenção à saúde de mulheres que se relacionam com mulheres.

Mesmo no plano contra a feminização da epidemia da HIV/Aids, divulgado em 2007, não existiu nenhuma meta que se dirigisse ao melhoramento do acesso de mulheres de minorias sexuais aos serviços de saúde (Brasil, 2007). Apenas em 2012, ao ser lançada a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais foi proposto um plano operativo com o objetivo de garantir e ampliar o acesso de lésbicas, entre outras minorias, a serviços de saúde com qualidade (Brasil, 2012). Isso permitiu que fosse divulgada a cartilha Mulheres Lésbicas e Bissexuais: Direitos, Saúde e Participação Social além do relatório da oficina Atenção à Saúde de Mulheres Lésbicas e Bissexuais, que reúne estudos com informações sobre as práticas sexuais de mulheres que se relacionam com mulheres, além de reforçar a importância do acolhimento do profissional de saúde quando em atendimento a essa população, algo raro de se encontrar dentro da rede do Sistema Único de Saúde, SUS, (Brasil, 2013).

Dentro do contexto de atendimento, a postura do profissional de saúde no tratamento de mulheres lésbicas é de suma importância para que elas falem sobre sua orientação sexual abertamente, garantindo um bom atendimento e possibilitando maior adesão ao tratamento e a práticas de saúde (Tabaac, Perrin, & Trujillo, 2015). Para clínicos que se preocupam em incorporar determinantes sociais em sua abordagem para cuidados com a saúde, saber sobre a orientação sexual de suas pacientes tem o potencial de prover um atendimento mais humanizado, coerente e com maior compreensão sobre o todo (Pierre, 2017).

Estudos, em língua inglesa, que investigam a revelação da orientação sexual em contextos situacionais, a exemplo do momento de atendimento em saúde, utilizam o termo disclosure para se referir a esse fenômeno (Brooks et al., 2018). Na língua portuguesa, não há ainda um termo único e bem estruturado de uso acadêmico para se referir a esse construto, porém o que se costuma aparecer em pesquisas brasileiras são as diversas alcunhas: "saída do armário", "divulgação da orientação sexual" ou "relato da identidade sexual" (Marques, Oliveira, & Nogueira, 2013; Sousa et al., 2014). Por isso, neste trabalho, utilizaremos a palavra abertura como uma proposta de tradução e unificação dos termos para o português brasileiro (Cerqueira-Santos, Carvalho, Nunes, & Silveira, 2017; Silveira & Cerqueira-Santos, 2019).

Pesquisas internacionais com mulheres lésbicas têm demonstrado que tal abertura apresenta relação com alguns fatores que dizem respeito à saúde desse grupo minoritário (Feinstein, Dyar, & London, 2016; Morris, Waldo, & Rothblum, 2001; Tabaac et al., 2015; Toledo & Teixeira Filho, 2013). Entre esses fatores estão: a menor busca por atendimento de saúde; maior percepção de suporte social; maior ou menor saúde mental; menor estresse psicológico; menor homofobia internalizada; e menor uso abusivo de álcool e drogas. Mulheres lésbicas têm mais chance de omitir a identidade sexual na situação de atendimento, além de serem também aquelas que mais omitem essa informação para com familiares, colegas de trabalho e amigos (Van Dam et al., 2001).

Já mulheres bissexuais costumam vivenciar a abertura de maneira diferente de mulheres lésbicas (La Roi, Meyer, & Frost, 2018). Mesmo entre mulheres lésbicas, a abertura costuma se apresentar de formas distintas a partir de diferenças sociodemográficas. No que diz respeito à raça, mulheres lésbicas negras em geral são menos abertas sobre sua orientação sexual do que mulheres lésbicas brancas (Meyer, 2003; Morris et al., 2001). A abertura também costuma aparecer de diferentes maneiras em mulheres, a depender do contexto social e econômico em que elas se encontram, geralmente sendo mais presente em mulheres com maior renda e nível de escolaridade mais alto (Pierre, 2017).

No Brasil, existem poucos estudos com o intuito de investigar a relação das mulheres lésbicas com o serviço de saúde. Aqueles que se propõem a analisar essa relação costumam considerar a abertura como relevante no momento de atendimento de saúde (Marques et al., 2013; Sousa et al., 2014). Os estudos brasileiros de Araújo, Galvão, Saraiva, & Albuquerque (2006) e Rufino, Madeiro, Trinidad, Santos, e Freitas (2018a) tratam especificamente do atendimento ginecológico e citam como a ausência de indagação durante a anamnese (entrevista realizada pelo médico com o seu paciente) sobre a orientação sexual de mulheres que se relacionam com mulheres limita a possibilidade de fornecimento de informações coerentes e adequadas sobre prevenção sexual e reprodutiva para esse grupo. Como consequência disso, ocorre um baixo uso de métodos de barreira (métodos preventivos contra doenças sexualmente transmissíveis) nas relações sexuais entre mulheres, o que pode ser indicador de vulnerabilidade desse grupo com infecções sexualmente transmissíveis (IST's) (Rufino, Madeiro, Trinidad, Santos, & Freitas, 2018b).

Entre os tipos de IST's aos quais mulheres que se relacionam com mulheres estão mais susceptíveis, ganham destaque a vaginose bacteriana, o vírus do papiloma humano (HPV) e, por consequência deste, o desenvolvimento de câncer no colo do útero (Takemoto et al., 2019). Os riscos se dão tanto pela não inexistência de métodos de barreira eficazes para a relação sexual entre mulheres, como pela baixa procura de atendimento ginecológico para realização de exames de rotina por esse grupo (Rufino et al., 2018b). Reforça-se aqui a importância dos cuidadores de saúde em estarem preparados para atender as demandas desse grupo, compreendendo que parte desse processo é saber sobre a orientação sexual, bem como o histórico de parceiras(os) de suas pacientes, já que as orientações sobre proteção se diferenciam entre mulheres que se relacionam apenas com mulheres e mulheres que não se relacionam exclusivamente com outras mulheres. Ainda assim, grande parte dos estudos feitos com mulheres que fazem sexo com mulheres não levam em consideração diferenciações entre mulheres lésbicas e mulheres bissexuais.

Os cuidados preventivos em saúde entre mulheres lésbicas são associados, na literatura, a fatores como abertura da orientação sexual, além de aspectos da saúde mental. (Pierre, 2012). Partindo dessa perspectiva, pode ser pontuada a relevância em se promover um estudo brasileiro, feito com mulheres lésbicas, que observe as relações entre preditores (nesse caso os profissionais de saúde) e efeitos associados à variável abertura e sua relação com a saúde, levando em conta as diferenças sociodemográficas dessas mulheres no acesso à saúde.

Assim, foi testada a hipótese de que em mulheres lésbicas brasileiras variáveis psicológicas, como o distress e a abertura, bem como variáveis de saúde como a abertura para o profissional de saúde, e variáveis sociodemográficas exercem influência no acesso ao serviço de saúde de forma a interferir na sua prevenção sexual e reprodutiva. Reunir dados científicos que demonstrem a importância da abertura para os cuidados com a saúde desse grupo pode servir para embasar documentos de orientação para profissionais da saúde, de forma a ampliar o alcance e a qualidade do atendimento prestado.

 

Método

O presente estudo é parte de um estudo maior de dissertação de mestrado realizado pela primeira autora sob orientação do segundo autor. Para atender ao objetivo geral deste estudo, foi proposto e utilizado o seguinte desenho metodológico exploratório correlacional:

Participantes

A amostra foi composta por mulheres, brasileiras, com mais de 18 anos de idade, autoidentificadas como lésbicas e que residiram no Brasil no último ano de realização da pesquisa. Considerando a não realização de cálculo amostral probabilístico, por não conhecer a população investigada, optou-se pelo critério de conveniência a partir de uma pesquisa on-line divulgada em redes sociais, com um total de 1.289 participações. Análises preliminares identificaram respostas repetidas além de outliers (pontos fora da curva normal) que precisaram ser removidos para normalização das variáveis de interesse. Após limpeza dos dados, a amostra final foi composta por 1.146 participantes.

Instrumento

Disposto em plataforma on-line Google Forms, via instrumento anônimo e autoaplicável, o presente estudo foi composto por um questionário sociodemográfico além de escalas de interesse, ambos descritos abaixo:

Questionário sociodemográfico: Elaborado pra este estudo, foi composto por 16 questões específicas para os objetivos. Esse questionário buscou caracterizar, sociodemograficamente, a amostra que continha indagações sobre: idade; raça/cor (autodeclarada); renda familiar; escolaridade; região do país em que reside; residência na capital ou no interior; status de relacionamento; se já teve relação sexual (inclui-se aqui qualquer circunstância que a participante considerasse como uma relação sexual); idade da primeira relação sexual; idade da(o) parceira(o) da 1a relação sexual; idade da primeira relação sexual homossexual; histórico dos sexos e do gênero das(os) parceiras(os) sexuais (as duas perguntas foram feitas e em todos os casos houve concordância entre sexo e gênero das(os) parceiras(os) sexuais); tempo desde a última relação sexual; tipos de medida de prevenção contra IST's; tempo do último acesso ao serviço de saúde; abertura para o profissional de saúde no último acesso; e meio de acesso ao serviço de saúde (ex. se via SUS ou pelo plano de saúde particular).

Às participantes foram perguntadas sobre terem ido ou não a um encontro com um provedor de cuidados de saúde no último ano (sim ou não) e através dessa resposta formulou-se um indicador de acesso ao serviço de saúde. Foram também perguntadas sobre a profissão ou especialidade do profissional (ex: psicólogo, ginecologista, fisioterapeuta, clínico geral, etc.).

Indagou-se sobre a abertura/confiabilidade para com os prestadores de cuidados de saúde na última situação de atendimento. A questão da divulgação da orientação, portanto, seguiu como uma medida contínua de indicação dos níveis (altos e baixos) de disposição para abertura/confiabilidade com o profissional da saúde, sendo apresentada com: 1= Não, eu não disse e preferiria não dizer; até 5= Sim, eu ofereci a informação sem ser perguntada. Assim, pontuações mais altas indicam níveis maiores de abertura/confiabilidade para com o profissional de saúde. As perguntas foram adaptadas do estudo feito por Bergeron (1999), que, adicionalmente para os propósitos deste estudo, foram destacadas as participantes cujo último atendimento de saúde deu-se com ginecologistas e clínicos gerais.

Distress: a escala de distress psicológico de Kessler (k10) (Kessler et al., 2002) é uma escala de autoaplicação composta por 10 itens que acessa a frequência de sintomas de distress psicológico (sintomas ansiosos e depressivos) durante os últimos trinta dias. As participantes responderam em uma escala Likert de 5 pontos (sendo que 1= Nenhum dia e 5 = Todos os dias), assim, os escores podem variar de 10 a 50, sendo os escores mais altos indicativos de níveis mais elevados de distress. Escores maiores do que 22 indicam risco para transtorno mental. Já o alpha de Cronbach para a escala original foi de 0.93. Assim, como não há versão validada para a população brasileira, utilizou-se, para o presente estudo, a versão traduzida para o português de Pereira et al. (2019) que teve alpha de 0.91. O alfa para o presente estudo foi .93.

Já a abertura foi elaborada uma versão adaptada para o português brasileiro baseada em dois instrumentos: A Lesbian Identity Disclosure Assessment (ALIDA-II) (Van Dam, 2015); e o Outness Inventory (Mohr & Fassinger, 2000). Levando em conta a inexistência de medidas com boas propriedades psicométricas em língua portuguesa e que estejam adaptadas para a realidade brasileira, optou-se por uma medida não psicométrica de abertura. Os instrumentos escolhidos para embasar essa medida são consagrados pela literatura concernente à abertura e amplamente utilizados internacionalmente. A versão adaptada que foi utilizada neste estudo foi submetida à avaliação de 5 mulheres lésbicas, com o objetivo de estabelecer validade de face.

O instrumento final contém 17 perguntas indagando o quão "aberta" ou "fora do armário" a participante é para: mãe(s), pai(s), irmã(s), irmão(s), primos(as), chefe(s), colega(s) de trabalho, profissionais de saúde (ginecologista, psicólogo, psiquiatra, clínico geral, e/ou outro(a) profissional que a acompanha com frequência), líder religioso, vizinhos(as), amigos(as) gays/lésbicas ou bissexuais, amigos(as) heterossexuais/cisgêneros e filhos(as). Foram feitas perguntas separadas para cada gênero nas quais as participantes puderam marcar de 0 a 6 (sendo que 0= Essa pessoa já faleceu/Não possuo esse tipo de relacionamento em minha vida; e de 1 = Essa pessoa não sabe nada sobre minha orientação sexual; até 6 = Eu contei para essa pessoa a minha orientação sexual e conversamos abertamente sobre).

Ao final, foi realizada uma soma das pontuações de cada um dos 17 itens finais, e em seguida essa pontuação foi dividida pelo número de células preenchidas pela participante. Esse procedimento buscou evitar que participantes com menos grupos sociais ou menos tipos de relacionamentos fossem incorretamente avaliadas. Trabalhou-se, portanto, com um escore de abertura relativo à quantidade de relacionamentos que a participante estabelece na vida que poderia variar de 1 a 6, sendo que quanto maior o escore, maior a abertura geral da participante. Embora não seja uma medida com validade psicométrica, o alpha para a amostra total foi de .78.

Prevenção sexual e reprodutiva: Tendo como base o estudo de Agénor, Muzny, Schick, & Potter, (2017), as participantes foram perguntadas sobre frequência de uso de medidas de prevenção contra IST's. Assim, as respostas variaram de 0 a 4 (sendo que 0= Nunca tive relação sexual; e de 1= Nenhuma vez; até 5= Toda as vezes). Em seguida, foram perguntadas sobre realização de testagem para HIV, testagem para HPV, realização do autoexame de toque, realização do exame de lâmina nos últimos dois anos e realização de testes para IST's no último ano, em que poderiam responder de 1 a 3 (sendo que 1= Não e não conheço esse exame; 2= Não, mas conheço esse exame; e 3= Sim). Ao final, com a soma das pontuações referentes às respostas foi criado um escore para saúde sexual e reprodutiva que variou de 6 a 19, sendo que pontuações menores apontam para uma menor prevenção sexual e reprodutiva. Apesar de não ser uma medida com propriedades psicométricas, o alpha para a presente amostra foi de .81.

Coleta de Dados

O instrumento final ficou disponível para acesso em plataforma on-line através do, pelo período de 10 dias em maio de 2019, sendo divulgado através de mídias sociais como o Instagram, o Twitter e no Facebook, com ênfase em grupos específicos para o público de interesse. A primeira página do instrumento continha o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) com informações sobre objetivos do estudo, contato dos pesquisadores, assim como a garantia do sigilo e anonimato para a respondente. O consentimento para participação foi dado através de uma marcação no sim ao final do texto do TCLE. Após o encerramento do período de coleta, o acesso ao instrumento foi impedido e os dados coletados foram transferidos e analisados pelo software Statistical Package for the Social Sciences, versão 23.

Análise de Dados

Os dados de cada participante foram submetidos a análises descritivas e inferenciais. Realizou-se o cálculo de estatísticas descritivas para a amostra total, com foco nas variáveis utilizadas neste estudo. A categoria negras foi criada a partir da junção das respondentes que se autodeclararam como pretas e pardas. A variável distress foi criada a partir da divisão em dois grupos do escore de distress segundo seu critério de ponto de corte (>22 pontos apontam para risco de transtorno mental). As variáveis abertura geral e prevenção sexual e reprodutiva foram criadas dividindo seus escores em dois grupos pela média, levando em conta o valor do desvio padrão. A variável abertura para o profissional de saúde foi recategorizada quanto à disposição para revelação em que: 1) Revelou; 2) Não achou necessário para o atendimento em questão; e 3) Não revelou. Foram observadas diferenças de pertencimento a grupos com o teste Qui-quadrado de Pearson entre variáveis sociodemográficas para prevenção sexual e reprodutiva. Por fim, foi realizada uma regressão linear tendo como variável dependente o escore de prevenção sexual e reprodutiva.

Aspectos Éticos

Esta pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisas envolvendo Seres Humanos da Universidade Federal de Sergipe (protocolo número 08397219.2.0000.5546). O estudo atende às recomendações bioéticas para pesquisas com seres humanos no que diz respeito à Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS). As participantes foram informadas sobre os princípios bioéticos, como também sobre os objetivos e procedimentos do estudo e assinalaram positivamente o TCLE.

 

Resultados

Inicialmente foi realizado um mapeamento sociodemográfico da amostra total (Tabela 1), (N = 1146), onde se constatou que neste estudo predominaram participantes brancas (57.5%). Apesar disso, a quantidade de mulheres negras participantes também foi alta (40.1%), o que costuma ser difícil de alcançar em estudos empíricos no Brasil. Já a quantidade de participantes indígenas (0.9%) e amarelas (1.6%) foi bastante reduzida.

A maior parte (47.9%) das participantes comunicou renda familiar de até três salários mínimos, o que, segundo a cotação para 2019 equivale a até R$2.994,00 configurando renda familiar baixa, sendo que a divisão entre níveis de renda foi estipulada através do Critério de Classificação Econômica Brasil (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa [ABEP], (2013). Houve também uma grande quantidade (38.8%) de participantes com renda familiar média - variando entre R$3.992,00 e R$5.988,00 e apenas 12.7% reportou renda familiar alta - maior ou igual a R$6.986,00. A maior parte das participantes deste estudo encontra-se cursando ensino superior (51.5%), enquanto que 26.4% têm curso superior completo e 22.2% têm até o ensino médio completo.

Quanto ao status de relacionamento, 54.5% das mulheres participantes afirmaram estar em algum tipo de relacionamento, enquanto que 45.5% afirmaram estar solteiras. A maior parte das mulheres afirmou já ter tido relação sexual (87.8%), sendo que 50.2% afirmaram ter tido relação com ambos os sexos e gêneros e 46.7% afirmaram ter tido relação apenas com o sexo e gênero iguais ao seu, enquanto que 2.9% afirmaram ter tido relação apenas com o sexo e gênero diferentes do seu. A maior parte das mulheres afirmou ter tido relação sexual na última semana (34.6%), enquanto que 19.3% afirmaram ter tido relação há menos de um mês e 33.9% reportaram ter tido relação há mais de um mês. A maior parte das mulheres relatou utilizar predominantemente o plano de saúde (48.8%), seguidas por mulheres que utilizam predominantemente o SUS (38.7%). Apenas 9.8% afirmaram utilizar ambos em mesma quantidade e 2.8% afirmaram não utilizar nenhum dos dois.

A maior parte das mulheres participantes afirmou ter acessado o serviço de saúde no último ano (87.3%), sendo que 43.5% revelaram sua orientação sexual para o profissional de saúde em seu último atendimento, enquanto que 42.3% não acharam necessário para o atendimento em questão e 14.2% optaram por não revelar. Comparando a área do profissional do último atendimento de saúde com a abertura para com o profissional de saúde, foi observado que o atendimento em que mais se revela a orientação sexual é o com ginecologista (67.5%). Já o profissional para quem menos se revelou foi o clínico geral (10.3%), que foi também aquele em que a abertura a falar foi considerada menos necessária para o atendimento em questão (76.3%). Quanto ao distress, a maior parte das participantes (80.9%) pontuou acima da nota de corte para essa escala. Já quanto à prevenção sexual e reprodutiva, 50.0% das mulheres pontuaram acima da média enquanto que 37.0% pontuaram abaixo da média de prevenção. Ou seja, dentre as mulheres que se relacionam sexualmente, 42.1% reportaram realizar poucos ou nenhum tipo de exames preventivos.

Com relação aos tipos de cuidados preventivos mais recorrentemente reportados pelas participantes deste estudo (Tabela 2), o tipo de exame menos realizado foi o exame de lâmina (32.1%), sendo também o exame menos realizado, apesar de conhecido pelas participantes (57.1%). Por fim, o exame mais reportado como desconhecido pelas mulheres foi o autoexame de mama (14.2%). Quando questionadas diretamente sobre a frequência do uso de preservativos, as mulheres lésbicas participantes deste estudo reportaram em grande maioria não utilizar nenhuma vez (61.6%). No que diz respeito às formas que utilizavam para prevenção contra IST's os maiores tipos de prevenção citados foram o de cortar as unhas (37.0%) e ter apenas parceira(o) fixa(o) (32.1%). Parte das mulheres participantes (10.5%) afirmou não conhecer nenhuma forma de prevenção e as demais se dividiram entre outras formas de prevenção.

Quando divididas as mulheres por grupos de prevenção sexual e reprodutiva (Tabela 3), foram observadas diferenças significativas entre mulheres que se previnem mais e que se previnem menos quanto ao pertencimento em grupos de acordo com distress, abertura geral, tempo de último acesso a um serviço de saúde e abertura/confiabilidade para com o profissional de saúde. Sendo assim, mulheres lésbicas que se previnem mais apresentaram maior índice de pertencimento do grupo que pontua menos em distress (22.5%), assim como ao grupo que pontua mais em abertura geral (63.4%), que acessou o serviço de saúde no último ano (93.0%) e que revelou sua orientação sexual ao profissional de saúde no último atendimento (67.6%) do que mulheres que previnem menos. Assim, foram separadas as mulheres que acessaram o serviço de saúde no último ano, cujo último atendimento tenha sido o ginecológico com: aquelas que escolheram revelar; e as que escolheram não revelar a orientação sexual para o agente de saúde. Nesse grupo, foi comparada a abertura/confiabilidade para com o profissional de saúde pelo nível de prevenção, constatando-se que as mulheres que previnem mais apresentaram maior índice de pertencimento ao grupo que escolheu revelar (76.7%) do que as mulheres que previnem menos (60.8%).

A regressão (representada na Tabela 4) teve como variável dependente que o escore de prevenção sexual e reprodutiva possuiu uma variância explicada de 26.6% (R de 0,51). Segundo os dados significativos do modelo, a variável mais forte na predição de prevenção sexual e reprodutiva foi a abertura/confiabilidade para o ginecologista, seguida pela idade da participante, a idade da primeira relação sexual, histórico dos sexos e gênero dos(as) parceiros(as). Todas as interações foram significativas, à exceção do status de relacionamento (p = 0.305). Já a variável distress apresentou significância limítrofe (p = 0.07).

 

Discussão

Este estudo tem como proposta instigar a discussão sobre a prevenção sexual e reprodutiva de mulheres lésbicas brasileiras, verificando fatores como a abertura, saúde mental e acesso ao serviço de saúde que podem interferir nesses cuidados preventivos.

Buscou-se inicialmente traçar um mapa sociodemográfico das participantes, levando em consideração sua relação com a abertura geral, acesso ao serviço de saúde e métodos de prevenção sexual e reprodutiva. Em seguida, foi testada a hipótese de que, em mulheres lésbicas brasileiras, variáveis psicológicas, como o distress e a abertura, bem como variáveis de saúde como a abertura/confiabilidade para com o profissional de saúde, e variáveis sociodemográficas exercem influência no acesso ao serviço de saúde de forma a interferir na sua prevenção sexual e reprodutiva.

No presente estudo, grupos de mulheres que pontuaram menos em distress foram também os grupos com maior prevenção, além de serem mais conscientes, acessarem mais o serviço de saúde e revelarem mais a sua orientação sexual para o profissional de saúde, principalmente no atendimento ginecológico, apresentando: a abertura/confiabilidade com o profissional de saúde, o acesso ao serviço de saúde e a abertura geral como as relações mais fortes. Já o distress também se mostrou importante, mesmo que com uma interação mais fraca, o que parece indicar que essa variável tem alguma importância ao se tratar de prevenção sexual e reprodutiva.

Quando testadas as variáveis para predição de maior prevenção sexual e reprodutiva, a abertura para o ginecologista apresentou maior destaque no modelo, o que é condizente com a especificidade do atendimento prestado. Rufino et al. (2018a)discutem que ginecologistas frequentemente perdem a oportunidade de oferecer cuidados específicos para essa população por não perguntarem sobre a orientação sexual de suas pacientes. Diferente do apontado pela literatura (Pierre, 2012), a abertura geral não se mostrou como um forte preditor de prevenção sexual e reprodutiva, sendo a abertura/confiabilidade, especificamente para o profissional de saúde, mais relevante nesse contexto. Assim é reforçado o argumento de que a prevenção em mulheres lésbicas depende menos de uma predisposição das pacientes em serem abertas a informações de maneira geral e muito mais da oportunidade para revelação - dada pelo profissional - no momento do atendimento de saúde.

Mulheres mais velhas se mostraram mais preventivas quanto à saúde sexual do que as mais novas. Ao mesmo tempo, diferente do que costuma ser retratado na literatura, no presente estudo, mulheres que iniciaram a vida sexual mais tarde tiveram menor prevenção sexual e reprodutiva. Pode-se supor que mulheres lésbicas adolescentes (principalmente aquelas que viveram a adolescência há mais tempo) experimentam menos oportunidades de iniciar a vida sexual com outras mulheres nesse período, como uma estratégia de esconder a orientação sexual de seus círculos sociais (Van Dam et al., 2001); ou podem ainda ter optado por iniciar a vida sexual com homens, o que implica maior propensão à realização de cuidados preventivos (Agénor et al., 2017).

Apesar de indicarem estar em um relacionamento como uma de suas principais formas de prevenção contra IST's, o status de relacionamento não previu significativamente a prevenção sexual e reprodutiva, além de sua influência apontar para o fato de que mulheres solteiras pontuaram mais em prevenção do que mulheres em relacionamento. As participantes deste estudo reportaram uma vida sexualmente ativa (um total de 53.9% teve relação no último mês). Apesar disso, informaram também um baixo conhecimento sobre prevenção sexual e reprodutiva, além de um baixo uso de métodos de barreira para proteção contra ISTs. Um estudo brasileiro realizado por Rufino et al. (2018b) com mulheres que fazem sexo com mulheres, relatou que mulheres com comportamento sexual estritamente lésbico, quando comparadas com mulheres de comportamento sexual bissexual, utilizam menos métodos de barreira no sexo com mulheres e vão menos ao ginecologista e que, quando vão, recebem menos orientações sobre IST's e Aids e sobre suas dúvidas sexuais.

Por conta do número de contaminação ser menor nessa população do que em mulheres heterossexuais, cria-se um mito entre mulheres lésbicas e profissionais da saúde sobre o total não-risco de contaminação dentro desse grupo (Chetcuti et al., 2013). Esse mito é reforçado pelo comportamento de alguns profissionais em não perguntarem sobre a orientação e sobre o comportamento sexual de suas pacientes (Fujii, 2017), ficando a cargo da paciente tomar a iniciativa sobre essa revelação, o que não ocorre em boa parte dos casos (Rufino et al., 2018a). Isso acaba por gerar uma desinformação sobre práticas preventivas para saúde sexual e reprodutiva de mulheres lésbicas que as coloca em situação de risco para contração de doenças como a vaginose bacteriana, o HPV e o câncer de colo do útero, por exemplo (Takemoto et al., 2019).

Quase metade da amostra deste estudo afirmou que teve, ao longo da vida, relação com ambos os sexos - gêneros iguais e diferentes do seu -, enquanto uma parte menor relatou apenas ter tido relação com o sexo e gênero diferente do seu. Participantes que já se relacionaram sexualmente com ambos os sexos e gêneros - iguais e diferentes do seu ou apenas com o sexo e gênero masculino - se mostraram mais preditivas do que aquelas que sempre se relacionaram apenas com mulheres. O mesmo dado foi encontrado por Agénor et al. (2017) que discutem que mulheres de minorias sexuais realizam menos testes de IST's e exames de lâmina quando comparadas a mulheres heterossexuais.

Deveria, portanto, ser prática comum para profissionais de saúde perguntar a todas as suas pacientes sobre sua orientação sexual, considerando tanto a sua identidade sexual, como o seu comportamento sexual, que leva em conta não apenas as práticas sexuais, mas também o histórico do gênero de seus(suas) parceiros(as). Os profissionais devem ter em mente o porquê da importância dessas perguntas e explicar essas razões para suas pacientes. Essas informações permitem conhecer mais sobre a paciente, os riscos aos quais elas estão expostas e como suas identidades e seus comportamentos sexuais se relacionam a sua saúde como um todo (Pierre, 2012).

Deixar a cargo das pacientes lésbicas a iniciativa sobre a abertura pode ser de grande prejuízo. Por conta de vivenciarem estressores advindos do seu status de minoria, mulheres lésbicas estão mais susceptíveis do que mulheres heterossexuais ao acúmulo de stress. Isso parece ter sido representado neste estudo pelo grande número de mulheres que pontuaram em distress (80.9%). Ao buscarem o atendimento de saúde, uma postura discriminatória ou heterossexista por parte do profissional de saúde pode levá-la a acreditar que ser aberta/declarada sobre sua orientação sexual a colocará em maiores riscos de vivenciar preconceito no atendimento (Araújo et al., 2006).

Mulheres lésbicas enfrentam situações cotidianas de estresse que moldam a forma como se relacionam com abertura em diversos contextos sociais (Orne, 2011). Elas escolhem sobre a revelação ou não da orientação sexual avaliando fatores de risco e de proteção associados aos contextos sociais, econômicos e demográficos em que se encontram (Aranda et al., 2015; Austin, 2013). No presente estudo, as participantes demonstraram ponderar sobre a real necessidade de abertura para o profissional de saúde e essa avaliação pareceu levar em conta o tipo de atendimento de saúde prestado. Assim, relata-se que o número de revelação para ginecologistas foi de 67.5%, o que pode apontar para a conscientização por parte dos profissionais da área ou das próprias mulheres sobre a necessidade de revelação, ou pode, ainda, indicar que esse tipo de atendimento oferece mais oportunidades para a abertura, quando há perguntas sobre o comportamento sexual (Sobecki-Rausch et al., 2017).

Já com o clínico geral não se constatou grande índice para a revelação sobre a sexualidade (76.3%). É necessário observar que 48.8% dessas mulheres têm como meio de acesso ao serviço de saúde o SUS onde o provedor de cuidados principal tem grande probabilidade de ser um clínico geral ou um especialista em medicina de saúde e comunidade, o que pode ser uma realidade ainda mais complicada para as participantes que residem no interior. Para além disso, como já dito, mulheres lésbicas estão mais susceptíveis a acúmulos de estresse que por vezes se traduzem em malefícios - não se restringindo apenas ao seu bem-estar mental, como também físico, havendo relatos de alta prevalência de tabagismo e consumo excessivo de álcool (Meads, Buckley, & Sanderson, 2007), além de sobrepeso e obesidade (Mason, 2016), - o que justifica que a abertura deva fazer parte do processo de atendimento com clínicos gerais.

Profissionais de saúde, independente da especialidade, precisam estar cientes sobre a relevância de gerar um espaço propício de conforto para que essas suas pacientes lésbicas revelem sua orientação sexual. Precisam ainda estar atualizados sobre práticas sexuais, técnicas preventivas específicas para o sexo entre mulheres e necessidades de saúde de mulheres lésbicas para que possam, corretamente, informar e cuidar de suas pacientes (Pierre, 2012).

Limitações

Estudos brasileiros com mulheres lésbicas que busquem investigar a saúde e que levem em conta a abertura/confiabilidade para com o profissional de saúde são incipientes. O presente estudo, portanto, busca trazer uma contribuição para essa lacuna. Por isso e por possuir uma amostra robusta, ainda que não representativa da população brasileira de lésbicas, é investigada uma ampla gama de variáveis concernentes a essa população.

Pesquisas futuras devem buscar avançar em aspectos que no presente estudo se configuram como limitações. Entre essas limitações, portanto, está o fato de não terem sido exploradas diferenças de outras varáveis sociodemográficas, como comparações entre os grupos de diferentes cores/raças quanto a prevenção, assim como possuir ou não filhos. Tais informações poderiam incitar diferenças no manejo da abertura da orientação sexual de mulheres lésbicas (Morris et al., 2001).

Não foi perguntado neste estudo sobre a identidade de gênero das participantes, bem como sobre a idade de início da revelação da orientação e nem do caminho social que essa abertura percorreu - por exemplo: se ocorreu primeiro com familiares ou com outros(as) amigos(as) homossexuais. Esse tipo de questionamento trata de aspectos mais processuais da abertura ao longo da vida e que podem ser relevantes, principalmente, para a formação da identidade lésbica (Li & Sampaio, 2019).

Não foi o objetivo deste trabalho verificar variáveis concernentes ao profissional de saúde, como o gênero ou atitudes gay-positivas (atitudes positivas direcionadas a pessoas não heterossexuais) que poderiam influenciar positiva ou negativamente a ocorrência de abertura. Estudos futuros devem buscar levar essas variáveis em conta, pois, como apontado neste estudo, a responsabilidade pela não ocorrência de abertura não pode ser apenas (ou em sua maioria) atribuída à paciente, tendo o profissional um papel fundamental na facilitação desse comportamento.

Como dito, o presente estudo busca incitar a discussão e ampliar a produção científica dentro dos temas aqui abordados. Reforça-se, portanto, a importância de que estudos futuros prezem por expandir as dimensões da abertura e de aspectos da saúde de mulheres lésbicas a serem estudados para que esses materiais possam servir de base para melhor instruir profissionais de saúde no cuidado com essa população.

 

Considerações Finais

Neste estudo, mulheres lésbicas afirmaram revelar a orientação sexual para ginecologistas, porém, apesar disso, reportaram grande desinformação e afastamento de práticas preventivas. O que implica que mesmo com a revelação, não estão sendo devidamente instruídas sobre cuidados em suas práticas sexuais.

Profissionais precisam ser cuidadosos no sentido de não formular um ambiente estressor na situação de atendimento, que venha a dificultar a ocorrência de abertura, mais ainda, devem também ser melhor instruídos a não recorrerem a pressuposições sobre a atividade sexual de suas pacientes com base apenas na orientação sexual. Faz-se ainda necessário que se aprofundem os estudos sobre as práticas sexuais de mulheres que fazem sexo com mulheres, para que possam ser desenvolvidos métodos de barreira mais eficazes e para que as informações sobre proteção sexual para essa população sejam distribuídas de forma coerente.

A preocupação do estado brasileiro com direcionar políticas públicas para promover cuidados com mulheres lésbicas é recente. Dessa forma, esses direcionamentos devem ser convertidos em ações que cheguem até o momento do atendimento de saúde para essa população. Portanto, cuidados como os citados neste trabalho devem ser introduzidos durante a formação de estudantes da área da saúde e devem ser continuados na atualização de profissionais já graduados.

 

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Endereço para correspondência:
Aline Pompeu Silveira
E-mail: alinepompeus@hotmail.com

Elder Cerqueira-Santos
E-mail: eldercerqueira@gmail.com

Recebido em: 28/07/2020
Revisado em: 17/06/2021
Aceito em: 03/07/2021
Publicado online: 10/01/2022

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