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Revista Subjetividades

Print version ISSN 2359-0769On-line version ISSN 2359-0777

Rev. Subj. vol.22 no.1 Fortaleza Jan./Apr. 2022

http://dx.doi.org/10.5020/23590777.rs.v22i1.e11285 

RELATOS DE PESQUISA

 

A reorientação das práticas ambulatoriais na saúde mental coletiva a partir dos grupos de recepção

 

The reorientation of outpatient practices in collective mental health from reception groups

 

La reorientación de las prácticas ambulatorias en la salud mental colectiva a partir de los grupos de recepción

 

La réorientation des pratiques ambulatoires en santé mentale collective des groupes d'accueil

 

 

Waldir PéricoI; Doris Luz RinaldiII

IPsicólogo e Psicanalista. Doutor em Psicanálise pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Membro do Laboratório Transdisciplinar de Intercessão-Pesquisa em Processos de Subjetivação e "Subjetividades Saúde" (UNESP - Campus de Assis)
IIPsicanalista. Doutora em Antropologia Social pelo Museu Nacional/Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professora titular do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Membro do GT Psicanálise, Política e Clínica da ANPEPP. Membro do Intersecção Psicanalítica do Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Partindo da prática em um ambulatório de saúde mental, questionamos os modos de acolhimento tradicionalmente oferecidos às demandas de tratamento psíquico ambulatorial no campo público. Para tal, utilizamos uma análise paradigmática que - pautada na psicanálise, no materialismo histórico e na análise institucional - define o insurgente paradigma psicossocial como superação dialética da reforma psiquiátrica. A psicanálise e o materialismo histórico também foram as bases metodológicas da reflexão epistemológica que realizamos. Assim, suplantando a triagem privatista e medicalizadora do paradigma psiquiátrico dominante, os responsáveis pelos grupos de recepção devem suspender as respostas imediatas visando a uma escuta analítica que implique os sujeitos nos sintomas e conflitos dos quais se queixam. Por fim, destacando o necessário trabalho com as resistências a essas mudanças radicais, concluímos que a implantação dos grupos de recepção tem sido um importante meio de reestruturação dos dispositivos institucionais rumo a outro paradigma de tratamento.

Palavras-chave: atenção psicossocial; grupos de recepção em saúde mental; análise institucional; psicanálise.


ABSTRACT

Starting from the practice in an outpatient mental health clinic, we question the ways of welcoming offered traditionally to the demands of outpatient psychic treatment in the public field. To this end, we use a paradigmatic analysis that - based on psychoanalysis, historical materialism, and institutional analysis - defines the insurgent psychosocial paradigm as a dialectical overcoming of psychiatric reform. We used psychoanalysis and historical materialism in the methodological bases of the epistemological reflection that we carried out. Thus, supplanting the privatizing and medicalizing screening of the dominant psychiatric paradigm, those responsible for reception groups must suspend immediate responses aiming at an analytical listening that involves the subjects in the symptoms and conflicts of which they complain. Finally, highlighting the necessary work with the resistance to these radical changes, we conclude that the implementation of reception groups has been a relevant means of restructuring institutional devices towards another treatment paradigm.

Keywords: psychosocial care; reception groups in mental health; institutional analysis; psychoanalysis.


RESUMEN

Partiendo de la práctica en un ambulatorio de salud mental, cuestionamos los modos de acogida tradicionalmente ofrecidas a las demandas de tratamiento psíquico ambulatorial en el campo público. Para eso, utilizamos un análisis paradigmático que - pautada en el psicoanálisis, en el materialismo histórico y en el análisis institucional - define el insurgente paradigma psicosocial como superación dialéctica de la reforma psiquiátrica. El psicoanálisis y el materialismo histórico también fueron las bases metodológicas de la reflexión epistemológica que realizamos. Así, suplantando la clasificación privatista y medicalizadora del paradigma psiquiátrico dominante, los responsables por los grupos de recepción deben suspender las respuestas inmediatas visando una escucha analítica que implique los sujetos en los síntomas y conflictos de los cuales se quejan. Por fin, enfocando el trabajo necesario con las resistencias a estos cambios radicales, concluimos que la implantación de los grupos de recepción está siendo un importante medio de reestructuración de los dispositivos institucionales con destino a otro paradigma de tratamiento.

Palabras clave: atención psicosocial; grupos de recepción en salud mental; análisis institucional; psicoanálisis.


RÉSUMÉ

Partant de la pratique en clinique de santé mentale, nous interrogeons les modes d'accueil traditionnellement offerts aux demandes de soins psychiques ambulatoires dans le domaine public. À cette fin, nous utilisons une analyse paradigmatique qui - basée sur la psychanalyse, le matérialisme historique et l'analyse institutionnelle - définit le "paradigme psychosocial insurgé"comme un dépassement dialectique de la "réforme psychiatrique". La psychanalyse et le matérialisme historique ont également été les bases méthodologiques de la réflexion épistémologique que nous avons menée. Ainsi, supplantant la privatisation et la médicalisation du paradigme psychiatrique dominant, les responsables des groupes d'accueil doivent suspendre les réponses immédiates en visant une écoute analytique qui implique les sujets dans les symptômes et les conflits dont ils se plaignent. Enfin, nous soulignons le travail nécessaire avec la résistance à ces changements radicaux et concluons que la mise en place de groupes d'accueil a été un moyen important de restructuration des dispositifs institutionnels vers un autre paradigme de traitement.

Mots-clés : prise en charge psychosociale ; groupes d'accueil en santé mentale ; analyse institutionnelle ; psychanalyse.


 

 

Entre as contribuições da psicanálise ao campo da saúde mental coletiva (Costa-Rosa, 2013), encontramos muitos trabalhos que versam sobre a clínica dos sujeitos com impasses subjetivos persistentes, os chamados psicóticos e neuróticos graves (Bezerra, 2013; Fernández, 2001; Figueiredo, 2009; Rinaldi, 2005, 2010, 2015). Segundo as políticas públicas brasileiras de saúde mental, que nas últimas duas décadas colocaram em xeque o tratamento manicomial, esses sujeitos têm os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) como locais privilegiados para o tratamento, mas não sem o necessário trabalho de formação de uma articulada rede de atenção. O que caracteriza esses sujeitos, então, é o fato de que a especificidade dos seus impasses subjetivos lhes acarreta importantes prejuízos aos seus modos de andar/levar a vida (Canguilhem, 1990). Por outro lado, salvo honrosas exceções (Fernández, 2001; Fidelis, 2013; Figueiredo, 2009; Mendes, 2004; Périco, 2014; Tenório, 2000), não há muitos trabalhos aprofundados sobre as contribuições da psicanálise à "atenção ambulatorial" não-intensiva, ou seja, a destinada àqueles que ambulam sem dificuldades maiores. Trata-se dos casos de sujeitos em sofrimento neurótico e de alguns tipos de sofrimento psicótico cujos impasses podem variar de leves até mais graves, mas não ao ponto de justificarem uma "atenção intensiva" de tipo CAPS.

Dado que os avanços e retrocessos da reforma psiquiátrica em nosso país não se dão de forma linear no tempo e no espaço (Duarte, 2018; Mondoni & Costa-Rosa, 2010; Onocko-Campos, 2019) e considerando a especificidade de cada território1 (em relação ao fato de ter ou não certos estabelecimentos já instalados), essa atenção ambulatorial deve ser realizada por trabalhadores de vários estabelecimentos públicos (ou privados conveniados ao Sistema Único de Saúde - SUS): centros e unidades básicas de saúde; Estratégias Saúde da Família (ESF); hospitais universitários e clínicas-escola; ambulatórios de saúde mental, etc. A hipótese e a justificativa por trás desse fato - o de que uma dada oferta de atenção deve ser dada em qualquer local e não somente em estabelecimentos específicos - advém da estratégia atenção psicossocial.

A Estratégia Saúde da Família - implementada em alguns pioneiros municípios brasileiros desde o ano de 1994 e instituída para todo o país desde 2006 - é considerada a principal estratégia de ampliação do acesso à saúde e o carro-chefe do processo de implementação de um novo paradigma de atenção à saúde. Baseada na Estratégia Saúde da Família, a hipótese sobre a estratégia atenção psicossocial foi inaugurada por Yasui e Costa-Rosa (2008) e posteriormente ampliada por Costa-Rosa (2013). Ela parte do princípio de que devemos desvincular os dispositivos de tratamento dos estabelecimentos e demais locais nos quais eles podem se realizar. É "uma estratégia territorial baseada numa rede de práticas e dispositivos, muito além de uma rede de estabelecimentos" (Costa-Rosa, 2013, p. 91).

Partindo de um exemplo concreto, lembramos que os pequenos municípios não demandam a instalação de um CAPS. Mas, os sujeitos cujos tratamentos exigem uma atenção intensiva devem ser tratados em qualquer lugar onde haja equipe de saúde mental que oferte tratamentos segundo a estrutura e a lógica do CAPS. Nesse caso, falamos de "estratégia CAPS de tratamento" como uma das especificidades da estratégia atenção psicossocial. Outra dessas especificidades, temporária, é a sua utilização em estabelecimentos que se situam na transição paradigmática (Mondoni & Costa-Rosa, 2010). É o caso dos ambulatórios de saúde mental que devem ser, inicial e provisoriamente, reformados para posterior superação dialética (Costa-Rosa, 2013; Rotelli et al., 1990; Tenório, 2002; Yasui & Costa-Rosa, 2008). Quer dizer, "não se trata [apenas e provisoriamente] de aperfeiçoar as estruturas tradicionais [...], mas de inventar novos dispositivos e novas tecnologias de cuidado" (Tenório, 2002, p. 35). A hipótese sobre a estratégia atenção psicossocial já foi utilizada como ferramenta analítica para refletir sobre os ambulatórios de saúde mental (Severo & Dimenstein, 2013), trabalho do qual colhemos importantes resultados preliminares.

Nosso objetivo é discutir sobre as práticas da atenção ambulatorial no campo da saúde mental coletiva, focando nas experiências de mudanças nos dispositivos de recepção e tratamento de um ambulatório de saúde mental no qual um de nós atuou como trabalhador. Descrevemos a transformação da porta de entrada de um ambulatório de saúde mental de uma pequena cidade interiorana, a partir da entrada de três novos trabalhadores psicólogos recém-aprovados em concurso público. Analisamos, também, as diversas resistências encontradas, advindas, sobretudo, de outros trabalhadores e dos necessários manejos de que lançamos mão a fim de contornar esses impasses institucionais. Por se tratar de um trabalho clínico-institucional, pautado na ética da singularização, enfatizamos a especificidade de um trabalhador de saúde mental de um novo tipo, portanto, advertido pela psicanálise de Freud e Lacan, e a partir do materialismo histórico de Marx e alguns subsídios da análise institucional francesa, sem desconsiderar, obviamente, o necessário saber-fazer com as tensões inevitáveis entre essas referências teórico-práticas (Périco, 2014).

Partindo de uma análise paradigmática da saúde mental coletiva, diversos trabalhadores-pesquisadores vêm implementando um cotidiano trabalho clínico-institucional (intercessão) e uma reflexão epistemológica (pesquisa) sobre a transição paradigmática em curso nesse campo. Inserida nesse movimento, a discussão que se segue resulta da intercessão-pesquisa que um de nós vem realizando nos últimos dez anos, "respondendo" pela função de psicólogo em diversos estabelecimentos de atenção psicossocial. Como hipótese de trabalho, enunciamos duas modalidades de acolhimento encontradas nesses estabelecimentos, situáveis em paradigmas dialeticamente opostos: a triagem individual, típica do paradigma psiquiátrico, e o grupo de recepção, fundamental ao paradigma psicossocial. Visando à transformação dos dispositivos clínicos, incluindo o dispositivo institucional, partimos de uma hipótese de base psicanalítica - já preliminarmente praticada e refletida por nós (Périco, 2014) e por outros (Costa-Rosa et al., 2004; Mendes, 2004; Tenório, 2000) -, de que a subversão paradigmática a ser operada se inicia nos dispositivos de recepção. Já que se trata de uma experiência na saúde coletiva, onde a demanda de tratamento é cada vez maior e, considerando a especificidade desse campo, visamos à sustentação de uma práxis na qual a psicanálise é ampliada a fim de desenvolvermos dispositivos coletivos de recepção e de tratamento propriamente dito.

 

Breve Caracterização dos Paradigmas de Produção da Atenção na Saúde Mental Coletiva

Sem uma definição clara da concepção do processo de produção [...] da atenção que sirva de bússola, dificilmente se saberá aonde ir e como. (Costa-Rosa, 2013, p. 142).

Em virtude da saúde mental coletiva se situar em uma perspectiva epistemológica necessariamente transdisciplinar (além de apenas multi e interdisciplinar) (Costa-Rosa, 2013), e devido às suas práticas se darem em estabelecimentos institucionais, seus trabalhadores não podem prescindir de uma análise paradigmática desse campo. Isso porque encontramos espalhados pelos territórios vários estabelecimentos de saúde mental que têm, cada um, uma especificidade lógica, vinculada a uma origem histórica. Encontramos: 1) aqueles que são pautados na lógica asilar, os manicômios e os hospitais psiquiátricos; 2) estabelecimentos da transição paradigmática; 3) bem como, ainda - com a incumbência ética de demover radicalmente a lógica e a estrutura de tratamento dos primeiros -, CAPS, residências terapêuticas, centros de convivências etc. (considerando que, na falta de clareza paradigmática por parte dos seus agentes, podem acabar reproduzindo a lógica asilar).

Apropriando-se criticamente da discussão de Kuhn (1998), Costa-Rosa (1987, 2000, 2013) propõe uma análise paradigmática e dialética da saúde mental coletiva. O solo de tal análise é composto por referências que fizeram a superação das disciplinas (psicanálise, materialismo histórico e análise institucional). Munido dessas ferramentas, verifica que nesse contexto existem dois paradigmas de tratamento que se contradizem radicalmente. Considerando a "unidade e luta de contrários", uma das leis da dialética (Cheptulin, 1982), é possível ver que cada um desses paradigmas só se estrutura e se mantém em função da negação do outro. Para tanto, definindo rigorosamente a dialética histórico-materialista, escapamos do "sentido que toma as contradições como disfunções ou desvios, para ver que elas são o resultado dos conflitos reais entre os grupos, e os interesses sociais, representados nas instituições" (Costa-Rosa, 1987, p. 45). Assim, como veremos abaixo, os efeitos das práticas desses paradigmas só podem ter definições absolutamente contrárias.

Após décadas de pesquisas, Costa-Rosa estabelece quatro parâmetros essenciais que possibilitam uma análise estrutural da saúde mental coletiva: 1) a concepção do "objeto" e das ferramentas de trabalho; 2) as formas da organização das relações intra e interinstitucionais; 3) as formas do relacionamento transferencial com os sujeitos em sofrimento, a população em geral e o território; e 4) as formas de seus efeitos em termos terapêuticos e ético-políticos. Baseando-se neles, é possível definir se as práticas nas quais nos inserimos são configuradas pelo Paradigma Psiquiátrico Hospitalocêntrico Medicalizador (PPHM), ainda dominante, ou pelo insurgente Paradigma Psicossocial (PPS). Com isso, concebemos as práticas da reforma psiquiátrica brasileira, na melhor das hipóteses, como experiências de transição paradigmática (Mondoni & Costa-Rosa, 2010). Se, como veremos, o PPS pressupõe a clínica do sujeito do inconsciente, a reforma psiquiátrica como transição paradigmática também é constatável a partir do trabalho de Rinaldi (2005), ao nos mostrar como o saber inconsciente ainda é desconsiderado por muitos trabalhadores desse campo. Esses, segundo a análise de Costa-Rosa (2013), formam uma vertente assepsiada da reforma psiquiátrica. Assim, como as duas faces do deus Janus da cultura romana, concebemos duas vertentes da reforma psiquiátrica. Uma vislumbra o PPS. É a vertente da "reforma psiquiátrica propriamente dita" que, estrategicamente, sabe-se em transição. Enquanto a outra face olha para o PPHM, por ser sustentada por um não-sabido histórico (falta de clareza paradigmática) que só faz repetir a inércia do instituído e reprodução do mesmo sob novas roupagens (Rinaldi, 2010). Por isso, então, definimos o paradigma psicossocial como um passo além da reforma.

Essa análise lógico-histórica (estrutural) não pode prescindir de análises de conjuntura. No caso da nossa conjuntura recente, se o PPHM nunca deixou de ser dominante no que se refere às práticas, no início da década de 2000, ele havia se tornado subordinado, ao menos do ponto de vista do ideário discursivo e do legislativo, já que o Ministério da Saúde, estrategicamente ocupado por trabalhadores da causa antimanicomial, desde então passou a ter o PPS como horizonte. Porém, lamentavelmente, em decorrência da intensificação da agenda econômica neoliberal desde o golpe de estado de 2016 (Mascaro, 2018) o PPHM se encontra em franco processo de recuperação dos espaços que nas últimas décadas foi gradualmente forçado a conceder ao seu paradigma antípoda. Dessa forma, elencamos, muito sucintamente, as características básicas de cada um desses paradigmas a partir dos quatro parâmetros analíticos.

O PPHM é constituído por um conjunto de práticas baseadas em modos biopsicologizantes de conceber o "objeto" com que se lida; e suas ações se dão a partir de ferramentas de trabalho derivadas dessa forma de conceber o "objeto". Assim, a medicalização é conjugada com psicoterapias e demais ferramentas de trabalho que desembocam na ortopedia dos comportamentos (Périco, 2014). Suas ferramentas de trabalho podem até incluir (pelas reformas psiquiátricas) recursos multiprofissionais, mas não ultrapassam a fragmentação disciplinar de tarefas e a supervalorização do saber médico em relação aos demais. O processo de trabalho é regido pelo modo de produção capitalista, pois o discurso médico tende a delimitar hierarquicamente o fazer dos demais trabalhadores que, tal qual na "esteira de montagem" taylorista, vão fazendo, isoladamente, partes fragmentadas do trabalho. Disso decorre que, tanto as formas da organização das relações intra e interinstitucionais quanto as formas do relacionamento transferencial com os sujeitos em sofrimento, a população em geral e o território tendem à hierarquização do saber e do poder, isto é, tendem aos laços sociais por Lacan (1992, p. 72) definidos como "discursos da dominação". A forma como se organizam as relações entre os trabalhadores nas e entre as instituições é frequentemente transladada para a forma como os trabalhadores se relacionam com os sujeitos em sofrimento. Ou seja, tendem a reproduzir as relações sociais dominantes de tipo disciplinar: sapiente-ignorante, são-doente, normal-anormal etc. Em sintonia com as características desses três, no que diz respeito ao quarto parâmetro analítico, os efeitos terapêuticos se expressam na produção de subjetividade alienada, enquanto os efeitos ético-políticos se materializam como produção de (re)adaptação ao instituído social dominante. O agente das práticas de saúde mental típicas do PPHM, por ser forma(ta)do pelas especialidades disciplinares, é nomeado como "trabalhador-disciplinar".

O PPS, por sua vez, tenta se instaurar nas brechas estrategicamente abertas no instituído do paradigma dominante. A análise crítica das experiências internacionais de reformas psiquiátricas (Fleming, 1976 - delas pinçando os seus respectivos feitos inovadores - parte de referências transdisciplinares que fizeram a superação da cisão disciplinar sujeito-objeto. Se no PPHM estamos imersos nas velhas práticas disciplinares, no PPS colocamos no horizonte ético a sustentação de uma práxis.

Nesse paradigma, em relação ao primeiro parâmetro analítico, amplia-se a concepção do "objeto", muito além das ampliações já realizadas pelas reformas psiquiátricas. Além da dimensão biológica, o "objeto" das práticas é considerado em sua complexidade constitutiva a partir do seu "duplo entre": o "entre social" e o "entre significantes". Isto é, considera-se a relação dialética entre a dimensão de sujeito dividido, entre significantes inconscientes e conscientes, e a dimensão de sujeito social entre outros sujeitos sociais: "duplo entre" que se coloca como superação do individualismo burguês. Trata-se de um "sujeito psicossocial" no sentido radical (que incluí o inconsciente e o sujeito social). Considera-se, então, que, nesse contexto, a instituição é um intermediário inevitável (Costa-Rosa, 2013; Shimoguiri & Périco, 2014), buscamos driblar os modos autoritários de relacionamento transferencial típicos das instituições sociais do modo de produção capitalista e, portanto, do discurso médico (Clavreul, 1983). Para tal, tanto as formas da organização das relações intra e interinstitucionais, quanto as formas do relacionamento transferencial com os sujeitos em sofrimento, a população em geral e o território devem se configurar a partir de dispositivos de horizontalização e transversalização do saber e do poder. Em relação ao processo de trabalho, busca-se o modo de produção cooperado (Marx, 2006), no qual o saber médico comporia com os demais a modalidade de trabalho interprofissional caracterizada como "integração em profundidade" (Costa-Rosa, 1987, 2013), que é o avesso dialético da modalidade taylorista fragmentária. Em relação às formas do relacionamento transferencial, superando as relações "entre loucos e sãos", visa-se ao exercício de formas de "interlocução" sociossimbólicas nas quais a escuta do sujeito do inconsciente, junto à necessária consideração da implicação dos processos de produção da vida material e social, faculta a direção do tratamento. Em sintonia com as características dos três anteriores, o quarto parâmetro desse paradigma define os efeitos terapêuticos como produção de subjetividade singularizada e os efeitos ético-políticos se expressam por meio da implicação subjetiva e sociocultural do sujeito, podendo resultar em (re)posicionamentos "resistentes" às práticas de reprodução do capital (Périco, 2014)2. Já quanto ao agente de saúde mental promotor do PPS, que é necessariamente de um novo tipo, convencionamos chamá-lo de "trabalhador-transdisciplinar" ou "trabalhador-intercessor".

Por fim, define-se o PPS como capaz de situar a saúde mental no campo da saúde coletiva, do qual herda a compreensão de que o processo de produção saúde-adoecimento-atenção deriva de complexos processos psicossociais que, por isso, "demandam uma abordagem [...] transdisciplinar e intersetorial, com a decorrente construção de uma diversidade de dispositivos territorializados de atenção" (Yasui & Costa-Rosa, 2008, p. 29).

 

Método

O pensamento de Freud é a sua experiência (Lacan, 2008, p. 266).

Quando se trata do trabalho em estabelecimentos públicos - utilizando-se da psicanálise, do materialismo histórico e da análise institucional - delimitamos tanto um modo de trabalho, definido como paradigma psicossocial, quanto um modo de pesquisa, nomeado como dispositivo intercessor ou intercessão-pesquisa (Costa-Rosa, 2019a; 2019b). Considerando o fato dessa multirreferencialidade metodológica partir de uma práxis, só podemos, então, falar de uma pesquisa necessariamente derivada de um de "trabalho de intercessão" que, ao menos logicamente, a antecede. Estamos no encalço de Lacan (1974-75, Lição de 10/12/1974), para quem "é indispensável que o analista seja ao menos dois: o analista para ter efeitos e o analista que esses efeitos teoriza". No primeiro momento, somos trabalhadores-intercessores no lugar do agente causa da produção do saber da práxis para a própria práxis; no segundo, somos pesquisadores no lugar do trabalho da produção de uma reflexão epistemológica acerca dos acontecimentos (incluindo os impasses) do primeiro momento, nos quais estivemos necessariamente implicados (Julien, 2002). Somente assim podemos superar a divisão social do trabalho entre os que fazem e os que pensam, pois sem isso manteríamo-nos nos modos disciplinares de trabalhar e pesquisar que objetificam os sujeitos, retirando-lhes o intransferível lugar do trabalho que, segundo a ética da singularização que nos orienta, a eles pertence. Quanto a esta, além da ética psicanalítica da diferença (desejo), a intercessão-pesquisa é também tributária da ética marxiana do valor de uso (carecimento) e da ética institucionalista da autogestão dos coletivos, homologamente singularizantes.

Participantes

O lócus desta intercessão-pesquisa foi um ambulatório de saúde mental de uma cidade de pequeno porte onde um de nós é trabalhador efetivo.

Se o método do qual partimos pressupõe uma práxis, a pesquisa só pode se dar em função do nosso trabalho prévio em um "campo de intercessão", considerando que "um dos méritos do trabalho analítico é que nele pesquisa e tratamento coincidem" (Freud, 1912/2017b, p. 97). No entanto, ainda na trilha de Freud (1912/2017b, p. 97), sabemos que "a técnica que serve a um, de um certo ponto de vista, acaba se opondo a outra", o que quer dizer que no momento do trabalho clínico-político não há "participantes da pesquisa" no sentido clássico, já que trabalhamos e pesquisamos sempre fora do laço social que vigora nas pesquisas acadêmicas que objetificam os sujeitos. Então, só podemos falar em "participantes de um 'trabalho pesquisante'": sujeitos por nós atendidos e trabalhadores do campo (entre os quais necessariamente nos incluímos).

Além de algumas situações de trabalho institucional em reuniões de equipe multiprofissional, nas quais um de nós atuou como trabalhador efetivo, são citadas três vinhetas de situações clínicas e institucionais.

Procedimentos

Pelos motivos já explicitados, nessa intercessão-pesquisa não houve coleta de dados no sentido clássico, pois "uma intervenção terapêutica não pode ser conduzida como uma pesquisa teórica" (Freud, 1910/2013, p. 290). Inicialmente, utilizamos o que chamamos de "diário de campo de intercessão", para anotar nossas experiências visando a refletir os impasses do trabalho, tornando-se, logicamente a posteriori, um "diário de campo de pesquisa propriamente dita", para refletir o que para nós se apresentaram como questões epistemológicas. Quanto ao primeiro diário de campo, seguimos Freud (1912/2017b, p. 96) que não recomendava a produção de anotações nas sessões com os analisandos, em função do fato de que "além da impressão desfavorável que isso causa em alguns pacientes", tomando-os como objetos passivos de pesquisa universitária, poderíamos também incorrer em "uma seleção nociva do material enquanto anotamos", o que iria na contramão do que se espera na escuta psicanalítica.

Também foi realizado e utilizado nessa discussão uma pequena pesquisa documental acerca dos diferentes dispositivos de recepção colocados em prática no referido ambulatório de saúde mental. Consideramos um tempo de três anos de experiência laboral (de 2016 a 2019) para a discussão epistemológica realizada nessa pesquisa, nas quais as situações institucionais também foram anotadas em diário de campo.

Vale salientar também que a reflexão dessa práxis teve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade a qual somos vinculados (Parecer n. 2.462.416).

 

Resultados e Discussão

O Complexo Trabalho das Práticas Ambulatoriais Públicas

Trazemos uma cena do cotidiano de trabalho. Sou abordado no corredor, por uma jovem mãe: "você que é o psicólogo?". Ao ouvir que "sim", diz que precisa de uma consulta. Recém-chegado no estabelecimento, não havia ainda iniciado os grupos de recepção. Então, digo que precisará entrar para uma lista de espera. Com isso, apresenta sua urgência: "Ah, mas como eu faço? Não posso esperar, não estou nada bem". Mesmo estando em horário de almoço, convido-a para uma sala. Com ela, duas crianças. "Essa é minha, a outra é da vizinha, eu 'cuido dela' pra ganhá duzentos reais por mês. Mas, cuidar das duas me estressa muito, fazem muita bagunça, e eu moro em um quintal com outros parentes e mais crianças, é uma gritaria o dia todo". Pergunto se esse é o motivo de buscar atendimento. "Ah, não sei porquê, mas eu tô com o sistema muito nervoso. Eu discuto muito com meu marido, que agora tá desempregado e bebendo. Ele chega bêbado e a gente briga, as crianças choram e daí não durmo. Não tô aguentando mais. E agora - apontando para a filha - essa aí deu de brigar na escola e de molhar a cama, acho que ela também precisa de psicólogo". Decido encaixá-la em um dos grupos psicoterapêuticos. Ao que me responde: "tá, eu venho. Mas você passa remédio?". "Até amanhã", é o que "respondo" já à porta (Diário de Campo, 07.02.2018).

Os trabalhadores de saúde mental encontram-se, em relação às demandas que lhes chegam, em uma posição muito diferente daquela em que se encontra qualquer trabalhador no consultório particular, incluindo o psicanalista. Estes, quando veem suas agendas preenchidas, encaminham os novos pacientes. Não é esse o caso dos trabalhadores de saúde mental que precisam, dentro do possível, dar certa vazão à demanda crescente que recebem. Ofício (im)possível de quem trabalha, diríamos com Lacan (2003b), em um ponto de convergência das misérias do mundo capitalista. Além dos baixos salários que recebemos, temos que lidar diariamente com: as demandas por medicação mais ou menos inarredáveis dos sujeitos em tratamento (demandas logicamente compreensíveis, dada a carga de sofrimento a qual são historicamente expostos os mais pobres); conflitos com outros trabalhadores e gestores, dado os modos dominantes de organização institucional autoritários/verticalizados; decisões complexas sobre como avaliar as urgências e as emergências para decidir quem e como atender primeiro; limites de agenda e de recursos materiais e profissionais da rede de atenção, etc. Por isso, "o lugar da saúde mental é um lugar de conflito, confronto e contradição" (Costa-Rosa et al., 2003, p. 29).

Esse é o retrato da complexidade do que bate à porta dos estabelecimentos de saúde. De início, deflagra a incipiência teórico-prática dos trabalhadores que se restringem ao dispositivo clínico individual do consultório liberal nesse campo especificamente público e coletivo. Tal complexidade é o "que coloca em questão a prática tradicional do psicanalista, habituado à solidão de seu consultório" (Rinaldi, 2015, p. 318). Pois, por mais que pudessem operar algum efeito isolado - e até efeitos de singularização, no caso do dispositivo psicanalítico de escuta individual -, não conseguiriam interceder no essencial das questões desse campo. Segundo Freud (1919/2010, p. 202), são estas questões que nos arrastam para "a tarefa de adequar a nossa técnica às novas condições". Já como ressalta Costa-Rosa (2013, p. 147), "de fato nenhum trabalhador da atenção psicossocial pode manter-se alheio às teorias, às técnicas e à prática das diversas modalidades de trabalho coletivo".

Dessa forma, ao comentar o trabalho com grupos realizado por Wilfred Bion junto à grande demanda de tratamento de soldados adoecidos pela Segunda Guerra Mundial, Lacan (2003a, p. 113) refere que "foi justamente dessa dificuldade que Bion partiu para atravessar o Rubicão de uma inovação no método". Por isso, além dos grupos de recepção, é fundamental avançarmos mais na elaboração de um novo dispositivo clínico: o "grupo psicoterapêutico" na abordagem psicanalítica de Freud e Lacan (Costa-Rosa, 2013, 2019b; Cruz, 2015; Cury, 2015; Machado & Grova, 2008; Pratta & Costa-Rosa, 2012).

 

As Propostas de Mudanças nos Estabelecimentos Institucionais e as Resistências

A sustentação de novos modos de acolhimento e tratamento do sofrimento psíquico na esfera pública impõe uma reexão permanente sobre as práticas clínicas nesse campo, a partir dos impasses encontrados. (Rinaldi, 2015, p. 316).

Destacamos agora os movimentos de mudanças dos quais participamos, ao considerarmos o segundo parâmetro da análise paradigmática, isto é, as formas da organização das relações intra e interinstitucionais. Vale destacar que a consideração de um não pode se dar sem a necessária inter-relação com os demais parâmetros dessa análise estrutural.

A equipe do estabelecimento contava com dois psicólogos e um psiquiatra. De início, constatamos não haver reuniões de equipe, sendo a primeira coisa que buscamos efetivar, sabendo que no PPHM o "trabalho é realizado sem que os profissionais se encontrem para conversar sobre a atividade comum", pois "o prontuário é considerado o elo de interconexão dos profissionais" (Costa-Rosa, 2000, p. 153).

Em relação aos casos novos, havia apenas um desorganizado amontoado de encaminhamentos. A recepção se dava a partir de uma única entrevista realizada por um dos psicólogos que, após o término da sessão, despachava o caso, e como as agendas estavam sempre lotadas, os casos novos eram quase todos encaminhados ao psiquiatra, que também já tinha sua agenda preenchida pelos próximos quatro meses. Assim, após várias reuniões internas, apresentamos à coordenadora de saúde mental um novo projeto clínico-institucional para o então renomeado Ambulatório Ampliado de Saúde Mental (visando à subversão desse ambulatório medicalizador e territorialmente inerte, acrescentamos o adjetivo "ampliado"). O projeto, que foi bem recebido pela gestão, consistia em rever o fluxo e a estrutura da recepção e dos tratamentos propriamente ditos, passando a privilegiar os dispositivos coletivos de escuta. A intenção foi criar formas de extinguir ou, no mínimo, diminuir as iatrogênicas filas de espera, sem reduzir a qualidade do atendimento (Maron, 2000). Então, considerando as necessárias exceções, passamos a privilegiar os dispositivos dos grupos de recepção e dos grupos psicoterapêuticos.

Tais mudanças se deram a partir de fortes resistências, mais por parte dos trabalhadores do que por parte dos sujeitos em sofrimento, sendo alguns da própria equipe de saúde mental e vários de outros setores das políticas públicas do município. Isso se dá, obviamente, pois as mudanças estruturais que a estratégia atenção psicossocial vislumbra "não se dão sem resistências ou claras oposições advindas de vários setores e direções" (Yasui & Costa-Rosa, 2008, p. 28). Assim, escutamos afirmações como: "atender assim não dá certo, por que as pessoas não conseguem falar em grupo". Desse modo, junto com certa relutância do psiquiatra do Ambulatório de Saúde Mental, as oposições mais tenazes vieram de três psicólogas, uma da nossa própria equipe, uma do Núcleo de Apoio a Saúde da Família (NASF) e outra do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS). Esta última, assim, demandou uma reunião com a nossa equipe, dizendo-se muito preocupada com as mudanças. Na ocasião, a psicóloga do CREAS explicitou que os sujeitos que sofrem violência doméstica poderiam não aceitar esse tipo de atendimento, concluindo que "para dar certo, então, será preciso ter muito manejo", frase que foi por nós reafirmada no mesmo instante. Esse foi o "acontecimento" intercessor da tensa reunião, a "brecha aberta" que terminou com discordância quanto à proposta de mudanças nos dispositivos de recepção, mas com anuência tácita com relação a esse último dizer que tomamos como uma espécie de adágio: "é preciso ter manejo", refletíamos sempre que situações difíceis aconteciam. E por partirmos da psicanálise, já sabíamos que "as únicas dificuldades realmente sérias são encontradas no manejo da transferência" (Freud, 1915/2017a, p. 165). No entanto, por se tratar de experiências que visam à ampliação da psicanálise em outro lócus de atuação, também sabíamos que era preciso "encontrar no próprio impasse de uma situação, a força viva da intervenção" (Lacan, 2003a, p. 113, grifo nosso).

Dias depois, recebemos uma intimação do Conselho Municipal de Saúde que, argumentando ter recebido várias reclamações de trabalhadores da saúde e da assistência social, convidava-nos a dar explicações em sua próxima reunião. Mas, devido ao fato de os efeitos das nossas práticas serem imediatamente positivos - logo, sentidos naqueles lugares de onde partiram os mais fortes questionamentos -, essa reunião foi desmarcada por já não ser mais considerada necessária.

Após um ano de experiência, novas resistências vieram. Com a troca de governo municipal, que implicou a alteração no cargo de Coordenação de Saúde Mental, em um claro processo de negação da gestão anterior, foi convocada uma reunião com o intuito de rediscutir o acolhimento do ambulatório. O argumento da nova coordenadora era o de estar havendo "muitas reclamações em relação aos grupos de recepção" e "muitas faltas por ser em grupo", a despeito da nossa experiência mostrar o contrário disso. Nosso trabalho foi novamente colocado na berlinda, desta vez menos por motivos técnicos que por motivos de rixa entre governos municipais. Eram as chamadas "'picuinhas' político-partidárias" (Benelli, 2014, p. 115). Utilizando-se do poder decisório autoritário típico do PPHM, a coordenadora de saúde mental recém-empossada definiu que nenhum sujeito passaria por grupos de recepção sem que antes fosse recepcionado individualmente. No entanto, a quase totalidade da equipe se posicionou contra essa ordem, entendendo que não podíamos perder a liberdade da condução da nossa atividade laboral, ao custo de nos tornamos alienados em relação ao processo de trabalho (Marx, 2015). A saída, então, foi uma formação de compromisso (da nossa parte, uma "concessão tática"), que consistiu na instalação do que chamamos de "pré-acolhimentos". Cada um dos psicólogos reservaria uma hora semanal da sua agenda para receber individualmente até três casos novos, que seriam brevemente ouvidos e encaminhados aos grupos de recepção ou, os que não aceitassem, à uma lista de espera para psicoterapia individual. Os problemas gerados por essa prática recaíram nas velhas dificuldades da "triagem individual". Primeiramente, confirmamos o óbvio: um único encontro era incompatível com uma escuta necessária para se fazer o diagnóstico situacional e clínico-estrutural. Em segundo lugar, após três meses voltaram a se formar listas de mais de dois meses de espera, esvaziando os grupos de recepção.

O interessante dessa prática de "pré-acolhimento" foi a possibilidade de proporcionar dados que utilizamos em favor dos grupos de recepção, consolidando o seu lugar no conjunto da rede de atenção, criando mais um "efeito intercessor" derivado do impasse de uma situação de resistência à mudança que pudemos manejar, efeito de um "analisador institucional"3. Vejamos.

"As pessoas faltam mais aos atendimentos quando é em grupo", repetiam alguns trabalhadores, incluindo a então coordenadora de saúde mental. Tendo essa crítica em vista, decidimos comparar o número de faltas registradas nos quatro meses de "pré-acolhimentos" individuais com o número de faltas nos quatro meses de grupos de recepção que antecederam a essas atividades. Com essa simples pesquisa, obtivemos esses dados (Tabela 1):

Com isso, tivemos números que indicavam as vantagens dos grupos de recepção em relação à triagem individual, números que desmistificaram a crítica de que os sujeitos faltavam por ser uma recepção em grupo. Uma prática que, junto com o apoio de outros trabalhadores - incluindo, no último ano, a entrada de uma nova coordenadora de saúde mental sintonizada com a atenção psicossocial -, pôde-se efetivar e completar, até o momento desta publicação, três anos de uma experiência exitosa pautada no horizonte ético-político do paradigma de tratamento emergente.

Intercedendo na Relação entre a Oferta e a Demanda de Tratamento

Com a necessária relação com os outros três parâmetros, destacamos agora a nossa experiência sob a luz do terceiro parâmetro da análise paradigmática. Veremos que em relação às formas do relacionamento transferencial com os sujeitos em sofrimento, a psicanálise nos proporciona as melhores ferramentas, enquanto a análise das formas do relacionamento transferencial com a população em geral e o território demandam, além da psicanálise, os instrumentais do materialismo histórico e da análise institucional.

Na saúde mental, encontramos diferentes formas de relacionamento transferencial que no PPHM apresentam-se como disciplinares, pois, partindo do princípio racionalista queixa-solução, restringem-se à administração imediata de uma resposta-solução medicamentosa e/ou de saber, e/ou tutelar. Isso contribui com a desimplicação subjetiva e sociocultural do sujeito e, portanto, com a sua alienação psíquica e social, pois nos estabelecimentos "em que pacientes nervosos não têm tratamento psicanalítico, observamos as maiores intensidades e as formas mais indignas de transferência, chegando à servidão" (Freud, 1912/2017c, p 110). Contrariamente, no PPS privilegiamos o exercício de formas intercessoras (transdisciplinares) de interlocução. Utilizando o princípio de que intercedemos junto aos processos de subjetivação de um aparelho psíquico - sempre inter-relacionado ao Modo de Produção social - que tem diversos modos de estruturação e impasses específicos, torna-se possível produzirmos a implicação subjetiva e sociocultural do sujeito nos conflitos e contradições dos quais se queixa. Assim, podemos fazer com que "deixe de ser apenas objeto de um assujeitamento que gera sofrimento em excesso, para tornar-se um sujeito capaz de produzir deslocamentos nesses impasses e no posicionamento ocupado na relação com eles" (Costa-Rosa, 2013, p 74). Isto é, manejando a transferência de saber e de poder curar que os sujeitos em sofrimento inicialmente lhes atribuem, os trabalhadores que recepcionam as demandas de tratamento devem, desde o princípio, ter como meta a colocação do sujeito em sofrimento no lugar do trabalho do processo de produção da atenção. Para isso, considerando que "aquele que faz o verdadeiro trabalho em psicanálise, é aquele que fala, o sujeito analisante" (Lacan, 1974, p. 2), os recursos utilizados são: 1) a emergência da fala de quem demanda, que é causada pela 2) escuta psicanaliticamente orientada de quem recebe. Uma escuta que, ao não responder à demanda de suprimentos imediatos, "convoca" o sujeito a produzir novos sentidos para os impasses da sua existência-sofrimento. Diante do consumismo e da consequente medicalização da vida - que faz com que aqueles que buscam tratamento em virtude de seu sofrimento nos cheguem demandando esses "mágicos" suprimentos supostos de cura -, a escuta nos grupos de recepção tem a difícil meta de "desmedicalizar a demanda e subjetivar a queixa" (Tenório, 2000, p. 82). No que diz respeito às formas de relações com população em geral e o território, além desses, recorremos aos conceitos de "demanda" e "encomenda" (Lourau, 2014).

No campo público, as instituições são intermediários inevitáveis. Isso quer dizer que, diferentemente da psicanálise do consultório particular, onde a relação terapêutica se dá de forma mais direta, nesse campo ela sofre efeitos diretos e indiretos da forma de organização intra e interinstitucional. As instituições são efeitos das pulsações da demanda social. Esta é definida como aquilo que pulsa no seio da luta de classes em um dado espaço psicossocial, econômico e cultural (território). As emergências de pulsações da demanda social podem acontecer de tempos em tempos e delas podem surgir movimentos que contestam o instituído social e institucional. No entanto, geralmente, as pulsações da demanda social são capturadas (Guattari, 1986) e transformadas em "encomendas sociais". Nesse processo, depois de sofrerem os efeitos da ideologia e do imaginário dominantes, o que era potencialmente subversivo é assepsiado e tornado funcional ao modo societário vigente. Então, uma encomenda é um fenômeno cuja base concreta - isto é, os conflitos psíquicos e socioculturais que encobrem e reiteram - só é acessível e desconstruída se for analisada. Nesses termos, tais encomendas são sintomas da demanda social, fato que, a nosso ver, demonstra uma das nuances da afirmação de Lacan (1974-75) de que Marx foi inventor da noção de sintoma. Exemplifiquemos, então, tal afirmação a partir de uma situação concreta.

Sabe-se que a dita "delinquência infantojuvenil" - o "embrutecimento", diz Freud (1919/2010, p. 291) - e a consequente indisciplina presentes nas escolas de bairros periféricos, junto aos determinantes mais diretamente psíquicos, são efeitos do embate entre a realidade sociolinguística, cultural e social na qual vivem esses jovens e aquela em que a escola tradicional autoritária, pautando-se na dita norma culta, tenta impor a esses sujeitos com pouca ou nenhuma consideração sobre suas realidades (Patto, 2015). Diante disso, esses jovens são, a "toque de caixa", encaminhados para tratamento em saúde mental. Nesse exemplo, o choque de realidades expressa uma pulsação da demanda social, e o encaminhamento - derivado da maneira como os agentes do estabelecimento escolar interpretam o fenômeno da "delinquência" -, evidencia uma encomenda. Na maior parte das vezes essa encomenda é feita diretamente ao psiquiatra visando ao uso de psicotrópicos e/ou ao psicólogo em busca da readaptação comportamental. Isso nos leva a constatar que os pedidos por remédios, da maior parte dos sujeitos em sofrimento, podem ser entendidos também como encomendas de variadas pulsações da demanda social. É por isso que os dispositivos clínicos criados pelo PPS buscam não responder às encomendas, a fim de dar alguma "resposta" ao nível das pulsações da demanda social. Nisso, a escuta do sujeito do inconsciente, necessariamente articulada à compreensão dos processos de produção da vida material e social, tornam-se fundamental.

Em relação à população em geral e ao território, também é importante considerarmos a forma como o estabelecimento institucional se apresenta e se situa no imaginário social e no simbólico? No imaginário: com que imagens e significantes representa-se para a população, determinando, com isso, boa parte do estado da transferência inicial dos sujeitos que demandam ajuda? No simbólico: até que ponto consegue-se cumprir seus objetivos, tanto os explícitos quanto os implícitos? No caso do PPS, como dito acima, até que ponto suas ações conseguem interceder na demanda psíquica e na demanda social para além das encomendas que delas derivam? Sem deixar de acolher os sujeitos encaminhados, o trabalhador-intercessor questiona as encomendas que lhe são endereçadas, a fim de serem remontadas de volta a seus lugares de origem e, na medida do possível, lá mesmo trabalhadas, o que exige um difícil manejo transferencial. Recorremos, então, as nossas experiências laborais, objetivando uma melhor explicitação desses aspectos da nossa análise.

Robson, o Embrutecido

Devido à constatação de que a Casa de Acolhimento de Crianças e Adolescentes, um estabelecimento da Secretaria de Assistência Social, estava encaminhando sistematicamente todos os seus acolhidos, decidimos convidar a equipe para uma reunião, com o pretexto de discutirmos esses casos. Após uma primeira reunião, dispomo-nos a ir até o estabelecimento para conversar com os trabalhadores "cuidadores". Em um desses encontros, surge o assunto sobre Robson, um adolescente que estava tendo muitos acessos de heteroagressividade. Com cuidado, conseguimos discutir sobre a forma como o rapaz era tratado pelos "cuidadores", e a partir de nossas perguntas eles próprios concluíram que estavam "exigindo demais do garoto". Reconheceram estar, insistentemente, cobrando do jovem que abaixasse a tampa da privada, que arrumasse a cama e que comesse de garfo e faca, o que ele sempre esquecia ou fazia incorretamente. Segundo uma "cuidadora", em um dos seus rompantes de raiva, após lhe chamarem a atenção, ele grita à mesa: "eu não sou como vocês, sou pobre, eu como com a mão!". Nesse instante, a assistente social nos informa que ele, desde que nasceu, morava em uma casa que sequer tinha banheiro. Quanto ao garfo e faca, bastou destacarmos que se tratava de uma família que na maioria das vezes não tinha o que comer. Ora, como poderia esse jovem, sobretudo em um momento tão crítico relacionado a rupturas de seus vínculos familiares, que até então viveu em um contexto de pobreza extrema, incorporar hábitos tão distantes da sua realidade sociossimbólica? E não seria esse um dos tipos dos casos aos quais Freud (1919/2010, p. 291) se refere dizendo que, dada uma vida de muitas privações, se não forem analisados, "só têm diante de si a escolha entre a neurose e o embrutecimento"?

Esse adolescente foi tratado em um grupo psicoterapêutico, beneficiando-se bastante. No entanto, sua melhora não se deu sem as mudanças na forma como era tratado no estabelecimento onde "residia" (junto a um importante trabalho interprofissional, entre outros, com o educador físico responsável por treinar o time de futebol, numa atividade oferecida pela Secretaria de Esportes do município). Outro efeito colhido foi a diminuição dos encaminhamentos feitos pela Casa de Acolhimento.

O nosso trabalho de intercessão junto à demanda dos sujeitos e junto às encomendas de outros estabelecimentos nunca são tarefas fáceis. No caso citado, tivemos muitas dificuldades com o psicólogo do local, responsável por constantes tentativas de boicotar as reuniões, que só ocorreram por insistência desejante da assistente social do estabelecimento com quem já tínhamos um bom contato e uma boa sintonia paradigmática, constatada e potencializada nas reuniões de rede do município.

 

Considerações Finais

As dificuldades e resistências em relação às mudanças de paradigma de tratamento que encontramos nesses três anos de trabalho no ambulatório de saúde mental foram muito maiores do que a fração que pudemos relatar no espaço desse artigo. Entre aquelas, destacamos algumas fundamentais: o fato de apenas três dos seis trabalhadores do estabelecimento se proporem a operar com os dispositivos coletivos de recepção e tratamento (o que fazia sobrecarregar o trabalho dos três primeiros); com raríssimas exceções, a insistência do psiquiatra em não participar das reuniões da equipe e do trabalho interprofissional; e, no que diz respeito aos dispositivos de recepção, o fato de uma psicóloga fazer questão de descumprir o projeto clínico-institucional ao continuar recepcionando individualmente casos novos, contrariando a diretriz fundamental discutida e decidida pelo coletivo de trabalhadores de que a primeira oferta de escuta seria a dos grupos de recepção.

Por outro lado, em síntese, nossas experiências têm mostrado que o grupo de recepção é um dispositivo potente e necessário ao paradigma da atenção psicossocial: 1) capaz de extinguir ou reduzir ao máximo as listas de espera; e, por isso, 2) exitoso em recepcionar de pronto as crises psíquicas, sobretudo aquelas, tão presentes nesse campo, que podem desembocar em atos suicidas; 3) capaz de colocar em ação, desde o início, o uso da fala como recurso privilegiado ante o tratamento dos sintomas e demais impasses psicossociais, desmedicalizando a queixa e subjetivando a demanda; 4) capaz de, ele mesmo, ser resolutivo em muitos casos, dispensando o início de um tratamento propriamente dito; 5) e fundamental ao interceder junto ao estabelecimento institucional como um todo, provocando mudanças radicais em seu modo de produção, além de colocar em prática formas de organização em sintonia com processos subjetivos singularizados.

Finalmente, por agilizar o trabalho quantitativa e qualitativamente, consegue evitar que a agenda dos trabalhadores seja "afogada" pela demanda espontânea, abrindo espaço para outras e fundamentais ações territorializadas no município - reuniões de rede, visitas domiciliares, oficinas terapêuticas externas, acompanhamentos terapêuticos etc. -, em suma, possibilitando o necessário trabalho interinstitucional e intersetorial que se espera da estratégia atenção psicossocial, cuja diretriz maior é a da integralidade das ações de atenção, efetivável apenas na perspectiva da transdisciplinaridade.

 

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Endereço para correspondência:
Waldir Périco
E-mail: waldirperico@yahoo.com.br

Doris Luz Rinaldi
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Recebido em: 09/07/2020
Revisado em: 29/07/2021
Aceito em: 05/08/2021
Publicado online: 29/04/2022

 

 

1 Conforme definido na 8ª Conferência Nacional de Saúde (Ministério da Educação [MEC], 1986), o território é concebido para além do espaço físico, como espaço vital: econômico, político, sociocultural e subjetivo. É, aliás, o que justifica a implementação da descentralização político-administrativa (municipalização) da saúde.
2 Efeito já vislumbrado por Freud (1919/2010) quando idealizou a presença de trabalhadores de formação psicanalítica nos estabelecimentos públicos, "para que, mediante a análise, sejam mantidos capazes de resistência e de realização homens que de outro modo se entregariam à bebida, mulheres que ameaçam sucumbir sob a carga de privações, crianças que só têm diante de si a escolha entre a neurose e o embrutecimento" (p. 291, grifo nosso). Nessa passagem, nota-se que Freud utiliza uma acepção do conceito de "resistência" diferente daquela comumente presente em suas obras. Parece fazer, avant la lettre, um uso próximo ao conceito foucaultiano de "resistência" ao poder disciplinar.
3 Conceito da análise institucional (Lourau, 2014). Acontecimento instituinte que, ocorrendo de forma espontânea ou advertidamente construída por determinados agentes da instituição, possibilita explicitar e equacionar conflitos e contradições que as instituições, em suas configurações capitalistas, tentem a camuflar.

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