Considerações sobre o uso do Teste da Casa-Árvore-Pessoa - HTP
Juliane Callegaro Borsa1
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
O desenho é considerado uma das formas de comunicação mais antigas entre os seres humanos (Hammer, 1991; Wechsler, 2003). Contudo, foi apenas a partir do século XX que o desenho passou a ser utilizado como técnica de avaliação psicológica, para investigar habilidades cognitivas e características da personalidade humana (Bandeira, Costa & Arteche, 2008). A esses tipos de técnicas, que possuem como principal estímulo o desenho, dáse o nome de técnicas ou testes gráficos.
Dentro dessa proposta, os desenhos passaram a ser analisados a partir de diferentes perspectivas. A perspectiva cognitiva entende o desenho como uma medida de avaliação cognitiva (Goodenough, 1974; Koppitz, 1984). Os testes gráficos cognitivos mais conhecidos são o Desenho da Humana Figura - DFH (Wechsler, 2003; Sisto, 2005) e o Teste Gestáltico Viso-Motor de Bender (Sisto, Santos & Noronha, 2004). A avaliação projetiva, por sua vez, entende que o desenho é uma forma de manifestação dos aspectos inconscientes da personalidade (Hammer, 1991, Machover, 1967). Os testes gráficos projetivos mais conhecidos são o House-Tree-Person Test ou Teste do Desenho da Casa – Árvore – Pessoa (HTP - Buck, 2003) e o Desenho da Família (Corman, 1979).
]]> Conforme a Resolução n° 02/2003 do Conselho Federal de Psicologia (CFP), que define e regulamenta o uso, a elaboração e a comercialização de testes psicológicos no Brasil, o HTP é o único teste gráfico projetivo para uso no contexto profissional da avaliação psicológica. Este instrumento foi aprovado pelo Sistema de Avaliação dos Testes Psicológicos (SATEPSI), em janeiro de 2004 (CFP, 2009).O HTP foi criado por John N. Buck, em 1948, e tem como objetivo compreender aspectos da personalidade do indivíduo bem como a forma deste indivíduo interagir com as pessoas e com o ambiente. O HTP estimula a projeção de elementos da personalidade e de áreas de conflito dentro da situação terapêutica e proporciona uma compreensão dinâmica das características e do funcionamento do individuo (Buck, 2003). O instrumento é destinado a indivíduos maiores de oito anos e propõe a realização de três desenhos seqüenciais - uma casa, uma árvore e uma pessoa, os quais devem ser desenhados em folhas separadas, utilizando lápis e borracha. A aplicação propõe, também, que se realize um inquérito acerca de características e descrições de cada desenho realizado (Buck, 2003).
O HTP é uma das técnicas mais utilizadas por psicólogos brasileiros (Lago & Bandeira, 2008; Noronha, 2002) e é um dos testes mais ensinados nos cursos de formação em Psicologia (Freitas & Noronha, 2005; Noronha, Oliveira & Beraldo, 2003). A popularidade do HTP pode estar relacionada ao baixo custo e à facilidade de sua aplicação (Lago & Bandeira, 2008). Ao mesmo tempo, trata-se de uma das técnicas mais questionadas no que se refere à validade e fidedignidade (Anastasi & Urbina, 2000; Cunha, 2000). Por se tratar de uma técnica projetiva gráfica, em que aspectos pessoais são projetados sobre o estímulo do desenho, o HTP permite que o avaliador realize interpretações frente ao conteúdo trazido. Em virtude da ambiguidade dos estímulos, as respostas são determinadas pelo conteúdo idiossincrático trazido pelo indivíduo (Hammer, 1991, Machover, 1967).
O HTP foi apresentado, ao longo dos anos, por diferentes autores orientados, em sua maioria, pela teoria psicodinâmica da personalidade (ver Anzieu, 1978; Di Leo, 1987; Grassano, 2004; Greig, 2004 e Hammer, 1991). Diferentes contribuições trazem diversidades quanto às interpretações e dificuldades de se estabelecer critérios para tal. Por esta razão, o HTP é entendido, muitas vezes, como um instrumento baseado no senso comum e em conclusões arbitrárias e subjetivas.
Na sua versão atual, o HTP oferece um manual contendo padronização de aplicação e de registro das respostas oriundas do inquérito posterior a cada desenho. Além disso, oferece um protocolo com uma lista de conceitos interpretativos para cada desenho, associados a possíveis características psicopatológicas da personalidade. Em relação à aplicação, a mesma exige que sejam considerados alguns critérios relevantes, como o adequado conhecimento técnico e teórico do aplicador, sobretudo no que se refere às técnicas projetivas, um ambiente facilitador para a aplicação, a adequada administração do rapport; e aplicação individual, especificamente no contexto clínico. Quanto à interpretação, o HTP propõe avaliar o desenho a partir dos seguintes aspectos: proporção, perspectiva, detalhes, qualidade da linha e uso adequado de cores, no caso dos desenhos cromáticos (Buck, 2003).
A proposta atual do HTP sugere uma avaliação menos detalhada e mais global do desenho quando comparada, por exemplo, aos antigos manuais (ver Retondo, 2000). Tal proposta tende a evitar interpretações pouco consistentes, calcadas na análise simplista do item pelo item. A análise global dos elementos dos desenhos tem-se apresentado apropriada para compreensão dos aspectos psicopatológicos e das características gerais da personalidade, sobretudo quando comparada às análises de itens específicos dos desenhos (Engle & Suppes, 1970; Yama, 1990).
No que se refere ao protocolo de interpretação, trata-se de uma tentativa de sistematizar a aplicação e criar critérios para a interpretação dos desenhos. Conforme propõe o manual, o protocolo configura-se como um recurso útil para a apreensão das características relevantes, visando a interpretação adequada dos desenhos (Buck, 2003). O que se observa, contudo, é a característica patologizante e reducionista do protocolo, na medida em que vincula as características dos desenhos a indicadores psicopatológicos muito específicos, sem considerar outras variáveis envolvidas e que não podem ser apreendidas através da aplicação de um único instrumento.
Neste sentido, o próprio manual do HTP adverte que as informações oriundas do protocolo não devem ser analisadas isoladamente e devem ser combinadas com a história clínica do individuo e com dados oriundos de outras fontes (instrumentos padronizados, entrevistas e informações obtidas por diferentes informantes - Buck, 2003). É importante salientar que o objetivo da avaliação psicológica é compreender o indivíduo da melhor forma possível, sem rótulos ou preconceitos (Cunha, 2000; Tavares, 2003).
Quanto à interpretação dos desenhos, é importante mencionar que esta precisa ir além do conteúdo gráfico puro e simples. Para tanto, é necessário considerar: a) análise dos demais fenômenos oriundos da avaliação, quais sejam, os conteúdos gestuais e verbais ocorridos ao longo da aplicação; b) associação das informações obtidas pelo HTP a informações oriundas de outras fontes, conforme propõe o autor no caput do protocolo de aplicação; c) rigor no uso das informações advindas do manual; d) interpretações fundamentadas na literatura científica sobre técnicas projetivas gráficas (Buck, 2003).
]]> CONSIDERAÇÕES FINAIS
O teste HTP possui, assim como as demais técnicas projetivas, um caráter idiossincrático (Buck, 2003). Em outras palavras, o significado da informação obtida fundamenta-se, não no desempenho do indivíduo relativo a grupos previamente estabelecidos, mas em seu próprio desempenho, avaliado por métodos independentes (Tavares, 2003). A esse conjunto de critérios, dá-se o nome de validade clínica, a qual enfatiza o significado singular de um conjunto de indicadores para um sujeito e seu contexto específico, que inclui o contexto de vida e contexto da avaliação (Tavares, 2003).
Em relação à atual versão brasileira do manual do HTP (Buck, 2003), observa-se a considerável escassez de informações no que se refere aos critérios para interpretação e à origem das associações propostas entre os itens dos desenhos e as psicopatologias. O protocolo, por sua vez, apresentase como um recurso reducionista e psicopatologizante e, devido a esse fato, sugere-se seu uso, apenas, como um guia de orientação sobre os critérios relevantes a serem considerados. Do mesmo modo, é necessário destacar que o referido manual não possui dados de pesquisas realizadas no Brasil, configurando-se, apenas, como uma mera tradução do material existente.
O HTP não deve ser considerado como um instrumento único em um processo diagnóstico que vise avaliar aspectos da personalidade de um indivíduo. Assim, recomenda-se que o uso do HTP para indicação de caminhos no processo de investigação realizado a posteriori, discriminando características bizarras salientes e servindo como um complemento para corroborar informações advindas de fontes adicionais.
No que se refere à aplicação, recomenda-se o uso do HTP no âmbito clínico, já que é nesse contexto que se encontra a possibilidade apreender as particularidades e idiossincrasias do indivíduo avaliado, a partir de informações que dificilmente seriam apreendidas em uma avaliação aplicada ao contexto da seleção de pessoal, por exemplo. Mais especificamente, parece evidente que a aplicação individual é a mais indicada, uma vez que só assim é possível observar todos os fenômenos ocorridos no campo da aplicação. Devido a esse conjunto de características, salienta-se a necessidade do psicólogo possuir uma formação adequada para utilização do HTP, advinda de treinamentos, de atualizações e da prática supervisionada sistemática.
Por fim, observa-se na literatura, que os estudos sobre o HTP são escassos. Grande parte da literatura é desatualizada e poucas pesquisas atuais são encontradas nas bases de dados. Assim, registra-se a importância da continuidade das pesquisas sobre o HTP, para que se possa dispor de dados atualizados e pertinentes ao contexto brasileiro. Tais estudos contribuirão de maneira significativa para a qualidade das propriedades do instrumento, sobretudo no que se refere à validade à fidedignidade dos seus achados.
REFERÊNCIAS
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SOBRE A AUTORA:
]]> Juliane Callegaro Borsa é psicóloga, doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e mestre em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Bolsista de doutorado (e ex-bolsista de mestrado) do CNPq. Atualmente, é integrante do Grupo de Estudo, Aplicação e Pesquisa em Avaliação Psicológica - GEAPAP, coordenado pela Profª Drª Denise Ruschel Bandeira (UFRGS). Realiza pesquisas sobre desenvolvimento, adaptação, padronização e validação de instrumentos de avaliação psicológica.1Contato:
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