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Boletim de Psicologia
versão impressa ISSN 0006-5943
Bol. psicol vol.65 no.143 São Paulo jul. 2015
ARTIGOS ORIGINAIS
Início da atividade sexual de mulheres jovens: questionando sua satisfação e preferências
Sexual activity initiation of young women: questioning their satisfaction and preferences
Cristiani Kobayashi*; Andréia Silva Reis*
Universidade Paulista - UNIP - SP - Brasil
RESUMO
O objetivo desta pesquisa exploratória foi identificar o início da atividade sexual, a satisfação e as preferências sexuais de mulheres jovens da cidade de São Paulo. A amostra foi composta por 60 mulheres com idade entre 18 e 21 anos, sexualmente ativas, que responderam um questionário preparado pelas pesquisadoras. Os resultados indicaram um início precoce da atividade sexual, apontaram que a maioria das jovens desta amostra prefere a penetração vaginal e o sexo oral recebido do parceiro. A grande maioria dessas mulheres afirmou estar satisfeita sexualmente, porém creditam esta satisfação ao parceiro e ao estabelecimento de um relacionamento amoroso e não à qualidade da relação sexual, nem ao orgasmo em si. Outros estudos com foco na satisfação sexual feminina são necessários e importantes para que essas mulheres sejam compreendidas e para que possam ter mais prazer nas relações sexuais.
Palavras-chave: Sexualidade; satisfação sexual; orgasmo; preferências sexuais.
ABSTRACT
It is an exploratory research in order to identify the onset of sexual activity, satisfaction and sexual preferences of young women in São Paulo. A group of 60 women aged 18 to 21, with regular sexual activity, answered a questionnaire prepared by the researchers. The results indicate an early onset of sexual activity, they showed that most young women in the sample prefer vaginal penetration and oral sex received from the partner. The vast majority of these women claimed to be sexually satisfied, but credit this satisfaction to the partner and the establishment of a loving relationship and not to the quality of intercourse or to the orgasm itself. Other studies focusing on female sexual satisfaction are necessary and important for these women to be understood and to improve the pleasure in sexual intercourse.
Key words: Sexuality; sexual satisfaction; orgasm; sexual preferences.
INTRODUÇÃO
De acordo com a Organização Mundial da Saúde são considerados adolescentes os indivíduos com idade entre 10 e 19 anos, sendo essa fase marcada por mudanças orgânicas, psicológicas, sociais e econômicas intensas e muitas vezes conflituosas. Nessa fase os indivíduos também realizam escolhas importantes para sua vida como estudos, profissão e parceiro sexual (WHO, 2002; Borges, 2004).
A iniciação sexual está presente na vida dos adolescentes, o desenvolvimento físico e psicológico é intenso e a busca e o desejo pelo contato sexual surge aos poucos. Sabe-se que a iniciação sexual é influenciada por inúmeros fatores, dentre eles pode-se citar: situação socioeconômica, conivência, religião, escolaridade e estar namorando. A religião aparece como fator influenciável para a iniciação sexual principalmente dos jovens oriundos de famílias mais religiosas. Entretanto, esses mesmos jovens se veem entre as doutrinas de sua religião e a influência do convívio social com outros adolescentes. Para as mulheres adolescentes e jovens adultas, o início da atividade sexual está relacionado, na maioria das vezes, com a concretização da relação amorosa com o parceiro(a), tendo como plano de fundo o romantismo. Ao mesmo tempo, estudos apontam um número considerável de mulheres jovens que perderam a virgindade por se sentirem pressionadas por seus parceiros, bem como, pela sociedade (Coutinho & Miranda-Ribeiro, 2014; Binstock & Gogna, 2015; Borges & Schor, 2005).
Atualmente, os adolescentes iniciam a atividade sexual cada vez mais precocemente por conta de inúmeros fatores já explicitados anteriormente. Estudos mais recentes apontam que a idade média para início das relações sexuais de adolescentes do sexo feminino é de 14,8 anos. Esse dado revela que houve uma mudança no comportamento sexual das jovens, pois na comparação com os dados do Ministério da Saúde de 1984 em que, a idade média para primeira relação sexual das mulheres foi de 16,0 anos, percebe-se que a iniciação sexual das mulheres se apresenta mais precoce (Borges, 2007; Bergamim & Borges, 2009; Fridman, 2009).
No Brasil há uma supervalorização e promoção da ideia de que as mulheres brasileiras são muito liberais, sensuais e "fogosas". Esse estereótipo percorre o mundo e atrai turistas para verem de perto essas mulheres descritas como "gostosas" em nossas praias e em nosso carnaval, que é muito conhecido pela exposição do corpo feminino quase nu ou muitas vezes nu. Além disso, o país é visto como tendo moralidade sexual flexível, se for comparado aos europeus. Por estes motivos existe a crença de que as mulheres brasileiras teriam uma vida sexual mais ativa e satisfatória, se comparadas a mulheres de outras nacionalidades (Heilborn, 2006).
Mas será que essa imagem, vendida em nosso país e no mundo, corresponde à realidade? As mulheres brasileiras, principalmente as jovens, são tão liberais sexualmente e "fogosas", quanto o que é dito e vendido? Estarão elas satisfeitas sexualmente, bem como totalmente conscientes de seu corpo e seus desejos sexuais? Sabe-se que a cada dia os adolescentes iniciam as atividades sexuais mais precocemente e que houve uma evolução da "liberdade sexual", nos últimos anos, bastante intensa em comparação com os anos anteriores, principalmente para as mulheres (Heilborn, 2006).
Em contrapartida, um estudo realizado com 1.474 mulheres com idade média entre 26 e 40 anos apontou como principais disfunções sexuais femininas, a falta de desejo sexual (34,6%) e a ausência de orgasmo (29,3%). O mesmo estudo apontou que as mulheres com idade até 25 anos apresentaram diminuição do desejo sexual em 23,4% e que essa porcentagem só aumenta com o decorrer do tempo. Quanto maior a idade da mulher, menor o desejo sexual, a excitação e o orgasmo,
consequentemente, menor é sua satisfação sexual (Abdo, Oliveira, Moreira & Fittipaldi, 2002).
Os adolescentes têm curiosidade e anseiam por saber mais sobre sexo. Uma pesquisa realizada por Mantovani, Tres, Silva e Moura (2014) apontou que os adolescentes se interessavam mais por questões relacionadas a "comportamento sexual", "DSTs", "masturbação", "aborto", "sexo anal" e "contracepção". Apesar de vivermos em uma sociedade moderna, em que há uma supervalorização do sexo e na qual os adolescentes se sentem cada vez mais pressionados para o ato sexual precocemente, não há preocupações com o prazer na relação sexual, nem com uma sexualidade saudável e consciente, principalmente para as mulheres, por vivermos em um país culturalmente machista. Com o objetivo de tentar obter respostas para algumas dessas questões, foi realizada esta pesquisa, com foco nas mulheres jovens.
OBJETIVO
Identificar o início da atividade sexual, a satisfação e as preferências sexuais de mulheres jovens da cidade de São Paulo.
MÉTODO
Amostra
Foi desenvolvido um estudo de campo do tipo descritivo de natureza quali-quantitativa, entre alunas e funcionárias de duas universidades particulares, da zona sul da cidade de São Paulo, constituindo uma amostra probabilística intencional. A amostra do estudo foi composta por 60 mulheres sexualmente ativas, com idade de 18 a 21 anos, cujas características são descritas na Tabela 1.
Na amostra 66,6% das entrevistadas tinha idade entre 20 e 21 anos, a maior parte (53,3%) tinha uma renda familiar entre dois e quatro salários mínimos e, quanto à escolaridade, 73,3% com ensino superior incompleto.
Instrumento
Os dados foram coletados por meio de um questionário estruturado com questões abertas e fechadas, criado para esta pesquisa.
PROCEDIMENTO
A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Paulista sob o número 97.418 de aprovação. Foi utilizado o programa STATA versão 13.1 para a análise dos dados quantitativos e a técnica de análise de conteúdo de Bardin para os dados qualitativos. Nos resultados serão usados nomes fictícios a fim de preservar a identidade das entrevistadas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Foi questionada qual a idade de ocorrência da primeira relação sexual. Para esta questão, foi usado como critério para a relação sexual, a penetração vaginal, sendo considerada, além da penetração peniana, a utilização de dedos ou outros objetos, assim expostos pelas jovens no momento da coleta de dados. A idade da primeira relação e a frequência das relações são apresentadas na Tabela 2.
Como se pode observar na Tabela 2, foi constatado que a primeira relação sexual ocorreu entre 16 e 18 anos para 61,6% das jovens que responderam ao questionário. Em 13,1% das jovens, a idade da primeira relação sexual foi entre 19 e 21 anos e, para 23,3%, entre 13 e 15 anos. A idade média para primeira relação sexual com penetração nesta amostra foi de 15,8 anos, resultado muito próximo dos encontrados por Borges (2007) e Bergamim e Borges (2009).
Quanto à frequência das relações sexuais, os dados obtidos em 45% das respostas apontam para uma a duas vezes por semana, 41,6% indicaram que a frequência variava entre uma e três vezes por mês e, 11,7% ter mais de três relações por semana.
Nas questões sobre satisfação e preferências na relação sexual, as jovens podiam escolher mais de uma das alternativas dadas e adicionar outras conforme achassem necessário. Como pode ser observado na Tabela 3, as jovens afirmaram que a "penetração vaginal" ainda é a pratica sexual que mais lhes oferece prazer, tendo sido marcada em mais de 86% das respostas. Em seguida aparece "receber sexo oral do parceiro(a)" em 50% das respostas. Quase que na mesma proporção (43,3%), surge o item "posições diferentes" no ato sexual e apenas 10% das jovens assumiram a "masturbação realizada por ela mesma" como a modalidade que lhes trazia mais prazer.
Em seu estudo, Abdo e Fleury (2015) evidenciaram que as mulheres na terceira idade têm a masturbação como prática sexual mais frequente que a relação sexual com penetração. Ou seja, nesta amostra, a masturbação realizada pelo parceiro é melhor e mais prazerosa do que a masturbação realizada por elas mesmas. A penetração anal foi indicada como prática sexual prazerosa apenas por 6,7% das mulheres. Em um estudo realizado por Silveira, Béria, Horta, e Tomasi (2002) com mulheres com idade entre 15 e 49 anos, apenas 2,8% de uma amostra de 1.522 afirmaram ter realizado sexo anal na última relação sexual. O estudo de Barbosa e Koyama (2008) sobre o comportamento sexual de homens e mulheres brasileiros apontou que o sexo anal foi a prática menos frequente em pesquisa coletada nos anos de 1998 e 2005. Estes dados mostram que o número de mulheres jovens que realizam sexo anal é pequeno. Na presente pesquisa, embora o sexo anal tenha aparecido na última colocação, não se pode esquecer que se trata de preferência, ou seja, neste caso, as poucas jovens que assinalaram "sexo anal", o fizeram como sendo uma prática que lhes traz grande satisfação.
Em relação à satisfação nas relações sexuais com seus parceiros(as) quanto à presença de orgasmo, os resultados mostraram que 81,6% já tiveram orgasmo, mas 68,3% das mulheres afirmaram que não necessitavam dele para se sentirem satisfeitas sexualmente. Esse dado está de acordo com a reduzida literatura brasileira sobre o tema, o que evidencia a necessidade de estabelecimento de vínculos afetivos com a satisfação sexual e não apenas o orgasmo, como verificado por Borges (2007).
O estudo realizado por Abdo et al. (2002) concluiu que, para as mulheres, "carinho/afeto" bem como "respeito mútuo" são os fatores mais importantes num relacionamento sexual, enquanto que, para os homens, "atração física" e "beleza física", bem como "experiência", foram considerados mais importantes. Neste estudo, foi constatado que a preocupação das jovens mulheres em satisfazer o parceiro sexualmente é muito alta e assim, elas acabam por negar a própria satisfação sexual a fim de manter o relacionamento, mesmo sem sentir satisfação sexual. Para essas mulheres a satisfação sexual é trocada por outras formas de satisfação, como por exemplo, a existência e a manutenção de um relacionamento afetivo, a satisfação sexual do(a) parceiro(a) ou a simples existência de um parceiro(a), como se pode observar nas falas das jovens, quando questionadas sobre a satisfação sexual e o porquê:
"Porque ele é a pessoa que eu amo".
(Bianca, 18 anos, heterossexual).
"Porque meu parceiro corresponde às minhas necessidades".
(Barbara, 20 anos, heterossexual).
"Porque amo meu esposo".
(Bruna, 21 anos, heterossexual).
"Atualmente me relaciono com pessoas do mesmo sexo e me sinto completamente satisfeita".
(Beatriz, 21 anos, homossexual).
"Porque ele sabe me satisfazer".
(Brenda, 21 anos, heterossexual)
"Porque ele satisfaz todas as minhas necessidades"
(Beatrice, 19 anos, heterossexual).
Em seu estudo, Abdo e Fleury (2015) concluíram que as mulheres idosas associam satisfação à qualidade do relacionamento afetivo no qual estão e não ao orgasmo. Mesmo estando em diferentes fases do ciclo vital, o presente estudo, assim como o de Abdo e Fleury, evidenciam que, tanto as mulheres jovens quanto as mais velhas, relacionam a manutenção de um relacionamento amoroso e a presença de um parceiro(a) à sua satisfação sexual, consequentemente, preocupam-se mais com o prazer de seu companheiro(a) do que com sua própria satisfação e a realização de sua sexualidade com plenitude.
CONCLUSÃO
Ainda que este estudo seja ainda primário e pouco significante estatisticamente, espera-se poder colaborar para o debate a respeito da satisfação sexual feminina, mostrando que, apesar de toda a revolução sexual ocorrida nas décadas de 1960 e 1970, as participantes desta pesquisa apresentaram início precoce da atividade sexual, embora um pouco mais tardio do que o relatado pela literatura disponível. As jovens foram, também, bem específicas quanto às práticas sexuais mais prazerosas, apesar de não estabelecerem a necessidade de orgasmos, nem de uma regularidade com maior frequência nas relações sexuais para se considerarem satisfeitas sexualmente.
Os dados aqui encontrados permitiram identificar que as jovens mulheres ainda apresentam pensamento ingênuo e romantizado com relação à sexualidade e à sua satisfação sexual, provavelmente influenciado por nossa cultura religiosa e que a existência de tabus, que ainda hoje imperam e impedem uma maior consciência do que seria um "desenvolvimento sexual saudável", uma vez que, para essas mulheres jovens, a preocupação com a satisfação sexual do parceiro (a) se mostrou mais importante do que a sua própria. Não houve uma supervalorização do orgasmo, mas sim de um relacionamento e da manutenção do mesmo.
Este estudo é concluído, indicando a necessidade de mais pesquisas sobre o tema, principalmente com o foco em mulheres jovens e adolescentes. Acredita-se ser importante e necessário o desenvolvimento e aprimoramento de programas educacionais para os adolescentes, sobre sua sexualidade e funcionamento de seus corpos, não apenas como informação, mas como formação de um pensamento mais consciente e responsável. As escolas e Unidades Básicas de Saúde poderiam ser um espaço aberto para esse tipo de discussão e de rompimento de paradigmas preconceituosos com relação à sexualidade. Assim espera-se que mais profissionais se interessem pelo tema e que o conhecimento aqui obtido possa ser útil para todos os interessados.
REFERÊNCIAS
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Recebido em 02/06/14
Revisto em 20/08/15
Aceito em 15/12/15
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