Introdução
A pandemia de Covid-19 se espalhou rapidamente pelo mundo, o que causou impacto direto na rotina dos hospitais, aumentando as cobranças físicas e emocionais aos trabalhadores de saúde (Luo et al., 2020). Estudos de revisão indicaram o aumento de sintomas de estresse, ansiedade e depressão durante o período da pandemia (Preti et al., 2020; Stuijfzand et al., 2020), resultante da modificação na rotina de trabalho e do crescimento das demandas, que de forma conjunta interferiram no desempenho do profissional da saúde (Alpalhão & Alpalhão, 2020; Sirohi, 2020). A longo prazo, essas condições podem impactar gravemente no bem-estar da equipe de saúde (García-Moran & Gil-Lacruz, 2016). Os fisioterapeutas, assim como os demais membros da equipe, desempenham um papel importante no contexto hospitalar, principalmente em unidades de terapia intensiva (Pedersini et al., 2020; Pinto & Carvalho, 2020); logo, também estão suscetíveis a problemas de saúde física e mental (Yang et al., 2020).
A fim de lidar com situações estressantes, o ser humano utiliza estratégias de enfrentamento, que são comportamentos específicos para gerenciamento do estresse. Um instrumento desenvolvido para avaliar as diferentes formas de resposta ao estresse é o Brief COPE (Carver, 1997; Carver et al., 1989), já aplicado na área da saúde (Alharbi & Alshehry, 2019; Huang et al., 2020), traduzido para o português e adaptado culturalmente (Brasileiro et al., 2016; Morán et al., 2009). O questionário Brief COPE tem sido adotado na avaliação de diversas situações estressantes e em diferentes cenários que envolvem doenças (Amoyal et al., 2011; Matsumoto et al., 2020; Mohanraj et al., 2015; Rand et al., 2019; Su et al., 2015).
Contudo, em estudos sobre as propriedades psicométricas desse instrumento, encontram-se algumas controvérsias na análise de seus fatores. Segundo o autor do Brief COPE (Carver, 1997), o instrumento compõe-se de um total de 14 fatores; porém, Krägeloh (2011) identificou incongruências com a versão original. Devido a isso, os autores realizaram diversas análises fatoriais para a interpretação das estratégias de enfrentamento. Por exemplo, enquanto alguns estudos utilizam o modelo original de 14 fatores (Ashktorab et al., 2017; García et al., 2018), outros empregam nove fatores (Pozzi et al., 2015; Snell et al., 2011) ou até três fatores (Brasileiro et al., 2016; Peters et al., 2020). Portanto, a investigação desse questionário em outros contextos na população brasileira é recomendada (Brasileiro et al., 2016). Estudos de análise das propriedades psicométricas dão apoio à validade dos instrumentos, abordando se ele é capaz de aferir o que se propõe a medir (Souza et al., 2017). Além disso, analisar a confiabilidade e a validade de um instrumento auxilia os pesquisadores a escolherem a melhor ferramenta para sua pesquisa (Souza et al., 2017).
Apesar de ser um questionário amplamente difundido na literatura, os dados fazem interrogar quais são os fatores externos, socioeconômicos e culturais que geram divergências nas análises fatoriais. Ao trazer esses questionamentos para um contexto em que as estratégias de enfrentamento adotadas pelos profissionais de saúde vêm sendo estudadas (Huang et al., 2020; Yousif Ali et al., 2019), pretendemos avaliar a confiabilidade e a estrutura fatorial do questionário Brief COPE em fisioterapeutas brasileiros durante a pandemia de Covid-19. O conhecimento acerca das experiências e enfrentamento dos fisioterapeutas brasileiros pode guiar a implementação de suporte psicológico e laboral a esses trabalhadores. Além disso, este estudo pretende contribuir para as análises das propriedades psicométricas do Brief COPE.
Método
Delineamento e participantes
Este é um estudo observacional transversal quantitativo. A amostra foi composta por 304 fisioterapeutas, com média de 32,93 anos de idade (DP=0,45), que trabalhavam em hospitais públicos ou privados no Brasil, durante a pandemia de Covid-19. As características sociodemográficas da amostra estão descritas na Tabela 1.
Tabela 1 — Características da amostra de fisioterapeutas brasileiros
Característica | n | (%) |
---|---|---|
Sexo | ||
Feminino | 251 | (82,8%) |
Masculino | 53 | (17,2%) |
Família | ||
Sem filhos | 198 | (65,1%) |
Com filhos | 102 | (33,5%) |
Estado civil | ||
Solteiro | 141 | (46,4%) |
Casado | 97 | (31,9%) |
União estável | 42 | (13,8%) |
Divorciado | 22 | (7,3%) |
Viúvo | 1 | (0,3%) |
Com quem reside | ||
Familiares | 213 | (70,1%) |
Sozinho | 44 | (14,5%) |
Companheiro | 36 | (11,8%) |
Amigos | 10 | (3,3%) |
Região brasileira | ||
Sul | 105 | (34,5%) |
Sudeste | 84 | (27,6%) |
Nordeste | 68 | (22,4%) |
Centro-Oeste | 24 | (7,9%) |
Norte | 23 | (7,6%) |
Nota: Total n=304.
A maior parte dos fisioterapeutas componentes da amostra atuava em unidade de cuidados intensivos (UCI), em que se observou aumento da carga horária de trabalho durante a pandemia. Informações sobre as características laborais da amostra constam na Tabela 2.
Tabela 2 — Características laborais da amostra de fisioterapeutas brasileiros
Características laborais | n | (%) | Média ± DP |
---|---|---|---|
Área de atuação | |||
UCI–UTI | 228 | (75,0%) | |
Leito | 36 | (11,8%) | |
Emergência | 14 | (4,6%) | |
Ambulatório | 14 | (4,6%) | |
Outro | 11 | (3,6%) | |
Carga horária pré-pandemia | 8,956 ± 0,243 | ||
≤ 9h/dia | 180 | (59,2%) | |
> 9h/dia | 119 | (39,1%) | |
Carga horária durante a pandemia | 10,759 ± 0,309 | ||
≤ 9h/dia | 123 | (40,4%) | |
> 9h/dia | 174 | (57,3%) | |
Carga horária semanal | 46,313 ± 1,634 | ||
Anos de experiência | 7,083 ± 0,376 |
Notas: Total n=304; n = frequência/número de participantes; DP = desvio padrão; UCI = Unidade de Cuidados Intensivos; UTI = Unidade de Terapia Intensiva.
Procedimentos de coleta de dados
Os dados foram coletados entre os meses de maio e agosto de 2020, por um questionário on-line (Google Forms). Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo seres humanos da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) sob o parecer nº 4.151.762. A divulgação da pesquisa foi feita por meio de redes sociais (Facebook, Instagram e WhatsApp). Ao acessar o link da pesquisa, os participantes liam o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE), contendo todas as informações essenciais sobre o estudo, tais como os objetivos, os instrumentos, a finalidade, a declaração de anonimato e a confidencialidade dos dados. Após a leitura desse documento, o adulto escolhia participar ou não do estudo. Após o aceite, os participantes tinham acesso aos instrumentos do estudo.
Instrumentos
Ficha sociodemográfica e laboral — Utilizou-se uma ficha com dados sociodemográficos com questões sobre sexo, idade, número de filhos, estado civil, residência, região de atuação, carga horária, área de atuação e experiências de trabalho.
Questionário Brief COPE — Trata-se de um instrumento multidimensional (Carver, 1997), traduzido para o português (Pais Ribeiro & Morais, 2010), validado e adaptado culturalmente para a população brasileira (Brasileiro et al., 2016). Compõe-se de 28 itens e utiliza uma escala Likert com quatro alternativas (de 0 a 3), dividido em 14 subescalas, composta por duas questões do questionário somadas. A análise desse instrumento é feita de acordo com as subescalas, de tal forma que não apresenta um valor total de pontos para referência. As escalas que somam mais pontos guiam a forma como o participante se comporta diante do evento estressor (Carver, 1997).
Análise dos dados
Os dados coletados foram organizados num arquivo Excel e em seguida analisados no software JASP. Para a estatística descritiva, foram utilizadas medidas como frequência para viáveis categóricas, média e desvio-padrão para os dados paramétricos. A consistência interna foi determinada pelos coeficientes alfa de Cronbach e ômega de McDonald, em que valores maiores que 0,7 foram considerados adequados (Field, 2009).
A análise fatorial exploratória foi realizada no programa Factor, utilizando matriz policórica e método de extração Robust Diagonally Weighted Least Squares (RDWLS). Por meio da análise paralela foi obtido o número de fatores sugerido com a rotação Robust Promin. Os índices de ajuste RMSEA (valores esperados <0,08), CFI (valores esperados >0,9) e TLI (valores esperados >0,9) foram utilizados para verificar a adequação do modelo (Hu & Bentler, 1995). A estabilidade dos fatores foi verificada com o índice H (valores esperados >0,8) (Ferrando & Lorenzo-Seva, 2017). Adotou-se para todas as análises p<0,05.
Resultados
A descrição das estratégias de enfrentamento identificadas pelos fisioterapeutas, segundo o Brief COPE, encontra-se na Tabela 3, em ordem decrescente. Os participantes indicaram em média fazer maior uso das estratégias de aceitação, planejamento e enfrentamento ativo, enquanto o uso de substâncias, desengajamento comportamental e negação foram as estratégias menos utilizadas.
Tabela 3 — Caracterização do Brief COPE na amostra de fisioterapeutas brasileiros
Brief COPE | Média ± DP | Mediana (IIQ) |
---|---|---|
Aceitação | 4,391 ± 0,748 | 4 (2) |
Planejamento | 4,042 ± 0,734 | 4 (2) |
Enfrentamento ativo | 3,937 ± 0,805 | 4 (2) |
Reinterpretação positiva | 3,681 ± 0,896 | 4 (3) |
Religião | 3,631 ± 0,112 | 4 (4) |
Utilizar suporte social emocional | 3,118 ± 0,938 | 3 (2) |
Autodistração | 3,036 ± 0,789 | 3 (2) |
Utilizar suporte instrumental | 2,871 ± 0,879 | 2 (2) |
Expressão de sentimentos | 2,516 ± 0,749 | 2 (1) |
Autoculpabilização | 1,648 ± 0,713 | 1 (1) |
Humor | 1,111 ± 0,683 | 1 (2) |
Uso de substâncias | 0,973 ± 0,080 | 0 (2) |
Desengajamento comportamental | 0,681 ± 0,616 | 0 (1) |
Negação | 0,585 ± 0,522 | 0 (1) |
Notas: Total n=304; DP = desvio padrão; IIQ = intervalo interquartílico.
Quanto às propriedades psicométricas do instrumento Brief COPE, encontrou-se um alfa de Cronbach de 0,758 e um ômega de McDonald de 0,700. Os dados cumpriram os critérios para realizar a análise fatorial exploratória, com teste de adequação KMO no valor de 0,727, o que resultou em valor significativo para a esfericidade de Bartlett (>0,01). A análise paralela sugeriu utilizar cinco fatores como mais representativos para o conjunto de dados, considerando que tiveram a variância explicada maior que dados aleatórios (Tabela 4). Foram encontrados padrões de cargas cruzadas para sete itens, observando cargas fatoriais maiores que 0,3 em mais de um fator. O item 19 obteve carga fatorial menor que 0,3 em todos os fatores. A maioria dos fatores apresentou índice H maior que 0,8; somente o fator 2 apresentou índice H de 0,722.
Tabela 4 — Análise fatorial exploratória paralela do questionário Brief COPE
Item | Fator 1 Enfrentamento evitativo | Fator 2 Autodistração | Fator 3 Enfrentamento de aproximação | Fator 4 Uso de substâncias e religião | Fator 5 Busca por suporte |
---|---|---|---|---|---|
1. Me refugio em outras atividades para me abstrair da situação | 0,450 | 0,604* | |||
2. Concentro meus esforços em alguma coisa que me permita enfrentar a situação | 0,447 | 0,799* | |||
3. Tenho dito a mim próprio(a): “isto não é verdade” | 0,559* | 0,440 | |||
4. Me refugio em álcool ou outras drogas (comprimidos, etc.) para me sentir melhor | 0,372 | –0,448* | |||
5. Procuro apoio emocional de alguém (família e amigos) | 0,835 | ||||
6. Simplesmente desisto de tentar lidar com isto | 0,596 | ||||
7. Tomo medidas para tentar melhorar a minha situação | 0,731 | ||||
8. Me recuso a acreditar que isto esteja acontecendo comigo | 0,640* | 0,420 | |||
9. Fico aborrecido e expresso meus sentimentos | 0,363 | ||||
10. Peço conselhos a outras pessoas para enfrentar melhor a situação | 0,892 | ||||
11. Uso álcool ou outras drogas (comprimidos) para me ajudar a ultrapassar os problemas | 0,438 | –0,470* | |||
12. Tento analisar a situação de maneira diferente, de forma a torná-la mais positiva | 0,506* | 0,350 | |||
13. Tenho me criticado | 0,581 | ||||
14. Tento encontrar uma estratégia que me ajude no que tenho que fazer | 0,823 | ||||
15. Procuro o conforto e compreensão de alguém | 0,799 | ||||
16. Desisto de me esforçar para lidar com a situação | 0,610 | ||||
17. Procuro algo positivo em tudo o que está acontecendo | 0,510* | 0,309 | |||
18. Levo a situação na brincadeira | 0,351 | ||||
19. Faço outras coisas para pensar menos na situação, tal como ir ao cinema, ver tv, ler, sonhar, ou ir às compras | –0,231 | ||||
20. Tento aceitar as coisas tal como estão acontecendo | 0,488 | ||||
21. Sinto e expresso meus sentimentos de aborrecimento | –0,418 | ||||
22. Tento encontrar conforto na minha religião ou crença espiritual | 0,700 | ||||
23. Peço conselhos e ajuda a pessoas que passaram pelo mesmo | 0,600 | ||||
24. Tento aprender a viver com a situação | 0,724 | ||||
25. Penso muito sobre a melhor forma de lidar com a situação | 0,555 | ||||
26. Me culpo pelo que está acontecendo | 0,642 | ||||
27. Rezo ou medito | 0,702 | ||||
28. Enfrento a situação com sentido de humor | –0,589 | ||||
Alfa de Cronbach por fator | 0,635 | 0,360 | 0,794 | 0,448 | 0,816 |
Ômega de McDonald por fator | 0,640 | 0,401 | 0,798 | 0,572 | 0,820 |
Nota: * No caso de cargas cruzadas, o item foi considerado no fator que apresentava a maior carga fatorial.
Dos cinco fatores encontrados, o primeiro incluía oito itens relacionados a um estilo de enfrentamento evitativo (avoidant coping). O segundo fator, o que apresentou menor estabilidade (cargas cruzadas), incluiu itens de expressão de sentimentos, humor e autodistração. O terceiro fator agrupou nove itens relacionados a um enfrentamento mais positivo (approach coping). O quarto fator agrupou os quatro itens relacionados ao uso de substâncias e religião. Por último, o quinto fator incluiu os cinco itens relacionados à busca de suporte ou apoio. No entanto, a consistência interna obteve valores adequados (alfa maior que 0,7) somente para os fatores 3 e 5.
Discussão
O presente estudo propôs-se a analisar as propriedades psicométricas do questionário Brief COPE numa amostra de fisioterapeutas brasileiros, durante a pandemia de Covid-19. Os dados revelaram que houve boa adequação na confiabilidade do instrumento, com valores considerados confiáveis em estudos dessa natureza (Dunn et al., 2014). A análise fatorial paralela sugeriu uma estrutura com cinco fatores, os quais foram denominados: Enfrentamento evitativo, Autodistração, Enfrentamento de aproximação, Uso de substância/religião e Busca por suporte, com base em outras análises (Brasileiro et al., 2016; Kapsou et al., 2010; Snell et al., 2011). Contudo, os valores de consistência interna para três dos cinco fatores foram considerados insatisfatórios. Esse resultado pode estar relacionado ao evento e ao período de coleta do estudo. Os profissionais de saúde já vivem em situações estressantes devido à natureza de seu trabalho; portanto, essa população pode ter facilmente se adaptado à nova rotina durante a pandemia.
O fator 1, denominado enfrentamento evitativo (avoidant coping), é composto por subescalas consideradas desadaptativas ao evento estressor, uma vez que têm um caráter evitativo (Matsumoto et al., 2020; Mohanraj et al., 2015). É possível observar que se trata das subescalas menos pontuadas pela amostra, o que pode ser considerado previsível no contexto em que a pesquisa foi aplicada. Assim, verifica-se que a amostra em questão de profissionais da saúde demonstra um senso de responsabilidade e dever para solucionar a crise de saúde pública. É difícil negar e tentar se desengajar do evento, uma vez que eles não podem agir como se o fator estressor não existisse (Xiong & Peng, 2020; Yang et al., 2020).
O fator 2, denominado autodistração, agrupou uma questão da subescala humor, autodistração e expressão de sentimentos, e foi o que apresentou menor estabilidade e teve cargas cruzadas com a maioria dos outros fatores. A subescala humor não apresentou uma pontuação expressiva, o que já era esperado, levando em consideração a natureza da situação e o que ela representa para profissionais que trabalham em contexto hospitalar (Alharbi & Alshehry, 2019; Alpalhão & Alpalhão, 2020). Já a expressão de sentimentos, por sua definição, é uma estratégia em que o indivíduo alcança consciência do problema e tende a expressar suas emoções (Carver et al., 1989). Já se tem conhecimento que, em situações de sofrimento, essa abordagem é frequente (Amoyal et al., 2011), permitindo que os indivíduos debatam e troquem experiências acerca de seu enfrentamento. Entretanto, a manutenção dessa estratégia no dia a dia por um tempo prolongado pode não ser positiva (Mohanraj et al., 2015), pois gera desgaste emocional.
O fator 3, denominado enfrentamento de aproximação (approach coping), corresponde a estratégias ativas e apresenta o maior agrupamento do estudo. Essas foram as estratégias mais utilizadas pelos participantes, com exceção da autodistração, e identificadas como enfrentamento do fator estressor e estratégias adaptativas, em que o indivíduo busca a melhor maneira de solucionar o problema (Carver, 1997; Carver et al., 1989). A subescala recebeu seu nome devido a essa interpretação, por se tratar de uma posição de aproximação ao evento estressor. Esse agrupamento já foi observado em pacientes com HIV (Matsumoto et al., 2020; Su et al., 2015) e em diferentes profissionais de saúde (Gomes et al., 2013; Mikkola et al., 2019), que, tal como nossos participantes, lidam com o evento estressor diariamente. O cenário de pandemia impôs aos indivíduos se adaptar àquela realidade, entendendo que aquele estressor faz parte do cotidiano, agregado à responsabilidade de ser referência de informação e segurança para o resto da população.
A presença de uma questão referente à subescala de autodistração não era esperada, uma vez que essa dimensão se refere a refugiar-se em outras atividades para se desligar do evento estressor, o que seria o oposto de enfrentamento ativo. Entretanto, o item pode ter gerado ambiguidade na adaptação para o idioma português, em que “Concentro meus esforços em alguma coisa que me permita enfrentar a situação”, não especifica a naturalidade desse enfrentamento; portanto, atividades consideradas como autodistração podem ser empregadas na afirmativa. Segundo Ornelas Mejorada et al. (2013), a diferença em como a questão é escrita em diferentes idiomas e o fator cultural impactam a interpretação de cada indivíduo. Acredita-se que uma situação similar ocorreu com a amostra deste estudo, em que o instrumento apresentou essa ambiguidade na compreensão do item.
Alguns agrupamentos mantiveram a estrutura original do instrumento, observado por exemplo no fator 4, uso de substâncias e religião, incluindo as duas questões do questionário (Brasileiro et al., 2016; Kapsou et al., 2010). O fator uso de substâncias é definido como uma estratégia na qual o indivíduo evita o problema refugiando-se em álcool, medicamentos ou drogas, considerada, portanto, problemática (Carver et al., 1989; Kapsou et al., 2010). Na amostra, os itens que compõem esse fator obtiveram baixa pontuação, muito provavelmente devido a suas características, pois profissionais da saúde tem maior orientação quanto aos malefícios do uso prolongado de substâncias. Já a subescala religião foi a quinta mais pontuada pela amostra. Esse agrupamento de itens já é conhecido na literatura (Amoyal et al., 2011; Carver, 1997; Kapsou et al., 2010; Pozzi et al., 2015); porém, há controvérsias quanto ao benefício desse tipo de estratégia (Krägeloh, 2011). A religião pode estar ligada às características culturais brasileiras, fazendo parte da vida de grande parte dos brasileiros. Portanto, é difícil para esta pesquisa afirmar que o uso da religião como estratégia contribui para o enfrentamento, ou se conta como comportamento evitativo (Carver et al., 1989), afastando o participante da realidade. Sugere-se maior aprofundamento sobre essa dimensão em estudos futuros.
O fator 5, denominado busca por suporte, agrupou questões pertencentes às subescalas suporte social emocional e suporte instrumental, e foi o que apresentou melhor consistência interna. Assim como Carver (1997) já havia apontado, algumas subescalas acabam sendo carregadas juntas como um único fator, e a frequência dessa conjunção (Kapsou et al., 2010; Mohanraj et al., 2015; Pozzi et al., 2015) apontou para uma possível similaridade semântica, estrutural ou conceitual entre essas subescalas (Peters et al., 2020). Todos os enunciados das questões apontam para a procura de apoio de outros para melhor lidar com a situação, ou para encontrar conforto em quem passa por experiências similares. Esse achado traz uma reflexão a respeito da necessidade de união e vínculos afetivos para enfrentar situações estressantes.
As principais características das estratégias de enfrentamento nesta pesquisa corroboram estudos com participantes que também passavam por situações em contexto hospitalar, como pacientes internados (Amoyal et al., 2011), enfermeiras (Gomes et al., 2013; Yousif Ali et al., 2019) e profissionais da saúde (Lala et al., 2016; Mikkola et al., 2019). Essas subescalas indicam a capacidade do indivíduo de processar e aceitar as circunstâncias do fator estressor e planejar a melhor maneira de enfrentar a situação, consideradas assim adaptativas (Carver et al., 1989). Portanto, o tipo de enfrentamento foi considerado satisfatório naquele contexto, já que os profissionais de saúde necessitam constantemente tomar decisões, sem que possam ignorar ou evitar o cenário estressor da Covid-19.
Considerações finais
Em conclusão, este estudo sugere adequada confiabilidade e uma estrutura fatorial de cinco fatores do Brief COPE, agrupando algumas das subescalas da versão original. O instrumento apresentou adequada consistência interna para a escala total, embora somente dois fatores apresentassem valores satisfatórios. Observa-se que, para a amostra em questão, ou, diante do evento estressor analisado, esse instrumento talvez não seja o mais robusto. Por isso, sugerem-se estudos com profissionais de saúde em outros contextos para confirmar essa estrutura fatorial para eventos estressores. Ressalta-se que as estratégias mais apontadas pelos fisioterapeutas brasileiros que trabalhavam em hospitais durante a pandemia de Covid-19 foram consideradas adaptativas e satisfatórias para o evento estressor.
Algumas limitações devem ser consideradas neste estudo, como o uso de um questionário autoaplicável online, o que deixa abertura para a interpretação livre de cada questão, que pode ser diversa devido à extensão do território brasileiro e às diferentes vivências dos indivíduos. Diferentemente do que se encontra na literatura, o fator estressor abordado nesse estudo foi a pandemia de Covid-19, que constituiu um marco na história da saúde mundial. Os resultados deste estudo podem orientar políticas de saúde pública e mental de profissionais de saúde que atuam na linha de frente em hospitais.