Ao ler um artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo no dia 8 de maio de 2022, intitulado “Estamos presos no doomscrolling?”, fiquei bastante mobilizada e fui invadida por algumas reflexões sobre meu trabalho como psicanalista atendendo adolescentes. Doomscrolling, segundo o autor do artigo, significa rolar (scrolling) a tela do celular para baixo; e danação, condenação (doom). Conjugados, os termos denotam ficar rolando a tela sem rumo nas redes sociais. Estaríamos diante de uma epidemia hipnótica: ficar rolando o dedo pela tela a se perder de vista? Estaríamos diante de uma geração cujo funcionamento mental se assemelha ao apresentado nesse artigo como doomscrolling?
Novas subjetividades demandam novas intervenções. Como pensar essas novas redes (sujeito/tecnologia/mídia social/família) que se conectam atualmente? De que maneira as relações e os psiquismos são modificados por essas novas realidades? Como as redes sociais atuam emocionalmente em seus seguidores? Aqui pretendo abordar esse impacto em alguns adolescentes atendidos por mim.
As redes sociais, principalmente o Instagram e o TikTok, são compostas basicamente por imagens e movimentos, e são poderosas no que diz respeito a esse efeito hipnótico.
Em “Psicologia de grupo e análise do ego” (Freud, 1921/1996b), temos contato com a formulação de que num grupo há o desaparecimento da personalidade consciente, predominando a parte inconsciente da personalidade, bem como a tendência a transformar imediatamente as ideias apresentadas em atos, funcionando pela força da sugestão e do contágio. Sugiro pensarmos que, tal qual os funcionamentos de grupo descritos por Freud, muito do que se passa nas redes sociais possui um funcionamento análogo ao do processo primário de certos modelos grupais, com esse efeito de espalhamento sem reflexão.
As investigações mais cuidadosas parecem demonstrar que um indivíduo imerso por certo lapso de tempo num grupo em ação cedo se descobre, seja em consequência da influência magnética emanada do grupo, seja devido a alguma outra causa por nós ignorada, num estado especial, que se assemelha muito ao estado de fascinação em que o indivíduo hipnotizado se encontra nas mãos do hipnotizador … A personalidade consciente desvaneceu-se inteiramente; a vontade e o discernimento se perderam. Todos os sentimentos e o pensamento inclinam-se na direção destinada do hipnotizador. (Freud, 1921/1996b, p. 86)
Nesse mesmo texto, Freud afirma que há uma identificação entre os membros e existe um líder que representa o ideal de ego do sujeito que participa do grupo. Nesse caso, considero as plataformas (Instagram, TikTok) como entidades líderes compostas por imagens/legendas/hashtags que representam esse ideal de ego de seus seguidores. Iannini e Santiago (2020) dão ênfase ao apresentado por Freud de que se faz necessária uma marca diferencial (traço ou insígnia) ou um objeto distintivo (chefe, entidade, totem etc.) que ocupe o lugar do que o Eu ama como seu ideal e “se toma pressuposto a divisão do sujeito entre o Eu [Ich] e o Ideal do Eu [Ichideal], pois essa é a condição para se postular o que se designa como massa primária…” (p. 45).
Moreno (2014) sugere que tem havido uma mudança rápida na sociedade, especialmente nas instituições familiares e da infância, gerando subjetividades diferentes das encontradas por Freud no início do século 20. Nessa época, as relações familiares sustentavam e promoviam o desenvolvimento psicossexual do infans (incluindo a função proibitiva, fundamental para tal desenvolvimento). Estamos no campo do que Freud denominou como neurose infantil calcada na teoria das pulsões e do complexo de Édipo, peça estruturante da formação subjetiva do indivíduo. Atualmente, notamos mudanças: “Cada vez mais cedo, as crianças têm entrado em contato com um meio social fora do âmbito familiar e passam a ter mais marcas subjetivas e erógenas que vêm de fora da família” (p. 66).
Podemos considerar que não estamos mais no quintal de casa. O mundo das redes sociais, sustentado pela tecnologia cada vez mais aprimorada, conectado a nós se impôs com vigor. O que outrora fora íntimo hoje é público. O que é público sofre a tentativa de se transformar em algo íntimo. Está nas redes! Estamos nas redes! De acordo com Colli “as tecnologias mais profundas são aquelas que desaparecem. Elas se entrelaçam no tecido da vida cotidiana até que sejam indistinguíveis desta” (Weiser, 1991, citado por Colli, 2022, p. 128). Diante dessas mudanças elucidadas aqui, faz-se necessária uma reformulação: atualmente, o quintal de casa se estabelece também no espaço virtual, ou seja, há todo um entrelaçamento do sujeito com as redes sociais, uma dialética entre o intrapsíquico e o universo virtual habitado e compartilhado, compondo o mundo do sujeito.
Voltemos ao conceito de doomscrolling, que aproximo do que foi apelidado por Nosek (2022, p. 162) como hamsteria de conversão: “trata-se de situações em que a atividade ininterrupta mascara desamparos precoces ou formas primitivas de sexualidade” (faz referência ao comportamento dos hamsters, em sua inútil atividade nas rodas de uma gaiola). Mas como se apresenta o doomscrolling na sessão analítica? Tenho observado adolescentes que passam a sessão inteira “rolando a tela para baixo”, isto é, pulam de assunto em assunto sem se deter em algum específico, para poder pensar sobre, conversar sobre. Trocam de assunto/post quase de maneira automática e contínua. O excesso de estímulos dentro do aparelho mental gera desconforto e busca um escoadouro. Não tem freio nem diques mentais, muito menos um trabalho de simbolização, remetendo ao conhecido modelo de funcionamento do predomínio do princípio do prazer, assim descrito por Freud (1911/1996a):
Consideramos que são os processos mais antigos, primários, resíduos de uma fase de desenvolvimento em que eram o único tipo de processo mental. O propósito dominante obedecido por estes processos primários é fácil reconhecer; ele é descrito como o princípio de prazer-desprazer [lust-Unlust], ou, mais sucintamente, princípio do prazer. Estes processos esforçam-se por alcançar prazer; a atividade psíquica afasta-se de qualquer evento que possa despertar desprazer. (p. 238)
Sobre a introdução de um novo princípio do funcionamento mental - o princípio de realidade -, Freud afirma que a partir de constatada a ausência da satisfação esperada, o que leva ao abandono da satisfação por meio da alucinação e ao contato com a realidade do mundo, a descarga motora que servia para aliviar a tensão do aparelho mental é transformada em ação para alteração da realidade externa e interna. A inibição da descarga motora é então proporcionada pelo processo do pensar, desenvolvido com base na apresentação de ideias (catexias livres foram transformadas em catexias vinculadas). “O pensar foi dotado de características que tornavam possível ao aparelho mental tolerar uma tensão aumentada de estímulos, enquanto o processo de descarga era adiado” (Freud, 1911/1996a, p. 240).
Eu me assusto por estar diante de jovens cujo aparelho mental tende a funcionar insistentemente pelo processo primário. O pensar é um processo mental que requer certa tolerância à frustração e à capacidade de simbolizar. Essas duas condições mentais me parecem pouco desenvolvidas e/ou utilizadas em alguns pacientes adolescentes atendidos por mim que serão apresentados a seguir.
Moreno (2014) formula duas maneiras de o indivíduo estar no mundo: um modo conectivo e outro modo associativo. Observa que as redes sociais interagem com os indivíduos pelo modo conectivo, ou seja, não operam com representações, não deixam rastros, não estão inseridas numa história com acontecimentos passados. Há algo imediato, sem reflexão. O modo associativo funciona com o sistema representacional, tem uma cadeia associativa de ideias e afetos, tem pausas. Aqui estamos no campo da simbolização. Noto em muitos momentos, nas sessões com alguns adolescentes, esse modo conectivo bastante ativo.
João, 17 anos, aluno do 3º ano do Ensino Médio, deseja cursar uma faculdade renomada. Recorre à análise por se perceber muito aflito com o término de um namoro de dois anos, e por estar apresentando alguns tiques (ou Tiks?). As sessões ocorreram no período da pandemia no formato online. João contava de maneira sucinta, quase como se fossem imagens, sobre situações que iam ocorrendo com ele no seu cotidiano e que eram acompanhadas por falas/legendas/hashtags: “mas vai dar tudo certo”, “já passou”, “agora estou pensando só no final de semana”. Eu fico muito aflita ao viver junto com João esse mecanismo que estou denominando de doomscrolling. A vivência de angústia é sentida por mim enquanto João parece não se perceber angustiado. Tento sem sucesso pôr pontos, vírgulas, acrescentar outras legendas nos posts, fazer um texto maior, mas João continua no seu doomscrolling: “Ah! Isso já foi, agora tô tranquilo” (sic). Digo: “Nossa!! Tranquilo? Vejo um rapaz angustiado, querendo se livrar do incômodo, querendo se convencer de que tá tudo bem!” João relata ficar horas na frente do celular, olhando o TikTok ou o Instagram, não conseguindo se concentrar nos estudos. Ele se perde, perde o foco, a ponto de cogitar ter tdah. Procura um neurologista, que lhe oferece uma série de testes a serem feitos e que acabaram por comprovar que ele é mais um paciente com o diagnóstico de tdah. Penso que aqui João encontrou uma saída rápida e certeira para se esconder de si mesmo, atuou no sistema TikTok, ou seja, não encarou nem considerou suas frustrações narcísicas: não ser o aluno brilhante, nem o mais rico, nem o mais bonito. Não houve a tolerância à frustração para que pudesse ser desenvolvido o pensamento. O pensamento foi substituído pela ação, TikTok.
João procura encontrar algo fora dele, algum diagnóstico, alguma medicação, que não o inclua, que o livre ou o isente de ter que se voltar para si mesmo. Também recorre à análise para entrar na faculdade. Os recursos estão fora dele. Identifico a presença de um pensamento mágico, de negação, evitação do pensamento, como fazem as redes, que pensam pelo sujeito, apresentam tudo já pronto em imagens rápidas e sucessivas. Martela na minha cabeça um “tik tok” similar ao barulho de um relógio analógico, a frase repetida constantemente por ele: “Vai ficar tudo bem”. Percebo-me presa no “tik tok” da frase/hashtag. Distancio-me de João. Perco o foco. Perco João. Me perco. Percebo-me amortecida pelo barulho do TikTok/hashtag. Passados alguns minutos consigo me recuperar e analisar essa captura da minha capacidade de pensar. Será que na tentativa de João se acalmar, a frase TikTok/hashtag gera um abafamento das emoções e uma impossibilidade de pensar assim como a vivida por mim? Observo num outro momento, com mais cuidado, o tique apresentado por João: ele pisca constantemente. O tique é algo compulsivo, impulsivo, sem controle e sem compreensão. Terá alguma semelhança ao modelo não reflexivo, de descarga pura do TikTok?
A rede social é utilizada também como refúgio psíquico. Ali, João se vê e é visto nas (suas) melhores partes. Partes dele ou do outro, o mais bonito, mais rico, mais atraente. Ele faz parte do grupo dos “instagramers/ tiktokers”. Ali ele se reconhece e é reconhecido.
Recorro agora ao “Sobre o narcisismo: uma introdução” (Freud, 1914/1996b) para fundamentar o conceito de ideal de ego. Freud postula que inicialmente no desenvolvimento emocional do indivíduo há um investimento libidinal original no ego do bebê, que constitui o que foi denominado de narcisismo primário e que com as constantes interações do bebê com aqueles outros que o cercam e que cuidam dele, parte deste investimento libidinal é transferido para objetos. Não é todo esse investimento do ego em desenvolvimento que é transferido para os objetos. A libido que permanece investida no ego é matéria-prima fundamental para a construção da autoestima do indivíduo. Há uma vivência mítica de completude, de um ego ideal, de ser alguém dotado de toda perfeição de valor, já que esse bebê foi objeto de amor narcísico dos pais. Com o crescimento e desenvolvimento do ego, entretanto, o indivíduo necessita renunciar a este ego ideal - ele não é o ser perfeito e constrói uma série de ideias de como gostaria de ser, de acordo com suas relações parentais, sociais e culturais. “O que ele projeta diante de si como sendo seu ideal é o substituto do narcisismo perdido de sua infância, na qual ele era o seu próprio ideal” (Freud, 1914/1996b, p. 101).
Penso que as redes sociais, por terem esse componente hipnótico (como já discutido), podem destituir o indivíduo, no caso, o adolescente, dessa discriminação do que é ele e do que gostaria de ser (ideal do ego). Parece haver uma vivência fantasiada do estado de plenitude narcísica e um aprisionamento neste estado. E, ao se desligarem das redes sociais por alguns minutos, parecem se perder de si, ou até mesmo não tolerar ser diferentes desse ideal do ego.
Cogito pensar, talvez buscando um outro vértice para olhar para esse movimento repetitivo de escoadouro de angústia do doomscrolling e redes sociais: haveria uma busca desesperada desses adolescentes por um reconhecimento de si pelo outro? Seria a busca pelo olhar do outro, seu semelhante, que reconheceria a sua alteridade? Esta parece, porém, muitas vezes ser uma jornada sem fim. Ou haveria uma tentativa de formação de um eu por meio da incorporação dessas imagens/modelos? Junqueira Filho (2021) desenvolve o conceito de René Girard de desejo mimético que construiu um modelo triangular: “à esquerda estaria situado o Sujeito Desejante; à direita, o Objeto Desejado; em cima, o Modelo-Mediador, a instância intermediária que impele o Sujeito a se apropriar do objeto” (p. 79). Assinala também:
A mediação sempre estabelece cenários paradoxais ou distorcidos, dependendo da posição relativa do sujeito em relação ao Modelo-Mediador ou ao Objeto Desejado: assim, por exemplo, os intricados liames da mediação interna nos impelem a condicionar os desejos alheios tanto quanto desejamos ser por eles condicionados, lançando-nos numa balança que oscila entre a mimese de apropriação (onde brigamos pela posse do objeto desejado) e a mimese de antagonismo (onde o que importa é vencer e humilhar o outro). (p. 80)
Utilizando esse modelo, o Instagram/TikTok ocupariam o lugar do modelo-mediador, que impulsionaria o sujeito desejante/adolescente a se apropriar do objeto desejado (sujeito com poder, fama, beleza, dinheiro…).
Considerando, entretanto, as imagens infinitas de “perfeição” (modelo-mediador), será que o doomscrolling realizado pelos adolescentes teria também uma função de busca por algum objeto/imagem mais passível de ser mimetizado? Não sendo encontrado, porém, faria aumentar ainda mais essa busca incessante.
Recordo outro adolescente de 17 anos, Pedro. Começou os atendimentos de forma presencial em 2021, num período mais ameno da pandemia da covid-19. Em 2022, justificando-se pelas dificuldades que a mãe tinha para trazê-lo ao consultório, pediu que o atendimento fosse online, e seguimos assim desde então. Nessa troca de sistema senti mais dificuldade em me fazer presente nas sessões. Em muitos momentos, Pedro tem uma fala contínua ao narrar com muita angústia seu relacionamento com a namorada (no final de 2022 ele resolve terminar o namoro). Apesar de ser um atendimento face a face no vídeo, ele parece estar muitas vezes absorvido e capturado por seus pensamentos. Diante das minhas iniciativas de comunicar algo a ele, eu imediatamente sou interrompida com: “Pera um pouquinho, deixa eu continuar” (sic). Relatou, durante uma sessão, o quanto foi disruptivo emocionalmente para ele ter visto no TikTok sua ex-namorada “fazendo uma dancinha” com outro rapaz. Relata que, ao abrir o aplicativo, o vídeo da ex-namorada pulou do celular e o atingiu. Ele ficou pensando que o que mais queria durante o namoro era ter tido uma relação leve e alegre com a namorada e que viu isso acontecendo naquele post do TikTok, porém, não era com ele. “Fiquei arrasado! Era tudo o que eu mais queria!”
Penso no poder da imagem que invade o indivíduo. Pedro sente-se atravessado, como se não existissem fronteiras entre ele e o mundo. Será que Pedro gostaria de permanecer num momento de plena união entre ele e o outro (mãe/namorada/analista)? A realidade se impõe e ela não corresponde aos seus desejos. Pior, para ele existe uma realidade perfeita, idealizada, alucinada, da qual ele não faz parte. Ele perdeu seu lugar para o concorrente. Pedro fica com muita raiva. Durante algumas sessões, fala sobre o assunto ex-namorada/menino/TikTok de maneira ininterrupta. A angústia transborda, me vejo novamente diante do fenômeno do doomscrolling. Pedro resolve deletar o TikTok de seu celular. Basta um “tik” para o “tok” (o desagradável) desaparecer. Num outro momento, quando aponto para ele seu pedido de mudança do presencial para o virtual, Pedro diz ser mais fácil, basta clicar no botão para eu aparecer. Basta um “tok” para ele me fazer aparecer! A distância entre Pedro e mim parece, assim, ficar mais curta, ou quase inexistente em sua fantasia. Permeado pelo mecanismo onipotente, busca controlar a presença/ausência do outro, como forma de evitar e/ou suportar seu sentimento de desamparo.
Han (2017) configura a sociedade atual como “Sociedade Positiva”: não se admite qualquer sentimento negativo, esquecemos como se lida com o sofrimento e a dor. Nela há uma exigência da transparência evocada pelo mote da liberdade de informação, que é disseminada em alta velocidade, funcionando por reação em cadeia por iguais. “A negatividade da alteridade do que é alheio ou a resistência do outro atrapalha e retarda a comunicação rasa do igual. A transparência estabiliza e acelera o sistema, eliminando o outro ou o estranho” (p. 11). Ele aponta também o fato de que as mídias sociais constroem um espaço de proximidade absoluta, onde se elimina o fora. Assim, ali se encontra apenas o que se refere a si mesmo, eliminando o negativo que poderia suscitar alguma reformulação. “A rede se transforma em esfera íntima ou zona de conforto” (p. 81).
Pensando sobre o trabalho psicanalítico com Pedro, com os adolescentes… Será que, se eu me mantiver como alguém viva, com uma escuta atenta ao seu sofrimento e ao seu eu, e puder ir introduzindo paulatinamente pausas, questionamentos, correlações, farei diferença na contenção da angústia e no favorecimento da construção de um aparelho psíquico capaz de conter a dor e transformá-la? Poderei formar, assim, uma história pessoal? Essa é a minha aposta. Pedro, diferentemente de João, continua de maneira bastante assídua no processo analítico. Atualmente, tem questionado sua necessidade de estar interligado continuamente com o outro, percebendo-se muito angustiado na ausência momentânea deste. João passou a realizar terapia cognitiva comportamental, indicada pelo neurologista. Em minha clínica com adolescentes percebo com certa frequência o uso desse recurso (o diagnóstico de tdah) como alternativa para a frustração. O adolescente se destitui de si, e a família geralmente corrobora. A solução é buscada magicamente fora de si, e as angústias vividas não são reconhecidas, não podem ser pensadas, nem simbolizadas; ficam desfocadas, como o sintoma presente: déficit de atenção.
Considero que estamos diante de muitos adolescentes que ainda não conseguiram renunciar ao lugar de sua majestade, o bebê. Têm muita dificuldade em pôr pontos e vírgulas entre a sua realidade psíquica (seus desejos, impulsos, dores) e a realidade externa. Ouso dizer que, muitas vezes, o choro contínuo está para o bebê assim como o doomscrolling está para os adolescentes. A tela do celular povoada pelas imagens de um ideal de eu tem grudado, via modo conectivo, na mente desses adolescentes (e de adultos também), que mostram pouca capacidade de discriminação entre o eu e o mundo. Como consequência, a criatividade fica diminuída, eles vivem em busca do paraíso perdido, em busca da felicidade total, e o mundo das relações emocionais com pessoas reais parece tornar-se difícil de sustentar. O doomscrolling como modelo mental e como prática utilizada nas redes sociais parece favorecer esse aprisionamento em que predomina a perda de contato com as angústias internas, com as questões do crescimento e da entrada na vida adulta.
Como o trabalho analítico, que é fundamentado numa relação de intimidade, construída numa continuidade de encontros que visam a que o indivíduo reconheça a si próprio com suas nuances, poderá se manter neste mundo contemporâneo calcado no sistema do “TikTok”? Será que o trabalho psicanalítico tem o alcance de transformar tiktokers em think talkers?

 
 









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