Introdução
A aprendizagem é entendida como um processo complexo que envolve aspectos socioemocionais, por isso, não pode ser reduzida apenas à dimensão cognitiva referente à aquisição, codificação e assimilação de informações (Jin et al., 2019). É válido diferenciá-la em três tipos de aprendizagem em função da conjuntura em que ocorrem, sendo: a aprendizagem formal, não formal e informal. O aprender é uma prática abrangente e, conforme mencionado anteriormente, faz-se presente de forma inerente ao viver, uma vez que não depende do contexto para ser concretizado, superando a concepção frequente de que o aprender ocorre somente em contextos acadêmicos por vias formais (Schugurensky, 2000).
Há de se destacar a abrangência da aprendizagem informal. Cita-se que, enquanto uma classe residual, refere-se a toda aprendizagem que ocorre além da estrutura formal, podendo ser classificada pela intencionalidade e o grau de consciência em relação ao processo que, no que lhe concerne, são a aprendizagem autodirigida, incidental, integrativa e tácita. Deste modo, aponta-se que o aprender em nível individual ocorre mesmo sem o conhecimento consciente de estar aprendendo ou desejar estar adquirindo novas informações (Bennett, 2012).
De modo geral, é reconhecido o efeito benéfico que a aprendizagem proporciona para os aprendizes como um recurso renovável que favorece o autocuidado e a participação social do indivíduo (Centro Internacional de Longevidade Brasil, 2015). Ademais, o contato com contextos formais de aprendizagem possibilita a elevação da autoestima de pessoas em momentos mais avançados do desenvolvimento, seja pela construção do senso de autoeficácia ou pela superação de estigmas em relação a si mesmo (Derhun et al., 2022). Complementarmente, é válido destacar que o estímulo da aprendizagem em uma perspectiva de curso de vida é uma ferramenta estratégica para instigar mudanças sistêmicas até mesmo em níveis socioeconômicos e sociais (Antonova et al., 2020).
Dada a vastidão de benefícios apresentados em decorrência da aprendizagem, em nível individual e coletivo, exalta-se a prerrogativa de instigar pessoas a se manterem abertas ao aprender. Ao tratar de motivação, é necessário considerar peculiaridades individuais intrínsecas, como os traços de personalidade que possuem propriedades motivacionais (McCrae & John, 1992) e variáveis contextuais, como a conjuntura em que o indivíduo se encontra, reconhecendo seu estágio do desenvolvimento (Unicovsky, 2004).
Com o intuito de estabelecer um modelo teórico para a atual pesquisa, apresenta-se a Teoria da Autodeterminação, conforme sintetizado por Ryan e Deci (2020). É proposta uma taxonomia de tipos de motivação, não sugerindo uma hierarquia de prioridades, mas organizando-as pelo grau de internalização de cada subtipo, sendo nominalmente: desmotivação (elementos sem aspecto motivacional), motivação extrínseca e motivação intrínseca.
Frente à complexidade da problemática tratada, questiona-se como é possível motivar indivíduos a se manterem interessados em aprender e quais são os elementos vinculados a esta questão. Assim, o presente estudo objetivou compilar conhecimentos e informações disponíveis na literatura científica relativas aos aspectos motivacionais relacionados ao processo de aprender, considerando suas diferentes formas e contextos.
Método
Trata-se de uma pesquisa de caráter qualitativo, de delineamento transversal e descritivo, em razão do seu tempo e objetivo, respectivamente. Portanto, o presente estudo se propôs a investigar as variáveis de forma pontual, com o intuito de conhecer e interpretar os objetos do estudo em questão, sem manipulá-los de alguma forma (Campos, 2001). Alternativamente, pode-se classificar o delineamento do presente estudo como uma pesquisa bibliográfica, uma vez que foram utilizados materiais publicados na forma de livros e artigos em periódicos científicos (Köche, 2011). Mais especificamente, o estudo em questão é definido como uma revisão de literatura narrativa; deste modo, aponta-se que foram utilizados conhecimentos de outros autores para fundamentar teoricamente a construção da atual obra, elaborando-a qualitativamente e, então, alcançando maior grau de validade externa (Rother, 2007).
As obras abrangidas pela presente revisão foram captadas por meio de plataformas de busca, como o SciELO e PubMed, fazendo uso dos descritores “motivação” e “aprendizagem”, separadamente e em conjunto. A captação de obras não foi limitada pelo ano de publicação dos materiais da literatura científica, permitindo que obras clássicas fossem consideradas. Foram selecionados 16 materiais para compor a análise da temática proposta.
Resultados e Discussão
Paulo Freire e Ira Shor (2021) elucidam que a motivação no processo de aprendizagem é uma das grandes problemáticas a serem mencionadas quando o assunto é a educação formal. Dentre outras nuances da motivação, diferem que o contexto educacional muitas vezes motiva os alunos a apresentarem comportamentos e atuações para adquirir prêmios e recompensas. Não formando relações diretas com o reforço da motivação ao aprender propriamente dita, o que aconteceria apenas por meio da interação com o conhecimento e com os outros agentes ali inseridos.
A motivação para aprender vem sendo alvo de interesse em estudos contextualizados em meios acadêmicos formais, tendo foco na população de estudantes jovens. Destaca-se que a motivação para aprender envolve habilidades socioemocionais e de comunicação do aprendiz. Contudo, é afetada por elementos externos como o suporte prestado por tutores e o vínculo afetivo estabelecido entre ambas as partes no processo ensino-aprendizagem (Chiappetta-Santana et al., 2022).
Ao ser investigada a relação entre aspectos comportamentais e a motivação dos estudantes do Ensino Fundamental II, pôde-se observar que as metas e posicionamentos dos adolescentes sobre seus processos de aprendizagem estão associados à performance escolar dos mesmos. A partir das análises estatísticas, foi evidenciado que os estudantes adolescentes que apresentavam o desejo de adquirir mais conhecimento e ter uma boa performance também adotam um posicionamento pró-social, registrando menos problemas de conduta. É válido apontar que as análises realizadas não permitem a atribuição de causalidade entre as variáveis. Porém, é possível inferir que os alunos com a meta de aprender são mais influenciados por motivações intrínsecas, considerando o desejo de realizar trocas interpessoais como um aspecto da personalidade imbricado com questões culturais (Antunes et al., 2022).
Ultrapassando as concepções tradicionais do ambiente de aprendizagem, o estudo de Barros et al. (2022) investigou a motivação acadêmica de mulheres reclusas no sistema prisional. Tal estudo permitiu que fossem contemplados alguns fatores relacionados à conjuntura da motivação das participantes, considerando os elementos intrínsecos e extrínsecos aos indivíduos. Dentre os achados, foram encontradas correlações entre variáveis demográficas e relativas à reclusão com a participação em atividades acadêmicas. As mulheres reclusas em idade mais avançada possuíam menor interesse em ter interações sociais e aquelas que se encontravam há mais tempo reclusas evidenciaram maior probabilidade de serem influenciadas por elementos extrínsecos, como o acesso ao benefício de sair de suas celas. Apesar da pesquisa em questão ter retratado um cenário pontual, seus achados corroboram com a perspectiva de que a oportunidade de aprender pode também ser uma forma de experienciar lazer. Ademais, sugerem a alteração do valor motivacional de estímulos em função do desenvolvimento individual.
A busca pelo refinamento e aquisição de novos conhecimentos e habilidades é descrita na obra de Gonçalves et al. (2015). Na pesquisa em questão, foram investigadas as motivações de adolescentes do sexo masculino para frequentarem escolinhas de futebol e futsal. Neste cenário, o treino do futebol e futsal é categorizado como uma forma de aprendizagem não formal, não sendo uma atividade do currículo acadêmico tradicional (Schugurensky, 2000). Evidenciou-se que a principal motivação para a prática destes esportes é o prazer, entendido como uma motivação intrínseca que pode ser proporcionada mediante estímulo físico e contato interpessoal, como é o caso de atividades de lazer.
A conjuntura de quadros que estimulam a aprendizagem em suas diferentes modalidades demanda cuidados particulares em razão das necessidades dos aprendizes, de modo que respeite o estágio do desenvolvimento. O processo ensino-aprendizagem é marcado por momentos de sucessos e falhas, assim evidenciando a prerrogativa de atenção dos docentes sobre aspectos emocionais associados ao aprender, fomentando a vivência de estados afetivos positivos (Chiappetta-Santana et al., 2022).
Conforme observado na literatura, em fases mais avançadas do desenvolvimento humano, perde-se parte da motivação em engajar em vias formais de aprendizagem, já que, comumente, não há relação com a formação profissional. Entretanto, a manutenção da vida acadêmica passa a ser motivada pelo desejo de experienciar prazer em interações sociais e na elevação do autoconceito ao superar estigmas estabelecidos ao longo da vida (Unicovsky, 2004).
Os estudos apresentados sobre a motivação para aprender versaram sobre contextos formais e não formais, implicando uma aprendizagem estruturada em algum grau, tratando tanto de estudantes jovens quanto adultos. Foram expostas de modo amplo questões interpessoais vinculadas ao processo de aprendizagem no contexto formal, exaltando a participação de elementos externos como motivações extrínsecas, majoritariamente, com caráter qualitativo ao remeter atribuições individuais de significado e afeto. Destaca-se também a presença do prazer como motivação intrínseca para o aprender, instigando o indivíduo a procurar por meios para vivenciá-lo (Chiappetta-Santana et al., 2022).
O emparelhamento dos contextos de aprendizagem às práticas sociais e de lazer é uma construção que tem início nos primeiros estágios do desenvolvimento humano, sendo condicionado pelo dever constitucional de crianças e adolescentes frequentarem instituições de ensino (Brasil, 2022). Ao versar sobre a experiência de crianças em seus primeiros anos de vida, retrata-se o caráter lúdico que a Educação Infantil apresenta e é elucidada a participação de motivações intrínsecas ao ser encontrada na forma da busca por prazer (Marcolino & Mello, 2015). Referindo-se ao processo de aprendizagem proporcionado pela experiência em creches, evidencia-se que a socialização permite a internalização de valores e atitudes cotidianas (Schugurensky, 2000). Além da instrução prestada pelos docentes que permeia o contexto sociocultural dos aprendizes, também há o direcionamento nos processos de desenvolvimento da identidade do indivíduo (Ogassavara et al., 2022).
Para além dos contextos formais de educação, a aprendizagem autodirigida é concebida como uma modalidade de aprendizagem informal, intencional e consciente. Apesar de não contar com a participação de indivíduos na posição de tutores, há abertura para que haja trocas interpessoais e, assim, enriquece a construção de novos conhecimentos (Schugurensky, 2000). Dada a natureza abrangente do aprender, também é oportuno refletir sobre a motivação e as condições favoráveis para o processo de aprendizagem intencional por vias informais.
Frente à participação de motivações intrínsecas na aprendizagem, a reflexão é apontada como um processo associado à construção da motivação individual que direciona o aprender e promove a qualidade de estudos autônomos (Koshy et al., 2017). A prática reflexiva é um elemento recorrente em discussões no campo da educação e é compreendida como uma atividade voltada ao desenvolvimento da compreensão sobre si ou sobre algo (Warman, 2020). Destarte, destaca-se a conveniência de instrumentalizar o processo reflexivo para a introspecção no que tange aspectos motivacionais que, consequentemente, permite o alinhamento dos propósitos e benefícios esperados da aprendizagem.
Os objetivos da aprendizagem autodirigida são estabelecidos de forma autônoma com o intuito de suprir as demandas pessoais dos indivíduos (Morris, 2019). Sendo assim, infere-se que as metas frequentes sejam a resolução de problemas cotidianos, apontando algumas modalidades de letramento como habilidades que favorecem a capacidade de adaptação a tais problemáticas, incluindo o letramento digital e o letramento funcional em saúde (Soares, 2002).
A capacitação de indivíduos em diferentes tipos de letramento é proposta recorrentes em programas educacionais voltados à população adulta e idosa, os quais visam a promoção da qualidade de vida e independência dos frequentadores (Eltz et al., 2014). Não obstante, a aprendizagem no contexto informal se configura de maneira alternativa. Ao tomar o letramento funcional em saúde como exemplo, é identificado que o desenvolvimento desta capacidade se dá frequentemente por meio do uso de aparelhos móveis, assim demandando um grau razoável de letramento digital e ilustrando a autonomia dos aprendizes (Jin et al., 2019).
A instrução dos indivíduos em relação à educação em saúde e letramento digital também estabelece associações com sua escolaridade, deste modo, torna evidente a proximidade entre as modalidades de aprendizagem formal e informal, sugerindo a influência do grau de escolaridade sobre habilidade de estudar autonomamente (Santos & Portella, 2016). Considerando tal relação, indica-se que a promoção de condições favoráveis ao desenvolvimento da autonomia dos estudantes é concebida como uma ferramenta que permite mudanças sistêmicas ao empoderar indivíduos e grupos (Morris, 2019).
Considerações
Enquanto considerações finais, reafirma-se que a presente revisão teve o objetivo de compilar conhecimentos sobre a motivação para o aprender em diferentes formas. Foram utilizadas obras da literatura científica publicadas na forma de livros e artigos de periódicos científicos que abordaram a temática da motivação em relação ao aprender, considerando a variação topográfica que o processo apresenta.
O material captado indicou a existência da relação entre a motivação acadêmica e a performance escolar. Os estudantes que se encontram mais motivados em adquirir conhecimentos registram melhores desempenhos comparados a alunos sem motivação. O posicionamento positivo dos aprendizes nos âmbitos comportamentais e de interação interpessoal foi destacado como um fator relativo à motivação vinculada ao êxito escolar e com a aprendizagem. Elucubra-se que este último achado seja um produto resultante dos aspectos motivacionais incentivados e reforçados no referido ambiente, ou seja, a experiência do aprender estaria em relação íntima com outros reforçadores ambientais e concepções positivas sobre o ambiente escolar/acadêmico.
A aprendizagem sofre influência de fatores de cunho social, remetendo ao processo de ensino-aprendizagem que conta com a participação de outros indivíduos na posição de tutores e colaboradores na construção do conhecimento. As interações proporcionadas no contexto educacional são capazes de favorecer estados afetivos positivos, sobretudo, a vivência do prazer. O prazer encontra-se como uma motivação intrínseca para o processo de aprender em diferentes momentos da vida e é evocado por diferentes meios como por intermédio das trocas interpessoais.
No que se refere à prática de estudar autonomamente em face das suas motivações, foi possível observar a utilização de recursos disponíveis dentro do contexto em que o sujeito está inserido, incluindo recursos humanos como fontes de informação. Destarte, ao refletir sobre as implicações de tal questão, enaltece-se o valor de políticas públicas de dados abertos que visam manter a transparência do Estado. O acesso à informação é um elemento que subsidia a formação de perspectivas reflexivas e embasadas acerca de questões presentes na realidade em que se está inserido, assim celebrando o direito à cidadania e à participação social. Vale também uma breve consideração sobre o alto valor da educação não formal para a população idosa que inclui, frequentemente, o letramento digital.
Foi possível versar sobre uma gama de conjunturas e contextos em que a motivação para aprender interage de maneira específica com diferentes contextos e agentes ali dispostos. Retoma-se, então, que a motivação em qualquer contexto concretizado possui aspectos intrínsecos e extrínsecos. O primeiro relaciona-se com as significações distintas e construção do eu. O segundo refere-se aos fatores que devem ser manipulados pelos agentes educacionais de modo a estruturar uma transmissão de saberes integrando ambos os aspectos intimamente ligados e dependentes.
Conclui-se que a motivação exerce papel ímpar para o processo de aprendizagem. A motivação para o aprender, posta como a busca de interações para adquirir novos conhecimentos, relaciona-se intimamente com a significação que o sujeito atribui a esse processo. Como contribuições para investigações futuras, espera-se que este estudo tenha instigado uma visão panorâmica sobre a motivação vinculada ao aprender. Incentivam-se estudos que busquem conhecer mais especificamente os aspectos da motivação em diferentes contextos de educação formal, não formal e informal.