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Revista Psicopedagogia

versão impressa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.40 no.123 São Paulo set./dez. 2023  Epub 26-Ago-2024

https://doi.org/10.51207/2179-4057.20230037 

ARTIGO DE REVISÃO

Educação inclusiva e ensino de Artes

Inclusive education and Arts teaching

Mariane Dara Lopes Oliveira1 

Lívia Alves Moreira2 

Ana Paula Granado3 

Asdrúbal Borges Formiga Sobrinho4 

Fauston Negreiros5 

1. Mariane Dara Lopes Oliveira – Universidade de Brasília (UnB), Brasília, DF, Brasil.

2. Lívia Alves Moreira – Secretaria Municipal de Educação de Aparecida de Goiânia, Aparecida de Goiânia, GO, Brasil.

3. Ana Paula Granado – Universidade de Brasília (UnB), Brasília, DF, Brasil.

4. Asdrúbal Borges Formiga Sobrinho – Universidade de Brasília (UnB), Brasília, DF, Brasil.

5. Fauston Negreiros – Universidade de Brasília (UnB), Brasília, DF, Brasil.


Resumo

Este artigo de revisão sistemática tem por objetivo analisar como o ensino de Artes favorece o desenvolvimento dos estudantes da Educação Especial na sala comum inclusiva e/ou no Atendimento Educacional Especializado. À luz de autores que pesquisam desenvolvimento humano, ensino de Artes e educação inclusiva, foram analisadas dez publicações, segundo critérios estabelecidos, que discutem as contribuições da disciplina de Artes nas escolas e o papel do professor nesse processo. Os resultados mais recentes evidenciam que o ensino de Artes na escola comum auxilia o desenvolvimento dos estudantes da Educação Especial. As Artes promovem experiências multiculturais, ampliando o posicionamento em relação às adversidades e problemáticas sociais. A busca orienta sobre a necessidade de formação específica dos professores, no que tange às práticas pedagógicas do ensino de Artes.

Palavras-Chave: Inclusão Escolar; Ensino de Artes; Atendimento Educacional Especializado; Ensino Fundamental

Summary

This systematic review analyzes how the Arts teaching benefits the development of Special Education in the inclusive regular room and/or in Specialized Educational Assistance. Based on the authors’ studies about human development, Arts teaching and inclusive education, ten publications were analyzed, according to established criteria, which discuss the contribution of Arts subjects in schools and the teacher’s role in this process. Recent results show that Arts teaching in regular schools helps the development of Special Education students. The Arts put forward multicultural experiences, expanding the positioning in relation to adversities and social problems. This search guides about the need of specific training for teachers regarding pedagogical practices of Arts teaching.

Key words: School Inclusion; Arts Teaching; Specialized Educational Assistance; Elementary School

Introdução

É importante entender que nenhuma pessoa nasce pronta, independentemente de suas condições biológicas, pois a formação do indivíduo é fruto de sua interação com o meio social em que vive. Uma das maiores contribuições de Vigotski (2014), principalmente para a educação inclusiva, foi a relação entre desenvolvimento, aprendizagem e formação das funções psicológicas superiores, entre as quais estão criatividade, imaginação, linguagem e afetividade. Nesse sentido, o psiquismo humano se desenvolve nas relações estabelecidas, resultantes das trocas de experiências, que podem ser ressignificadas por meio da mediação pedagógica e contribuir na formação de novos conhecimentos para o aluno da Educação Especial.

A escola, sem dúvida, é uma referência importante na vida das pessoas, pois promove a experimentação de diferentes habilidades, propicia a construção de conhecimentos e estimula a transformação social do estudante. O ensino de Artes, em sua dimensão macro, oportuniza aos estudantes vivências de situações pedagógicas voltadas para o exercício da autonomia e do pensamento crítico.

Para as autoras Chaveiro (2018) e Ferraz e Fusari (2019), esse ensino implica assumir um posicionamento metodológico, pois contribui de maneira efetiva para o desenvolvimento social, estético e crítico do estudante. Assim, pode ser considerado um caminho nos processos pedagógicos na escola regular e no Atendimento Educacional Especializado (AEE), possibilitando o desenvolvimento da identidade, aproximação com a cultura e as manifestações artísticas.

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) do componente Artes (Brasil, 1998), a imaginação criadora permite ao ser humano conceber situações, fatos, ideias e sentimentos que se realizam como imagens internas, a partir da articulação com a linguagem cultural e as expressões regionais.

A valorização das Artes na escola, como disciplina curricular importante, amplia os espaços para desenvolvimento da sensibilidade e de processos imaginativos da subjetivação. Ensinar Artes, em consonância com os modos de aprendizagem do estudante, significa buscar a liberdade de imaginar e criar, com base na cultura e em vivências pessoais. As Artes são formas de comunicação, verbal ou não, por meio das quais os estudantes da Educação Especial podem aprimorar as formas de expressar necessidades, emoções e conhecimentos, sob a perspectiva protagonista de sua interação com o mundo (Chaveiro, 2018). A partir desse pressuposto, o espaço de aprendizagem se torna cenário para o desenvolvimento humano, enquanto o ensino das Artes se constitui como uma ferramenta de fortalecimento para o propósito do Ensino Fundamental na educação inclusiva (Ferraz & Fusari, 2019). O potencial deste cenário será discutido nas seções seguintes.

Artes na Educação Especial

As Artes devem ser abordadas a partir do pressuposto segundo o qual cada estudante tem uma cultura diferente. Dessa forma, a aprendizagem sobre as diferenças sociais e a diversidade enriquece a sala de aula. Na concepção de Mantoan e Pietro (2006), o direcionamento dos conteúdos em Artes é fundamental para a interação entre os estudantes, porque possibilita uma ressignificação nas práticas pedagógicas e torna possível o trabalho coletivo e as atividades independentes. Além disso, pode proporcionar motivação e construção de um espaço com diversidade e inclusão. Assim, o ensino de Artes para estudantes da Educação Especial cria situações capazes de favorecer o respeito aos diferentes ritmos de aprendizagem, podendo evidenciar o contexto histórico e cultural no qual o estudante percebe e interpreta sua própria natureza, por meio do uso de seus conhecimentos e habilidades para realizar expressões artísticas (Silva, 2021).

O princípio da Inclusão Escolar de pessoas com deficiência tem sido pensado e debatido nas últimas décadas, provocando reflexões constantes na área educacional, em prol do acesso e da permanência desses estudantes na escola comum. Contudo, a projeção das normativas para o atendimento a esses estudantes encontra-se melhor sistematizada somente a partir do ano de 2008, com a elaboração da Política Nacional da Educação Especial (PNEE) na Perspectiva da Educação Inclusiva (Brasil, 2008).

O documento presume a inclusão dos estudantes da Educação Especial nas escolas comuns. Porém, a garantia de uma educação de qualidade para todos implica, entre outras demandas, um redimensionamento da escola que contemple não somente a aceitação, mas também a valorização das diferenças. Esse reconhecimento se efetua pelo resgate dos valores culturais que fortalecem as identidades individual e coletiva, bem como pelo respeito aos atos de aprender e de ser (Silva, 2021).

Para a PNEE (Brasil, 2008), são considerados estudantes da Educação Especial: 1) estudantes com deficiência, conforme definido pela Lei n. 13.146, de 6 julho de 2015; 2) estudantes com transtornos globais do desenvolvimento, incluídos os estudantes com Transtorno do Espectro Autista (TEA), conforme a Lei n. 12.764, de 27 de dezembro de 2012; e 3) estudantes com Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD). Entretanto, alunos com dificuldades de aprendizagem, Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), dislexias e atraso no desenvolvimento neuropsicomotor devem ter suas necessidades educacionais de aprendizagem atendidas pelo contexto escolar, mas não são considerados pela legislação estudantes da Educação Especial.

O AEE é organizado de forma complementar ou suplementar ao ensino. Ele se baseia em reflexões e práticas inclusivas para pessoas com deficiência, a fim de promover o apoio adequado para o seu desenvolvimento. Além disso, a Educação Especial fornece recursos de acessibilidade que favorecem a participação e aprendizagem desses estudantes no contexto escolar. Nesta dinâmica, cabe a cada sistema reestruturar sua rede de ensino para assegurar uma educação de qualidade, que proporcione aprendizagem por meio de um currículo rico em possibilidades e flexibilidade.

Os alunos com necessidades especiais apresentam comportamentos e demandas de aprendizagem específicas. Sua educação requer rompimento de alguns mitos que desfiguram suas reais características, sendo necessário atendimento flexibilizado, que leve em consideração seus interesses, potencialidades e limitações. Atualmente, mesmo com o avanço das pesquisas, as instituições de ensino encontram dificuldades em fornecer adequação de estruturas físicas, gestão organizacional e de recursos, e formação continuada aos profissionais da educação, objetivando uma educação inclusiva que atenda a essa demanda. Valores, sentimentos, organização, participação e planejamento são fundamentais na interação entre docentes, discentes e famílias. Essa mediação eleva a inserção e o desenvolvimento desses estudantes para uma aprendizagem prazerosa, em um ambiente escolar acolhedor e inclusivo.

Portanto, partimos do pressuposto de que os estudantes da Educação Especial podem se beneficiar do ensino de Artes que ocorre em ambientes integrados. Isso constituiria um processo dinâmico e flexível, com o propósito de ultrapassar a integração e interação na aprendizagem do contexto inclusivo, conforme indicaremos a seguir, com base na discussão da literatura consultada. Desta forma, o objetivo principal da revisão apresentada é investigar publicações científicas e acadêmicas sobre como a aproximação do ensino inclusivo de Artes nos espaços escolares ocorre e pode contribuir para o desenvolvimento e aprendizagem do estudante da Educação Especial, em escolas brasileiras que ofertam os anos iniciais do Ensino Fundamental.

Método

Foi realizada uma revisão sistemática de literatura sobre ensino de Artes e Inclusão Escolar. O método foi dividido em quatro etapas, de acordo com os critérios propostos pelo PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses) (Moher et al., 2015). O modelo busca padronizar a metodologia de revisões sistemáticas: (1) Identificação das plataformas de pesquisa e escolha das palavras-chave; (2) Seleção de referências potencialmente relevantes; (3) Elegibilidade pelo resumo e especificidades; e (4) Exclusão, inclusão e seleção final do banco de dados.

Na primeira etapa, as plataformas consultadas para formar a base de dados foram Google Scholar, Scientific Electronic Library Online (SciELO), Periódicos CAPES, Teses e Dissertações CAPES, ProQuest, Periódicos Eletrônicos em Psicologia (PePSIC), Revistas Científicas da América Latina e Caribe (Redalyc) e Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), entre as datas de 24 de novembro e 19 de dezembro de 2022. Seguindo as orientações de busca para cada plataforma, descritores ou palavras-chave utilizados foram relacionados a Educação Artística ou Artes; Criatividade; Inclusão Escolar ou Educação Especial; Ensino Fundamental; e Atendimento Educacional Especializado (AEE).

Estabelecido o recorte temporal para os últimos cinco anos, orientado pelo período de construção do documento Matriz Nacional Comum de Competências do Diretor Escolar (Brasil, 2021), esta revisão sistemática buscou publicações mais recentes sobre o tema apresentado. Os estudos recuperados são de 2018 a 2022. Devido ao interesse em investigar as mudanças nas práticas de ensino de Artes da educação inclusiva na realidade brasileira, foram incluídas apenas pesquisas realizadas no Brasil e publicadas em língua portuguesa, entre artigos científicos, trabalhos de conclusão de curso, dissertações e teses das áreas de educação, ciências sociais e linguísticas, Pedagogia, Artes, Música, Psicologia e Filosofia.

Na base da dados Google Scholar, as palavras-chave foram definidas: “educação artística”, “criatividade”, “inclusão escolar”, “ensino fundamental”, “Atendimento Educacional Especializado”. O resultado da busca foram 136 publicações. A segunda pesquisa realizada foi na plataforma SciELO e as palavras chaves utilizadas foram (artes) OR (criatividade)) AND (inclusão) AND ((escola) OR (educação)), resultando em 8 documentos. Na terceira plataforma selecionada, Periódicos CAPES, as palavras-chave utilizadas foram (“artes” AND “inclusão escolar”), com 21 resultados obtidos.

Em seguida, na plataforma ProQuest, as palavras-chave foram “inclusão escolar” AND (“educação artística” OR “artes” OR “criatividade”) AND “ensino fundamental” AND (“aee” OR “atendimento educacional especializado”). Em vista da maior sensibilidade da ferramenta desta de busca, foram obtidos 27 resultados. Na plataforma Redalyc também foram encontrados 27 documentos, com as palavras-chave (“inclusão escolar” OR “educação inclusiva”) AND (“educação artística” OR “artes”) AND “ensino fundamental” AND “criatividade” AND (“aee” OR “atendimento educacional especializado”). Na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações, a pesquisa resultou em 28 documentos e as palavras-chave foram (artes OU criatividade OU educação artística) E (inclusão escolar OU atendimento educacional especializado OU educação inclusiva) E ensino fundamental.

O catálogo de Teses e Dissertações CAPES não foi selecionado em decorrência de um amplo resultado de busca, mesmo com a utilização de filtros e acréscimo de palavras-chave para refinamento da pesquisa. Na plataforma PePSIC, as publicações encontradas foram publicadas anteriormente ao ano de 2018. Ao concluir a primeira etapa da busca, foram contabilizados 220 documentos. A seleção inicial dos estudos, durante a segunda etapa, foi feita a partir da leitura dos títulos que potencialmente apresentavam uma relação entre inclusão escolar e ensino de Artes. Na terceira etapa, a seleção foi realizada por meio da busca nos resumos e da identificação das especificidades, como área, contexto e tema do estudo, utilizando os mesmos critérios de inclusão e exclusão.

Os critérios de exclusão utilizados na busca pelos resumos foram quanto à modalidade de ensino (Educação Infantil, Ensino Fundamental Anos Finais, Ensino Médio, Educação para Jovens e Adultos [EJA] e Ensino Superior), disciplinas que não são de Artes e contextos não escolares. Em relação ao tipo de documento, foram excluídos decretos-lei e documentos governamentais. Em vista do objetivo da pesquisa, não foram considerados estudos de autores e/ou contextos estrangeiros, estudos que realizam apenas revisão bibliográfica e publicações anteriores a 2018.

Os critérios de inclusão estabelecidos após a leitura dos resumos foram: diferentes modalidades da educação artística, como o ensino de música, dança, artes, desenho, artes visuais; utilização de jogos que promovam o desenvolvimento da criatividade; formação docente e práticas pedagógicas; contexto da Sala de Recurso Multifuncional (SRM); e perfis de alunos com deficiência, crianças e adolescentes, incluídos no programa do AEE (deficiências, AH/SD e transtornos globais do desenvolvimento), matriculados nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Foram incluídas apenas pesquisas de autores brasileiros e/ou sobre o contexto do Brasil, publicadas nos últimos 5 anos.

Mediante os critérios estabelecidos e a sistematização de acordo com a metodologia PRISMA (Moher et al., 2015), a Figura 1 apresenta a quantidade de estudos obtidos e removidos nas etapas de seleção para o banco de dados final, desde a eleição de referências potencialmente relevantes, através da leitura dos títulos encontrados nas plataformas citadas, a legibilidade pelo resumo e outras especificidades, até a seleção final dos documentos que serão apresentados e discutidos posteriormente.

Fonte: Elaboração própria

Figura 1 : Processo de seleção de referências nas bases de dados 

Mediante os critérios de inclusão e exclusão, foram selecionados 10 (dez) trabalhos para compor o banco de dados final. A leitura foi realizada durante o mês de dezembro de 2022. Além de discussões que visam compreender a importância do ensino de Artes para os estudantes no contexto da educação inclusiva, os resultados obtidos apresentam possibilidades para análise a respeito das tendências e limitações dos estudos mais recentes sobre o tema.

Resultados e Discussão

Utilizados os critérios de inclusão, o banco de dados dessa pesquisa foi formado pelos estudos apresentados na Tabela 1, indicados com nome completo do(s) autor(es), ano e tipo de publicação, e local das pesquisas. A seleção final é composta por quatro artigos de periódicos científicos, dois Trabalhos de Conclusão de Curso, duas Dissertações de Mestrado e duas Teses de Doutorado, publicadas em 2018 (n=4), 2019 (n=3), 2020 (n=1) e 2021 (n=2). Não foram encontradas pesquisas relevantes no ano de 2022. Em relação ao local onde foram realizados, os estudos se distribuíram: em sua maioria, nas regiões Sul e Sudeste do Brasil (Paraná = 3; Santa Catarina = 1; São Paulo = 3; Rio de Janeiro = 1); posteriormente, nas regiões Norte e Nordeste (Amazonas = 1; Rio Grande do Norte = 1); e não contemplam a Região Centro-Oeste.

Tabela 1 : Estudos selecionados para compor o banco de dados final 

Autor (es) Título Ano Tipo Estado
Michele Aparecida de Almeida Teles de Ataíde O jogo do tabuleiro promovendo enriquecimento curricular para alunos com altas habilidades / superdotação 2021 Dissertação SP
Patrícia Alziro Proscêncio O ensino de dança e a formação colaborativa na perspectiva da inclusão escolar 2021 Tese SP
Ewerson Nascimento da Silva; Danilza de Souza Teixeira; Jadson Justi O ensino de artes visuais para alunos com deficiência visual 2019 Artigo AM
Marcos Vinício Cuba Dança: uma alternativa à inclusão com arte nos anos iniciais do ensino fundamental 2018 TCC PR
Andreia Silva de Melo O jogo pode se transformar em dança: uma intervenção pedagógica inclusiva na escola pública 2020 Dissertação RN
Regina Finck Schambecki; Katheryne Vieira da Luz Dimensões de atuação em contexto inclusivo: a aula de arte mediada pelo segundo professor 2018 Artigo PR
Gabriel Castro Dale Tese A contribuição das artes visuais na escola de educação especial 2019 TCC SC
Mateus Freitas Barreiro; Alonso Bezerra Carvalho; Marta Regina Furlan A arte e o afeto na inclusão escolar: potência e o pensamento não representativo 2018 Artigo SP
Flávia Gurniski Beltrami; Nerli Nonato Ribeiro Mori Arte e Educação Especial: narrativas e criações artísticas 2019 Artigo PR
Karen Ildete Stahl Soler Zaneti A presença da música em salas inclusivas de Arte do ensino fundamental I da rede municipal de Indaiatuba – SP: estudos, observações e propostas 2018 Tese RJ

Fonte: Dados da pesquisa.

SP: São Paulo; AM: Amazonas; PR: Paraná; SC: Santa Catarina; RN: Rio Grande do Norte.

A primeira dissertação, “O jogo do tabuleiro promovendo enriquecimento curricular para alunos com altas habilidades/superdotação” (Ataíde, 2021), teve por objetivo geral desenvolver ações de enriquecimento curricular e avaliar a efetividade da utilização do jogo. Este foi disponibilizado na organização da Sala de Recurso Multifuncional (SRM) do Atendimento Educacional Especializado (AEE), para estudantes com Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD), caracterizados pelos traços de capacidade acima da média, comprometimento com a tarefa e criatividade. Fundamentados no aporte teórico de Joseph Renzulli, os resultados apontam que a SRM organizada por e com profissionais da Educação Especial, com conhecimento das estratégias e dos recursos, pode assegurar o enriquecimento curricular no atendimento aos estudantes com AH/SD. As atividades realizadas no contraturno tiveram por finalidade ofertar novos caminhos para o aprendizado e desenvolvimento das potencialidades e necessidades dos estudantes da Educação Especial.

A tese de Proscêncio (2021), “O ensino de dança e a formação colaborativa na perspectiva da inclusão escolar”, teve por objetivo: identificar o uso da linguagem da dança na rotina de uma professora de Artes, na sala de ensino regular e inclusiva para estudantes com deficiência; e analisar as potencialidades, fragilidades e necessidades da docente no desenvolvimento da unidade temática dança. A autora discorre que a dança, na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), é uma das unidades temáticas do componente curricular Arte, com lugar garantido na escola. Verificou-se que o desenvolvimento de um programa de formação colaborativa e a prática pedagógica assertiva oportunizam a inclusão de estudantes com deficiência no ensino regular.

Os autores da Silva et al. (2019), no artigo “O ensino de artes visuais para alunos com deficiência visual”, têm por objetivo a análise das metodologias do professor que leciona a disciplina de Artes Visuais para estudantes com deficiência visual, em uma escola de uma região periférica do estado do Amazonas. Os resultados indicam que a escola em questão favorece recursos pedagógicos de apoio para a efetivação do ensino e da aprendizagem para o estudante com baixa visão. Em contrapartida, os autores afirmam que o ambiente educacional não oferece nenhum tipo de capacitação ao professor para administrar os materiais pedagógicos disponíveis. Considerando que o princípio das Artes está na subjetividade, a expressão artística contribui no processo de significação, a partir da formação de conceitos e representações, e no desenvolvimento da criatividade, do senso estético e do pensamento crítico. Os elementos visuais auxiliam na formação de conceitos. Entretanto, na ausência da visão, as pessoas podem se beneficiar de outros sentidos para compensar suas limitações. Vale ressaltar que o estudante com deficiência visual possui as mesmas capacidades cognitivas dos demais alunos, desde que se garantam metodologias eficazes, condições de ensino adaptáveis e apoio especializado (da Silva et al., 2019).

O trabalho de conclusão de curso de Cuba (2018) ressalta a necessidade de buscar o aprimoramento, pelo professor de Artes, para se adaptar ao meio social do aluno e tornar-se um facilitador do conhecimento. O estudo intitulado “Dança: uma alternativa à inclusão com arte nos anos iniciais do ensino fundamental” discorreu sobre a contribuição da linguagem da dança como potencial ferramenta de inclusão de estudantes com deficiências nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Os achados do autor alertam sobre a necessidade e importância da formação do professor para atender às demandas inclusivas. Ainda, muitos estudantes com deficiência são excluídos ou apenas colocados como elementos figurativos nas apresentações de dança.

Segundo a PNEE, para atuar no segmento da Educação Inclusiva, o professor deve ter como base da sua formação, inicial e continuada, conhecimentos gerais para o exercício da docência e conhecimentos específicos da área. Essa formação possibilita a sua atuação no atendimento educacional especializado e deve aprofundar o caráter interativo e interdisciplinar da atuação nas salas comuns do ensino regular, nas salas de recursos [...]. (Brasil, 2008, p. 18.)

A dissertação de Melo (2020), “O jogo pode se transformar em dança: uma intervenção pedagógica inclusiva na escola pública”, traz uma reflexão sobre as contribuições do jogo na inclusão escolar dos estudantes com surdez e as possibilidades de práticas pedagógicas nas aulas de dança, no Ensino Fundamental anos finais. A autora concluiu que trabalhar com o conteúdo, de forma inclusiva, permite ampliar as visões intrínsecas dos educandos sobre o modo de perceber o mundo, como também possibilita a descoberta de outros modos de contextualizar a dança a partir das experiências vividas pelos alunos, no decorrer da pesquisa.

A investigação de Schambeck e da Luz (2018), “Dimensões de atuação em contexto inclusivo: a aula de arte mediada pelo segundo professor”, apresenta as relações entre professoras de Artes, segundo professores e estudantes da Educação Especial, com as dificuldades retratadas no AEE de escolas regulares. As autoras buscaram identificar a opinião desses profissionais sobre a prática pedagógica envolvendo a inclusão. Tiveram como resultado ações de parceria entre as duas categorias profissionais envolvidas no processo de inclusão de alunos com deficiência. A análise evidenciou a necessidade de formação inicial e/ou continuada, relacionando aos aspectos que precisam melhorar na busca de um “ideal” para a efetivação da inclusão no contexto analisado.

O estudo realizado por Dale Tese (2019), “A contribuição das artes visuais na escola de educação especial, dialoga sobre a importância das Artes como prática cooperadora na progressão do desenvolvimento humano e potencializadora da liberdade e capacidade de expressão, criatividade, percepção e domínio motor. Adicionalmente, pode contribuir para a ampliação de uma visão estética e autocrítica dos estudantes, em sua singularidade. Foram exploradas a psicomotricidade, coordenação motora fina e habilidades manuais dos alunos, mas para além disso, a sensibilidade estética e a liberdade de pensamento crítico.

O prisma de Barreiro et al. (2018), em “A arte e o afeto na inclusão escolar: potência e o pensamento não representativo”, sob a perspectiva filosófica de Deleuze e Espinosa, pautada no afeto, reflete como o ensino das Artes impulsiona o processo de inclusão escolar. A arte como experiência estética constitui uma forma de ampliar a potência na forma de perceber e viver a vida, uma vez que os afetos são atenuados ou intensificados por e para um olhar diferenciado. Nesse sentido, “a arte amplia o afeto não apenas nos sujeitos considerados possuidores de cultura, mas a apreciação depende de uma percepção sensível e, menos, de um pensamento representativo” (Barreiro et al., 2018, p. 533).

Em relação à aprendizagem, o processo de significação é concebido como algo que exerce uma ação direta sobre a subjetividade, sem a mediação da representação. Porquanto a inclusão escolar tende a ser discutida apenas por uma lógica normativa e tradicional, e não como algo “novo”, que envolve afetos, percepções, sensações e imaginações, a constituição da subjetividade do estudante com deficiência depende da colaboração do ensino formal que favoreça suas demandas naturais, individuais e espontâneas. O “devir deficiente” na escola, retratado por Barreiro et al. (2018), significa que a deficiência está implicada em indivíduos biopsicossociais, vivenciando um “jogo político”, sob olhares estereotipados e sustentados por representações de valores sociais irrefletidos. Além disso, destaca-se a escola como locus principal para o desenvolvimento humano e capaz de sustentar um valor social representativo. A inclusão, nesse contexto, deve estender-se a toda comunidade, contemplando alunos, familiares e profissionais envolvidos, e assim “potencializando a sensibilidade de afetar e de agir entre os pares” (Barreiro et al., 2018, p. 530).

No artigo de Beltrami e Mori (2019), “Arte e Educação Especial: narrativas e criações artísticas”, discute-se a arte como forma de conhecimento e sensibilidade no processo de criação artística na Educação Especial, no contexto da inclusão escolar. Essa pesquisa, fundamentada na teoria Histórico-cultural, buscou evidenciar a arte como fonte de humanização; discutir, de forma breve, o ensino de Artes e Educação Especial no Brasil; destacar a arte popular e a importância das narrativas; e promover encontros mobilizando o processo de criação artística e análise, exemplificando uma produção artística. As autoras defendem a importância do ensino de Artes para o desenvolvimento cognitivo e sensível do estudante, pois este viabiliza a construção do pensamento e um espaço de discussão.

Por fim, em uma pesquisa interventiva, “A presença da música em salas inclusivas de Arte do ensino fundamental I da rede municipal de Indaiatuba – SP: estudos, observações e propostas”, Zaneti (2018) investigou como a música está inserida em classes inclusivas, nas aulas de Artes dos primeiros anos do Ensino Fundamental. A autora pesquisou como ocorre o trabalho dos professores de Artes diante dos conteúdos musicais a serem desenvolvidos, além de ter observado como é o procedimento de inclusão dos estudantes em sala de aula comuns. Os professores buscaram inserir música por meio da ludicidade, permitindo aos alunos conhecer instrumentos novos e descobrir seus respectivos sons. Contudo, o professor deve proporcionar ao estudante explorar esse mundo musical por meio da contextualização, desenvolvendo a prática da diversidade cultural e o respeito mútuo, ampliando o espaço de trocas e experiências cognitivas, motoras e afetivas. A intervenção pedagógica teve como intuito proporcionar aos estudantes, primeiramente, o contato com a música em ambientes escolares inclusivos e, aos professores, um maior entendimento e suporte para o trabalho de ensino musical a ser realizado nesses espaços. A identificação da música por meio das emoções evocou sentimentos e auxiliou no processo de aprendizagem criativa, ressaltando o potencial da música para interação social e expressão artística.

Ao refletirmos sobre a importância da escola no processo de inclusão, nenhum outro espaço será capaz de substituir seu caráter social e de ensino. O ambiente escolar constitui-se um espaço privilegiado para a construção do saber culturalmente constituído (Dale Tese, 2019), ou seja, esse lugar é fundamental para o desenvolvimento de todos os alunos e não deveria ser diferente para os estudantes da Educação Especial. A partir do pressuposto de que a arte é um fenômeno eminentemente humano, o ensino de Artes nas escolas pode proporcionar o desenvolvimento de novos sentidos e significados, em suas dimensões simbólicas, através de linguagens particulares, como dança, música, desenho e outras formas de expressão.

Para fins de síntese quantitativa a respeito da multidisciplinaridade no Ensino de Artes no contexto da Educação Especial, a Figura 2 apresenta o mapeamento dos estudos de acordo com as áreas de conhecimento, considerando temas abordados, modalidades artísticas e objetos de pesquisa. Visto que a totalidade do banco de dados envolve as áreas de Artes e Educação, o foco aqui é a relação dos estudos entre os temas afins, evidenciando a contribuição de legislações e políticas públicas acerca da Educação Inclusiva (n=3), bem como a implementação de diferentes modalidades artísticas (Dança = 3; Artes Visuais = 3; Música = 1) e utilização de jogos (n=2). As pesquisas identificadas nas áreas de Ciências Sociais versam entre Filosofia e Psicologia (n=3), contemplando aspectos cognitivos, afetivos, psicossociais e linguísticos do desenvolvimento humano.

Fonte: Elaboração própria

Figura 2 : Áreas de conhecimento dos estudos selecionados 

Em consonância, os autores afirmam que o ensino das Artes na escola deve propor uma ação educativa, criadora, ativa e centrada no estudante com deficiência, possibilitando a exploração de diferentes manifestações artísticas, como música, artes visuais, dança, teatro e circo. A inclusão da vivência desses alunos na dinâmica pedagógica favorece o seu processo de subjetivação. E sob influência da Teoria Histórico-Cultural (Vigotski, 2014), a expressão artística contribui significativamente para o desenvolvimento e a aprendizagem dos estudantes da Educação Especial, por meio da formação de novos conhecimentos culturais e a contextualização com a própria realidade.

No entanto, a disciplina de Artes não é trabalhada de forma assertiva e crítica na escola. Alguns professores não possuem afinidade com o conteúdo ou conhecimento sobre o componente curricular Artes (da Silva et al., 2019). Ao apontar as respostas positivas dos estudantes quanto à utilização das Artes, os autores ressaltam a importância e necessidade de formação continuada da comunidade docente que atua na Educação Especial. O conjunto inclui gestão escolar, professores, psicólogos e monitores responsáveis pela inclusão dos alunos com deficiência, que devem ter formação continuada para atender demandas escolares específicas e assegurar o aprendizado desses estudantes, sob o auxílio de práticas de ensino inclusivas (da Silva et al., 2019; Cuba, 2018; Schambeck & da Luz, 2018; Melo, 2020), intervenções pedagógicas (Beltrami & Mori, 2019; Zaneti, 2018), formação colaborativa (Proscêncio, 2021) e enriquecimento curricular (Ataíde, 2021), por exemplo.

Em relação ao perfil dos estudantes da Educação Especial, metade das pesquisas selecionadas não teve como objetivo principal a distinção das características dos alunos. Contudo, foram delineados os perfis dos participantes citados na metodologia dos estudos de Barreiro et al. (2018), Beltrami e Mori (2019) e Zaneti (2018). Alguns apresentavam comorbidades. Em vista disso, foram considerados separadamente os perfis de deficiências citados nas pesquisas. Estudantes da Educação Especial mais abrangidos pelos estudos foram alunos com Deficiência Intelectual (n=3), seguido por Altas Habilidades/Superdotação (n=2) e, em menor frequência, alunos com Transtorno do Espectro Autista (n=1) e com Deficiência Física (n=1), Auditiva (n=1) e Deficiência Visual (n=1).

O conhecimento do perfil do estudante é um guia importante para os profissionais da educação que atuam no processo de ensino-aprendizagem da pessoa com deficiência, visando o respeito às limitações e potencialidades de cada indivíduo. Nesse cenário, pessoas com mobilidade reduzida, TEA e AH/SD têm sido os principais focos de pesquisas empíricas na área de educação, porque foram historicamente privadas de participação tanto nas redes de ensino quanto nas empresas. Principalmente por estarem associadas a um estigma de “anormalidade”, o processo discriminatório e a exclusão são acentuados.

A educação inclusiva, de modo geral, ainda é um grande desafio a ser encarado atualmente. A partir da década de 1990, a UNESCO (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura) passou a considerar a inclusão dos estudantes da Educação Especial em salas de ensino regular e nas flexibilizações curriculares das escolas, no intuito de respeitar as dificuldades e assegurar o desenvolvimento e a aprendizagem das pessoas com deficiência (Sarton & Smith, 2018).

Esse movimento inclusivo orienta o acesso à aprendizagem e permanência desses alunos, cujo processo deve ser contínuo, integrado e dinâmico; oferece oportunidades significativas de aprendizado a todos os alunos do sistema de ensino regular; e permite que crianças, com e sem deficiência, interajam com colegas e educadores, e frequentem as mesmas aulas apropriadas para o desenvolvimento individual, na escola local e com apoio adicional personalizado. Fundamentada na origem dos direitos humanos e das pessoas com deficiência no Brasil (Lorentz, 2016), a proposta de uma educação inclusiva também foi marcada por quatro fases importantes: exclusão, segregação, integração e inclusão.

A história da construção dos direitos humanos e dos direitos das pessoas com deficiência compreende quatro fases: eliminação, assistencialismo, integração e inclusão. A orientação de cada uma das fases decorria do contexto histórico e da cultura social estabelecida, sob a política eugenista na fase de eliminação, a carência de cuidados médicos e sociais na fase do assistencialismo, a tolerância social na fase da integração e a inserção social representando a fase da inclusão (Lorentz, 2016; Piovesan, 2022). As fases, contudo, não são absolutamente divididas ao longo da história, mas marcadas pela preponderância de uma sobre as outras, considerando-se avanços e retrocessos. Assim sendo, a fase da inclusão social das pessoas com deficiência é a que melhor contempla a efetivação dos direitos humanos, uma vez que as políticas públicas, expressas nas mais diversas ações afirmativas, tiram as pessoas com deficiência da condição de sujeitos passivos, carecedores de assistência, para o patamar de sujeitos titulares de direitos e protagonistas do próprio desenvolvimento (Lorentz, 2016).

A priori, os direitos humanos não são um dado, como pretenderam a ideia universal e imutável de justiça, mas um constructo, uma invenção humana em constante processo de construção e reconstrução. Piovesan (2022) aponta que a luta pela universalização pelos direitos revela a dificuldade de sua consolidação, visto que esse processo estava sendo realizado por intermédio de exclusões e segmentações. Na condição de reivindicações morais, os direitos são fruto de um espaço simbólico de luta e ação social na busca por dignidade humana, o que compõe um construído axiológico emancipatório. A relação complementar entre Educação Especial e Educação de Direitos Humanos é essencial para o exercício da cidadania de pessoas com deficiência, pois combatem o preconceito e a exclusão, promovem consciência de direitos humanos para todos os sujeitos envolvidos com a educação inclusiva e proporcionam espaços de empoderamento.

A partir dos resultados das pesquisas apresentadas, verifica-se que o ensino das Artes, seja na escola inclusiva de ensino regular ou no Atendimento Educacional Especializado, oportuniza uma resposta criativa aos estudantes e a ocorrência da integralidade entre desenvolvimento cognitivo, afetividade e comunicação, elementos importantes para o processo de ensino-aprendizagem e saúde mental de todos os indivíduos (Vigotski, 2014; Oliveira & Lima, 2017). Trabalhar os conteúdos artísticos, com intencionalidade e de forma inclusiva, permite ampliar as visões intrínsecas dos estudantes com deficiência sobre a autopercepção no mundo, ao contextualizar suas experiências vividas. Sob esse alicerce, identificou-se a correlação e indissociabilidade entre duas principais categorias temáticas: 1) Criatividade e Estética e 2) Corpo, Linguagem e Afeto.

A primeira categoria relaciona os elementos artísticos ao desenvolvimento da capacidade criativa dos alunos com deficiência. Ela enfatiza a necessidade de implementar referências de artistas com novas possibilidades de fazer arte, para que o estudante seja impulsionado ao seu potencial criador (Beltrami & Mori, 2019). Isso pode ocorrer mediante a aplicação de jogos direcionados (Ataíde, 2021; Melo, 2020) e ensino de diferentes modalidades artísticas, pois:

Independentemente de que não haja uma definição estipulada da capacidade inerente ou de que modo as aplicações das artes implicam no desenvolvimento dos indivíduos e no seu ensino-aprendizagem, fica explícito que as artes nascem em cada indivíduo, sendo uma parte deste ao colorir, movimentar e alegrar a sua existência. (Dale Tese, 2019, p. 74)

Paralelamente, em Oliveira e Lima (2017), “quando se aborda a criatividade, remete-se diretamente à imaginação, acentuando que esta é detentora de um lugar central no processo de criação humana” (p. 1401). Os autores apontam o ensino da Artes como uma oportunidade para o estudante realizar trocas subjetivas e compartilhamento de novas experiências, sob influência do componente afetivo para o desenvolvimento da criatividade. Portanto, deve ser considerada a compleição afetiva, social e política da educação, na qual todas as crianças e adolescentes, independentemente da origem familiar, social ou étnica, têm direito igual ao desenvolvimento e aprendizagem. No entanto, a escola insiste em tratar o estudante com deficiência como um ser passivo, no próprio processo de formação, limitando a fluidez na expressão de movimentos, emoções e pensamentos essenciais para a subjetivação do indivíduo.

A categoria Corpo, Linguagem e Afeto é caracterizada pelos aspectos cognitivo-motores, linguísticos e psicossociais na aprendizagem artística dos estudantes da educação especial. Ressalta-se a importância do ensino de Artes para o desenvolvimento cognitivo e sensível do aluno, viabilizando a construção do pensamento e de espaços para discussões (Beltrami & Mori, 2019). Por intermédio das expressões artísticas, o aluno explora sua subjetividade e a externaliza, fortalece sua autoestima e autonomia, e assegura o desenvolvimento socioeducacional, através dos diferentes modelos de comunicação, autoafirmação e socialização (Dale Tese, 2019). Dessa forma, a apreciação da Arte pode contribuir para o desenvolvimento afetivo e não depende apenas de um pensamento representativo, mas também de uma percepção sensível (Barreiro et al., 2018).

Portanto, a afetividade, fator imprescindível nas artes, é também um caminho para incluir qualquer educando no ambiente escolar. A diferença é entendida como a especificidade de cada um, em seus múltiplos e complexos comportamentos. É entendida ainda como a diferença, como o vivido de cada um, em sua realidade social e cultural. Não menos importante, a permanência do educando na escola depende da aceitação, motivação e autoconfiança que ele percebe quando entra no ambiente escolar. Esses fatores, entre tantos outros, podem facilitar a permanência e a aprendizagem. O domínio afetivo possibilita que o desenvolvimento das relações afetivas dirija o comportamento dos educandos no sentido do compromisso com a própria aprendizagem.

O estudo realizado propiciou uma reflexão da fundamental necessidade de se repensar a valorização da disciplina de Artes no espaço escolar, pois a Escola deve reconhecer a disciplina de Artes como um rico campo de conhecimento, tão importante quanto os outros que compõem a grade curricular. Permitiu refletir sobre a necessidade de encaixar o ser humano na sociedade, proporcionar o processo de criação, desenvolver a criatividade e o raciocínio, ampliar o pensamento e a capacidade de resolução de problemas em situações sociais e cotidianas. Como resultado, ficou indicado que o indivíduo em contato com a arte amplia suas chances de se apropriar do seu lugar na sociedade, valorizar a identidade e autoestima com descobertas e afirmar sua capacidade individual.

Considerações

Este artigo de revisão sistemática teve como objetivo analisar os estudos nacionais mais recentes sobre como o ensino da disciplina de Artes beneficia a aprendizagem, o desenvolvimento e as relações sociais dos estudantes da Educação Especial no ambiente escolar, seja na sala comum ou na Sala de Recursos Multifuncionais (SRM) do Atendimento Educacional Especializado (AEE). O movimento da Educação Especial na perspectiva da educação inclusiva visa garantir acesso, permanência e aprendizagem para os estudantes com deficiência, em um processo dinâmico e contínuo, ao mesmo tempo. Pensar no ensino de Artes como integrante fundamental do ato educativo pode ser algo desafiador e provoca uma ressignificação das práticas pedagógicas, como apontam os estudos.

O ensino de Artes abrange várias temáticas e modalidades; possibilita o desenvolvimento do pensamento crítico e reflexivo, potencial criativo, percepção sensível, movimentos dos corpos, linguagens e afetos; e promove o respeito à diversidade cultural, em um contexto influenciado por interações sociais. No âmbito escolar, a arte pode estar presente por meio da dança, teatro, música, jogos, desenho entre outras formas de expressão capazes de contribuir na relação entre o indivíduo e o coletivo, no processo de formação de conhecimento.

A compreensão da importância do ensino de Artes pode colocar o professor em uma posição de transformação constante e a escola, como espaço privilegiado de formação humana, ao ofertar vivências que favoreçam a criatividade, o desenvolvimento afetivo e a capacidade reflexão crítica dos estudantes. O ensino das Artes na Educação Especial, por sua vez, precisa estar ainda mais articulado com a própria condição do indivíduo na sociedade e, em sua forma ampla, pode ser realizado com formação docente específica, materiais pedagógicos adequados, apoio especializado e políticas públicas que se efetivem.

Porém, mesmo diante da importância do ensino de Artes na escola, ocorre um descompasso entre a teoria e a prática pedagógica abordada por grande parte dos profissionais da educação. Percebe-se, pelos resultados das pesquisas, que as atividades de Artes, principalmente para estudantes do AEE, são tidas como passatempo, e a prática pedagógica nem sempre propõe uma reflexão sobre o sentido do ensino dessa disciplina no ambiente escolar. Desatentos aos múltiplos aspectos do processo de aprendizagem e desenvolvimento dos estudantes e sem formação específica para se posicionar, muitos professores propõem atividades desvinculadas do saber artístico. Em alguns casos, faltam espaços físicos adequados e recursos pedagógicos para a realização de algumas atividades artísticas.

Ademais, os estudos apontam a necessidade de formação continuada para os profissionais envolvidos no processo de ensino-aprendizagem dos estudantes da Educação Especial. Os professores devem trabalhar visando a inserção do ensino de Artes de forma dinâmica, flexível e interacional entre professor e estudante; a conscientização e respeito das limitações e potencialidades individuais; e o protagonismo estudantil na vivência escolar. Dessa forma, a fim de que se possa embasar um programa de intervenções psicopedagógicas, formação colaborativa e gestão escolar inclusiva, tornam-se necessárias pesquisas brasileiras mais recentes, relacionadas ao Atendimento Educacional Especializado para cada perfil de estudantes, juntamente com as leis e diretrizes vigentes.

De acordo com a distribuição geográfica dos estudos recuperados, há uma lacuna de pesquisas sobre como ocorre o ensino de Artes na Região Centro-Oeste do Brasil, considerando a cultura e políticas públicas regionais direcionadas à educação inclusiva, e uma amostra insuficiente para representar as regiões Norte e Nordeste. Os alunos participantes dos estudos eram crianças e adolescentes matriculados nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Nesse sentido, encontra-se a necessidade e possibilidade para futuras análises de como ocorre a inclusão da Educação Especial no ensino de Artes e em outras disciplinas para jovens e adultos, e também para anos letivos posteriores, considerando a processualidade do ensino, o cotidiano escolar e a relação da família com a escola.

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Trabalho realizado no Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Escolar, do Instituto de Psicologia, da Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil.

Recebido: 16 de Fevereiro de 2023; Aceito: 29 de Junho de 2023

Correspondência: Mariane Dara Lopes Oliveira Rua General Poli Coelho, Quadra 24, Lote 11 A – Vila São Jorge – povoado de Olhos d’Água– Alexânia, GO, Brasil – CEP 72935-000 E-mail: marianedara03@gmail.com

Conflito de interesses: Os autores declaram não haver.

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