Introdução
A Educação Inclusiva é compreendida como o processo de inclusão das pessoas com deficiência ou de distúrbios de aprendizagem na rede regular de ensino em todos os seus segmentos. Neste estudo, apresentamos a importância do atendimento educacional especializado como recurso educacional indispensável nesta proposta inclusiva.
Para uma Educação Inclusiva, faz-se necessário apresentar propostas pedagógicas que envolvam a família e a sociedade no desenvolvimento de atividades que possibilitem ao aluno com deficiência uma autonomia e independência (dentro dos seus limites) em relação aos outros indivíduos. Isto quer dizer, aquisição da leitura, da escrita, do cálculo e demais conteúdos escolares, bem como de todos os conhecimentos acessíveis a sua condição cognitiva. Segundo Mantoan (1997 , p. 68), “cabe à escola encontrar respostas educativas para as necessidades de seus alunos”.
Neste trabalho enfatizaremos a alfabetização de crianças com deficiência intelectual a partir do Atendimento Educacional Especializado (AEE), sem o compromisso de sistematizar noções de leitura, escrita e quantificação.
Percebemos ao longo do trabalho que o convívio com outras crianças não deficientes, num ambiente socioeducacional inclusivo, torna-se uma condição primordial para facilitar a aprendizagem e o desenvolvimento da criança com deficiência intelectual, através de ações estrategicamente planejadas e da compreensão do processo de aprendizagem e do seu desenvolvimento.
Fundamentos legais da Educação Inclusiva
A Educação Inclusiva pode ser identificada a partir do primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), no qual todos os países signatários reconhecem que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”, enfatizando que os valores da liberdade e da igualdade como fundamentos de uma visão social que respeita as diferenças.
Tomando por base o exposto acima, percebemos que o princípio da inclusão defende que a sociedade deve fornecer as condições para que todas as pessoas tenham a possibilidade de se tornarem agentes ativos em seu meio. Para que isto ocorra, devemos pensar numa reestruturação da sociedade, em que a pessoa com deficiência possa inserir-se em qualquer ambiente, ou seja, em todos os aspectos da vida do sujeito.
Ao contrário do que se pensa, onde o aluno deve se adequar à escola; na perspectiva da inclusão é a escola que deve se ajustar às necessidades de seus alunos. Conhecendo-os individualmente, respeitando sua potencialidade e suprindo as suas necessidades com qualidade pedagógica.
Existem marcos legais internacionais que sustentam a Educação Inclusiva no mundo, a saber: Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), que cita em seu artigo 7° que “todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual proteção da lei [...]”; Declaração de Jomtien (1990), que estabelece que todas as pessoas devem ter acesso à educação e satisfação das suas necessidades básicas de aprendizagem; Declaração de Salamanca (1994), que teve como objeto de discussão em sua conferência a atenção educacional aos alunos com necessidades educacionais especiais; e a Convenção da Guatemala (1999), que aprovou a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, ficando estabelecido que as pessoas com deficiência têm os mesmos direitos humanos e liberdades fundamentais que outras pessoas.
Em relação ao território brasileiro, a inclusão tomou impulso após a Declaração de Salamanca (1994) e com a promulgação da LDBEN (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) nº 9.394/96, e atualmente através da Lei 13.146/2015, conhecida por “Lei da Inclusão”, que estabelece parâmetros nacionais na proposição da inclusão da pessoa com deficiência. Portanto, a sociedade brasileira tem elaborado instrumentos que orientam políticas públicas e práticas sociais que contemplem o ideal de sociedade igual para todos.
Vejamos mais alguns documentos que sustentam legalmente a Educação Inclusiva no Brasil: Constituição Federal (1988), que garante em seu artigo 208, inciso III, o “atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”; Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), que garante no artigo 54 “atendimento educacional especializado para os portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”; Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996), que obriga ao município oferecer e implantar a educação inclusiva no âmbito da Educação Infantil e Fundamental; Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (1999), que compreende o conjunto de orientações normativas que objetivam assegurar o pleno exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de deficiência; Plano Nacional de Educação (2001), que estabelece os padrões mínimos de infraestrutura das escolas para o atendimento de alunos com necessidades educacionais especiais e garante a formação inicial e continuada dos professores para atendimento às necessidades dos alunos; Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (2001), que reafirmam o compromisso do país com “o desafio de construir coletivamente as condições para atender bem à diversidade de seus alunos”.
Sendo assim, e tendo como referencial toda a legislação apresentada, concluímos que a escola inclusiva deve preocupar-se com a garantia da qualidade de ensino para cada um de seus alunos, reconhecendo e respeitando a diversidade, procurando oferecer atividades de acordo com suas potencialidades e necessidades. Neste sentido, para os alunos com deficiência, surge como suporte educacional o Atendimento Educacional Especializado.
O Atendimento Educacional Especializado - AEE
Segundo Batista e Mantoan (2006) , a imprecisão do conceito de deficiência trouxe consequências para se esclarecer esse tipo de atendimento nas escolas comuns e especiais. O AEE1 se trata de uma intervenção específica no processo de ensino-aprendizagem da criança com deficiência intelectual e, não meramente uma técnica educacional complementar ao saber escolar.
No atendimento educacional especializado, o aluno constrói conhecimento para si mesmo, o que é fundamental para que consiga alcançar o conhecimento acadêmico. Aqui, ele não depende de uma avaliação externa, calcada na evolução do conhecimento acadêmico, mas de novos parâmetros relativos as suas conquistas diante do desafio da construção do conhecimento. ( Batista & Mantoan, 2006 , pp. 22-23)
A sociedade impõe limitações ao aluno com deficiência quando diz que o mesmo é incapaz de aprender. Desta forma, deixa de perceber que este aluno tem experiências diversas e é capaz de aprender e de expor um conhecimento. Neste contexto, é que o AEE apresenta como objetivo:
Propiciar condições e liberdade para que o aluno com deficiência mental possa construir a sua inteligência, dentro do quadro de recursos intelectuais que lhe é disponível, tornando-se agente capaz de produzir significado/conhecimento. ( Mantoan, 1997 , p. 25)
A criança com deficiência necessita de um ambiente de aprendizagem que propicie o desenvolvimento de suas capacidades, tirando-lhe da posição passiva e receptora de conhecimento, tendenciosa do ensino regular. Para que isto ocorra, devemos oferecer para estes alunos2 :
Ambientes de aula que favoreçam a aprendizagem, tais como: atelier, cantinhos, oficinas, etc.;
Desenvolvimento de habilidades adaptativas: sociais e de comunicação;
Desenvolvimento de hábitos de cuidado pessoal e autonomia.
Pelo exposto, apresentamos a seguir o significado de Educação Especial e de Atendimento Educacional Especializado para que ações educativas sejam elaboradas para atender aos alunos com deficiência:
A Educação Especial é definida, a partir da LDBEN 9.394/96, como uma modalidade de educação escolar que permeia todas as etapas e níveis de ensino. Esta definição permite desvincular “educação especial” de “escola especial”. Permite, também, tomar a Educação Especial como um recurso que beneficia a todos os educandos e que atravessa o trabalho do professor com toda a diversidade que constitui o seu grupo de alunos3 .
O Atendimento Educacional Especializado decorre de uma nova concepção da Educação Especial, sustentada legalmente, e é uma das condições para o sucesso da inclusão escolar dos alunos com deficiência. Esse atendimento existe para que os alunos possam aprender o que é diferente dos conteúdos curriculares do ensino comum e que é necessário para que possam ultrapassar as barreiras impostas pela deficiência4 .
Numa proposta de Educação Inclusiva , recomenda-se que todos os indivíduos com deficiência sejam matriculados em turma regular, o que se baseia no princípio de educação para todos. Frente a esse novo paradigma educativo, a escola deve ser definida como uma instituição social que tem por obrigação atender todas as crianças, sem exceção.
Educação, Psicologia, Direitos Sociais e Intersetorialidade
Sobre a natureza e a especificidade da educação
Nos estudos da Pedagogia Histórico-Crítica, Dermeval Saviani (2011) afirma que a compreensão da natureza da educação passa pela compreensão da natureza humana e que o trabalho é o diferencial do ser humano em relação aos outros animais. Assim, temos como objeto da educação a identificação dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos para que se tornem humanos, sendo necessário descobrir as formas mais adequadas para atingir esse objetivo.
É importante dizer que a sistematização das questões culturais e eruditas é replicada nos conhecimentos disseminados pela escola, visto que a mesma tem um papel importante na socialização do saber sistematizado e que tudo o que a escola faz pode ser considerado como currículo. Interessante entender que currículo não é apenas o conhecimento clássico a ser difundido, mas todas as atividades que são realizadas pela escola que contemplam a diversidade do grupo social que a frequenta.
A atividade nuclear da escola se configura na transmissão dos instrumentos de acesso ao saber elaborado, posto que eles são primordiais para a manutenção e reprodução da sociedade. Para Saviani (2011) , é o fim a atingir que determina os métodos e processos de ensino-aprendizagem. Nesta discussão, ele apresenta uma discordância com a Escola Nova que classificou toda transmissão de conteúdo como mecânica e anticriativa, dessa forma, seria uma maneira errada de pensar que a criatividade estivesse alijada pelo acúmulo de conhecimento.
Para Saviani, a liberdade só será atingida quando os atos forem dominados no momento em que os mecanismos forem fixados, daí a importância da alfabetização para se apropriar dos novos conhecimentos. O processo de alfabetização é longo, mas necessário à aquisição dos elementos e signos básicos de aprendizagem do sujeito na sociedade ao qual está inserido. Nesse prisma, o objeto de aprendizagem se converte numa segunda natureza que não se concebe imaginar o ser humano desprovido dessa natureza de ler e escrever, visto que é pela mediação da escola que acontece a passagem do saber espontâneo ao saber sistematizado, da cultura popular à cultura erudita.
Deparamo-nos com um movimento dialético com acréscimo e exclusão de algumas determinações. Esse movimento é dialético porque se entrelaça em todas as relações sociais vivenciadas pelo homem na sociedade que levam a sua construção e desconstrução de paradigmas e referenciais ao longo do tempo. Saviani afirma que a natureza da educação é um trabalho não material cujo produto não se separa da produção direcionada a formação da humanidade como segunda natureza, que ocorre através das relações pedagógicas travadas historicamente entre os homens.
A psicologia e suas repercussões na educação
A psicologia participa dos acontecimentos políticos, econômicos, ideológicos e culturais tendo em vista as várias direções do processo educativo devido a existência de diferentes concepções de desenvolvimento psicológico. As orientações filosófico-epistemológica são muito importantes para a compreensão: objetivismo, subjetivismo, interacionismo e a perspectiva histórico cultural ( Scalcon, 2002 ).
O objetivismo traz a perspectiva de essência do mundo e é determinada por um espírito divino, não humano, numa perspectiva platônica. O marco para finalizar o caráter especulativo da psicologia foi 1879 com Wundt no primeiro laboratório que traz uma evolução histórica da psicologia e seus teóricos. Nesse contexto o behaviorismo substituiu a consciência como objeto da psicologia para o comportamento a partir de Dewey na educação por ser controlável, observável e previsível.
No século XIX a sociedade capitalista emergente demonstrou interesse pelo estudo do comportamento humano e a psicologia como ciência instrumental é vista com o propósito de promover a equalização social, a exemplo da Psicologia do Trabalho e a Psicologia Escolar. Contudo, ficou a serviço da divisão social em classe, justificando-as (testes, psicometria) e, assim, a educação usou esse viés para explicar as diferenças no rendimento escolar.
O subjetivismo afirma que a consciência humana é resultado das sensações subjetivas, conforme dito por Marx e Engels “não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência” ( Marx & Engels, 2007 , p. 94). Com essa corrente, temos a Escola Nova, que busca respeitar a personalidade da criança e, assim, formar um homem ativo e produtivo e, nessa linha, temos a Escola Tecnicista nos moldes behavioristas, que buscava o controle do comportamento para manter a ordem política, econômica e cultural.
Na visão do interacionismo, que tem como precursor Jean Piaget, nos deparamos com sua epistemologia genética, que colocou em questão como crescem e evoluem os conhecimentos. Com estas ideias, afirmou que é da interação entre sujeito e objeto que se resulta o conhecimento mediado sempre pela ação humana, assim, aprender é uma construção ativa e não só memorização. Essa perspectiva teórica não levou em conta os fatores socioculturais na formação da consciência.
Na corrente da perspectiva histórico cultural, que tem como teóricos Vigotski, Luria e Leontiev, ocorre a influência da psicologia russa pós-revolucionária e traz uma contraposição tanto ao reducionismo biológico como ao condutismo mecanicista. Na preocupação em produzir uma psicologia da relevância para a educação e a prática médica é que se funda a Psicologia Histórico-Cultural. Esta psicologia parte do social para o individual em que o conhecimento é construído na interação sujeito-objeto a partir de ações socialmente mediadas, daí o seu conceito central: mediação. Vigotski apresenta os signos como representação da realidade, visto que a relação entre as pessoas é medida por sistemas simbólicos que são básicos e controladores da atividade psicológica através da linguagem. Nesse contexto a prática pedagógica é vista como prática social.
Uma interface da Psicologia Histórico-Cultural e a Pedagogia Histórico-Crítica
Na Pedagogia Histórico-Crítica o fundamento epistemológico é o materialismo histórico-dialético em oposição ao idealismo de Hegel, em que Marx traz o conceito de que a realidade é que determina a consciência que retrata a visão materialista da sociedade. Nesta abordagem a realidade humana é vista como realidade concreta e como síntese de múltiplas determinações, ou seja, o homem é essencialmente social em sua natureza.
A Psicologia Histórico-Cultural tem no ensino escolarizado um instrumento mediador das relações entre a criança e o mundo, entre a aprendizagem e o desenvolvimento, que como tal se materializa pela intervenção pedagógica. Esta teoria é muito preocupada com o homem omnilateral-integral e, por ser uma teoria pedagógica voltada para o todo orgânico, fica difícil apresentar o que é central ou periférico. Assim, o método de ensino baseia-se na concepção dialética da ciência, trajetória essa a ser percorrida.
Segundo Scalcon (2002) , o elemento central da pedagogia histórica crítica é o saber objetivo produzido historicamente e tem na zona de desenvolvimento proximal o elemento teórico fundamental da prática social, sendo este o seu ponto de partida e de chegada. A psicologia é fundamental para a pedagogia no momento em que analisa, explica e descreve o processo do desenvolvimento cognitivo das crianças através das suas funções psicológicas superiores. Dessa forma, podemos afirmar que a base psicológica da Pedagogia Histórico-Crítica é a própria Psicologia Histórico-Cultural, alicerçada no pensamento de Saviani e Vigotsky.
Direitos sociais, direitos humanos
O estudo dos direitos humanos promove muitos debates na sociedade, tendo em vista a sua luta pelos direitos sociais e fundamentais do indivíduo. Segundo Bobbio (1992) , os direitos humanos são direitos históricos que surgem a partir das batalhas travadas pelo homem em decorrência de sua própria emancipação e das transformações que estas lutas proporcionam. Por isso, compreender a garantia de direitos na sociedade brasileira é importante para perceber o trilhar da construção de sua cidadania, assim, é exposto o panorama social e político na luta por aquisição de direitos fundamentais e as legislações reforçadoras da manutenção destes direitos.
A abertura política brasileira ao final do período militar garantiu a restituição dos direitos políticos e civis que outrora foram suspensos. Contudo, apenas uma parte da população composta dos mais ricos e bem escolarizada foi beneficiada. “A forte urbanização favoreceu os direitos políticos, mas levou à formação de metrópoles com grande concentração de populações marginalizadas” ( Carvalho, 2012 , p. 194).
No Brasil existe uma grande valorização do Poder Executivo que, segundo Carvalho (2012) , é decorrente dos direitos sociais terem sido implantados em períodos ditatoriais. Assim, o povo fica em busca de um messias político ou “salvador da pátria”. Esta forma de pensar enfraquece o Legislativo, que passa a ter um papel coadjuvante no estabelecimento da democracia e construção dos direitos sociais.
Com a dificuldade de compreensão do “fazer democrático”, a população necessita de ações localizadas e emergentes do poder público no que tange à resolução de problemas relacionados à saúde, educação e segurança. A promulgação de leis que garantem a inclusão de pessoas com deficiência em todas as esferas sociais busca garantir o cumprimento da Constituição Cidadã de 1988 que informa: “todos são iguais perante a Lei”. Contudo, por questões culturais e históricas a sociedade precisa ser orientada a respeitar esta norma e direcionar que, apenas através de políticas públicas que as contemplem, é que as pessoas podem desfrutar de um alvorecer democrático e defensor da democracia que promova a igualdade de direitos e o respeito à dignidade humana; já garantido outrora na Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948).
Quando se trata de direitos e garantias fundamentais, é preciso compreender que existem diferenças entre direitos e garantias. Os direitos são facultativos e juridicamente falando, estão à disposição das pessoas físicas ou jurídicas; contudo, as garantias se tratam de instrumentos colocados à disposição das pessoas para assegurar o uso, o gozo e a fruição dos direitos ( Chagas, 2014 ).
Neste diálogo de garantia de direitos, torna-se importante destacar as características do Artigo 5º da Constituição Federal: imprescritibilidade, inalienabilidade, irrenunciabilidade, inviolabilidade, universalidade, efetividade, interdependência e complementariedade. Neste estudo, será provocada a irrenunciabilidade . Esta característica revela que nenhuma pessoa pode abrir mão dos direitos e das garantias, embora, em alguns casos, pode existir a desistência ( Chagas, 2014 ).
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinções de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade, nos termos seguintes: [...]
VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta a recuar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
XXI – as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, tem legitimidade para representar seus filiados judiciais ou extrajudicialmente ( Chagas, 2014 , pp. 69-71).
Segundo Barroso (2009) , uma das primeiras causas da judicialização no Brasil foi o processo de redemocratização; este acontecimento histórico transformou o judiciário de um departamento técnico-especializado para um verdadeiro poder político. Esta transformação fortaleceu o Judiciário e o colocou mais próximo da sociedade no que se refere à cobrança de justiça social, muitas vezes negligenciada por parte das políticas públicas governamentais ou por questões privadas.
Para que as políticas públicas para as pessoas com deficiência sejam eficientes e eficazes, torna-se necessário pensar na intersetorialidade como uma atitude capaz de minimizar a burocracia na aquisição de serviços públicos. Sugere-se a intersetorialidade, pois no caso em questão trata-se de educação e neste campo do conhecimento a melhor metodologia que produz efeito satisfatório no educando é a interdisciplinaridade, em que o campo de conhecimento é visto integrado aos demais e não isoladamente. Assim, pensar a intersetorialidade permite inferir que o indivíduo será compreendido em sua totalidade posto que, para a resolução de algumas demandas, faz-se necessário o apoio e empenho de diversos setores públicos para a resolução eficaz do problema apresentado. É preciso trabalhar em rede.
Não há interdisciplinaridade sem descentralização do poder e a mesma tem por objetivo um trabalho coletivo e solidário ( Assmann, 1998 ). Também, neste mesmo prisma, devemos pensar a intersetorialidade. Visto que o agravamento da pobreza e das desigualdades sociais em decorrência da fragilidade do sistema brasileiro de proteção social faz emergir a intersetorialidade como protagonista da política social contemporânea ( Monnerat & Souza, 2014 ).
Efetivamente, a concepção de intersetorialidade vincula-se primariamente À discussão de interdisciplinaridade que, por ser mais antiga e com maior produção bibliográfica, lhe serve de referência. Daí a importância da explicitação dos principais traços da interdisciplinaridade como o paradigma epistemologicamente mais trabalhado, embora não esgotado, da concertação de saberes com vista ao conhecimento mais denso e abrangente de realidades complexas. ( Pereira, 2014 , p. 27)
O Governo Federal apresenta na atualidade alguns programas oficiais com desenho intersetorial, a exemplo do Programa de Saúde da Família e o Programa Bolsa Família. Todos estes programas procuram uma articulação intersetorial entre os diferentes setores responsáveis pela promoção das políticas sociais e públicas nos estados da federação através do diálogo político.
Não é exagero afirmar que o foco da intersetorialidade no Bolsa Família se restringe a indução da articulação entre as três principais áreas de política social, quais sejam: saúde, educação e assistência social, uma vez que a cobrança de condicionalidades está relacionada à frequência escolar, à adesão aos serviços da unidade básica de saúde e a forte presença da assistência social ocorre em razão de ser a política que coordena o Programa, considerado nos documentos oficiais como intersetorial. ( Monnerat & Souza, 2014 , p. 45)
Quando se trata do Programa de Saúde da Família, o Ministério da Saúde orienta que a sua atuação deve ser intersetorial através das parcerias firmadas com diversos segmentos sociais e institucionais. Contudo, o maior impasse é “a persistência da concepção endógena prevalente no campo da saúde e que se expressa na prática de seus profissionais” ( Monnerat & Souza, 2014 , p. 44). Apresenta-se neste ponto a dificuldade do programa em manter um profissional médico fixo na equipe multiprofissional de saúde da família, em decorrência da insistência do paradigma biológico que enfraquece a percepção do agravo à saúde em decorrência das condições de vida dos indivíduos, família e comunidade.
Segundo Machado (2008) , trabalhar na perspectiva da intersetorialidade possibilita a abertura de um espaço de diálogos e negociações de conflitos. O mundo vem passando por várias transformações e cada vez mais surge a necessidade de trabalhar com ações articuladas em prol da resolução/encaminhamento dos problemas sociais da população.
A intersetorialidade envolve a expectativa de maior capacidade de resolver situações, de efetividade e de eficácia, pois, em todas as experiências reconhece-se claramente que ela se constrói sobre a necessidade das pessoas e setores de enfrentar problemas concretos. São as questões concretas que mobilizam as pessoas; são elas que criam o espaço possível de interação e de ação. ( Machado, 2008 , p. 3)
Na Lei 8.080/90 do SUS, percebe-se a intersetorialidade quando se articulam ações da saúde com a política social. Temos como exemplo: o Programa de Saúde da Família (citado anteriormente) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde, que são considerados estratégias de atenção básica da saúde e que servem de acesso ao SUS. A equipe de saúde da família age de forma intersetorial quando estabelece parcerias com diversos segmentos sociais e institucionais com o propósito de intervir e direcionar ações junto às famílias e comunidade assistidas pelo programa.
O Ministério do Desenvolvimento Social, através do Programa Bolsa Família, busca acabar com a fragmentação da intervenção do Estado na área social; este programa carrega um viés de intersetorialidade muito evidente quando articula ações entre a escola, saúde e assistência social. Percebe-se que ao longo do tempo algumas famílias saíram da situação de miséria e alcançaram espaço na sociedade capitalista.
Vale sinalizar que a assistência social precisa ser fortalecida em alguns setores através de concurso público, a exemplo do Centro de Referência a Assistência Social – CRAS, que apresenta uma grande quantidade de profissionais contratados e que por questões políticas acabam praticando o assistencialismo e favorecendo alguns “coronéis” que estão no poder. É preciso ter uma memória técnica na prática do serviço social de forma a empoderar o sujeito através da consciência cidadã e o desenvolvimento de políticas públicas capazes de desburocratizar o acesso à assistência social não como um “favorecido”, mas na condição de “beneficiário” ( Monnerat & Souza, 2011 ).
Atualmente, o deficiente que está incluído na camada popular em zona de vulnerabilidade social, enfrenta dificuldade no acesso às políticas públicas de assistência social em decorrência da burocracia e esferas de poder localizadas nas secretarias municipais e estaduais. Acredita-se que promover um diálogo entre as secretarias municipais/estaduais para que o deficiente e sua família sejam assistidos logo no primeiro contato ao setor público seja uma ação inovadora e pertinente para dar encaminhamento aos problemas apresentados. Ou seja, sua demanda será analisada e encaminhada de forma a atender às necessidades do deficiente no menor tempo possível, numa perspectiva intersetorial e contemplativa da proposta da educação inclusiva. Assim, o AEE será realizado na escola com o deficiente, tendo em vista a sua totalidade como cidadão com efetivos direitos civis e sociais na sociedade a que pertence.
Considerações
A Lei nº 13.146/2015, também conhecida por “Lei da Inclusão”, deve ser considerada um avanço no processo de conquista de direitos da pessoa com deficiência na sociedade, mesmo tendo em vista o que preconiza a Constituição Federal de 1988 sobre a igualdade de todos perante a Lei. Muitos direitos passam a ser direcionados com esta legislação para fortalecer a verdadeira inclusão, embora faça-se necessário que a sociedade compreenda esta legislação e comece a praticar a inclusão por uma questão de direito e não de compaixão.
A Educação Inclusiva é o tipo de educação indicada como o caminho eficaz para a construção da cidadania e da participação social na perspectiva: Brasil, um país de todos. Werneck (1997 , p. 42) afirma que “[...] a inclusão vem quebrar barreiras cristalizadas em torno de grupos estigmatizados”. Assim, a inclusão de pessoas com deficiência na rede regular de ensino reflete o primeiro indicativo de inclusão social-cidadã, na qual devem ser observadas as medidas pedagógicas capazes de garantir o acesso à aprendizagem e ao conhecimento no cotidiano escolar, bem como toda a rede que venha a garantir a saúde e assistência social ao estudante.
O embasamento teórico da Pedagogia Histórico-Crítica e da Psicologia Histórico Cultural nos permite compreender a prática inclusiva para além da deficiência mas, com base nas construções sociais do sujeito, na medida em que respeita a sua condição orgânica e social no processo de ensino e aprendizagem.
A escola não deve apenas cumprir a sua condição burocrática (cumpridora de normas estabelecidas), mas deve ser um espaço inclusivo, compromissada com as minorias, pois, desta forma, ela se transformará num espaço de decisão em consonância com o contexto mundial (globalização) e seus desafios. Por esta vertente, o que realmente precisamos é de uma escola que não tenha medo de arriscar, seja corajosa em questionar as normas vigentes e busque rumos inovadores que atendam às necessidades de inclusão em conformidade com a legislação vigente e problematizando novas legislações que garantam os direitos sociais das pessoas da sociedade.
No que se refere à escola é interessante enfatizar um tema sempre abordado nos debates educacionais: o fracasso escolar. Na verdade, isto ocorre em função de vários aspectos: econômicos, culturais, sociais, psicológicos, entre outros. É nesse momento que a linha metodológica deve trilhar o caminho da Pedagogia Histórico-Crítica, que permite o levantamento dos problemas e a busca por soluções por parte dos envolvidos no processo educativo. Este tipo de fracasso é mais visível nas classes de baixa renda que, diariamente, deparam-se com obstáculos (às vezes intransponíveis) no cotidiano escolar, provenientes de sua comprometida condição social. Nesta composição, a postura escolar, diferenciada da realidade estudantil, contribui para o fracasso escolar que eleva ou desenvolve uma autoestima negativa, confirmando a situação de miséria que muitas vezes lhe é imposta pela sociedade.
Rego (1995) apresenta o capitalismo como um modo de produção excludente, principalmente quando aplicado em sociedades periféricas, aquelas que foram colônias de exploração no período mercantilista. Neste argumento, apresenta-se a íntima ligação entre política e educação que claramente exibe o antagonismo das classes sociais e, para ilustrar, menciona-se o Brasil onde, segundo o IBGE/2022, havia aproximadamente 62,5 milhões de miseráveis (pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza). Então, como se dá um processo de inclusão escolar com esta clientela que já se encontra condenada à exclusão social mesmo antes de nascer? Esta é a primeira barreira vital que estas classes devem transpor.
Para exemplificar um caso de fracasso escolar, quando analisamos os aspectos psicológicos de uma criança com deficiência intelectual faz-se necessário lembrar que o seu desenvolvimento cognitivo não conseguirá atingir o último estágio proposto por Jean Piaget da estruturação cognitiva, o operatório formal. Isto é, ela fica estagnada no operatório concreto que condiciona seu conhecimento de mundo à dependência do apoio de objetos, suas vivências e das representações mentais dos mesmos. Para tentar minimizar este problema, é preciso apresentar propostas pedagógicas que envolvam a família e a sociedade no desenvolvimento de atividades que enquadrem coerentemente a criança com deficiência no aprendizado e no exercício de comportamentos e condutas mais adequadas com as rotinas sociais de sua comunidade. Na verdade, estas propostas pedagógicas e os objetivos escolares (educacionais) devem possibilitar ao aluno deficiente uma autonomia e independência (dentro dos seus limites) em relação aos outros indivíduos; para esta efetivação de direitos, são necessários recursos financeiros capazes de atender às demandas necessárias ao processo de inclusão.
Com o desenvolvimento científico e ético da humanidade, a partir do início deste século, estudos e pesquisas vêm mostrando que as diferenças individuais, cognitivas, físicas ou sensoriais não constituem uma fatalidade irremediável, nem desabilitam as pessoas para a plenitude de suas realizações pessoais e sociais. Cada indivíduo, com suas particularidades, é dotado de um potencial que, sistematicamente orientado, pode proporcionar, na medida do possível, a sua autorrealização. Dessa forma, o que se pretende aqui é defender a construção de uma sociedade inclusiva que assuma um compromisso com as minorias, dentre as quais se introduzam os alunos que apresentam necessidades educacionais especiais.
Para a concretização desta premissa: inclusão de pessoas com deficiência na escola, apresenta-se, como sugestão, a criação de um programa intersetorial, capaz de compreender as necessidades do indivíduo com deficiência e dar o encaminhamento necessário. Isto poderá ser feito a partir da visão humana e integral que será veiculada na proposta da intersetorialidade tomando por base o conhecimento teórico da interdisciplinaridade no campo da educação; ou seja, na educação os saberes dialogam entre os campos de conhecimento e, desta forma, também será na prática intersetorial, em que o indivíduo é visto de forma integral (omnilateral) e associado às influências que a sociedade pode lhe proporcionar, buscando mitigar os entraves apresentados para a aquisição dos direitos sociais e fundamentais.
Acredita-se que toda criança deve ter o direito de estar inserida em um programa educacional, independentemente de suas possibilidades de aprendizagem, até porque o sentido aqui atribuído ao processo educacional ultrapassa os limites impostos a um programa restrito à educação formal. Bem como, todo espaço educacional pressupõe a convivência entre os pares. A possibilidade de conviver, trocar e vivenciar situações do cotidiano é um objetivo implícito no processo de aprendizagem e no desenvolvimento humano.
O direito de todos os indivíduos à educação, como caminho possível de integração com o meio social, deve ser respeitado, independentemente das dificuldades ou deficiências do educando. Pois, se a educação é um direito de todos, precisamos promover a luta por uma educação de qualidade para todos(as) e por uma escola pública que satisfaça as necessidades educacionais de todos os estudantes.