Introdução
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um transtorno do neurodesenvolvimento que se caracteriza por déficits persistentes na comunicação social e na interação social em vários contextos, e por padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades, tendo as características comportamentais inicialmente evidentes na primeira infância (Associação Americana de Psiquiatria [APA], 2022). Diante desses aspectos, o TEA afeta a forma como a criança percebe o mundo e se socializa, o que influencia em seu processo de aprendizagem ao longo da vida. A maneira como o TEA se manifesta varia de acordo com cada indivíduo e é também influenciada pelos diversos meios sociais em que esse se encontra.
Nesse contexto de dificuldades e interações constantes com o ambiente social, temos a entrada da criança na vida escolar, período no qual os déficits e comportamentos característicos do TEA podem se tornar obstáculos ao processo de aprendizagem. No entanto, mesmo diante dos desafios enfrentados nesse processo, todas as crianças são capazes de aprender, cada uma no seu tempo e à sua maneira, sobretudo, as que possuem o TEA. Mas para que o desenvolvimento da aprendizagem ocorra de forma adequada e efetiva, é necessário que sejam consideradas as especificidades e o grau de necessidade de cada aprendiz. E nesse contexto surge a demanda psicopedagógica.
Mesmo que o tratamento da criança com TEA ocorra de maneira multidisciplinar com profissionais como neuropediatra, psicólogo, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, entre outros, é o psicopedagogo o profissional que tem como diferencial o foco na aprendizagem. É nele que são depositadas as expectativas de atendimento dos aspectos de ensino e aprendizagem por meio da avaliação e da intervenção individualizada nos espaços clínicos. O psicopedagogo é capaz de identificar as especificidades do processo de aprendizado da criança com TEA, suas potencialidades e limitações e compreender a forma como ela aprende, bem como traçar os objetivos que podem ser alcançados para que haja um desenvolvimento escolar adequado.
Considerando que a demanda de crianças com TEA é cada vez mais crescente nos atendimentos psicopedagógicos, os profissionais da Psicopedagogia necessitam refletir sobre suas práticas de forma constante, estando em sintonia com as mudanças e estabelecendo uma relação dialógica para garantir que os processos de ensino e aprendizagem ocorram de forma significativa. Diante dessa necessidade, o presente estudo busca responder a seguinte problemática: como deve ser a atuação psicopedagógica clínica no atendimento de crianças com o Transtorno do Espectro Autista? Para tanto, tem como objetivo geral demonstrar como deve ser essa atuação, buscando de forma específica abarcar o que é o TEA e os impactos na aprendizagem dos que possuem o Transtorno; e discutir sobre o diagnóstico e a intervenção psicopedagógica clínica no atendimento de crianças com TEA.
O presente estudo é de grande relevância para a comunidade científica por tratar de um tema bastante atual que ampliará o campo de estudos sobre a atuação da Psicopedagogia enquanto conhecimento científico e prática psicopedagógica, trazendo também uma maior compreensão sobre o autismo e sua relação com a aprendizagem. E também para a comunidade de uma forma geral pela necessidade emergente de se trazer o assunto para discussão, tendo em vista os desafios existentes durante o processo de aprendizagem das crianças com TEA, além de contribuir como base para auxiliar os profissionais psicopedagogos a estarem mais preparados para prestar um atendimento clínico adequado aos clientes com TEA. Este estudo ajuda a preencher a lacuna de geração de conhecimento científico pelo viés da Psicopedagogia que alia teoria e prática no atendimento de aprendizes com TEA. Por fim, entende-se a necessidade desta pesquisa para a sociedade não sendo um viés conclusivo, irrefutável ou imutável, mas sim provocador.
Método
Trata-se de uma pesquisa básica com objetivos exploratório e descritivo. A pesquisa básica é entendida por Gil (2022) como aquela que reúne estudos que têm como propósito preencher uma lacuna no conhecimento. E, segundo Sampieri et al. (2013), a pesquisa exploratória tem o objetivo de examinar um tema ou um problema de pesquisa pouco estudado, sobre o qual se tem muitas dúvidas ou que não foi abordado antes, e a pesquisa descritiva busca especificar as propriedades, as características e os perfis de pessoas, grupos, comunidades, processos, objetos ou qualquer outro fenômeno que se submeta a uma análise.
Os procedimentos utilizados no presente estudo são de uma pesquisa bibliográfica e documental. Segundo Gil (2022), a pesquisa bibliográfica é a modalidade de pesquisa elaborada com base em material já publicado, sendo tradicionalmente livros, revistas, jornais, teses, dissertações e anais de eventos científicos, mas podendo incluir também outros formatos (como materiais disponibilizados pela Internet, por exemplo). E a pesquisa documental, conforme Marconi e Lakatos (2021), toma como fonte de coleta de dados apenas documentos, escritos ou não, que constituem o que se denomina de fontes primárias.
Visando desenvolver um entrelaçamento entre o que é TEA, a aprendizagem, o diagnóstico e a intervenção psicopedagógica no âmbito clínico, o aporte teórico desta pesquisa está fundamentado em autores como: Bossa (2000), que aborda sobre a prática psicopedagógica; Sobrinho (2016a, 2016b), que trata sobre a Psicopedagogia Clínica; Grassi (2021), que fala sobre a intervenção psicopedagógica; Serra (2018), que trata sobre a alfabetização de alunos com TEA; Uzêda (2019), que aborda sobre educação inclusiva, além do CID11 e do DSM-5-TR, bem como em outros artigos qualificados e publicados em revistas científicas sobre alfabetização de crianças com TEA.
A pesquisa foi dividida a partir daqui em três seções: primeiro, será abordado sobre a Psicopedagogia com ênfase clínica; em segundo lugar, sobre o Transtorno do Espectro Autista e suas especificidades, trazendo também os impactos do TEA na aprendizagem; e, por último, acerca da atuação psicopedagógica clínica no atendimento de crianças com o Transtorno, trazendo as especificidades do diagnóstico e da intervenção com este público.
Resultados e Discussão
O que é a Psicopedagogia com ênfase clínica
A Psicopedagogia teve sua origem na necessidade de buscar alternativas para solucionar os problemas ou dificuldades de aprendizagem, mas, com o passar do tempo, passou a interessar-se pelo processo de aprendizagem humana como um todo e, principalmente, pela relação desse processo com aquele que aprende (Garcia, 2019). E foi em um momento de desordem social que a Psicopedagogia ficou evidente.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, o mundo ocidental encontrava- se abalado e a Europa totalmente destruída. O cenário era de extrema pobreza, faltava emprego e alimentos, havia um número infinito de crianças órfãs, deficientes (em função da guerra), doentes, abandonadas em hospitais e instituições sociais, como orfanatos e asilos. Nesse momento, surgem algumas teorias a respeito do que fazer com essas crianças, principalmente porque elas apresentavam dificuldades de aprendizagem. Educadores, psiquiatras e neuropsiquiatras, que trabalhavam nas instituições sociais, começaram a se preocupar com os aspectos que interferiam na aprendizagem e a organizar métodos para a educação infantil. Surgem modelos psicopedagógicos de intervenção mais atuantes no social, no mundo do trabalho e no sistema educativo, a fim de dar respostas a uma sociedade cada vez mais complexa. (Sobrinho, 2016a, p. 12).
E, desde então, a Psicopedagogia vem se aperfeiçoando e atualmente tem atuação em três campos profissionais, a distinguir: nas áreas clínica, institucional (escolas, instituições, empresas, organizações não governamentais – ONGs) e hospitalar (classes hospitalares), visto que sua finalidade se encontra tanto no caráter preventivo quanto no aspecto terapêutico do processo de aprendizagem e suas dificuldades (Nogueira & Leal, 2013).
Colocadas essas distinções, destaca-se que o foco do presente trabalho é a atuação da Psicopedagogia no âmbito clínico que, conforme Silva (2012, p. 56):
[...] busca compreender de forma global e integrada os processos cognitivos, emocionais, sociais, culturais, orgânicos e pedagógicos que interferem na aprendizagem, a fim de criar situações que possibilitem o resgate do prazer de aprender, em sua totalidade, envolvendo nesse processo os pais, professores, orientadores educacionais e demais profissionais que transitem no universo educacional do aluno.
A Psicopedagogia com ênfase clínica considera a pessoa e o seu meio em diferentes estágios da aprendizagem e se dedica ao diagnóstico e ao tratamento de crianças, adolescentes e adultos com dificuldades de aprendizado no âmbito educativo, emocional e social. Conforme Sobrinho (2016b, p. 12), “o objetivo da Psicopedagogia Clínica é abordar o sintoma, tratar suas causas, favorecendo a elaboração de um processo cognitivo novo, mais saudável e benéfico, centrado no sujeito que apresenta o sintoma”.
Nesse sentido, Silva (2012) destaca que a ênfase no caráter clínico da Psicopedagogia se deve ao fato de a prática psicopedagógica envolver sempre um processo de diagnóstico ou de investigação, que precede a construção do plano de trabalho.
No processo de diagnóstico psicopedagógico, de acordo com Sobrinho (2016b), busca-se encontrar o sentido histórico subjetivo (conhecer a natureza) dos problemas de aprendizagem de um sujeito por meio da análise de suas dificuldades de aprendizagem (sinais e sintomas).
A avaliação psicopedagógica clínica é um processo complexo de investigação sobre a aprendizagem de uma pessoa ou grupo. Esse processo investigativo envolve não só o psicopedagogo e a criança, mas vários atores (professores, familiares, colegas, etc.), pois, nesse caso, estamos tratando da aprendizagem informal, como também da aprendizagem formal, ou seja, aquela que se dá na escola. Assim, devemos investigar o processo de ensino-aprendizagem em todas as instâncias com base nas relações socioculturais estabelecidas pelo indivíduo, desde o início de seu desenvolvimento até o estágio em que se encontra. (Nogueira & Leal, 2013, p. 52)
Para complementar sobre a essencialidade dessa etapa do atendimento psicopedagógico, Silva (2015, p. 10) destaca ainda que:
O processo de diagnóstico psicopedagógico é uma etapa essencial e indispensável em qualquer trabalho psicopedagógico, por consistir numa investigação, numa pesquisa referente ao desenvolvimento do sujeito, bem como avaliar o sujeito em todos os seus aspectos biológicos, psicológicos (cognitivo/afetivo), sociais (interações na família, na escola), ou seja, partindo de uma visão holística do sujeito.
Realizada a avaliação psicopedagógica clínica, conclui-se o diagnóstico, conhece-se o aprendiz e delineia-se seu perfil de desenvolvimento, buscando compreender a complexa rede de relações que o constitui: vínculos, interações, especificidades, características, habilidades, necessidades, desejos e dificuldades (Grassi, 2021). E, em seguida, organiza-se o informe psicopedagógico, realiza-se a devolutiva, orienta-se o sujeito, a família e a instituição escolar e elabora-se a proposta de intervenção psicopedagógica.
Durante o processo de intervenção, a avaliação psicopedagógica continua em movimento; o olhar e a escuta atenta do profissional possibilitam perceber as necessidades, os avanços, os retrocessos, a superação ou não de dificuldades e, com base nisso, indicam-se mudanças, adaptações, a escolha de novos instrumentos e recursos, sempre com fundamento em uma determinada concepção teórica (Grassi, 2021, p. 25).
Diante disso, a prática psicopedagógica implica compreender a situação de aprendizagem do sujeito dentro do seu próprio contexto, o que requer uma modalidade particular de atuação para a situação em estudo, o que significa que não há procedimentos predeterminados. A metodologia de trabalho, ou seja, abordagem e tratamento, vai se tecendo em cada caso, na medida em que o problema aparece, e cada situação é única e requer do profissional atitudes específicas em relação àquela situação (Bossa, 2000).
Em relação às principais concepções teóricas que oferecem subsídios para a compreensão do sujeito e embasam a prática psicopedagógica, Bossa (2000) ressalta que os autores brasileiros Neves, Kiguel, Scoz, Golbert, Rubinstein, Weiss, Barone e outros, assim como os argentinos Fernández, Paín, Visca, Müller, são unânimes quanto à necessidade de conhecimentos específicos de diversas áreas que, articulados, devem fundamentar a constituição de uma teoria psicopedagógica, devido à complexidade do seu objeto de estudo.
Sobre tais áreas, Bossa (2000) cita a Psicanálise (que se encarrega do mundo inconsciente, das representações profundas, operantes por meio da dinâmica psíquica que se expressa por sintomas e símbolos); a Psicologia Social (que se encarrega da constituição dos sujeitos, que responde às relações familiares, grupais e institucionais, em condições socioculturais e econômicas específicas e que contextuam toda aprendizagem); a Epistemologia e a Psicologia Genética (que se encarregam de analisar e descrever o processo construtivo do conhecimento pelo sujeito em interação com os outros e com os objetos); a Linguística (que traz a compreensão da linguagem como um dos meios que caracterizam o tipicamente humano e cultural, com a língua enquanto código disponível a todos os membros de uma sociedade, e a fala como fenômeno subjetivo, evolutivo e historiado de acesso à estrutura simbólica); a Pedagogia (que contribui com as diversas abordagens do processo ensino-aprendizagem, analisando-o do ponto de vista de quem ensina); os Fundamentos das Neurociências (que possibilitam a compreensão dos mecanismos cerebrais que subjazem ao aprimoramento das atividades mentais, indicando-nos a que correspondem, do ponto de vista biológico, todas as evoluções ocorridas no plano psíquico, o que é de fundamental importância para o entendimento sobre como e por que a aprendizagem só acontece quando ocorrem modificações no Sistema Nervoso Central).
Dessa forma, a Psicopedagogia com ênfase clínica tem como papel principal retirar os sujeitos de suas condições de não aprendizado, dotando-os de desenvolvimento e, principalmente, fazendo-os perceber suas potencialidades para recuperarem seus processos internos de apreensão da realidade, tanto nos aspectos cognitivos como afetivo-emocionais. Aliado a isso, no caso dos sujeitos com algum tipo de transtorno, como é o caso do TEA, faz-se necessário compreender sobre o assunto.
Sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA)
Apesar de ser estudado há pouco mais de 100 anos, a visão do autismo como um espectro é razoavelmente recente. Foi apenas em 2013 que o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, documento de referência mundial para diagnóstico, caracterizou o Transtorno do Espectro Autista. O Manual passou por nova revisão e atualização recentemente, em 2022 (DSM-5-TR), sendo a presente pesquisa subsidiada pela versão atualizada. Destaca-se que o TEA, com seu conceito de espectro, atualmente engloba transtornos referidos anteriormente como autismo infantil, autismo infantil precoce, autismo de Kanner, autismo de alto funcionamento, autismo atípico, transtorno global do desenvolvimento sem outra especificação, transtorno desintegrativo da infância e transtorno de Asperger (APA, 2022).
O TEA é um transtorno complexo do neurodesenvolvimento que pode resultar de uma série de sintomas observados relacionados a dificuldades de processamento social, emocional e cognitivo, especialmente em relação à comunicação de seus próprios sentimentos, opiniões e pensamentos com os outros (Ortug et al., 2022).
Segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças1 (CDC, 2022), não há apenas uma causa do TEA, existindo muitos fatores diferentes que foram identificados que podem tornar uma criança mais propensa a ter o Transtorno, incluindo fatores ambientais, biológicos e genéticos.
Embora se saiba pouco sobre causas específicas, as evidências disponíveis sugerem que o seguinte pode colocar as crianças em maior risco para desenvolver TEA, quais sejam: ter um irmão com TEA; ter certas condições genéticas ou cromossômicas, como síndrome de X frágil ou esclerose tuberosa; experimentar complicações ao nascer; ou ainda nascer de pais mais velhos. (CDC, 2022)
Nas subseções seguintes, passaremos ao entendimento das características, manifestações e critérios diagnósticos desse transtorno, bem como dos impactos relacionados à aprendizagem das crianças que o possuem.
Características, manifestações e critérios diagnósticos
De acordo com o DSM-5-TR (APA, 2022), o TEA tem como características essenciais o prejuízo persistente na comunicação social recíproca e na interação social e os padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades, manifestações estas que variam muito dependendo da gravidade da condição autista, do nível de desenvolvimento e da idade cronológica.
O Quadro 1 mostra como os déficits e comportamentos oriundos do TEA podem se manifestar em diferentes indivíduos, em diferentes áreas.
Os sinais de autismo nem sempre são fáceis de serem percebidos, mas é possível identificar alguns traços dos distúrbios do Espectro já em bebês. Os atrasos na linguagem, diferenças comportamentais e dificuldade na interação social normalmente são os primeiros sintomas do autismo percebidos na infância.
Os sintomas costumam ser reconhecidos durante o segundo ano de vida (12 a 24 meses), embora possam ser vistos antes dos 12 meses de idade, se os atrasos do desenvolvimento forem graves, ou percebidos após os 24 meses, se os sintomas forem mais sutis. A descrição do padrão de início pode incluir informações sobre atrasos precoces do desenvolvimento ou quaisquer perdas de habilidades sociais ou linguísticas. (APA, 2022)
O DSM-5-TR (APA, 2022) classifica o TEA em três níveis de gravidade, de acordo com especificadores de gravidade previamente definidos, em que a diferença entre cada um deles baseia-se na necessidade de apoio que o indivíduo necessita em sua vida diária. Esses são demonstrados no Quadro 2:
A Classificação Internacional de Doenças (CID-11) também foi revista e atualizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A partir da nova versão, que passou a valer a partir de janeiro de 2022, todas as manifestações de autismo também passaram a ser oficialmente chamadas de Transtorno do Espectro Autista, com diagnóstico realizado a partir da linguagem funcional e presença ou não de Deficiência Intelectual associada (World Health Organization, 2023), conforme a Figura 1.
Assim, a partir de 2022, os critérios diagnósticos e classificatórios para o TEA passam a ser mais uniformes, estando alinhados nas duas principais referências mundiais, quais sejam o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais e a Classificação Internacional de Doenças.
O diagnóstico da criança com TEA é feito pelo neuropediatra ou psiquiatra infantil, devendo seguir os critérios definidos internacionalmente, com avaliação completa e uso de escalas validadas, sendo que, para um diagnóstico adequado, há que se ter uma equipe multidisciplinar experiente e informações coletadas por todos que fazem parte da rotina e convívio da criança, principalmente os familiares, os cuidadores e os professores na escola (Sociedade Brasileira de Pediatria, 2019).
É importante considerar isso, pois o psicopedagogo, apesar de não ser o responsável por diagnosticar o Transtorno, em seu atendimento clínico pode receber crianças já diagnosticadas com TEA e também crianças que ainda não possuam tal diagnóstico, mas apresentem sinais, o que lhe permitirá realizar o encaminhamento da forma mais adequada.
O TEA e os impactos na aprendizagem
O DSM-5-TR (APA, 2022) destaca que o TEA não é um transtorno degenerativo, sendo comum que aprendizagem e compensação continuem ao longo da vida, e que os sintomas são frequentemente mais marcantes na primeira infância e nos primeiros anos da vida escolar, com ganhos no desenvolvimento sendo frequentes no fim da infância pelo menos em certas áreas, citando como exemplo o aumento do interesse na interação social. Conforme o Manual, nas crianças pequenas com TEA, a ausência de capacidades sociais e comunicacionais pode ser um impedimento à aprendizagem, especialmente à aprendizagem por meio da interação social ou em contextos com seus colegas.
Algumas crianças e jovens com autismo podem ter inteligência média ou acima da média e precisarem de pouco apoio para se desenvolver de forma independente, enquanto outros sujeitos podem ter deficiência intelectual grave, comunicação verbal limitada ou inexistente e comportamento adaptativo muito limitado (Steinbrenner et al., 2020).
Conforme Bastos (2017, p. 135), “um dos principais problemas enfrentados na escolarização de crianças com TEA é o fato de que esses alunos experimentam muita dificuldade para estabelecer uma relação socializada com os outros”. Para a autora, isso dificulta e restringe as possibilidades de aprendizagem e circulação social dessas crianças. De acordo com o DSM-5-TR, dificuldades extremas para planejar, organizar e enfrentar mudanças causam impacto negativo no sucesso acadêmico, mesmo em alunos com inteligência acima da média (APA, 2022).
Um estudo realizado por Grossi et al. (2020) levantou em 144 pesquisas as causas das principais dificuldades no processo de ensino e aprendizagem dos alunos com TEA na escola regular. A pesquisa indicou tanto as causas intrínsecas como as causas extrínsecas que ocasionam a dificuldade de compreensão dos conteúdos acadêmicos. Entre as primeiras estão a dificuldade de socialização, os problemas de comportamento, a agressividade, a dificuldade de atenção, concentração e memorização e a dificuldade de desenvolvimento da linguagem. E entre as últimas estão a falta de um ambiente inclusivo, de um currículo funcional e de apoio da comunidade escolar, bem como professores não preparados.
Em síntese, a Figura 2 apresenta os principais fatores impactantes na aprendizagem do TEA que foram levantados no presente estudo.
Quando as crianças com TEA são inseridas na vida escolar, principalmente quando iniciam o processo de alfabetização, as dificuldades de aprendizagem se tornam mais nítidas. Almeida e Ribeiro (2022, p. 494) bem destacam que, “no caso da alfabetização de alunos com TEA, não se pode deixar de conhecer as especificidades do próprio transtorno e do aluno que está para ser alfabetizado, pelas peculiaridades do sujeito aprendiz”.
Durante a vida escolar, é importante considerar que a criança com TEA, além de precisar desenvolver as habilidades que o próprio transtorno necessita, tais como a comunicação e a interação social, precisa também ser preparada para desenvolver as habilidades de leitura e escrita de maneira adequada e utilizar estas habilidades na comunicação com o seu meio e nas práticas sociais. Nesse sentido, Almeida e Ribeiro (2022) corroboram que, apesar de se expandir a concepção social da escola, não se pode perder de vista que esta deve inserir a criança na dinâmica da aprendizagem sistemática, no mundo letrado e ajudar a desenvolver habilidades de leitura, escrita, cálculo e, enfim, as competências mais complexas de abstração e criticidade.
A atuação psicopedagógica clínica no atendimento de crianças com TEA
Conforme demonstrado ao longo desta pesquisa, o TEA causa certos impactos na aprendizagem das crianças portadoras desse transtorno, uma vez que as habilidades acadêmicas ficam em defasagem, atrapalhando o seu desenvolvimento no ambiente escolar. Dessa forma, a atuação psicopedagógica junto à criança com autismo torna-se essencial dentro do tratamento multidisciplinar requerido por essa condição, tendo em vista que o psicopedagogo atua com um enfoque específico nos aspectos que contribuem com a aprendizagem.
Oliveira e Albuquerque (2021) corroboram que, entre os profissionais que se dedicam e que desempenham atividades de alfabetização para além da sala de aula comum, está o psicopedagogo, que trabalha diretamente com o processo de alfabetização com pessoas que apresentam transtornos do espectro autista, havendo assim a necessidade da ampliação do conhecimento por parte desse profissional acerca dos métodos de alfabetização disponíveis e eficazes.
Assim, o profissional da Psicopedagogia terá o papel de investigar a relação da criança com TEA com a aprendizagem, considerando-o como um ser integral, de forma a identificar as dificuldades e habilidades dessa criança e compreender como a sua aprendizagem ocorre. A partir disso, poderá então trabalhar para atender suas necessidades individuais e aumentar seu repertório, de forma a impulsionar o seu desenvolvimento.
O diagnóstico psicopedagógico
Durante o processo de diagnóstico psicopedagógico do aprendiz com TEA o psicopedagogo conhecerá então essa criança com maior profundidade e compreenderá sua relação com a aprendizagem, para que assim seja possível planejar as estratégias para uma intervenção adequada.
A partir da anamnese com a família (pais ou responsáveis) é possível compreender a queixa, o diagnóstico existente e os aspectos relevantes para a avaliação psicopedagógica, bem como as expectativas dessa família. Para Trad (2020), a anamnese é um instrumento de grande relevância para uma avaliação diagnóstica e resgata a história de vida do sujeito por meio de informações do presente e do passado, trazendo detalhes sobre o desenvolvimento, as aprendizagens, as dificuldades e as interações desde o nascimento.
Outro ponto relevante desde o início do processo diagnóstico é a construção de vínculos com a criança com TEA atendida. A entrevista de anamnese com os pais é uma oportunidade para identificar subsídios que possam auxiliar na construção desses vínculos, tais como gostos, interesses e preferências do sujeito, bem como o que não gosta, inclusive seus padrões restritos e repetitivos de comportamento que possam influenciar nesse processo.
Grassi (2020) sugere a utilização da observação lúdica como primeiro contato entre o psicopedagogo e o sujeito, por ser uma excelente estratégia para estabelecimento de vínculos, condição essencial para avaliação. A autora ressalta que essa técnica “tem seu uso indicado na avaliação de sujeitos que não respondem a outras formas de investigação em função da sua faixa etária, da presença de deficiências ou de ausência da fala”, o que é o caso das crianças com TEA (Grassi, 2020, p. 19).
Para uma avaliação criteriosa, o psicopedagogo deve prezar pela utilização de escalas, protocolos e procedimentos validados e confiáveis. Vale destacar que no processo de diagnóstico psicopedagógico de um sujeito com autismo utilizam-se protocolos e métodos diferentes dos usualmente utilizados para o diagnóstico de uma criança típica. Isso porque, pelas características do TEA, torna-se essencial identificar quais marcos de desenvolvimento já foram atingidos por esse sujeito e quais precisam ser trabalhados (tais como marcos de comunicação e linguagem, de socialização, cognitivos, motores, socioemocionais, comportamentais, etc.).
É preciso compreender que, com o bom desenvolvimento desses marcos que forem considerados essenciais, o sujeito será então capaz de desenvolver a aprendizagem das habilidades acadêmicas puramente descritas. Segundo Serra (2018, p. 63), “o primeiro passo do processo de alfabetização de alunos com TEA é caracterizado por duas avaliações importantes: a análise da comunicação pré-verbal e a análise das habilidades da pré-alfabetização”.
Com base no exposto, este trabalho propõe como protocolos para a avaliação psicopedagógica os descritos a seguir. Do ponto de vista do atendimento psicopedagógico, tais protocolos avaliam marcos de desenvolvimento que são pré-requisitos para desenvolver as habilidades que a criança necessita para conseguir avançar no processo de alfabetização.
Inventário Portage. O Inventário Portage é um protocolo que avalia 5 diferentes áreas, quais sejam socialização, linguagem, autocuidado, cognição e motor, sendo indicado para a avaliação de crianças de 0 a 6 anos de idade. Para operacionalizar a aplicação desse método, Williams e Aiello (2018) desenvolveram o Manual do Inventário Portage Operacionalizado - Avaliação do Desenvolvimento de Crianças de 0-6 Anos, com definições, critérios e especificações sobre as condições de avaliação.
Esse protocolo foi selecionado para a pesquisa por avaliar diversas áreas do desenvolvimento infantil, o que permite um retrato amplo da criança avaliada, além de abranger uma faixa etária considerável.
Com a aplicação do Portage é possível verificar o nível de atraso no desenvolvimento da criança com TEA e as áreas que precisam ser trabalhadas para desenvolvimento da aprendizagem. Martins e Kortmann (2015, p. 31) complementam que “a utilização deste instrumento na abordagem psicopedagógica pode vir a se mostrar eficiente, no sentido que permite realizar avaliação inicial e continuada, delineando uma idade de desenvolvimento da criança”.
Cabe ressaltar que não há condição ou exigência para aplicação do Inventário Portage pelo psicopedagogo, no entanto, considera-se indispensável que esse profissional possua cursos que o habilitem como aplicador deste método, de forma a exercer uma atuação segura e obter maior assertividade na aplicação e nos resultados.
Inventário Dimensional de Avaliação do Desenvolvimento Infantil (IDADI). O Inventário Dimensional de Avaliação do Desenvolvimento Infantil (IDADI) é um instrumento que tem foco na avaliação em sete domínios, quais sejam cognitivo, socioemocional, comunicação e linguagem receptiva, comunicação e linguagem expressiva, motricidade ampla, motricidade fina e comportamento adaptativo, sendo indicado para avaliação de crianças de 4 a 72 meses de idade.
Esse protocolo foi selecionado para a pesquisa pelos mesmos motivos que o Inventário Portage, além de ter sido construído no contexto brasileiro, levando em conta as características dessa população. Para aplicação do IDADI, também não há condição ou exigência, mas se considera indispensável que o psicopedagogo tenha cursos que o habilitem como aplicador, de forma a exercer uma atuação segura e obter maior assertividade na aplicação e nos resultados.
Diferentemente do Portage, o IDADI é encontrado também na versão online, na qual o profissional adquire uma quantidade de licenças pagas. É importante ressaltar que existem outras formas de avaliar, sendo esses alguns dos instrumentos escolhidos para este trabalho.
A importância dos encaminhamentos
De acordo com os aspectos identificados na avaliação da criança com TEA, considerando as características envolvidas dentro desse espectro, o psicopedagogo deve, sempre que necessário, realizar os encaminhamentos pertinentes, conforme as questões que possam estar afetando a aprendizagem dessa criança e que só podem ser avaliadas por outro profissional habilitado. Como exemplo, pode-se citar um aprendiz que ainda apresente dificuldade de erguer o pescoço e sustentar a cabeça que precisará ser trabalhado por um fisioterapeuta.
Conforme estabelecido pelo Código de Ética do Psicopedagogo (Associação Brasileira de Psicopedagogia [ABPP], 2019), o psicopedagogo deve reconhecer os casos pertencentes aos demais campos de especialização, encaminhando-os a profissionais habilitados e qualificados para o atendimento. Por isso, fala-se tanto das parcerias nos atendimentos psicopedagógicos e do trabalho multidisciplinar.
Outro aspecto a se considerar é que, no atendimento de uma criança com TEA, o psicopedagogo deverá ter também a sensibilidade de compreender se esse aprendiz está de fato no momento de passar pela intervenção psicopedagógica ou se há necessidade de frequentar outras terapias antes ou paralelamente.
A intervenção psicopedagógica
Antes de iniciar a intervenção psicopedagógica, é necessário elaborar um plano de atendimento individual, com estratégias e objetivos realistas, alcançáveis e mensuráveis, considerando metas de curto e também de longo prazo, contemplando as atividades inicialmente previstas para cada sessão.
O psicopedagogo precisa planejar o processo de intervenção e acompanhá-lo com cuidado, organizando as etapas que o compõem, decidindo sobre o que é prioridade, selecionando as atividades, recursos e instrumentos, considerando as necessidades do sujeito, pois não é possível solucionar todas as dificuldades de uma vez. (Grassi, 2020, p. 88)
Teixeira (2016) denomina esse instrumento de Plano Individual de Tratamento (PIT), que deve ser elaborado de acordo com as necessidades da criança, grau de gravidade e a disponibilidade e adesão da família para que o profissional possa realizar boas intervenções. Para o autor, o PIT consiste em um projeto ou roteiro que o profissional irá elaborar no qual contenham as intervenções necessárias e seus objetivos, onde devem constar os modelos e programas de atendimentos.
No caso da criança com TEA em processo de alfabetização, é necessário pensar que o plano de atendimento individual deve reservar sessões para trabalhar o desenvolvimento de habilidades que são pré-requisitos para esse processo e que ainda não foram alcançadas, identificadas durante o processo de diagnóstico. Relacionadas as táticas para desenvolvimento dessas habilidades essenciais, é preciso contemplar as estratégias para desenvolvimento da leitura e da escrita, pois são base para a aquisição dos demais conteúdos escolares.
Para tanto, cabe ressaltar a importância de voltar essa intervenção para a idade de desenvolvimento da criança que foi constatada na avaliação diagnóstica, considerando os métodos aplicáveis àquela idade.
Nesse sentido, Gomes (2015) reforça que há algumas habilidades mínimas que a pessoa com autismo precisa apresentar antes do início do ensino de habilidades de leitura, como, por exemplo, conseguir executar e finalizar atividades simples, fazer emparelhamento entre palavras impressas e nomear figuras e vogais. A autora ressalta que, se o aprendente não apresentar esses requisitos, é necessário começar a ensiná-los antes do ensino de habilidades de leitura. Dessa forma, é essencial considerar estes pontos no processo de intervenção.
Sobre o ensino da leitura para as crianças com TEA, Gomes (2015) propõe a seguinte rota, descrita no Quadro 3:
Sobre o trabalho no âmbito da escrita alfabética, Bastos (2017, p. 146) destaca que:
[...] é uma via potente e possível quando se trata da escolarização de crianças com TEA, pois possibilita a reordenação do campo simbólico com um usufruto das produções escritas para que a criança possa dizer de si e dirigir seu texto a um outro que a reconhece e a autentica.
E ainda, segundo Almeida e Ribeiro (2022), é necessário o conhecimento sobre os diversos métodos de alfabetização e formas de aplicação de cada um, para que seja possível escolher o caminho que pretende seguir, com fundamentação segura e sistematização que viabilizem a eficácia no processo de alfabetização da criança com TEA.
Uzêda (2019) complementa que muitas vezes a combinação de métodos diferentes é necessária no processo de alfabetização da criança com TEA e torna-se imprescindível avaliar que estratégia ou método melhor funciona para aquela criança em particular.
Nesse sentido, Valentim (2017) defende que não existe uma intervenção única que funcione para todo o indivíduo com TEA, uma vez que cada autista é único e o que pode funcionar para um, pode não ter êxito para outro, por isso, o psicopedagogo deverá montar uma intervenção visando melhorar as capacidades funcionais do autista, além de ressaltar as potencialidades dele dentro da sua singularidade para que conquiste a maior independência possível.
Uzêda (2019) concorda ainda que não há uma fórmula ou caminho único para se alfabetizar crianças que se encontram nesse espectro, tornando-se relevante conhecer a criança, entender de que forma percebe o mundo, integra as sensações, de que maneira reage aos estímulos ambientais, como se comunica, enfim, como aprende.
Oliveira e Albuquerque (2021) destacam que escolher a metodologia de alfabetização mais apropriada para a criança com autismo é fundamental, principalmente as relacionadas à aquisição das habilidades de leitura e escrita. Segundo os autores, no Brasil, pesquisas comprovam que a metodologia de alfabetização mais adequada para crianças com TEA é a fônica.
Nesse sentido, Paula et al. (2021) defendem que o método fônico privilegia os grafemas e fonemas e, por meio de estímulos visuais e auditivos, a criança com TEA adquire mais facilidade no processo de aquisição da leitura, melhorando a dicção, entendendo tudo que se fala e se escreve, e que esses sons são definições de nomes de objetos e pessoas e, dessa forma, essas crianças percebem a função da leitura e estabelecem uma sintonia sobre como se lê e o que percebe à sua volta.
De forma complementar, Valentim (2017) cita alguns métodos e estratégias que são utilizados na intervenção de indivíduos com TEA como: o Tratamento e Educação de Autistas e Crianças com Limitações (Método TEACCH), o Picture Exchange Communication System (PECS) e a Análise do Comportamento Aplicada (ABA). Aqui, cabe fazer uma ressalva sobre a ABA que, conforme Moreira e Medeiros (2019), não se trata de método, mas de uma ciência sobre o comportamento humano que possui uma finalidade prática, qual seja a solução de problemas socialmente relevantes e, como uma ciência, dispõe de um conjunto de conhecimentos que inclui grande variedade de métodos e procedimentos de avaliação e intervenção sobre o comportamento, assim, para efeitos dessa pesquisa, consideraremos como intervenções baseadas em ABA. Mais detalhes sobre os métodos e estratégias citados são descritos no Quadro 4.
Conforme demonstrado, os métodos e estratégias trazidos por este estudo podem contribuir com o trabalho clínico do psicopedagogo junto à criança com TEA, podendo ser utilizados nos atendimentos para subsidiar e fortalecer o processo de aquisição de habilidades diversas que auxiliem o aprendiz a compensar os déficits característicos do TEA e a atenuar ou sanar as limitações que possam estar impactando em sua aprendizagem. Os caminhos citados podem também auxiliar no trabalho com o processo de aquisição das habilidades de leitura e escrita, bem como das habilidades mínimas necessárias a esse processo.
Além disso, o psicopedagogo pode utilizá-los para auxiliar a criança com TEA a desenvolver sua capacidade de comunicação e ampliar seu vocabulário, bem como suas capacidades funcionais, o que pode proporcionar ganhos significativos para o seu convívio social, principalmente na escola, beneficiando a aprendizagem por meio da interação social ou em contextos com seus colegas. Assim, a utilização de tais estratégias e métodos nas intervenções permitem ao psicopedagogo atuar de forma individualizada e estruturada para aumentar a utilização da habilidade de aprender pela criança com TEA, principalmente se trabalhar essas abordagens estratégicas em conjunto com a equipe multidisciplinar.
Cabe ressaltar que a seleção de abordagens de intervenção depende da sabedoria e do conhecimento dos profissionais sobre o objetivo específico, as características da criança, as prioridades dos pais e da criança e a capacidade do próprio profissional de implementar a prática, dados seu contexto e seus recursos (Steinbrenner et al. 2020).
É importante ressaltar que, para que a intervenção psicopedagógica consiga alcançar um resultado efetivo junto à criança com TEA, é necessário que ela esteja sendo tratada pelos outros profissionais que compõem a equipe multidisciplinar, conforme as áreas em que a criança necessite de desenvolvimento, a fim de atenuar ou sanar as limitações que possam estar impactando em sua aprendizagem.
Por fim, o psicopedagogo deve orientar adequadamente a família e a escola da criança, de forma a assegurar uma evolução satisfatória do seu processo de aprendizado, considerando que quando há a continuidade do tratamento além do consultório as chances de maior sucesso são potencializadas. Cabe lembrar que é nesses ambientes que a criança passa a maior parte do tempo, além do que é na escola que ela estabelece a sua aprendizagem propriamente dita.
Considerações
A demanda psicopedagógica das crianças com TEA é cada vez mais crescente e é urgente que os psicopedagogos estejam preparados para realizar intervenções adequadas e que de fato tragam resultados efetivos ao desenvolvimento desses aprendizes. Após análise e explanação dos resultados, este estudo conseguiu desvendar como deve ser a atuação psicopedagógica clínica no atendimento de crianças com o Transtorno do Espectro Autista, atendendo ao objetivo geral e respondendo à problemática inicial.
Cumprindo o primeiro objetivo específico, que buscava abarcar o que é o TEA e os impactos na aprendizagem das crianças que o possuem, a pesquisa demonstra que esse caracteriza-se principalmente pelo prejuízo persistente na comunicação social recíproca e na interação social e pelos padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades, que variam muito dependendo da gravidade da condição autista, do nível de desenvolvimento e da idade cronológica. O estudo identifica que os principais fatores intrínsecos que impactam na aprendizagem das crianças com TEA são os déficits motores, a dificuldade de socialização, a ausência de capacidades sociais e comunicacionais em crianças pequenas; a dificuldade de desenvolvimento da linguagem; a deficiência intelectual grave, a comunicação verbal limitada ou inexistente e o comportamento adaptativo muito limitado para alguns sujeitos; a dificuldade de atenção, concentração e memorização; as dificuldades para planejar, organizar e enfrentar a mudança; e a discrepância entre habilidades funcionais adaptativas e intelectuais; e os principais fatores extrínsecos estão relacionados ao ambiente inclusivo, currículo funcional e apoio da comunidade escolar insuficientes; e aos professores não preparados.
Atendendo ao segundo objetivo específico, que buscava discutir sobre o diagnóstico e a intervenção psicopedagógica clínica no atendimento de crianças com TEA, o estudo demonstra que existem especificidades no atendimento psicopedagógico a esse público, em virtude das características do Transtorno. A pesquisa identificou que a utilização de instrumentos como o Inventário Portage e o IDADI, no processo diagnóstico, e métodos e estratégias como o PECS, o Método Fônico, o Método TEACCH e intervenções baseadas na Análise do Comportamento Aplicada, no processo de intervenção, podem contribuir para o trabalho psicopedagógico e auxiliar no desenvolvimento da aprendizagem dessas crianças. Evidenciou também que, no caso da alfabetização de alunos com TEA, antes de tudo é preciso identificar e desenvolver os marcos e habilidades que são pré-requisitos e ainda não foram alcançados pelo sujeito, para então depois trabalhar a preparação para a aprendizagem sistemática e o desenvolvimento das habilidades de leitura, escrita e cálculo, que são a base para a aquisição dos demais conhecimentos escolares. A pesquisa indica que não há um caminho único para alfabetizar crianças que se encontram no Espectro, é preciso escolher a estratégia ou combinação de estratégias de alfabetização mais apropriadas para a criança atendida.
Assim, conclui-se que a atuação psicopedagógica clínica no atendimento de crianças com o TEA deve envolver a identificação e o trabalho com os marcos de desenvolvimento que são essenciais para o avanço da aprendizagem, inclusive do processo de alfabetização, partindo da aplicação de instrumentos que avaliam o desenvolvimento infantil; bem como a seleção de métodos e estratégias cientificamente indicados para a intervenção com esse público, e que funcionem especificamente para a criança atendida, por não haver um caminho único que funcione para todas as crianças. Considerando que o psicopedagogo deve prezar pela utilização de escalas, protocolos e procedimentos validados e confiáveis, a pesquisa propôs esses instrumentos, métodos e estratégias, como demonstrado.
Além do exposto, a atuação psicopedagógica clínica com esse público deve envolver também a anamnese; a construção de vínculos com o aprendiz por meio da observação lúdica; a elaboração de plano de atendimento individual com etapas e prioridades que considerem as necessidades da criança identificadas na avaliação diagnóstica e a disponibilidade e adesão da família. O estudo evidencia ainda a importância do tratamento multidisciplinar, de considerar a criança com TEA como um ser integral e dos encaminhamentos adequados por parte do psicopedagogo.
Por fim, a presente pesquisa não busca esgotar o assunto e muito menos definir um protocolo de atendimento único para todas as crianças com TEA, pois cada sujeito é único, mas busca servir como referência para a atuação clínica psicopedagógica com esse público, trazendo aspectos específicos e relevantes a serem considerados.
Área | Manifestações |
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Reciprocidade socioemocional | Abordagem social anormal; dificuldade para estabelecer uma conversa normal; compartilhamento reduzido de interesses, emoções ou afeto; dificuldade para iniciar ou responder interações sociais. |
Comportamentos comunicativos não verbais utilizados para interação social | Comunicação verbal e não verbal pouco integrada; anormalidade no contato visual; linguagem corporal ou déficits na compreensão e uso de gestos; ausência total de expressões faciais e comunicação não verbal. |
Desenvolvimento, manutenção e compreensão de relacionamentos | Dificuldade em ajustar o comportamento para se adequar a contextos sociais diversos; dificuldade em compartilhar brincadeiras imaginativas ou em fazer amigos; ausência de interesse por pares. |
Comportamento motor | Movimentos motores, uso de objetos ou fala estereotipados ou repetitivos, como estereotipias motoras simples, alinhar brinquedos ou girar objetos, ecolalia, frases idiossincráticas. |
Rotinas e padrões | Insistência nas mesmas coisas, adesão inflexível a rotinas e padrões ritualizados de comportamento verbal e não verbal, como sofrimento extremo em relação a pequenas mudanças, dificuldades com transições, padrões rígidos de pensamento, rituais de saudação, necessidade de fazer o mesmo caminho ou ingerir os mesmos alimentos diariamente. |
Interesses | Interesses fixos e altamente restritos que são anormais em intensidade ou foco, como forte apego ou preocupação com objetos incomuns, interesses excessivamente circunscritos ou perseverativos. |
Reações sensoriais | Hiper ou hiporreatividade a estímulos sensoriais ou interesse incomum por aspectos sensoriais do ambiente, como indiferença aparente a dor/temperatura, reação contrária a sons ou texturas específicas, cheirar ou tocar objetos de forma excessiva, fascinação visual por luzes ou movimento. |
Linguagem | Muitos indivíduos têm déficits de linguagem que podem variar de ausência total da fala, passando por atrasos na linguagem, compreensão reduzida da fala, fala em eco até linguagem explicitamente literal ou afetada. Mesmo quando habilidades linguísticas formais, como vocabulário e gramática, estão intactas, o uso da linguagem para comunicação social recíproca está prejudicado. |
Fonte: Elaboração própria com base no DSM-5-TR (APA, 2022)
Nível de gravidade | Especificadores |
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Nível 1 - Exigindo apoio muito substancial | Déficits graves nas habilidades de comunicação social verbal e não verbal com prejuízos graves de funcionamento, grande limitação para início de interações sociais e resposta mínima a aberturas sociais de outros; inflexibilidade extrema de comportamento, extrema dificuldade em lidar com mudança ou outros comportamentos restritos/repetitivos que interferem acentuadamente em todas as esferas; grande dificuldade/sofrimento para mudar o foco ou as ações. |
Nível 2 - Exigindo apoio substancial | Déficits graves nas habilidades de comunicação social verbal e não verbal, prejuízos sociais aparentes mesmo com apoio; limitação para início de interações e resposta reduzida a aberturas sociais de outros; inflexibilidade de comportamento, dificuldade de lidar com mudança ou outros comportamentos restritos/repetitivos que aparecem com frequência suficiente para serem óbvios ao observador casual e que interferem em vários contextos; dificuldade e/ou sofrimento em mudar o foco ou as ações. |
Nível 3 - Exigindo apoio | Na ausência de apoio, déficits na comunicação social com prejuízos notáveis; dificuldade para iniciar interações e respostas atípicas a aberturas sociais de outros, ou interesse reduzido; inflexibilidade de comportamento com interferência significativa em um ou mais contextos; dificuldade em trocar de atividade; problemas de organização e planejamento que são obstáculos à independência. |
Fonte: Elaboração própria com base no DSM-5-TR (APA, 2022)
Etapa | Indicações |
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1. Requisitos | |
2. Habilidades rudimentares | |
3. Ensino de sílabas simples | |
4. Programa informatizado (sílabas simples e complexas) 5. Leitura oral 6. Interpretação |
Fonte: Elaboração própria com base em Gomes (2015)
Descrição | Características |
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TEACCH | É um método que visa melhorar a adaptação do aprendiz via exploração das habilidades e interesses por meio do ensino individualizado estruturado e fortemente baseado nas teorias comportamental e cognitivas empíricas. Trabalha com a estruturação do tempo, atividades, materiais e ambientes utilizados pela criança visando compensar os déficits característicos do TEA e proporcionar ganhos significativos para o convívio social, sendo realizadas constantes avaliações de desenvolvimento por testes padronizados durante o processo. |
PECS | É um método de comunicação desenvolvido através de figuras e adesivos que realiza uma associação entre símbolo e atividade para ajudar crianças e adultos com TEA ou com outros distúrbios de desenvolvimento a adquirir habilidades de comunicação. |
Intervenções baseadas em ABA | A ABA é uma abordagem científica à modificação do comportamento que descreve o processo de aprendizagem através das consequências de comportamento. O tratamento envolve um ensino intensivo e individualizado das habilidades para aumentar a qualidade de vida e modificar comportamentos inapropriados que a criança com autismo geralmente tem, tratando da manutenção e utilização da habilidade de aprender. |
Fonte: Elaboração própria com base em Gobbo et al. (2018)