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Revista Brasileira de Psicodrama
versão impressa ISSN 0104-5393versão On-line ISSN 2318-0498
Rev. bras. psicodrama vol.23 no.1 São Paulo 2015
ARTIGOS INÉDITOS
Sociodrama temático: um procedimento de pesquisa
Thematic sociodrama: a research procedure
Sociodrama temático: procedimiento de investigación
Maria Dolores Cunha ToloiI,*; Rosane Mantilla de SouzaII,**
IDepartamento de Psicodrama do Instituto Sedes Sapientiae
IIPontifícia Universidade Católica de São Paulo
RESUMO
O objetivo deste trabalho é apresentar o Sociodrama Temático como um procedimento de pesquisa. Na investigação sobre como os adolescentes compreendem e enfrentam os conflitos conjugais nos contextos de casamento e separação, o Sociodrama Temático demonstrou ser um instrumento apropriado na abordagem dos temas desenvolvidos em pesquisa/intervenção clínica-social. Demonstrou ser útil na proteção aos aspectos de vulnerabilidade dos participantes e no desafio em obter um procedimento aos envolvidos na coconstrução do conhecimento científico. Mediante a ação criativa desenvolvida nas dramatizações, os participantes puderam expressar como são constituídas as diferentes concepções de família e como os papéis familiares são por eles compreendidos.
Palavras-chave: Sociodrama Temático. Pesquisa. Conflitos conjugais. Adolescentes.
ABSTRACT
The aim of this paper is to present Thematic Sociodrama as a research procedure. While investigating how adolescents understand and cope with marital conflicts in the context of marriage and separation, Thematic Sociodrama has proved to be an appropriate instrument in the examination of themes emerging during social-clinical research/intervention. It proved to be helpful in protecting the vulnerability of participants as well as in the challenge of creating a procedure in which all the participants are involved in the co-construction of scientific knowledge. Through the use of creative action during dramatization, participants could express how their different views of the family have been constructed and how family roles can be understood through these.
Keywords: Thematic sociodrama. Research. Conjugal conflicts. Adolescents.
RESUMEN
El objetivo de este trabajo es presentar el Sociodrama Temático como un procedimiento de investigación. Al investigar de qué modo los adolescentes entienden y enfrentan los conflictos conyugales en los contextos de matrimonio y separación, el Sociodrama Temático ha demostrado ser un instrumento adecuado para el examen de temas que surgen durante la investigación e intervención clínica-social. Demostró ser útil en la protección de los aspectos de vulnerabilidad de los participantes, así como en el desafío de crear un procedimiento en el cual todos los participantes participen en la co-construcción del conocimiento científico. Mediante el uso de acción creativa durante la dramatización, los participantes pueden expresar cómo han construido sus diferentes puntos de vista sobre la familia y cómo los roles familiares pueden ser entendidos a través de estos.
Palabras-clave: Sociodrama temático. Investigación. Conflictos conyugales. Adolescentes.
INTRODUÇÃO
Este trabalho é destinado especialmente aos interessados em desenvolver pesquisas utilizando Sociodrama Temático. O Sociodrama Temático como procedimento de pesquisa é um rico instrumento para ser utilizado por pesquisadores em diversas abordagens das ciências sociais. A intenção é demonstrar um procedimento capaz de sustentar a execução de pesquisas com temáticas relacionais. Assim, passaremos a apresentar as considerações sobre o Sociodrama de Jacob Levy Moreno.
Jacob Levy Moreno (1992), pai do psicodrama, da sociometria e da psicoterapia de grupo, afirmou que "o Sociodrama tem sido definido como método profundo de ação que trata de relações intergrupais e de ideologias coletivas"(p. 188). Menegazzo, Zuretti, Tomasini et al. (1995) definem o Sociodrama como "um procedimento dramático específico, baseado nos conceitos da teoria dos papéis e da antropologia vincular"(p. 197). Acrescentam que o Sociodrama "indica especificamente os papéis sociais que interagem no desenvolvimento das atividades comuns do grupo estudado"e também "permite visualizar seus conflitos e fazê-los emergir à compreensão para serem resolvidos"(p. 198).
Ao discutir o surgimento do método científico, Moreno (1992) considerou que a observação e a análise são "ferramentas incompletas para explorar os aspectos mais sofisticados de relações interculturais"(p. 189), enquanto o Sociodrama permite explorar e tentar mudar os conflitos surgidos por meio da ação. Diante disso, considerou que o potencial da pesquisa dramática e a de papéis, no Sociodrama, podem "fornecer indícios para métodos pelos quais a opinião e as atitudes do público podem ser influenciadas ou mesmo modificadas"(p. 189).
Dessa forma, podemos considerar que o Sociodrama se caracteriza como um instrumento que potencializa a expressão das questões pessoais/relacionais/familiares da mesma forma em que amplifica os aspectos encontrados no contexto grupal. Além disso, permite atuar em um processo de investigação e terapêutico em uma dimensão social, em que o foco é a identidade comum do drama coletivo, uma vez que parte do conflito social para sua subjetivação (ZAMPIERI, 2002). Enquanto procedimento de investigação e intervenção, o Sociodrama trabalha na intersecção entre o fenômeno social e o indivíduo, visto que o verdadeiro sujeito de um Sociodrama é o grupo, em determinada problemática social (MORENO, 1978). O Sociodrama, enquanto processo grupal, fornece os indícios sobre como os papéis sociais interagem no desenvolvimento das atividades comuns de um grupo. Baseia-se no pressuposto de que um grupo organizado em qualquer contexto possui papéis sociais, uma vez que todos os indivíduos da mesma cultura compartilham em diversos graus (MORENO, 1978).
O Sociodrama Temático a ser apresentado como procedimento de pesquisa (TOLOI, 2006) demonstrou ser particularmente útil no campo da investigação clínica-social (SÉVIGNY, 2001; GIUST-DESPRAIRIES, 2001). Essa estratégia propiciou, concomitante ao desenvolvimento da pesquisa, uma intervenção terapêutica aos participantes do estudo.
A ESCOLHA DO PROCEDIMENTO
Na elaboração da pesquisa (TOLOI, 2006) sobre conflitos conjugais na perspectiva dos filhos, a primeira preocupação foi construir a execução do trabalho considerando os aspectos de vulnerabilidade da população. Como abordar, investigar de maneira profunda e fidedigna as questões pessoais e íntimas dos adolescentes, ainda inseridos em um processo de formação e desenvolvimento, sem corrermos riscos de causar dano físico, moral ou psicológico.
A preocupação em proteger o público-alvo, reconhecendo as vulnerabilidades e a incapacidade legal, foi o guia principal nas decisões do estudo. Uma das preocupações na execução do trabalho foi considerarmos o modo sobre como abordar o problema e contribuir construtivamente para a tomada de consciência da questão familiar. O compromisso com o máximo de benefícios e o mínimo de danos envolveu todos os passos realizados na escolha dos participantes e na construção do procedimento. Além disso, o critério estabelecido para a escolha da faixa etária visa garantir que os participantes tenham, diferentemente das crianças pequenas, um processo cognitivo desenvolvido que os capacite expressar, mais claramente, os conteúdos internos.
Outro aspecto de relevância foi como detectar valores, crenças e temas familiares, diminuindo o impacto da dor emocional contida nas expressões, a fim de garantir a preservação psicológica e a menor exposição das experiências pessoais. A alternativa encontrada para a questão foi elaborar o trabalho com Sociodrama Temático. De fato, o trabalho com Sociodrama minimiza tanto a tensão na expressão quanto no contato pessoal se comparado com a entrevista individual, em grupo, ou questionário, como também possibilita a expressão dos conteúdos internos respeitando a adesão de cada participante.
A escolha das dramatizações, nos Sociodramas Temáticos, procurou visar à construção de um contexto protegido no qual pudessem ocorrer expressões espontâneas dos conteúdos pessoais do público-alvo. Dessa forma, a dramatização permitiu a maior aproximação dos conflitos conjugais, do ponto de vista dos filhos, sem que fossem tocadas diretamente as feridas mais íntimas da vivência dos participantes. Mediante as dramatizações, os jovens puderam expressar, de maneira espontânea, suas experiências/vivências/ideias/opiniões pessoais sem se sentirem comprometidos com a realidade vivenciada nas próprias famílias.
O TRABALHO DE PESQUISA
O estudo foi composto por 45 adolescentes, entre 13 e 16 anos. Os adolescentes foram divididos em quatro grupos (dois de filhos de pais de primeiro casamento e dois de pais separados/divorciados/segundo casamento) de alunos de uma instituição particular de ensino na cidade de São Paulo.
As cenas dramatizadas foram gravadas e contaram com a participação de profissionais técnicos em áudio. Os trabalhos dramáticos foram realizados em cinco etapas: aquecimento inespecífico, aquecimento específico, dramatização, compartilhamento e inquérito. Os quatro grupos passaram por todas as etapas.
O "Aquecimento Inespecífico"foi utilizado no preparo do grupo para o trabalho. A proposta foi discutida com o grupo, as dúvidas foram esclarecidas, e o período de trabalho foi estabelecido.
No "Aquecimento Específico", foi iniciado o preparo do grupo para o trabalho sobre o tema de pesquisa. Cada participante escrevia, individualmente em uma folha de papel, os temas relacionados com conflitos conjugais. Feito isso, cada grupo foi dividido em dois subgrupos ("a"e "b", com 5-6 participantes cada) e contavam aos demais colegas dos subgrupos os temas levantados.
Nesse momento, eram trocadas informações a respeito dos assuntos indicados, e cada um dos subgrupos deveria construir uma história fictícia sobre conflitos conjugais. Em seguida, eles assumiam o papel de um personagem na história a ser dramatizada e todos representaram o papel psicodramático escolhido. A "Dramatização"foi constituída por três fases. Nessa etapa, as histórias foram dramatizadas por meio de cenas. Na primeira fase, após a definição e a escolha dos personagens, cinco participantes vestiam as roupas/fantasias que caracterizavam seu próprio personagem. Essas roupas foram compostas por vestes e adornos (caixas com roupas masculinas e femininas adultas, roupas masculinas e femininas para crianças e adolescentes e ainda roupas e objetos que aludiam a bebês e idosos, bem como trabalhadores domésticos) disponibilizados pela pesquisadora.
Na definição dos personagens dos subgrupos "a", os participantes passavam para o momento de "escolher as roupas"e em seguida iniciavam a dramatização, enquanto os subgrupos "b"assistiam como plateia. Após a dramatização dos subgrupos "a", a situação se invertia. Dessa forma, obtivemos as histórias construídas e dramatizadas sobre conflitos conjugais dos quatro grupos de adolescentes divididos de acordo com os contextos vivenciados no cotidiano das famílias (pais de primeira união ou separados).
O momento de escolha das roupas serviu como aquecimento para a tomada do papel de cada personagem. Assim, cada participante saía de seu papel de pessoa privada (participante da pesquisa) e passava a assumir seu papel psicodramático (pai, mãe, filho, avó etc.) do personagem escolhido. Esse momento foi considerado também como aquele em que os participantes assumiram os papéis sociais, na dimensão da interação social de pais, mães, filhos etc. Os papéis sociais foram constituídos a partir dos papéis internalizados da experiência vivida e/ou percebida no cotidiano.
Na segunda fase, foi feita a montagem da cena. Em sua concepção originária, a cena provém do teatro, e, a partir daí, Moreno passou a utilizá-la como "unidade básica de ação" tendo os principais componentes: "determinação do espaço, tempo, personagens e argumento" (BUSTOS, 2001, p.109). Assim sendo, os participantes assinalavam o espaço, local onde cada cena ocorreria, o tempo, a suposta hora da ocorrência da cena, o posicionamento físico e a definição dos personagens no espaço do cenário dramático.
Após a definição do tempo, do espaço, dos personagens e do enredo no "aqui e agora", os participantes faziam a autoapresentação dos personagens. Na técnica da autoapresentação, o participante/personagem apresentava-se no papel psicodramático de filho, mãe, pai etc. Ele desempenhava o papel psicodramático de forma inteiramente subjetiva assim como os experimenta e percebe (Moreno, 2006) no cotidiano. Nesse momento, cada participante/personagem se apresentava com nome fictício, idade, profissão (ocupação), situação familiar etc.
A técnica da autoapresentação possibilitou que cada participante pudesse construir e expressar seu personagem com base nos próprios papéis sociais e psicodramáticos internalizados. A partir de então, a cena transcorria livremente por 15-20 minutos. Os personagens atuavam, contracenando com os demais membros da cena, desenvolvendo, assim, o enredo espontâneo da história.
Na terceira fase, a pesquisadora, no papel de diretora da cena, interrompia a dramatização. Nessa interrupção, pedia-se o congelamento da cena em que os participantes paravam de interagir e ficavam imobilizados no cenário. Na imobilização física e verbal, pedia-se primeiramente que cada personagem fizesse um "solilóquio"e depois se realizava a entrevista com cada um deles, ainda, em seus papéis psicodramáticos. A técnica do "solilóquio"caracteriza-se pela verbalização dos diálogos/conteúdos internos, abertamente expressos, de cada participante/personagem relativos às ações dramatizadas, aos pensamentos, aos sentimentos e às sensações contidos durante as dramatizações (MORENO, 2006, p. 381).
Cada "solilóquio"implicou o esclarecimento dos conteúdos ocultos dos personagens que não apareciam abertamente na dramatização. A expressão dos conteúdos do mundo interno ofereceu uma abertura para que a diretora pudesse penetrar nos conflitos latentes dos próprios personagens e ampliar sua percepção do padrão familiar das interações dos temas protagônicos.
Após o "solilóquio", foi feita uma entrevista com cada personagem. Essa entrevista teve a finalidade de esclarecer a sociodinâmica dos relacionamentos dramatizados e os indicadores das principais temáticas obtidas pelos pensamentos/sentimentos e pela maneira de atuar dos diversos papéis familiares. Segundo Menegazzo et al. (1995), a entrevista ou a reportagem é uma técnica fundamental dos procedimentos psicodramáticos. É normalmente praticada por meio do diálogo entre o diretor e o protagonista para diagnóstico, compreensão terapêutica e contextualização da ação dramática.
As perguntas da diretora de cena, dirigidas a cada um dos personagens, também possibilitou o questionamento dos conteúdos desconhecidos, facilitando, assim, maior compreensão de como os filhos/personagens compreendem e enfrentam, ou enfrentariam, os conflitos conjugais surgidos nas dramatizações.
Na dramatização, de acordo com Zampieri (2002), o mundo das realidades vividas e os significados específicos estão comprometidos em tornar o conhecimento objetivo e a verdade como resultantes das várias perspectivas dos integrantes do grupo em que as diferenças coexistem e são legitimadas. Nesse momento, acontece um saber transformador e intersubjetivista em que os significados aparecem na construção grupal. Assim, os participantes realizam suas construções em um processo complexo de cocriação, em um clima de segurança e confiança.
Nas dramatizações, foram utilizadas quatro técnicas básicas: autoapresentação, congelamento, solilóquio e entrevistas dos personagens. As demais técnicas não foram utilizadas em função das cenas terem sido conduzidas unicamente para a investigação. As demais técnicas psicodramáticas (inversão de papéis, duplo, espelho etc.) não foram utilizadas em função das cenas terem sido conduzidas exclusivamente na direção do objetivo da pesquisa. Essas técnicas não foram consideradas, pois poderiam ultrapassar os limites da temática proposta e conduzir os participantes a níveis de expressão/exposição, além daqueles demarcados inicialmente, desviando-os do foco estabelecido pelo estudo.
No "Compartilhamento", os personagens e a diretora saíram de seus papéis psicodramáticos, constituídos na etapa da "Dramatização", e voltaram a agir em seus papéis de pessoas privadas (alunos/participantes da pesquisa e pesquisadora). No momento de intimidade do grupo, os participantes construíram seus relatos afetivos. Expressaram as reflexões pessoais sobre cada participação na experiência dramática, despiram-se dos personagens e falaram sobre o que houve de presente e/ou pessoal na experiência (MONTEIRO E BRITO, 2000). Compartilharam os sentimentos, as ideias, os pensamentos e as emoções ocorridos durante as dramatizações. Uma quinta etapa foi introduzida ao Sociodrama Temático, denominada "Inquérito". Nessa etapa, pesquisadora e orientadora da pesquisa participaram ativamente por meio da formulação de perguntas que pudessem fornecer mais esclarecimentos e indícios voltados ao problema de investigação. De acordo com Zampieri (2002), no compartilhamento, eles também expressam as identificações mais significativas e o conhecimento acaba sendo coconstruído, elaborado e sistematizado.
PROCESSO DE ANÁLISE
A análise foi considerada a fase mais complexa na sistematização e na compreensão dos resultados da pesquisa quando utilizamos o Sociodrama. Essa complexidade se deve ao fato de que os grupos apresentam inúmeras possibilidades de significações diante das relações estabelecidas no contexto dramático.
No trabalho aqui apresentado, todas as etapas da pesquisa foram gravadas. As gravações do áudio foram transcritas na íntegra para que possibilitassem obter o material completo de cada encontro. Com base nesse material, foram realizadas diversas leituras e sínteses das narrativas, a fim de se obter um relato condensado das impressões mais significativas, na forma e na sequência, apresentadas pelos participantes. Esses relatos foram acompanhados das anotações realizadas após os encontros, relativos à forma e ao conteúdo das apresentações e das impressões da pesquisadora.
Em cada grupo foram considerados material de análise: estrutura das cenas, padrão dos relacionamentos, respostas dadas aos inquéritos de esclarecimento, histórias construídas, sequência das histórias e relato final dos participantes nas fases de "Compartilhamento"e "Inquérito". Nessa dimensão, a análise passa a ser Sociodinâmica, cujo objeto é a estrutura, a evolução, o funcionamento dos grupos (MARRA e COSTA, 2004).
Após essa etapa, foram feitas comparações entre os temas escritos no papel das etapas de "Aquecimento Específico"com os conteúdos e a dinâmica dos relacionamentos nas cenas da "Dramatização", comparados com as identificações pessoais e os relatos verbalizados no "Compartilhamento"e as respostas dos participantes no "Inquérito".
As histórias construídas nas etapas de "Dramatização"foram comparadas com os relatos das etapas de "Compartilhamento"e "Inquérito", a fim de se obter as falas significativas quanto à diferenciação apresentada pelos filhos nas cenas construídas.
Sobre a construção das categorias, Nery e Wechsler (2010) ressaltam: "Um conjunto de indicadores do Sociodrama – resultantes das falas, dos diálogos, das interações nos contextos específicos (entre participantes; entre participantes e equipe de pesquisa; entre personagens), das cenas, das ações, das imagens – faz emergir uma categoria, que permite formular hipóteses. As categorias são construções teóricas de um fenômeno, produzidas de maneira complexa e crescente no campo e no trabalho. Por meio delas, acessamos zonas de sentido do sujeito/grupo estudado, que conduzirão a novas categorias que se integram às anteriores, alargando-as ou negando-as"(p. 93).
Neste estudo, as categorias foram construídas e comparadas com os diálogos das cenas nas etapas de "Dramatização"e nos relatos do "Compartilhamento"e "Inquérito", a fim de se obter os conteúdos significativos quanto à diferenciação apresentada pelos filhos de pais de primeira união e de pais separados. Concomitante a isso, seguindo a indicação posterior de Nery e Wechsler (2010), foram realizadas comparações entre as etapas quanto aos conteúdos e aos significados referentes ao problema de investigação.
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Os resultados obtidos permitem-nos considerar inúmeras possibilidades de análise e compreensão em função da riqueza e do dinamismo do procedimento utilizado. Assim, podemos compreender diferentes aspectos com base na situação vivida pelos participantes, conduzindo às constatações sobre como as concepções de família e os papéis familiares foram apresentados no contexto dramático de filhos de primeira união e de pais separados.
Os resultados referentes unicamente à temática investigada puderam ser divididos, analisados e discutidos nos aspectos da formulação da problemática investigada (TOLOI e SOUZA, 2009). Contudo, a dinâmica dos relacionamentos familiares e a sutileza dos aspectos considerados significativos para uma ampla análise foram retirados dos sociodramas temáticos que dificilmente seriam evidenciados em outros procedimentos, como entrevistas ou questionários.
Um exemplo disso pode ser constatado quando analisamos as cenas dramáticas em que são evidenciadas as características apresentadas pelos participantes/personagens, como em relação à figura paterna. Neste estudo, o pai provedor aparece como a figura principal, de maior domínio e centralizadora dos temas na família casada. Ele apresenta-se a partir de altas expectativas e da falta de alternativas na resolução das questões econômicas da família. O fato de o pai provedor não corresponder às necessidades e ao que lhe é conferido de maneira idealizada, ele acaba assumindo enorme responsabilidade que o impede vivenciar, expressar e ser contido pela intimidade do acolhimento familiar no cotidiano. Como no ideal da família nuclear, existe espaço apenas para um só pai provedor, na separação o pai biológico acaba sendo excluído e o padrasto preenche o lugar dele no formato do ideal paterno.
Em outro exemplo, a mãe cuidadora na família casada expressa-se por meio de idealizadas concepções sobre seu papel na família quanto aos cuidados da prole, à preservação da casa e da conjugalidade. Na família divorciada, com a saída do pai, a mãe (sem padrasto) passa a ser a figura central, especialmente direcionada às resoluções das dificuldades econômicas. Estes são os temas de mais estresse e evidência, abordados pelos adolescentes. Nas duas configurações familiares, as mulheres "escolhem"provedores economicamente bem posicionados, a fim de obter condições favoráveis à criação da prole e se sentir mais seguras. Esses aspectos não seriam espontaneamente apresentados em um procedimento como uma entrevista ou um questionário.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Sociodrama Temático, como procedimento de pesquisa, possibilitou ir além da proposta inicial do estudo. O dinamismo e o envolvimento dos participantes com a coconstrução do conhecimento possibilitaram a profunda investigação das dinâmicas e dos padrões existentes nos relacionamentos e nos conflitos. A partir disso, a conscientização dos conteúdos passou a fazer parte do processo de transformação.
Diante da fluidez com que os participantes se expressaram, foi possível detectar como atuam as concepções de família e os papéis familiares. A espontaneidade das interpretações denunciou os padrões sociais e morais que alicerçam a vida familiar contemporânea. Nesse processo de investigação, o Sociodrama Temático permitiu a construção de um procedimento dinâmico e terapêutico, possibilitando a aproximação da intimidade psíquica, a expressão dos conteúdos pessoais e o conhecimento dos "segredos"familiares comuns ao contexto clínico. Concomitante a isso, no contexto de pesquisa, as respostas ao problema de investigação foram espontâneas, e os participantes incorreram no menor risco de danos psicológicos e morais.
Este trabalho demonstrou uma alternativa para alguns aspectos nos desafios dos pesquisadores. As significações dos conteúdos expressos, por meio da espontaneidade dos participantes no procedimento sociodramático, amplificaram a qualidade criativa na coconstrução do conhecimento científico.
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Maria Dolores Cunha Toloi
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CEP 05445-001. SP-SP.
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Rosane Mantilla de Souza
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Tel.: (11) 3872-3709.
Recebido: 24/05/2015
Aceito: 26/09/2015
* Mestre em Psicologia pela Universidade de Michigan (EUA), doutora em Psicologia Clínica pela PUC-SP, psicodramatista-didata-supervisora pela Federação Brasileira de Psicodrama (Febrap) e docente do Departamento de Psicodrama do Instituto Sedes Sapientiae.
** Mestre e doutora em Psicologia Clínica pela PUC-SP, professora titular do Programa de PósGraduados em Psicologia Clínica pela PUC-SP. Formação em Mediação e Especialização em Mediação Escolar e Comunitária pelo New Mexico Center for Dispute Resolution (USA) e Fundácion Diálogos (Argentina).