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Nova Perspectiva Sistêmica

versão impressa ISSN 0104-7841

Nova perspect. sist. vol.26 no.57 São Paulo abr. 2017

 

ARTIGOS

 

A importância da abordagem familiar na atenção psicossocialum relato de experiência

 

The importance of family approach in the psychosocial care fieldAn experience report

 

 

 

Ana Flávia Dias Tanaka ShimoguiriIFernanda Silveira SerralvoII


 


RESUMO

A iniciativa de escrever sobre as terapias sistêmicas de família no contexto da Atenção Psicossocial partiu de experiências de uma das pesquisadoras enquanto terapeuta de família e ao mesmo tempo trabalhadora de um Centro de atenção psicossocial álcool e drogas. Este artigo se destinou a fazer uma breve contextualização, partindo da Política Nacional sobre Drogas, das ofertas de tratamento disponíveis para os pacientes e suas famílias nos Caps, e, principalmente, por um relato de caso, a partir de uma experiência prática, buscou-se sublinhar a aplicabilidade das terapias sistêmicas nos estabelecimentos psicossociais, como mais um recurso de tratamento à dependência química. Os resultados da pesquisa reiteram a importância de inserir o atendimento à família nos serviços de saúde mental.

Palavras-chave: terapia de família, Caps, reforma psiquiátrica, política nacional sobre drogas.


ABSTRACT

The initiative to write about systemic family therapies in the context of Psychosocial Care cames from the experiences of one of the researchers, who is a family therapist and works in a psychosocial alcohol and drug center. This article intended to make a brief contextualization, from the National Policy on Drugs, of the treatments offered to the patients and their families in the psychosocial alcohol and drug center, and, mainly, by a case report, from a practical experience, the applicability of systemic therapies in psychosocial establishments was emphasized, as a further treatment for drug addiction. The results of the research reiterate the importance of inserting family care in mental health services.

Key Words: family therapies, Caps, psychiatric reform, national policy on drugs.


 

A REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA E A ATENÇÃO PSICOSSOCIAL

Ao longo da história, a psiquiatria clássica, baseada no conhecimento do corpo biológico, constituiu-se hegemonicamente como principal, e muitas vezes, único meio de tratamento para as psicopatologias (Amarante, 1995; 2003; 2007), dentre elas a dependência do álcool e outras drogas. No decorrer dos anos as diversas problemáticas psíquicas passaram a ser atendidas em diferentes instituições sociais, passando pelos hospitais gerais e instituições psiquiátricas até chegar às instituições extra hospitalares, com destaque para os Centros de Atenção Psicossocial (Caps).

Assim como nos demais países, aqui no Brasil, a situação dos pacientes nos hospitais psiquiátricos era deplorável; muitas vezes, ocorreram agressões físicas, estupros, trabalho escravo, uso do eletrochoque e da camisa de força, levando até mesmo a algumas mortes não esclarecidas (Pereira, 2011; Amarante, 2007). Foi neste esteio que surgiram os movimentos da Reforma Psiquiátrica Brasileira (RPB), a fim de redirecionar a assistência preponderante em Saúde Mental, no sentido de torná-la menos hospitalocêntrica e mais comunitária. A RPB também deu visibilidade para outras formas de tratamento, inclusive com a articulação de diferentes saberes e práticas até então negligenciados (Shimoguiri & Périco, 2014; Pereira, 2011; Rinaldi & Bursztyn, 2008; Yasui, 2006; Amarante, 1995; 2003; 2007; Costa-Rosa, 1987), por exemplo, as terapêuticas que incluem as relações familiares.

A iniciativa de escrever sobre as Terapias Sistêmicas de Família no contexto da Atenção Psicossocial partiu de experiências de uma das pesquisadoras enquanto terapeuta de família e ao mesmo tempo trabalhadora de um Caps álcool e outras drogas (CAPSad). Nesta direção, este trabalho se destinou a fazer uma breve contextualização, partindo da Política Nacional sobre Drogas quanto às ofertas de tratamento disponíveis para os pacientes e suas famílias nos Caps, e, principalmente, por um relato de caso, a partir de uma experiência prática, buscou-se reiterar a aplicabilidade das terapias sistêmicas nos estabelecimentos psicossociais, como mais um recurso de tratamento.

Os ideais da atenção psicossocial não se encerram no fechamento dos hospitais psiquiátricos, mas abrangem toda uma desconstrução de paradigmas socialmente estabelecidos e mantidos pelas práticas de exclusão e violência (Shimoguiri & Périco, 2014; Costa-Rosa, Luzio & Yasui, 2009; Yasui & Costa-Rosa, 2008). Com efeito, trata-se de um processo complexo de recolocar o problema, de reconstruir saberes e práticas sobre o sofrimento psíquico e de estabelecer novas relações sociais. Amarante (2003) aponta o conceito de complexidade como fundamental para se pensar a RPB e a atenção psicossocial, então, a doença deixa de ser um objeto de estudo e intervenção e torna-se uma experiência nas vidas dos sujeitos. “A complexidade aponta para a superação do paradigma clássico inaugurado com a dualidade cartesiana da causa-efeito” (Amarante, 2003, p. 54).

Desinstitucionalizar não se restringe e nem muito menos se confunde com desospitalizar, na medida em que desospitalizar significa apenas identificar transformação com extinção de organizações hospitalares/manicomiais. Enquanto desinstitucionalizar significa entender instituição no sentido dinâmico e necessariamente complexo das práticas e saberes que produzem determinadas formas de perceber, entender e relacionar-se com os fenômenos sociais e históricos (Amarante, 1995, p. 49).

Os Caps são os principais responsáveis pelas estratégias de desinstitucionalização, por exemplo, pela organização da rede substitutiva ao hospital psiquiátrico, por isso são tão importantes. São serviços de saúde municipais, abertos e comunitários que oferecem atendimento diariamente com objetivo de realizar o acompanhamento clínico e a reinserção social pelo acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários; a atenção psicossocial inclui no tratamento o contexto familiar e sociocultural, indo além do que tradicionalmente caracterizava a clínica médica (Brasil 2002a; 2002b). Nos Caps têm-se uma pluralidade de orientações, que vão desde aquelas voltadas para os modelos médicos psiquiátricos, de cunho nosológicos, àquelas que abrangem mais a dimensão da clínica ampliada (Rinaldi & Bursztyn, 2008), todavia, apesar dos avanços e conquistas, a compreensão do que é saúde ainda se pauta no modelo biomédico (Costa-Rosa, 2013; Shimoguiri & Périco, 2014; Pereira, 2011).

Os CAPS são instituições pequenas na estrutura, mas com múltiplas formas de atendimento, que incluem visitas domiciliares, atendimento médico com fornecimento de medicação, psicoterapia, oficinas, acompanhamento terapêutico, atendimento à família, trabalho assistido e atividades de lazer. [...] os CAPS estão estruturados de forma a ter uma grande maleabilidade, podendo lidar com virtualmente qualquer situação na assistência àqueles que, em outros tempos, estariam condenados a passar seus dias entre as paredes de um hospital psiquiátrico (Amarante, 2003, p. 123).

Na abordagem biopsicossocial, o foco que em vez de estar na doença, deveria estar nas interações entre pessoas, portanto é necessário incluir a comunidade e a família. Ainda há poucas considerações sobre outros fatores socioculturais envolvidos nos impasses psíquicos desencadeadores de crises (Nunes, 2006), sendo que o objetivo do tratamento, no mais das vezes, continua restrito à dimensão psicológica e orgânica do indivíduo. Segundo Pereira (2011), a maioria das intervenções possuem caráter pedagógico e assistencialista, não inserindo elementos essenciais no tratamento, como os recursos do território; e, ainda, excluindo ou dando pouca ênfase à família.

Pela postura de culpabilização e isolamento da família no tratamento de doentes mentais, existe ainda pouco conhecimento efetivo da especificidade desses grupos que considere tanto sua articulação com a realidade psicossocial na qual estão inseridos quanto sua capacidade de invenção (Romagnoli, 2005, p. 253).

Dada a complexidade de um quadro de dependência de substâncias psicoativas, as ações direcionadas às relações familiares são valorizadas pelo Ministério da Saúde (Brasil, 2002a; 2002b). Assim, partimos da hipótese de que o atendimento à família segundo a terapia sistêmica pode contribuir para que de fato haja um acompanhamento integral, pois passa-se a compreender o contexto de vida do sujeito em tratamento, sua historicidade. De acordo com Romagnoli (2005), o trabalho com famílias na atenção psicossocial é um campo em desenvolvimento, em que há muito que se conhecer. Moreno e Alencastre (2003) postulam que conviver com os familiares tem sido uma tarefa difícil para as equipes dos serviços de Saúde Mental, que acabam por rotular as famílias e responsabilizá-las pelo adoecimento de um de seus membros.

A ATENÇÃO AOS USUÁRIOS DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS NA SAÚDE COLETIVA

Não diferente do que ocorria com os outros tipos de impasses psíquicos e sociais, a assistência ao usuário de álcool e outras drogas era sobremaneira hospitalocêntrica, marcada pelo preconceito e estigmatização, inadequada para execução de projetos terapêuticos específicos que vislumbrem a produção de saúde tal como idealizada no Sistema Único de Saúde. Pensando nisso, propôs-se que:

[…] o atendimento às pessoas usuárias de álcool e outras drogas e seus familiares seja integral e humanizado, realizado por equipe multidisciplinar, na rede de serviços públicos (UBS, CS, PSF, NAPS, CAPS, hospital-dia e unidade mista para tratamento de farmacodependência, serviço ambulatorial especializado, atendimento 24 horas), de acordo com a realidade local (Brasil, 2002c).

No Ministério da Saúde não existiam ações sistemáticas relativas ao tratamento e prevenção das dependências, sendo esta uma falha notável nas políticas de saúde, os poucos ambulatórios e serviços de atendimento existentes trabalhavam sem articulação e de forma assistemática (Cruz & Ferreira, 2011). Somente em 2005, tivemos a publicação Política Nacional sobre Drogas – PNAD (Brasil, 2005); os princípios fundamentais que norteiam essa política são:

• atenção integral: o usuário deve ser visto de forma geral e não apenas na questão específica da saúde;
• base comunitária: o cuidado do usuário deve acontecer prioritariamente na comunidade, no espaço onde ele vive, perto da família;

• territorialização: cada unidade deve atender um espaço determinado, para facilitar o vínculo;
• lógica da redução de danos: não existe o objetivo único de se chegar à abstinência, pois o principal objetivo das ações de tratamento é melhorar a qualidade de vida dos usuários;
• intersetorialidade: a questão do tratamento não é só da saúde, por isso é necessário que se concretizem parcerias para incluir o usuário em outros espaços de cidadania.

A PNAD reforça a necessidade de ações de reinserção familiar, social e ocupacional, introduzindo o conceito de trabalho em “Rede”, sendo que podemos considerar a família um dos componentes dessa rede, além de outros componentes como a comunidade e a escola (Cruz & Ferreira, 2011; Duarte, 2011). Dessa forma, a atuação dos profissionais não pode se restringir ao ambiente dos CAPS, mas deve estender-se a visitas domiciliares, atendimentos grupais de família, entre outros. Essa visão implica que o tratamento não inclua apenas os profissionais e serviços de saúde, mas também os familiares e outras pessoas da comunidade, que podem ser facilitadores do tratamento (Cruz & Ferreira, 2011).

As abordagens familiares têm se des­tacado como uma estratégia para o tratamento de dependentes de álcool e outras drogas no Brasil (Cruz & Ferreira, 2011; Duarte, 2011). Entretanto, ressaltamos que o reconhecimento da importância do contexto familiar ainda não compartilhado por todo, ademais, há poucas pesquisas sobre a abordagem familiar no tratamento para dependência química (Oliveira, 2012).

O LUGAR DA FAMÍLIA NA SAÚDE MENTAL

Philippe Pinel (2007) apontava três causas principais para a alienação: hereditariedade, influência de uma educação corrompida e desregramento no modo de viver; essas seriam as “causas morais”, os fatores predisponentes para o adoecer. O tratamento proposto objetivava a substituição do ambiente onde residia o paciente para curá-lo, já que a família era responsabilizada como causadora de doença, na medida em que não tinha controle sobre a educação falha e as paixões insuportáveis que acometiam o sujeito, logo, o “doente mental” deveria ser separado da família, buscando-se reproduzir no asilo um modelo funcional de família, onde era enfatizada a reeducação moral baseada em normas de “bons costumes” (Pinel, 2007).

A família foi banida do tratamento ao “alienado mental”, cabendo apenas ao asilo e ao poder médico “curá-lo”. Cabe ressaltar que havia determinações para os familiares ficassem longe dos pacientes durante o período de internamento, só podiam visitá-los quando a instituição permitia, pois acreditava-se que havia piora da sintomatologia quando o paciente entrava em contato com seu núcleo familiar; até as correspondências antes de serem entregues eram avaliadas pelos profissionais, para não propiciarem “reações negativas” no doente (Moreno & Alencastre, 2003). Enquanto a instituição psiquiátrica manteve-se como centro da assistência, a família teve pequena ou nenhuma participação nos tratamentos em Saúde Mental.

Por volta dos anos de 1950, a Antipsiquiatria foi impulsionada na Inglaterra. A Antipsiquiatria, um dos movimentos da Reforma Psiquiátrica, questionou a estrutura social, ponderando que os sofrimentos psíquicos são produções sociais, advêm de inter-relações subjetivas (Pereira, 2011). Neste cenário, as teorias relacionadas à abordagem familiar tiveram seu auge nos anos 50 e 60 do século XX (Menezes, 1981), visto que os movimentos de Reforma Psiquiátrica culminaram com a saída dos pacientes dos hospitais. De volta aos núcleos familiares, eles trouxeram consigo a necessidade de novas teorias que incluíssem a família no tratamento.

Os novos pressupostos teóricos defendiam que o diagnóstico, anteriormente restrito ao paciente, indicava dificuldades em todo o núcleo familiar, portanto, a família seria uma estrutura para ser tratada e transformada (Moreira, 1983; Minuchin, 1982). “As famílias passaram a ser entendidas como sistemas que possuem um funcionamento e uma forma de comunicação que precisam ser modificados, pois causam sofrimento em um dos seus componentes” (Moreno & Alencastre, 2003, p. 45).

De acordo com o pensamento sistêmico, a família é uma unidade dinamicamente estruturada e condicionante dos fenômenos humanos. O grupo familiar deve ser visto como um todo no qual seus membros se encontram articulados em diferentes níveis, mas todos em interação. Nesta perspectiva, família não se restringe à somatória de seus membros, mas deve ser entendida dialeticamente, de maneira que qualquer movimento em qualquer parte interfere em todas as outras (Mioto, 1998). A visão sistêmica da família supõe a integração de várias áreas de conhecimento: medicina, psicologia, sociologia, antropologia etc. Nas décadas de 70 e 80 do século XX, houve uma ampliação de várias escolas das chamadas abordagens familiares sistêmicas, as terapias passaram a ser mais colaborativas, dialógicas, sob a influência das ideias do movimento construcionista social, de maneira que essa forma de tratamento psicológico passou a ser mais utilizada.

No contexto da assistência às pessoas com problemáticas referidas ao alcoolismo e à dependência química, recentemente, o atendimento familiar tem se destacado dentre os modos de tratamento, pois a adicção é um fenômeno complexos multicausal, que envolve não só aspectos biológicos, como também psicológicos e relacionais, além do que o uso de álcool e outras drogas gera muito desconforto, sofrimento psíquico e crises no sistema familiar. No Brasil, houve mudança no que se refere aos modelos assistenciais à família, somente a partir de 1980, concomitante ao início da Reforma Psiquiátrica Brasileira (RPB).

Foi na II Conferência de Saúde Mental que a família teve sua representatividade assegurada, constando como recomendações evitar culpabilizá-la e promover seu atendimento integrado inserido no contexto comunitário e social, outrossim, a Terceira Conferência buscou reiterar a importância da família como aliada na redução do sofrimento psíquico, prevendo cuidados domiciliares e enfatizando a importância da formulação de estratégias nas quais os familiares estejam incluídos (SENAD, 2011). Nos caminhos da RPB, a família é apontada como fator essencial para as transformações relativas aos cuidados junto aos sujeitos em sofrimento psíquico (Romagnoli, 2005; Moreno & Alencastre, 2003).

O trabalho de desinstitucionalização constitui-se um esforço permanente de desconstruir condutas tidas como únicas e verdadeiras e construir na multiplicidade de fatores que envolvem o relacionamento do portador de sofrimento psíquico e seus familiares uma experiência de convivência, a mais saudável possível (Moreno & Alencastre, 2003, p. 46).

A RPB trouxe uma visão mais ampliada que permitiu compreender que “o sofrimento, antes tomado apenas como algo individual, passou a ser visto como parte de um contexto onde outras pessoas estão envolvidas e também merecem cuidado e atenção” (Mioto, 1998, p. 21). A família está relacionada com a experiência compartilhada de uma estrutura grupal e com a introjeção desta estrutura, portanto é responsável pela transmissão de padrões de relacionamento (Berenstein, 2002; Cruz & Ramos, 2002). “A família, como uma unidade, desenvolve um sistema de valores, crenças e atitudes face à saúde e doença que são expressas e demonstradas através dos comportamentos de saúde-doença dos seus membros” (Stanhope, 1999, p. 503).

Com efeito, antes de traçar qualquer projeto terapêutico junto ao usuário de álcool e drogas é importante atentarmos para os aspectos familiares, pois “é na família que o indivíduo aprende a se relacionar com o mundo” (Duarte, 2011, p. 10), e a família sempre será para o sujeito um referencial de comportamento e atitude diante da vida. No âmbito da prática, podemos observar os inúmeros desafios do trabalho com os sujeitos que recorrem ao CAPSad e suas famílias, o que vemos é que, na maioria das vezes, a família é excluída das terapêuticas (Brasil, 2004; Senad, 2011; Bordin, Figlie & Laranjeira, 2004).

Quando os sujeitos vivenciam situações de crises, a participação da família no tratamento tem se mostrado fundamental; as diretrizes do SUS concebem a família de “forma integral e sistêmica, como espaço de desenvolvimento individual e de grupo, dinâmico e passível de crises” (Pagani, Minozzo & Quaglia, 2011, p. 40), de maneira que o sistema familiar deve ser objeto de cuidado e promoção da saúde na Atenção Psicossocial. Entrementes, intervenções na família e/ou na rede social dos alcoolistas e drogadictos apresentam melhores resultados quanto ao tratamento se comparados a intervenções individuais (Paz & Colossi, 2013; Moreira, 2004; Payá & Figlie, 2004; Berenstein, 2002). Nesta direção, Geberowicz (2004) afirma que intervenções com a família complementam a função de outros tratamentos, tanto em nível ambulatorial quanto de internação.

Todavia, consoante com a Senad (2011), os programas de tratamento enfrentam um impasse considerável: se por um lado, a família é a base para a saúde, por outro lado, muitos ambientes familiares predispõem seus membros ao uso abusivo de álcool e outras drogas. Entende-se que a família pode ser um fator de proteção ou de risco para o abuso de substâncias psicoativas (Moreira, 2004; Payá & Figlie, 2004; Berenstein, 2002). Para dimensionarmos o exposto basta citar que filhos de pais dependentes de álcool e/ou outras drogas têm uma chance quatro vezes maiores de também se tornarem dependentes (Patterson, 1982; Brickman et. al, 1988; Wang et. al, 1995), mas, mesmo que famílias em que os pais são dependentes possam influenciar que os filhos também o sejam, considerando as interações desenvolvidas no sistema familiar, é imprescindível excluir a visão psicopatologizante da família, que faz com que os agentes de saúde culpabilizem-na pelo surgimento do problema, bloqueando as possibilidades de convivência: “essa postura não só persegue o grupo em questão, como também não contribui para ajudar no estabelecimento de vínculos de acolhimento do sujeito, nem para que essas famílias utilizem o serviço como apoio e referência” (Romagnoli, 2005, p. 252).

ESTUDO DE CASO

Optamos por incluir no texto um relato de caso, o qual torna mais compreensível como nossa experiência prática foi sistematizada para integrar a discussão sobre a importância da abordagem familiar como um recurso necessário das propostas de atenção psicossocial. Os nomes aqui utilizados são todos fictícios, a fim de preservar a identidade dos sujeitos e das instituições. Alice, 14 anos, chegou ao CAPSad com queixas de comportamentos disruptivos: uso de drogas, nervosismo, crises de choro, dificuldades escolares e heteroagressividade. No momento, estava abrigada numa instituição de acolhimento (a qual chamaremos de “Raio de Luz”) devido à tentativa de suicídio da mãe com posterior internação psiquiátrica da mesma por dependência de crack. Desde o abrigamento, as inadequações comportamentais intensificaram-se, culminando inclusive em episódios de autoagressão com cortes (cutting). A família, composta pela mãe e mais três filhas, além de Alice, vivia em situação extrema de vulnerabilidade, desde privações físicas e materiais, indo de condições péssimas de moradia à violência sexual sofrida pelas meninas.

Da primeira união estável de Cristina (mãe), nasceram Eliane (16 anos) e Elaine (15 anos), e da segunda união, Alice (14 anos) e Aline (11 anos), importante frisar que os dois cônjuges que Cristina tivera eram dependentes de drogas. As meninas não tinham contato nenhum com os pais ou com a família extensa, apenas com a esposa do avô materno, quem esporadicamente lhes prestava algum cuidado. Os atendimentos em Terapia Sistêmica de Família foram propostos em razão das complexidades em questão e dos fatores multicausais para o adoecimento de Alice. Assim, mediante aprovação da equipe do CAPSad iniciou-se o tratamento. Sempre havia uma educadora social do “Raio de Luz” que levava Alice ao CAPSad e acompanhava a família nas sessões.

Sessão 1

No primeiro atendimento foi feito contrato terapêutico de 12 sessões e aplicada a Entrevista Familiar; estavam presentes, Cristina, Alice e Aline. A mãe relatou dificuldades para criar as filhas, pois sozinha não conseguia suprir as necessidades financeiras do lar, também assinalou que as filhas eram “rebeldes” e não obedeciam. Interessante destacar que Alice não era apontada como paciente identificada no discurso da mãe. As meninas foram muito resistentes ao contato, falaram palavrões e estiveram completamente alheias a regras e limites, sendo que a mãe não era para elas figura de autoridade. Foi sugerido que em conjunto, as meninas elaborassem um desenho da família, pois era notável que elas não se engajariam na entrevista.

Observou-se que as fronteiras do sistema familiar eram sobremaneira aglutinadas, a mãe faz aliança com a filha mais nova, a única que respeita minimamente seu papel de autoridade. Cristina, por vezes, apresentou comportamentos infantilizados, por exemplo, mostrar a língua para as filhas durante uma discussão; percebeu-se que a autoridade, ora era exercida pela avó das meninas, ora pela filha mais velha. Os diversos comprometimentos advindos do uso de drogas fazem com que um dos filhos, usualmente o mais velho, assuma a posição de filho parental (Osório & Valle, 2009), passando a exercer a função do genitor acometido.

Sessão 2

Compareceram apenas Alice e Aline, a educadora social, informou que, Eliane e Elaine teriam atendimentos no Centro de Referência Especializado em Assistência Social (CREAS), por isso não poderiam participar, informou ainda que Cristina não fora visitar as filhas durante a semana, que tivera uma recaída no uso de drogas e, que, portanto, também não viria para sessão. Alice falou sobre a visita da avó, que a mesma lhe contara que a Cristina havia sido agredida por não pagar dívidas de droga. Na impossibilidade de falar sobre o sentimento que isso lhe causava, Alice desenhou uma faca, simbolizando o sentimento de raiva e a vontade que lhe dava de se cortar para sentir-se aliviada. Aline brincava com bonecos no chão da sala, desatenta a essas questões, provavelmente pela pouca idade.

Com o recurso da casa de madeira e os bonecos de pano, propôs-se brincar de “casinha”. As irmãs colocaram cada boneca num cômodo da casa e a mãe no quarto, deitada na cama. Alice tirou a roupa da mãe e contou que a mesma vivia nua, pois se prostituía para comprar drogas, falou que por várias vezes presenciara cenas de sexo; apresentou alterações de humor, gritou e xingou, dizendo sentir muita raiva. Utilizando a terapia da narrativa, trabalhou-se a reconstrução dessa história, enfatizando conotações positivas sobre a mãe e a família. Essa terapia se baseia na teoria do construtivismo, Sequeira (2012) diz que quando contamos a história de outra forma, isso muda o que pensamos e o que sentimos. Aline ficou por toda a sessão fazendo “comidinhas” e penteando os cabelos das bonecas, não expressou o mesmo sofrimento da irmã, provavelmente porque não tinha ampla compreensão e crítica dos fatos.

Sessão 3

A assistente social do “Raio de Luz” informou que Cristina falecera devido a um quadro de overdose, relatou que Alice tinha agredido outras crianças e havia se cortado com cacos de vidro. Apesar da ausência de Cristina, os atendimentos foram mantidos, considerando que é possível lançar mão do raciocínio sistêmico mesmo se um único membro do sistema familiar se dispõe ao atendimento. Vieram para a sessão Alice e Aline. Alice, com falas desconexas e afetos dissociados, ora dizia amar a mãe e sentir sua falta, ora dizia não ligar para sua morte, e mesmo tê-la desejado. Novamente foi utilizada a terapia da narrativa, visualizando ressignificações do sofrimento do luto. Aline relatou que estava bem, contou que, enquanto tomava banho para ir ao velório, a mãe apareceu no banheiro para dizer que estava morando no céu com deus. O significado da morte para a criança varia de acordo com a idade (Bromberg, 1994).

A educadora social falou que, provavelmente, a guarda de Elaine ficaria com a avó materna e a de Eliane, com uma tia, e quanto à Alice e à Aline, a equipe do “Raio de Luz” estava tentando viabilizar visitas do pai. Informou que Aline trocaria de período letivo, não podendo mais comparecer aos atendimentos.

Sessão 4

Foi utilizada com Alice uma técnica da gestalt-terapia, a Cadeira Vazia (Menegazzo & Zuretti, 1992). A terapeuta sentou-se numa poltrona e pediu que Alice imaginasse que quem estava ali era Cristina. Alice, ambivalente, ao mesmo tempo em que pedia que a mãe voltasse, proferia xingamentos, dizendo que a odiava; chorou muito e pediu para ir embora.

Sessão 5

Alice trouxe uma chave, referindo ser “a chave do inferno”; pediu à terapeuta ajuda para buscar a mãe e mostrar-lhe o caminho do céu. Considerando a demanda ainda emergente, a Cadeira Vazia foi utilizada de novo. Alice verbalizou que não estava mais ligando para a morte da mãe, ocasião em que se usou a técnica Duplo (Gonçalves, 1998), com fins de assinalar sua dificuldade para reconhecer e lidar com a dor do luto. Na técnica do Duplo, o terapeuta fala como se fosse o paciente, como se estivesse traduzindo em palavras o que a paciente expressa por emoções e gestos. Também foi utilizada a técnica do Espelho (Gonçalves, 1998), para facilitar o reconhecimento dos afetos associados à ausência da mãe; no Espelho, o terapeuta dramatiza a fala do paciente maximizando os postos-chaves.

Sessão 6

Partindo do referencial do psicodrama, propôs-se a construção do brasão da família, no intuito de elencar as principais características relacionais familiares. Alice rememorou histórias de gestações não planejadas e agressões domésticas, uso de álcool e outras drogas pelos avôs, tios, pais e primos e prostituições. Confeccionou na massa de modelar um pênis, associando-o à promiscuidade da mãe. Novamente utilizou-se a terapia da narrativa como via de significação-elaboração desses conteúdos emergentes.

Antes de entrarmos para sétima sessão, a educadora contou que as irmãs mais velhas seriam desabrigadas nos dias subsequentes, também o pai passaria a visitar Alice e Aline semanalmente, podendo levá-las para passar a tarde de sábado com ele. Segundo ela, Alice recusava atendimentos com a psicóloga do “Raio de Luz”.

Sessão 7

Com a terapia da narrativa, foi proposto que Alice recontasse a história da saída das irmãs do Lar, e da reaproximação do pai, fazendo conotações positivas disso. Foi conversado com ela que o fato das irmãs morarem separadas não desfaria o vínculo ou o sentimento que elas tinham uma pela outra. Alice confeccionou porta-retratos com fotos suas para as irmãs levarem para a casa nova.

Sessão 8

Alice contou que as irmãs e a avó foram visitá-la. Apresentou-se tranquila e com menos confusão de afetos. Sobre o pai, contou que foram ao mercado e depois fizeram lanche, que ela e Aline gostaram de ficar com ele. Para sessão, utilizou-se o recurso lúdico “Jogo da Vida”, trata-se de um jogo no qual os participantes vivenciam estressores do ciclo vital. Nas etapas do jogo, Alice respondeu com os mesmos padrões comportamentais da mãe, tias e primas: abandono dos filhos, no sentido de não conseguir exercer autoridade sobre eles; reproduziu situação de evasão escolar e não conseguiu pensar num trabalho formal, profissão. Pontuados tais aspectos observados, utilizando a terapia da narrativa, Alice falou sobre esses legados familiares.

Sessão 9

Na intenção de trabalhar a repetição de certos comportamentos na família, assistimos ao vídeo “Vida Maria”, Alice teve ampla compreensão do assunto, verbalizou não querer ser igual à mãe, e, nesse momento, chorou compulsivamente, contou que fazia dois meses que Cristina havia falecido. Foram feitas a escuta e o acolhimento, ao final do atendimento, conversei com ela sobre a possibilidade de convidarmos seu pai para dividir conosco aquele espaço, proposta a qual ela aderiu sem resistência. Feito contato com ele, acordamos sua participação a partir da décima sessão.

Sessão 10

Vieram José (pai), Alessandra (esposa de José), Alice e Aline, que não tivera aula naquele dia. Os três fizeram a escultura da família (foto), atividade que lhes impôs muita dificuldade, pois as meninas mal conheciam a madrasta, e não viam o pai há mais de seis anos. A foto foi remontada várias vezes, o que, de fato, expressa o esforço dessa família para recompor-se nos seus novos rearranjos, até que por fim conseguiram finalizar a proposta. As meninas foram hostis com Alessandra e com o pai, este, por sua vez, destacou o sentimento de culpa por ter estado ausente tanto tempo, e o quanto isso agora comprometia sua função de autoridade, no sentido de impor regras e limites.

Em conversa com a assistente social do “Raio de Luz”, a mesma me informou que José e Alessandra estavam sendo bastante receptivos às orientações, que a equipe via boas perspectivas de desabrigamento; informou também que, após aproximação do pai, Alice melhorara muito, estava sem intercorrências no “Raio de Luz” ou na escola.

Sessão 11

Veio apenas Alice, pois o pai e a madrasta estavam trabalhando. Antes que qualquer atividade fosse sugerida, ela fez um pedido, disse que precisava falar com a mãe, que se sentia culpada pela sua morte, que achava que ela tinha morrido porque deus estava castigando-a por não ser uma boa filha. Mais uma vez, introduzimos a cadeira vazia, Alice, ao contrário do que fazia usualmente, não xingou a mãe, chorou muito, pediu-lhe perdão e despediu-se dela. Para a décima segunda sessão, que seria a última, pedi que o pai e Aline comparecessem.

Sessão 12

Foi proposto confeccionar um mural de fotos, onde a nova história daquela família seria escrita. O novo brasão representativo da família produzido por Alice foi um coração, e ao lado dele, as meninas escolheram fixar a música “Coração com Buraquinhos”. Conversamos sobre a música escolhida por elas, contaram que se identificavam muito com a história das personagens, era uma música de uma novela infantil cujo enredo era a vida de crianças num orfanato; falaram do “Raio de Luz” e do CAPS, pontuando que coisas boas aconteceram, apesar da situação ruim que as trouxe para os atendimentos.

A família respirava ares de esperança de uma vida nova, mas não sem muitos impasses que já se enunciavam, pois, era certo que o pai precisaria de muito apoio nesse processo de assunção da guarda das filhas, por isso, mesmo encerradas as 12 sessões, mantivemos o espaço à disposição, explicando que poderíamos retomar os atendimentos havendo demanda. Quanto à Alice, seguiu inserida no CAPS, em acompanhamento individual e grupal; ela e a irmã foram residir com o pai, e, na medida do possível, visto que o período de adaptação é naturalmente difícil, seguiam sem maiores problemas. O pai e a madrasta tornaram-se assíduos ao tratamento no CAPSad.


DISCUSSÃO

É preciso compreender que as famílias enfrentam impasses intensos para viver os processos de transição e adaptação exigidos no decorrer do ciclo de vida familiar, o que, muitas vezes, resulta na impossibilidade de evolução para uma nova estrutura, perpetuando assim, padrões disfuncionais de comportamento. O ciclo de vida da família abrange uma série de eventos previsíveis ou não, que tencionam a organização familiar; é na fase de transição, de superação de um dado problema, que a família se encontra mais vulnerável. Falamos em estressores horizontais do ciclo de vida familiar quando se trata de eventos previsíveis, por exemplo, o nascimento dos filhos ou a adolescência dos mesmos (Pagani, Minozzo & Quaglia, 2011).

Além dos estressores horizontais, temos os estressores verticais que correspondem à cultura própria de cada família, onde circulam seus próprios códigos: normas de convivência, regras ou acordos relacionais, ritos, jogos, crenças ou mitos familiares, com um modo próprio de expressar e interpretar emoções e comunicações; assim as ações são interpretadas num contexto de emoções e de significados pessoais, familiares e culturais. As principais características, estressores verticais, observadas do sistema familiar atendido que nos chamaram a atenção foram: estilos de comunicação defeituosa, violência doméstica, filho parental, além de alguns padrões familiares transgeracionais repetitivos, por exemplo, respostas ineficazes e estereotipadas para resolver problemas, separações, gestações sem planejamento e abuso de álcool e drogas.

A adolescência é uma das etapas do desenvolvimento de maior vulnerabilidade para experimentação e uso abusivo de substâncias psicoativas. Neste período, o papel protetivo dos pais é indispensável, deve haver uma clara definição hierárquica no sistema familiar (Silva & Padilha, 2011), além do que a organização familiar é um aspecto determinante no prognóstico do quadro de dependência química.

Na maioria das sessões terapêuticas, estava presente apenas um membro da família, o que, por sua vez, não descaracteriza a terapia familiar, pois ainda que os demais membros da família não tenham participado integralmente das sessões, não foram excluídos do tratamento já que o norte de todo o trabalho realizado foi a teoria sistêmica, dessa forma, mesmo quando atendemos uma única pessoa da unidade familiar, a terapêutica se volta para as relações, para as interações.

Após 12 semanas de atendimentos, houve melhoras quanto às demandas trazidas, sobremaneira, destacamos o retorno do pai à família e o posterior desabrigamento das meninas, que foram residir com ele. Também a cessação de alguns sintomas pontuais que Alice vinha apresentando, dentre eles, o uso de drogas, o que nos leva a pensar que este comportamento em muito se referia às relações familiares fragilizadas, visto que equacionados os problemas fundamentais do sistema familiar, a adolescente interrompeu o uso de drogas, inclusive, ao término da terapia familiar a equipe do CAPSad cogitava a possibilidade de Alice receber alta e ser acompanhada pelo CREAS.


CONSIDERAÇÕES

Trabalhar com a perspectiva sistêmica de família implica conceber que a saúde da família vai além da soma da saúde dos indivíduos que a compõem. A análise da saúde da família deve incluir simultaneamente saúde e doença, indivíduo e coletivo; essa é a perspectiva que deve nortear o processo de trabalho. No tocante ao tratamento da dependência química, acredita-se que a terapia familiar está diretamente ligada à diminuição/interrompimento do consumo de drogas (Braun, Dellazzana-Zanon & Halpern, 2014; Payá, 201; Schenker & Minayo, 2004), de acordo com Halpern (2001, p. 123) “a drogadição pode ser considerada um problema familiar”, outrossim, as relações familiares são elementos-chaves tanto para a prevenção quanto para a predisposição ao consumo de drogas (Edwards, Marshall, & Cook, 1999; Schenker, 2008); tanto que Mason e Spoth (2012) defendem que intervenções focadas na família são eficazes para tratar o uso precoce de drogas entre adolescentes.

Consideramos que o grande avanço das terapias sistêmicas é o deslocamento do eixo de compreensão do problema individual para o familiar/social que tem como consequência o acolhimento da família como uma unidade que necessita de cuidado. Essa postura pressupõe um novo olhar sobre as possibilidades das famílias para enfrentarem suas crises. Impõe-se a necessidade não só de reconhecer a importância do atendimento ao grupo familiar, mas também de oferecer uma atenção singular que leve em conta as especificidades de cada família considerando sua história, estrutura, dinâmica e sua inserção no contexto social.

O pressuposto de que as demandas de ajuda que interpelam os serviços de saúde mental necessitam ser compreendidas para além dos aspectos individuais do sujeito identificado como “doente”, mas dentro de um contexto amplo onde toda a família está incluída, é o ponto de partida para o desenvolvimento de formas de atenção aos usuários da saúde mental coletiva que incorporem a família como aspecto basal da visão psicossocial. É essencial considerar que:

A família que exclui é também a família que poderá acolher. A família “problemática” é também a família que carrega a “solução”. Assim, numa visão baseada no paradigma da complexidade, pode-se pensar a família como um espaço de risco, e também, como contexto de proteção, sem que haja exclusão ou separação das partes (Dios, 1999, p. 83).

Neste ponto, enunciamos a necessidade da inserção das terapias sistêmicas de família como novos dispositivos, consoantes com a atenção psicossocial e os ideais de reforma psiquiátrica. Após o trabalho de revisão bibliográfica, e, levando em conta nossas experiências profissionais, concluímos que os tratamentos que incluem a família são atualmente recomendados como abordagens efetivas para o tratamento do abuso de álcool e outras drogas. Entretanto, salientamos que as síndromes de dependência química são multideterminadas, trazendo à baila fatores subjetivos do dependente, fatores familiares e ainda problemas sociais macroestruturais. No caso específico que trouxemos para discussão, observa-se que o uso de drogas foi um evento pontual na vida da adolescente, uma resposta inadequada às rupturas constantes no sistema familiar, por outro lado, no CAPSad geralmente atendemos casos mais complexos de dependência, marcados pelo uso crônico de álcool/drogas e por ciclos de abstinência e recaídas.

Em última análise: “É possível afirmar que a inclusão da família é um dos fatores que favorecem a recuperação e que a família precisa necessariamente ser incluída no tratamento da dependência química” (Braun, Dellazzana-Zanon & Halpern, 2014, p. 136), mas cada caso tem sua peculiaridade, sendo que os resultados não serão sempre os mesmos, ou seja, a interrupção no consumo de drogas. Sobre isso, cabe considerar que o objetivo principal não é necessariamente promover a abstinência, mas sim buscar melhoria na qualidade de vida. A política de redução de danos visa diminuir as consequências adversas do uso de álcool e outras drogas para a pessoa, a família e a sociedade, diminuir o impacto dos problemas socioeconômicos, culturais e dos agravos à saúde associados à dependência de substâncias psicoativas, tendo no horizonte não apenas uma abordagem curativa, mas, sobretudo, a prevenção/promoção, que inclui os contextos familiares e comunitários como primordiais para a produção da saúde.



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Recebido em: 28/09/2016
Aprovado em: 07/03/2017
 

I Ana Flávia Dias Tanaka Shimoguiri: Doutoranda e Mestra em Psicologia pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Faculdade de Ciências e Letras de Assis/São Paulo/ Brasil; Terapeuta Ocupacional; Terapeuta de Família e de Casal. E-mail: af_tanaka@hotmail.com

II Fernanda Silveira Serralvo: Assistente Social; Terapeuta de Família e de Casal; Membro da Associação Brasileira de Terapia de Família – ABRATEF. E-mail: fserralvo@live.com

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