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Acta Comportamentalia
versão impressa ISSN 0188-8145
Acta comport. vol.19 no.4 Guadalajara 2011
ARTIGOS
Afinal, o que é controle aversivo?
After all, what is aversive control?
Maria Helena Leite Hunziker1
Universidade de São Paulo
RESUMO
Embora a literatura relativa à análise do comportamento descreva as relações que envolvem controle aversivo, esse termo não é, em si, definido claramente. O presente texto visa analisar conceitualmente o que significa "controle" e que fatores o caracterizam como "aversivo". O termo "controle" é analisado funcionalmente, considerando-se as probabilidades relacionais envolvidas nas relações operantes e respondentes. Destaca-se a característica de bi-direcionalidade do controle na interação organismo/ambiente, o que caracteriza essa relação como dinâmica e responsável pela renovação contínua do comportamento e pela sua individualidade. A análise dos fatores que caracterizam o controle é feita a partir das operações e seus efeitos comportamentais, bem como da natureza dos estímulos envolvidos nas relações nomeadas como aversivas. Conclui-se que nenhum desses fatores permite a caracterização objetiva do agrupamento das relações aversivas. Sugere-se que o maior desenvolvimento de estudos experimentais sobre respondentes encobertos (respostas "emocionais") pode ser um fator que ajude a tornar mais objetiva essa classificação.
Palavras-chave: Controle; Controle Aversivo; Análise do Comportamento
ABSTRACT
Aversive control is present in most of the relations between an organism and the environment. However, this predominance has not generated a commensurate volume of studies among behavior analysts: in the majority of research in this area, only positive reinforcement in operant contingencies is arranged. This text assumes that a major development in studies of aversive control is a necessary condition for conducting behavior analysis in a more complete and balanced way, both in basic research and in applied conditions. The scientific meaning of the term "control" is discussed within Behavior Analysis, as well as the factors that characterize this control as "aversive." The analysis of the concept is functional, considering the relational probabilities between responses and stimuli that occur in a continuous interaction between organisms and the environment. We conclude that, regardless of their qualitative classification, the term "control" means that the probability of occurrence of an event (the controlled one) has changed by the occurrence of another event (the controller). This definition encompasses both operant and respondent relations. The bi-directionality of the control (between organism and environment) is considered the essential feature for the behavior to be understood as a dynamic process with continuous changes that produce individuality. Aversive control is then characterized by the "operations" (addition and subtraction of the stimulus), their "effects"(increase or decrease of the response probability) and the "nature of the stimulus" involved (aversive or appetitive). We conclude that the joint analysis of the operation and the effect is sufficient to define each behavioral relation, but does not help identifying the common factor that justifies their grouping under the name of aversive control. The development of experimental analysis on covert respondents (related to feelings or emotional responses) is suggested as an alternative criterion for the characterization of the aversiveness of the control to be defined more clearly without the use of circular reasoning or subjective considerations.
Keywords: Control; Aversive Control; Behavior Analysis
De acordo com Hineline (1984), o controle aversivo não é um caso específico de controle, mas é parte das contingências em geral. Sendo assim, não faria sentido a divisão existente na literatura que estabelece que algumas relações comportamentais envolvem controle aversivo e outras o controle por reforço positivo. Não bastaria falarmos apenas de controle do comportamento? Há necessidade dessa sub-divisão em tipos de controle? Se levarmos em conta a prática que vem sendo mantida pelos profissionais da área, a resposta a essas perguntas é "não": historicamente, essa dicotomia ocorre desde os primeiros experimentos até os tempos atuais, apesar de variações na terminologia empregada (Mayer & Gongora, 2011). Se a dicotomia se mantém é um indício de que ela pode ser necessária à compreensão do fenômeno central em estudo, o comportamento. E se é necessário dividirmos o controle comportamental entre o aversivo e o produzido por reforço positivo, cabe a questão: o que caracteriza um determinado tipo de controle como aversivo?
A resposta a essa questão não é simples. Na literatura não há, a rigor, uma definição de controle aversivo, mas apenas uma listagem de relações operantes e respondentes que são assim classificadas. Consequentemente, o controle aversivo é descrito através da listagem de determinadas relações, e a justificativa para esse agrupamento de relações sob uma única denominação tem sido o fato de essas relações serem supostamente aversivas. Como análises circulares ou imprecisões conceituais não são bem-vindas na ciência, é necessário aprimorar os conceitos por ela empregados. O presente texto tem como objetivo identificar critérios que possam ser utilizados como classificadores do controle aversivo sem recorrer à análise circular acima mencionada. Isso será feito a partir da análise dos dois termos empregados: o significado científico do termo "controle" e as características que permitem sua denominação como "aversivo".
O QUE É CONTROLE?
Embora "controle" seja um termo técnico da Análise do Comportamento, ele também é utilizado no senso comum com significados diferentes do científico. Em dicionários da língua portuguesa, controle pode signifi car " ato ou poder de controlar; domínio, governo" ; "fiscalização exercida sobre atividades de pessoas , órgão, departamentos, ou sobre produtos, para que tais atividades, ou produtos, não desviem das normas préestabelecidas"; "botão, mostrador, chave...destinado a ajustar ou fazer variar as características de um elemento elétrico"; "autodomínio físico e psíquico"; "comedimento, moderação" (Dicionário Aurélio, 2010).
No cotidiano, referimo-nos a diferentes classes de controles, tais como controle de qualidade, controle de voo, controle acionário, auto-controle, entre outros.
Nas relações interpessoais, o termo controle quase sempre está associado à noção de dominação, jugo, imposição ou coerção (Sidman, 1989). Assim, a quem controla é imputado um papel tirânico, arbitrário, autoritário (tal como "a mãe controladora", que tem conotações negativas). Quando o controle é exercido sobre grandes grupos por entidades oficiais (governos, igrejas, etc.) a elas são também frequentemente imputadas características opressoras, tais como as de cercear a liberdade individual, reduzir as diferenças de opiniões e hábitos entre as pessoas, e assim por diante.
Portanto, culturalmente o termo controle não raramente é sinônimo de opressão e padronização, em especial nas culturas que viveram (ou vivem) sob regimes políticos autoritários. Na medida em que o cientista é influenciado pela sua cultura, não é de se estranhar que o uso desse termo na ciência do comportamento traga rejeições herdadas do seu uso leigo. A sua substituição na ciência, desejável como forma de evitar a interferência do significado leigo, se for feita não será imediata. Hoje o que constatamos que é impossível ser analista do comportamento sem usar frequentemente o termo controle. Por exemplo, dentre os objetivos dessa ciência estão previsão e controle do comportamento (Skinner, 1953); um dos alicerces da análise operante é o controle pelas consequências (Skinner, 1974); uma das suas áreas de estudo é o controle de estímulos e outra o controle aversivo (Catania, 1998). Portanto, até que o termo "controle" seja substituído como terminologia técnica, o que temos que fazer é desvesti-lo do seu significado leigo e estabelecer claramente o seu significado técnico/científico.
Mesmo cientificamente, há usos que não interessam à análise aqui proposta. Metodologicamente, fala-se em controle experimental (que envolve a manipulação de uma variável independente enquanto as demais são mantidas constantes/controladas) e em grupo de controle (aquele no qual a variável independente em estudo não é manipulada). Porém, não é esse o uso científico do termo que queremos analisar. O signifi- cado que interessa à análise aqui proposta é aquele inerente à lógica das relações funcionais: se B é função de A, então A controla B. Como o estudo das relações funcionais é probabilístico (Catania, 1998), essa relação de controle entre eventos deve ser considerada da mesma forma. Nesse sentido, pode-se dizer que "controlar é alterar a probabilidade de". Portanto, na continuidade desse texto, o termo "controle" nada mais significará do que o fato de que um evento tem sua probabilidade de ocorrência alterada por outro.2
Para que o controle se estabeleça, ou seja identificado, há que se considerar a diferença entre duas probabilidades relacionais que envolvem tanto a ocorrência do evento supostamente controlador como a sua ausência (Catania, 1972). Por exemplo, se a probabilidade de ocorrência de B é sempre alta após a ocorrência de A (p(B/A) = 1,0) e nula na ausência de A (p(B/nA) = 0,0), podemos dizer que essa diferença entre ambas as probabilidades caracteriza que A controla B. No laboratório do analista do comportamento, se a probabilidade de uma pelota de alimento ser apresentada na caixa experimental é 1,0 após a resposta de pressão à barra de um rato, e 0,0 na sua ausência (esquema de reforçamento contínuo), podemos dizer que, por definição, a resposta de pressão à barra controla a apresentação da pelota de alimento. No cotidiano, se ao pressionarmos a tecla "t" do teclado do computador aparecer na tela a letra "t", podemos dizer que temos controle sobre o aparecimento dessa letra na tela. Contudo, quando algum vírus infecta nosso computador e frases passam a aparecer na tela independente da nossa ação, temos uma típica situação onde tivemos reduzido (ou abolido) o nosso controle sobre a escrita mostrada na tela do computador.
A quantificação dos graus de controle depende da magnitude da diferença entre as duas probabilidades citadas, que podem variar dentro do contínuo que vai de 0,0 a 1,0. Assim, o grau de controle será tanto maior quanto maior for a diferença de probabilidade entre os dois termos da equação. No exemplo do rato exposto a reforçamento contínuo, essa diferença foi a máxima possível (1,0) o que indica que a resposta de pressão à barra tem controle total sobre a apresentação da pelota de alimento. Se o rato estivesse exposto a uma contingência de razão variável 2, cada resposta de pressão à barra teria um nível de controle intermediário sobre a apresentação do alimento (p = 0,5). Se, contudo, a probabilidade do alimento ser apresentado fosse igual tanto após a ocorrência de pressão à barra como na sua ausência, então teríamos uma condição onde essa resposta do sujeito não teria qualquer controle sobre a apresentação do alimento, ou seja, onde pressão à barra e alimento seriam eventos independentes entre si.
Portanto, seguindo essa definição, temos a considerar que as contingências operantes envolvem, necessariamente, relações bi-direcionais de controle: (a) aquele estabelecido pelo sujeito sobre seu ambiente, e (b) aquele estabelecido pelo ambiente sobre o organismo.3 Dessa perspectiva, mesmo que um estímulo (S) que ocorre de forma não contingente a uma resposta (R) interfira na sua probabilidade de ocorrência futura, conceitualmente falando essa relação não caracteriza o controle pelas consequências. A rigor, só se pode falar em consequência na relação R-S quando há relação de dependência entre os eventos, ou seja, quando S tem sua probabilidade de ocorrência modificada por R. Se essa relação for apenas temporal (R não altera probabilidade de S), ela não envolve consequenciação, mas sim, contiguidade. A análise da relevância da contingência e/ou da contiguidade na determinação do comportamento, embora instigante (Bloomfield, 1972; White, 2009), não é objetivo do atual texto. Por isso, vamos nos ater apenas às relações R-S que envolvem controle da forma como foi aqui definido.
Além das relações R-S, há outras onde o controle se caracteriza pelo fato de S mudar a probabilidade de ocorrência da R que o segue (relação S-R). Da mesma forma que apresentado anteriormente, essa relação também envolve uma equação com duas probabilidades relacionais (p(R/S) e p(R/nS)): sempre que as duas probabilidades diferirem entre si teremos uma relação onde S controla R, sendo o grau de controle diretamente proporcional à magnitude dessa diferença; sempre que forem iguais entre si, teremos uma condição onde não está estabelecido o controle nos níveis aqui analisados. Quando a diferença entre essas probabilidades é alta (1,0 ou próxima disso) temos uma relação denominada eliciação (processo respondente). Quando as diferenças são menores que 1,0 o processo é denominado controle de estímulo, geralmente estabelecido em relações de três ou mais termos, do tipo S-R-S, conforme se verá mais à frente (Catania, 1972).
Nas relações respondentes, há ainda o pareamento de estímulos (relações S-S) que não envolve controle, pois o primeiro estímulo (S1), embora anteceda o segundo (S2), não altera a sua probabilidade de ocorrência: entre eles há apenas contiguidade temporal. Contudo, o produto desse pareamento é o estabelecimento de uma nova relação de controle: se inicialmente S1 não eliciava R, que era controlada apenas por S2, através do pareamento S1-S2, S1 passa a também eliciar R, ou seja, passa a alterar sua probabilidade de ocorrência. Em outras palavras, S1 passa a controlar R (Catania, 1998).
A bi-direcionalidade inerente ao conceito técnico/científico do termo controle, adotado pela análise do comportamento, abole, por princípio, a noção de autoritarismo trazido pelo uso comum. Sendo o controle inerentemente bi-direcional, não há um poder isolado em qualquer das partes da relação: se o organismo pode mudar o ambiente e ser por ele modificado, a análise envolve uma condição onde organismo e ambiente se modificam mutuamente. Figurativamente, seria um processo análogo a uma espiral que traça círculos que nunca retornam ao mesmo ponto de origem: a cada volta completada pela espiral ela passará próxima ao (mas não no mesmo) ponto visitado da volta anterior, pois as duas partes da relação já se modificaram durante essa volta.
Nas relações respondentes a bi-direcionalidade do controle não é tão explícita, uma vez que não envolve, em si, uma ação do organismo em direção ao ambiente, mas apenas do ambiente em direção ao organismo. Se as relações operantes e respondentes fossem independentes entre si, esse seria um problema para a análise dessa bi-direcionalidade do controle. Contudo, a interação operante/respondente é uma constante, sendo a divisão convencional entre operante e respondente apenas didática, com o fim de facilitar a identificação de alguns dos controles existentes no comportamento em estudo (Donahoe & Palmer, 1994). Assim como não se pode desprezar o fato de que na relação operante o S consequente necessariamente deverá produzir (eliciar) alguma mudança no organismo (caso contrário, não seria estímulo), também nas relações respondentes é esperado que a R eliciada participe, de alguma forma, da alteração da probabilidade de ações do organismo em direção ao ambiente, quer como parte de uma cadeia comportamental, quer exercendo função de operação estabelecedora (Michael, 1993), etc. Por princípio, sendo o comportamento um processo de interação contínua, não há relação que se encerre em si. Portanto, a bi-direcionalidade do controle, mesmo se estivermos fazendo um recorte de análise de relações respondentes, é pressuposta como parte inerente do processo comportamental. Com isso, pode-se dizer que esse conceito de controle é a antítese do estabelecimento da estereotipia comportamental: ele pressupõe diversidade de respostas um contínuo estabelecimento do novo; ele é necessariamente dinâmico e interativo entre as partes, produzindo renovação constante e cumulativa, fato esse que estabelece a enorme complexidade do comportamento dos organismos e a sua inevitável individualidade.
Em resumo, no sentido aqui conferido ao termo controle, ele é aplicável igualmente às relações operantes e respondentes. Se a análise envolver relações de dois termos (R-S e S-R), teremos que o controle envolverá, respectivamente, processos de consequenciação e eliciação. Se ampliarmos a análise para três termos, poderemos ter relações tipicamente respondentes (S-S-R), onde o segundo S controla incondicionalmente R, e o primeiro S, através de pareamentos, vai adquirir igual controle (sendo denominado, então, estímulo eliciador condicionado). Em relações do tipo S-R-S, teremos a consequenciação estabelecida entre os dois últimos eventos e, através do pareamento dessa relação de consequenciação com o primeiro S, este vai adquirir controle sobre a ocorrência de R, tanto na condição de estímulo antecedente (discriminativo), como se apresentado consequente à resposta, como reforçador condicionado (Catania, 1998). Na natureza, essas relações são contínuas, envolvendo elos infindáveis, o que nos sugere que para o seu estudo elas podem ser também infinitamente combinadas e ampliadas quanto aos seus componentes. Com isso podemos identificar as mudanças das funções do estímulo, ou seja, sua capacidade de controlar a ocorrência de diferentes respostas, quer daquelas que o seguiram ou das que o antecederam. Dessa forma, pode-se pesquisar como operações e processos aparentemente simples, por serem contínuos e cumulativos, podem compor uma complexa rede de controle do comportamento (Donahoe & Palmer, 1994).
O que caracteriza o controle como aversivo?
Tendo-se a definição funcional de "controle", resta identificar o que lhe confere a característica de aversivo. A maioria dos livros texto sobre análise do comportamento não define o que é controle aversivo, mas apenas classifica as relações que têm essa denominação. Embora historicamente essa classificação tenha se dado de diferentes formas (ver análise de Gongora, Mayer & Mota, 2009, sobre mudanças na terminologia empregada na área), a atualmente preponderante, considera que dois fatores estabelecem o critério para a classificação das quatro relações operantes básicas (Tabela 1): o primeiro deles é a operação, ou seja, se o estímulo é adicionado (+) ou removido (-) em consequência da emissão da resposta; o segundo fator diz respeito ao efeito comportamental, ou seja, se em função dessa operação a resposta ficou fortalecida (maior probabilidade de ocorrência futura) ou enfraquecida (menor probabilidade de ocorrência futura). Dado que o fortalecimento da resposta em função das suas consequências tem a denominação técnica de reforçamento, e o seu enfraquecimento é denominado punição, a combinação dos dois fatores (operação e efeito) estabelece as quatro relações operantes básicas: reforçamento positivo (operação +, efeito aumento), reforçamento negativo (operação -, efeito aumento), punição positiva (operação +, efeito diminuição), e punição negativa (operação – , efeito diminuição). Portanto, com exceção do reforçamento positivo, considera-se que todas as demais relações operantes envolvem controle aversivo (Baum, 2005; Catania, 1998).
Além disso, há também que se destacar nessa Tabela 1 a dualidade da natureza do estímulo envolvido nessas relações: aversivo ou apetitivo. Essa denominação do estímulo é essencialmente funcional, ou seja, depende do seu efeito dentro de uma relação da qual ele faz parte: é aversivo o estímulo cuja remoção contingente a uma resposta tem por efeito aumentar a probabilidade de emissão futura dessa resposta ou aquele cuja apresentação contingente a uma resposta reduz a probabilidade futura de emissão da resposta (relações inversas definem o estímulo como apetitivo). Portanto, são classificados como aversivos os estímulos componentes das relações denominadas punição positiva e reforçamento negativo, sendo apetitivos os estímulos componentes do reforçamento positivo e da punição negativa (Baum, 2005; Catania, 1998).
A mera denominação dessas relações como aversivas não estabelece, contudo, qual o fator comum que as tornam agrupáveis como tal. Se dizemos que uma relação de punição envolve controle aversivo, ao mesmo tempo que consideramos que ela envolve controle aversivo por ser uma relação de punição, estamos fazendo um raciocínio circular indesejável. A análise conjunta de operação e efeito, que vem sendo feita para fugir dessa circularidade, é suficiente para caracterizar cada relação individualmente, mas não para justificar o seu agrupamento. No caso do reforçamento positivo, que é considerado isoladamente, não há o que questionar. Porém, ao agruparmos três diferentes relações sob uma denominação comum de controle aversivo, temos que identificar qual o fator comum a elas que justifica esse agrupamento. Qual elemento comum que permite denominar uma relação como aversiva?
O "efeito"comportamental pode ser esse fator? Analisando a Tabela 1, temos que concluir que esse não é um critério confiável, uma vez que ele não abarca todas as relações tidas como aversivas. Por exemplo, se o efeito considerado como característico das relações aversivas for de enfraquecimento da resposta, ele incluirá apenas os dois tipos de punição, deixando de fora o reforçamento negativo, tipicamente considerado uma relação aversiva; se for o de fortalecimento da resposta, excluirá as duas punições e incluirá os dois reforçamentos, inclusive o positivo que é a única relação não aversiva nessa classificação. Não sendo o efeito que caracteriza uma relação como aversiva, será que ela pode ser caracterizada pela "operação"? A resposta é não, pois nenhuma das operações é comum às três relações aversivas: a subtração do estímulo contingente à resposta ocorre no reforçamento e na punição, negativos, mas na punição positiva a operação é de adição. Portanto, fica também descartada a operação como fator de classificação da relação como aversiva. Por fim, se não há operação ou efeito comum a todas as relações operantes aversivas, será que essa classificação depende da "natureza do estímulo" (aversivo) que faz parte dela? Essa também não é uma alternativa satisfatória, pois deixa de fora da classificação de controle aversivo a punição negativa que envolve estímulo apetitivo.
Essa análise leva à conclusão de que não há um critério objetivo para que determinada relação operante seja classificada como aversiva. O enfraquecimento da resposta poderia ser adotado como critério suficiente, caso a proposta Michael (1975) — de abolir as operações de adição e remoção do estímulo consequente como parte da classificação dos operantes — fosse acatada pela literatura. Para ele, se um relação de consequenciação produz aumento da probabilidade futura da resposta, ela caracteriza uma relação de reforçamento; se produzir diminuição, caracteriza uma punição; definir essas relações como positivas ou negativas é, segundo ele, dispensável para que o comportamento possa ser adequadamente analisado.
A despeito da sua aparente lógica teórico/conceitual, a proposta de Michael (1975) não gerou mudanças na forma como os analistas do comportamento vêm classificando as relações operantes, conforme analisaram Baron e Galizio (2005). Essa baixa adesão à proposta de Michael parece indicar que ela não resolveu os problemas que a classificação convencional traz. Um debate instigante sobre esse tema foi feito recentemente entre especialistas, através de uma sequência de artigos publicados pela revista The Behavior Analyst (Baron & Galizio , 2006 a, b ; Chase, 2006; Iwata, 2006; Lattal & Lattal, 2006; Marr, 2006; Michael, 2006; Nakajima, 2006; Sidman, 2006; Staats, 2006). O resultado dessa vasta publicação mostra que não houve unanimidade entre os autores sobre a adequação da proposta de Michael (1975). O interessante é que mesmo dentre aqueles que concordaram teoricamente com ele, muitos afirmaram que na prática (no ensino ou na pesquisa) continuam utilizando a classificação quádrupla convencional que considera a operação (além do efeito) como um dos critérios de classificação das relações operantes.
O problema de falta de critério objetivo para se classificar o controle como aversivo é ainda mais acentuado nos estudos de relações respondentes. Por exemplo, o que define como aversivas as relações que controlam a agressão eliciada (Azrin, Hutchinson & Sallery, 1964) ou a supressão condicionada (Estes & Skinner, 1941)? E, tendo-se especificadas as variáveis que permitem tal classificação, há alguma que seja comum a ambas, justificando que relações tão distintas sejam agrupadas sob uma mesma denominação? Até onde vemos, nenhuma dessas duas perguntas tem sido respondida satisfatoriamente. O "efeito" comportamental não parece ser o definidor da aversividade, uma vez que nos estudos sobre agressão, ele envolve aumento de uma resposta (agressiva) topograficamente definida, enquanto nos estudos de supressão condicionada, ele é de redução da probabilidade de emissão de como determinada resposta definida funcionalmente (mantida por reforçamento positivo). Assim, aparentemente não há como indicar o efeito comportamental como critério comum a essas relações respondentes, nomeadas igualmente como aversivas. Outra alternativa seria considerar a "natureza do estímulo" eliciador, condicionado ou incondicionado, como critério para definir a aversividade do controle. Contudo, na Análise do Comportamento, geralmente não se tem uma classificação funcional da aversividade do estímulo diretamente nas relações respondentes: a natureza aversiva do estímulo é geralmente deduzida de estudos operantes (estímulos que produzem fuga/esquiva ou punição positiva).4 Nesse contexto, o choque elétrico, utilizado tanto nos estudos de agressão eliciada, como de supressão condicionada, é sempre considerado um estímulo aversivo, mesmo sem serem testadas diretamente fuga, esquiva ou punição positiva.
Ao consideramos que as funções aversivas não são diretamente testadas nos estudos respondentes, encontramos outro problema: a atribuição da natureza do estímulo sem a demonstração da sua funcionalidade. Essa atribuição, a priori, da função do estímulo, fere o rigor conceitual que a abordagem propõe para essa classificação. Por fim, considere-se que se tem sido demonstrado que estímulos fisicamente semelhantes (mesma duração, intensidade, formato de onda, etc) podem ser funcionalmente aversivos quando integrantes de uma contingência, mas não quando integrantes de outra . Por exemplo, Perone (2003) comparou trabalhos onde choques elétricos com intensidade abaixo de 1,0 mA tiveram a função de aversivos em uma contingência de punição, mas não em uma de esquiva . Se essa diferença existe entre relações operantes, o que dizer entre relações operantes e respondentes, que naturalmente já diferem em outros aspectos? O desejável seria que o estudo das relações respondentes seguissem o mesmo rigor que o utilizado nos estudos operantes, estabelecendo critérios independentes, que permitissem objetivamente a classificação do estímulo como aversivo. Essa é uma tarefa que ainda está para ser desenvolvida na área.
Na ausência desses critérios mais gerais, uma alternativa adotada por alguns pesquisadores tem sido quantificar algumas respostas que são eliciadas por determinados estímulos para, em função dessa quantifi cação, classificá-los como eliciadores aversivos. Por exemplo, frequência e intensidade de vocalizações e movimentações corporais bruscas (saltos, corridas, etc) são respostas frequentemente eliciadas por choques elétricos, liberados em animais, com determinadas intensidades. Nesse sentido, tais respostas foram utilizadas por Santos e Hunziker (2010) para delimitar a intensidade mínima de choques que lhes propiciaria classificá-los como aversivo. Da mesma forma, a resposta de lamber a pata tem sido considerada indicadora de aversividade nos estudos sobre dor eliciada por alta temperatura sobre a pele, com o rato testado no aparato denominado "placa-quente" (Hunziker, 1992) . Contudo, esses critérios, embora tornem mais objetiva a classificação do estímulo (choque elétrico ou temperatura) como aversivo, eles têm a desvantagem de serem específicos para os estímulos manipulados e as espécies a eles submetidos: ratos não lambem a pata quando recebem choques pelo piso, nem vocalizam quando colocados sobre uma superfície aquecida a 50º C; da mesma forma, uma mesma intensidade de choque elétrico pode ser aversiva para um rato, mas não para um cão. Falta, portanto, uma classificação mais geral que fundamente objetivamente a classificação do estímulo eliciador como aversivo.
A análise feita anteriormente pode ser ampliada para outras relações aversivas. Por exemplo, foi demonstrado experimentalmente que a extinção operante torna mais provável a ocorrência de respostas agressivas (Azrin, Hutchinson & Hake, 1966). Isso significa que, mesmo que a descontinuidade do reforçamento não seja uma operação classificada como típica das relações aversivas, ela exerce a mesma função eliciadora de agressão que a já demonstrada pelos choques elétricos, ou seja, é também aversiva. Da mesma forma, podem adquirir função punitiva tanto estímulos associados a menor probabilidade de reforçamento positivo em esquemas múltiplos (Jwaideh & Mulvaney, 1976), como a contingência de razão fixa (por reforçamento positivo) em si: foi demonstrado que animais emitem respostas, cuja única consequência é produzir a suspensão temporária do esquema reforçador positivo (produção de período de time out), principalmente logo após a liberação do reforço (Azrin, 1961). Esses dados experimentais sugerem que esquemas de reforçamento positivo podem envolver também contingências aversivas (Perone, 2003), o que mostra a necessidade de se rever a dicotomia aversivo/reforçador positivo à luz de dados experimentais.
Em resumo, podemos concluir que a análise aqui realizada sobre processos, operações e natureza de estímulo não conseguiu identificar um fator comum às relações comportamentais denominadas como aversivas. Porém se a distinção entre controle aversivo e reforçador positivo vem sendo mantida, que outro tipo de variável a tem sustentado?
Possíveis alternativas
A dicotomia aversivo/não-aversivo deriva da distinção feita no senso comum entre bom/mal, agradável/ desagradável, e outras relações antagônicas equivalentes. Para o leigo, as diferentes relações aqui apontadas como aversivas têm como fator comum a sensação de desagradável ou indesejável. Em linguagem não técnica, considera-se que é prazeroso ganhar algo de que se goste, assim como é desagradável perdê-lo; é desagradável se algo que fazemos nos produz sofrimento ou desconforto, ou se vivermos situações que nos incomodam a ponto de buscarmos formas de aboli-las ou evitá-las. Embora a referência a sensações de desconforto ou sofrimento não seja um parâmetro confiável para conduzir a análise científica do comportamento, ela nos aponta alguns eventos privados, nomeados via modelagem feita pela comunidade verbal (Skinner, 1957), os quais geralmente (mas nem sempre) são compatíveis com a classificação das relações e estímulos denominados como aversivos.
Dada a imprecisão da subjetividade, desde os seus primórdios a ciência do comportamento se propôs a trabalhar apenas com relações funcionais objetivas, fundamentando seus conceitos e análises (Watson, 1913). Assim, a descrição de sensações (dentre outros eventos privados) não tem sido considerada como critério confiável para a designação da natureza aversiva de estímulos ou das relações funcionais estabelecidas. Mas, embora formalmente isso não seja feito, a falta de critério objetivo que justifique o agrupamento das relações aversivas nos permite perguntar: será que o comportamento científico de classificar a aversividade das relações não está sendo informalmente controlado pela consideração das respostas encobertas eliciadas em determinadas condições? Em outras palavras, será que os analistas do comportamento não acabam utilizando como critério último (embora não declarado) a suposição de sensações desagradáveis para classificar uma relação como aversiva? Como disse Michael (1975), não será a terminologia de reforço positivo x controle aversivo uma forma supostamente mais objetiva que a comunidade de analistas do comportamento encontrou para se referir a "coisas boas e más"? Em suma, será que o critério que vem justificando o agrupamento de diferentes relações sob a denominação de "controle aversivo" está sendo determinado pelos aspectos qualitativos das respostas encobertas eliciadas (sensações), formalmente não consideradas na análise feita?
Embora seja fácil concordar com Michael (1975), quanto à sua análise da ambiguidade da terminologia empregada na área, não é igualmente fácil concordar com a sua proposta de abolir as distinções entre reforçamento positivo e negativo. Staats (2006), ao discordar de Michael, destacou como muito relevante o fato de que a resposta "emocional" eliciada pelas relações aversivas é muito diferente das eliciadas pelo reforçamento positivo. Segundo ele, a não distinção entre ambas deixaria de lado um aspecto importante do comportamento. Dado que as respostas encobertas fazem parte do fluxo comportamental, elas podem alterar a probabilidade de ocorrência de outras respostas públicas.
Concordando com Staats (2006), consideramos aqui que talvez seja indispensável buscar formas de incluir na nossa análise as respostas encobertas eliciadas pelos estímulos componentes das diversas relações do organismo com o ambiente. Desde que feita objetivamente, sem lançar mão de processos inferidos, a análise de respostas encobertas possivelmente possibilitará uma visão mais completa do nosso objeto de estudo, sem deixar fora dessa análise o mundo sob a pele (Skinner, 1974). Para atingirmos esse objetivo, será essencial contarmos com as neurociências, cujas descobertas experimentais poderão ajudar nessa empreitada de tornar objetiva a mensuração e possibilidade de manipulação de tais comportamentos (ver exemplo em Nicholelis & Chaping, 2008).
Consideramos que o enorme predomínio no estudo da análise operante, assim como das relações reforçadas positivamente, é apenas uma etapa na construção da ciência do comportamento (Catania, 2008). No momento, as relações respondentes têm sido deixadas em segundo plano como se fossem responsáveis apenas por "comportamentos simples", que se encerram no reflexo. A ampliação do estudo de relações respondentes, poderá, talvez, dar conta de alguns problemas que parecem insolúveis pela lógica puramente operante, tais como a classificação e análise do controle aversivo aqui discutida. Nesse sentido, a proposta de Donahoe e Palmer (1994) de um processo unificado de reforço parece uma alternativa promissora para que a integração operante e respondente venha a ser mais presente no estudo do comportamento.
REFERÊNCIAS
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Received: February, 10, 2011
Accepted: March, 07, 2011
1) Endereço institucional: Departamento de Psicologia Experimental. Av. Prof. Mello Moraes, 1721. CEP 05508-030 – São Paulo – SP – Brasil. Endereço e-mail: hunziker@usp.br
2) A mesma análise feita no texto sobre alteração da probabilidade de ocorrência de eventos pode ser aplicada para a alteração da probabilidade de outras dimensões da resposta, tais como força, duração, topografia, etc.
3) Por resposta e estímulo entenda-se classe de resposta e classe de estímulo, respectivamente (Catania, 1998).
4) Outras ciências biológicas usam algumas medidas fisiológicas como indicadores diretos da aversividade (ou da natureza "estressante") do estímulo, tais como a liberação de glicocorticóides como produto da ativação do eixo Hipotálamo-Pituitária- Adrenal (HPA) (Palermo-Neto, 2006). Contudo, essas medidas não são geralmente adotadas como critérios de aversividade em estudos relacionados à Análise do Comportamento.