A análise sobre os movimentos sociais deve ser considerada por quaisquer campos do saber que se propõem a compreender e agir no real, visto que a participação dos sujeitos nestes reverbera nas condições objetivas e subjetivas de vida. Na realidade brasileira, em que o modo de produção e reprodução capitalista possui uma lógica modernizante desigual, gentrificadora e - ainda mais - violenta (Marini, 2005), essa análise é ainda mais fundamental. No entanto, é importante consentir em uma definição sobre movimentos sociais que possa ancorar nossa compreensão sobre eles. As definições mais generalizantes e consensuais de movimentos sociais elencam como características básicas: identidade própria; opositor definido; e um projeto societário estabelecido (Gohn, 2010). Além disso, os movimentos sociais possuem papel educativo e histórico, permanência temporal (não sendo meramente reativos a circunstâncias específicas), organização coletiva com relativo grau de formalidade e estabilização, sendo ainda parte importante da definição da cena política.
Nesse ponto, um breve retrospecto dos movimentos sociais se faz necessário para compreensão da dinâmica da própria totalidade histórica. Primeiramente, é importante situar os chamados movimentos sociais clássicos, que despontam das lutas no século XIX. A definição de movimentos sociais clássicos não é consensual, porém a usaremos aqui para designar os movimentos centrados nos conflitos de base econômica, adquirindo uma perspectiva de classe (Montaño & Duriguetto, 2011; Neves, 2020). Os exemplos mais proeminentes dos movimentos sociais clássicos são os sindicatos (ou movimento sindical) e os partidos. Engels (1845/2010), em "A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra", considera os sindicatos como centros de organização da luta coletiva dos operários. Como principais características, temos: são configurados na condição de classe; são fundados a partir das contradições na esfera produtiva; e possuem como objetivos de luta os limites na exploração da força de trabalho. Porém, Engels alertava para a limitação das lutas sindicais na luta econômica, ou seja, voltado para pautas específicas em relação ao trabalho, reformistas. Logo, as lutas reformistas são as que se orientam a conquistas de direitos, aos avanços quanto à satisfação das necessidades da classe trabalhadora, propondo reformas na sociabilidade do capital que possibilitem a emancipação política - o máximo possível dentro dos marcos do modo de produção capitalista (Marx, 1844/2010). A passagem da luta econômica para luta política se efetivaria no partido.
O partido político, por sua vez, é definido no "Manifesto Comunista" (Marx & Engels, 1848/2008) como grupo organizado em torno de objetivos de classe, originado nos processos de mobilização e organização dos operários, tendo como características: o caráter público, o combate permanente da propriedade privada, a união dos trabalhadores e a formação política voltada à conscientização, sendo, também, importante instrumento de constituição da subjetividade dos trabalhadores. Logo, possui papel de mediação política e educativa.
Esse breve retrospecto é importante pois na década de 1970 surgem os denominados "novos" movimentos sociais enquanto alternativos à luta de classes convencional dos partidos e sindicatos. É em maio de 1968, na França - quando o movimento operário e o estudantil se uniram em prol de uma greve geral -, que ganham força os movimentos com bandeiras político culturais progressistas e lutas por reconhecimento de direitos civis sinalizando para uma revolução cultural. O importante a ser destacado é que, a partir desse movimento europeu, temos como consequência a emergência de novos atores sociais, um distanciamento das entidades de esquerda tradicionais e uma aproximação da social-democracia à organização trabalhadora com lutas fora da esfera do trabalho e da produção (Montaño & Duriguetto, 2011). Pinheiro (2007) destaca que isso não significou o fim dos movimentos clássicos e classistas, havendo também "novos movimentos sociais classistas" que resgatam de formas diversas a crítica à sociedade capitalista e de organização de classe. No entanto, a influência do próprio movimento de 1968, aliado às mudanças na dinâmica capitalista na composição da classe trabalhadora e no mundo do trabalho, bem como as possibilidades históricas concretas, fazem com que os objetivos e rumos desses novos movimentos classistas sejam outros. São compostos por trabalhadores precarizados e desempregados do campo e da cidade, bem como por sem-terra e sem-tetos. Assim,
embora se coloquem genericamente no campo das classes trabalhadoras, nem todos se definem como socialistas e, os que assim se definem, o fazem à sua maneira, indicando que há um longo caminho a percorrer até a unidade de programa de luta e de objetivos estratégicos (Pinheiro, 2007, p. 140).
Na América Latina esses movimentos devem ser compreendidos a partir da condição colonizada e dependente dos países do continente (Marini, 2005). Os novos movimentos sociais surgem no contexto de expansão capitalista mundial e Guerra Fria onde as respostas imperialistas às inúmeras revoluções do século XIX foram a cooptação ideológica e a repressão via ditaduras. Visando tal realidade, o presente artigo objetiva realizar uma revisão sistemática dos estudos empíricos da Psicologia sobre os movimentos sociais e, posteriormente, analisá-los a partir da tradição marxista. Antes, se torna imprescindível fazermos uma relação entre o histórico dos movimentos sociais no Brasil e da Psicologia como ciência e profissão no país.
Movimentos Sociais e Psicologia no Brasil: Histórico e Possibilidades de Relação
A origem dos movimentos sociais no Brasil está vinculada à constituição da classe trabalhadora no final da República Velha, concomitante ao crescimento do operariado industrial. Isso não significa que não houve previamente movimentos de contestação e enfrentamento na história do país. A vinda dos imigrantes foi parte importante na constituição política e ideológica da classe trabalhadora, cujas reivindicações tiveram como contrapartida leis rígidas de repressão pautadas na segurança nacional. Desse período até 1920 três correntes tinham peso: o anarcossindicalismo - origem do Partido Comunista Brasileiro (PCB), os reformistas e os sindicatos amarelos1. O período iniciado em 1937 com o chamado Estado Novo (1937-1945) teve como marco a forte repressão aos sindicatos, partidos e movimentos sociais, atrelando a política trabalhista ao controle e manipulação da classe trabalhadora, o que não significou a desmobilização. É importante, nesse período, frisar a organização dos trabalhadores rurais, excluídos das leis trabalhistas, como as Ligas Camponesas (Montaño & Duriguetto, 2011).
Entre 1960 e 1964 há a primeira crise cíclica do modelo de industrialização dependente, emanando disputas e mobilizações entre as classes. No governo Goulart (1961-1964) houve grande mobilização de trabalhadores urbanos e rurais, culminando, como resposta do grande capital, no Golpe civil-militar de 31 de março de 1964 e dando início ao período de institucionalização da autocracia burguesa no Brasil. Montaño e Duriguetto (2011) dividem os movimentos sociais no Brasil desse período em: movimentos clandestinos de resistência à ditadura (a exemplo do movimento estudantil, dos sindicatos antiarrocho e da luta armada) e movimentos por bens de consumo e coletivos, como habitação, saúde e educação. Estes últimos, que tiveram apoio de grupos de esquerda e da Teologia da Libertação, ganham força em bairros e comunidades (sobremaneira por meio das Comunidades Eclesiais de Base - CEBs), sobretudo a partir de 1970. No final de 1970 as organizações sindicais - sob a influência do novo sindicalismo2- retornam, tendo como marco a criação do Partido dos Trabalhadores (PT) em 1980 e da Central Única dos Trabalhadores (CUT) em 1983. Esta teve fundamental importância na articulação das lutas dos trabalhadores e papel ativo, junto com a Comissão Pastoral da Terra (criada em 1975), pela criação do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) em 1984 (Montaño & Duriguetto, 2011). No Brasil da ditadura, fundamentalmente pós 1970, as lutas estavam, diferentemente da França ou em outros países europeus e norte-americanos, centradas em melhores condições de vida, trabalho e contra a ditadura militar. A redemocratização e o reconhecimento legal da participação coletiva definiram novas possibilidades de ação e racionalidade aos movimentos sociais com base no pluralismo organizacional e ideológico e outras formas de relação com o Estado (Scherer-Warren, 1993).
No âmbito acadêmico, na América Latina, datam desse período dissidências e denúncias em relação ao caráter imperialista estadunidense na sociologia, filosofia e psicologia e propostas de independência intelectual e desideologização destas ciências. Cuellar (2020) cita como exemplos Fals-Borda, na Colômbia, Maritza Monteiro, na Venezuela, e Martin-Baró, em El Salvador, sendo estes - ainda que Fals-Borda advindo da Sociologia - expoentes fundamentais da psicologia social latino-americana. A partir daqui temos possibilidade de inserir a Psicologia no debate histórico, não só pelo fato da regularização da profissão no Brasil ter se dado nesta época (em 1962), mas pelos fundamentais questionamentos pelos quais passou enquanto ciência e profissão neste período - também conhecido como de crise da psicologia social (Lacerda, 2013). Desde então, havia, em menor número e sem serem hegemônicas, preocupações na construção de uma Psicologia a serviço das maiorias populares e na constituição de um papel político e social da profissão. No início da década de 1970, há no Brasil uma aproximação de profissionais da Psicologia com os movimentos populares, ainda de caráter voluntário, clandestino e "militante". Lacerda (2013) aponta que é possível identificar análises teóricas que partiam de um referencial crítico na psicologia desde o meio do século XX, em projetos de construção de um projeto de nação e de questionamento do racismo científico.
No entanto, é a partir de 1980 que surgem no Brasil elaborações teóricas mais robustas, sobretudo por influência do próprio maio de 1968 na França e pelos trabalhos da chamadatroikarussa (Luria, Leontiev e Vigotski), que se expressaram em alguns elementos especiais: 1. nas lutas populares contra a ditadura militar e a reorganização da classe trabalhadora, com aproximação teórica das análises marxistas; 2. nos movimentos de luta antimanicomial e da reforma sanitária, que reorientaram as práxis sobre saúde e loucura; 3. na expansão da pós graduação nas universidades públicas; 4. na formação de grupos de estudos e associações referenciados ao movimento institucionalista e a autores como Guattari, Deleuze e Foucault, bem como novos círculos psicanalíticos; 5. na disputa interna nas entidades representativas de psicologia; 6. na criação da Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO) em 1980. e 7. nos trabalhos de Sílvia Lane e companheiros da PUC de São Paulo e o projeto de compromisso social da psicologia (e em debates anteriores sobre a função social da psicologia) (Lacerda, 2013). Assim, podemos afirmar que tais tensões e mudanças no âmbito da psicologia foram fruto desse momento histórico e da aproximação com os movimentos sociais. Isso não é pouco se considerarmos o histórico da profissão que, desde meados de 1920, antes de sua regulamentação, tem como áreas prioritárias o trabalho e a indústria (além da educação e saúde) - justamente onde se concentraram as principais reivindicações dos movimentos sociais da época -, sua racionalização e maior exploração do trabalhador (Yamamoto, 1987).
Um panorama sobre o cenário de lutas recentes mundiais mostra uma rapidez na internacionalização destas, bem como os novos conflitos (ou a visibilidade deles) demandaram novas temáticas, como as relacionadas à etnia, religião, gênero e sexualidade. Na América Latina a retomada de lutas indígenas e o associativismo parecem ser dominantes nos anos 2000, concomitante à entrada dos novos atores da sociedade civil, como as ONG's e outras entidades do dito Terceiro Setor que, embora tenham surgido na década de 1960 com o propósito de fiscalização do Estado, têm seu caráter desvirtuado e associado à filantropia (Gohn, 2010). A ascensão do Terceiro Setor tem como principais razões o ajuste neoliberal e os cortes crescentes de gastos nas políticas sociais. A responsabilização pelas expressões da questão social (sobretudo a pobreza) passa a ser não só do Estado, mas do mercado e da "sociedade civil", garantindo lucro e fortalecendo enfoques individuais e reiterando a despolitização dos conflitos sociais e a docilização da sociedade (Yamamoto, 2007).
Ademais, as pautas vislumbrando maior representatividade e a participação na definição de políticas públicas, o controle do poder institucionalizado e demandas no campo democrático e cidadão passam a ser centrais no período mais recente. Quando falamos em Psicologia, a inserção nas políticas públicas desde a década de 1980 (e sobretudo pós anos 2000) e a interiorização e a ampliação do ensino superior também modificaram o perfil profissional e as reflexões na formação (Macedo & Dimenstein, 2012). Porém, é fundamental questionar suas perspectivas hegemônicas nesses espaços e as limitações e alternativas possíveis.
Método
Esta revisão foi direcionada a partir dos itens para análises sistemáticas e meta-análises - o protocolo PRISMA -, reconhecido internacionalmente com critério padrão, que busca verificar, com alta força de evidência científica e com métodos bem delineados, o desenvolvimento ou o "estado da arte" da temática em questão, bem como avaliá-la criticamente (Galvão et al., 2015). Foram utilizados dois bancos de dados eletrônicos: Periódicos CAPES e Redalyc. A escolha se deve à relação do tema com o conteúdo indexado, bem como a variedade de países pesquisados e o alcance destas bases. Os termos e a forma de pesquisa foram definidos de acordo com as particularidades de cada base. Nos Periódicos CAPES os termos "movimentos sociais" e "Psicologia" foram cruzados utilizando o operador booleano "AND", restringindo a pesquisa aos resumos que continham ambos os termos. Foi ainda aplicado o filtro "artigo". Nessa pesquisa, realizada entre os dias 6 e 7 de abril de 2020, foram alcançados 966 artigos. O mesmo procedimento foi realizado nos idiomas inglês e espanhol, porém, aplicando também o filtro "psychology" (o que não era permitido na língua portuguesa), alcançando, respectivamente, 1316 e 92 artigos. Devido ao grande número de artigos encontrados, foi realizada uma leitura dinâmica dos títulos e resumos e, no caso da língua inglesa, foi utilizado o termo Brazil no localizador do navegador. No Redalyc, pelas limitações da base, foi realizada uma busca simples por "movimentos sociais" e aplicados os filtros "Psicologia" e "Brasil". O período de buscas foi entre os dias de 31 de março de 2020 e 2 de abril de 2020 e alcançou 372 artigos. O mesmo procedimento foi realizado em inglês (n= 42) e espanhol (n= 24).
Os critérios de inclusão foram: a) artigos cujo principal objeto de análise seja um ou mais movimentos sociais. Esse critério é fundamental, pois, muitas pesquisas citavam movimentos sociais e até mesmo fazem entrevistas com membros destes, porém, sem que sejam o foco de análise; b) artigos empíricos; c) serem da área da Psicologia; d) realizados no Brasil. Considerou-se pesquisas quantitativas e qualitativas com diferentes métodos. Foram excluídos artigos teóricos e/ou baseados em relatórios estatísticos de fontes secundárias, bem como análises documentais.
A partir de tais critérios foram selecionados 92 artigos; 79 se retirados os duplicados. Posteriormente, foi realizada a leitura integral dos trabalhos a partir dos critérios de inclusão, restando 43 artigos, sendo 20 da base Redalyc e 23 dos Periódicos CAPES. Os artigos foram organizados em tabela de Excel a partir das seguintes informações: título; revista (se brasileira ou estrangeira; da psicologia ou outras áreas); local do país que a pesquisa foi realizada; filiação dos autores; ano de realização da pesquisa; ano de publicação; objetivo do trabalho; movimento(s) social(is) pesquisado(s); área da Psicologia; participantes; método; referencial teórico; definição de movimento social presente do artigo; e principais conclusões.
Possíveis limitações que podem ser levantadas a partir do método apresentado dizem respeito à busca, que fez com que o número de artigos encontrados fosse alto, sendo muitos de outras áreas. Em casos de dúvida, eram conferidas as formações dos autores. A exclusão de livros, teses e dissertações também pode alterar o teor da análise. Além disso, há muitos estudos sobre políticas públicas, ONGs, conselhos, associações e grupos específicos, crenças e representações sobre grupos "minoritários" que citam os movimentos sociais, mas não os têm como prioridade de análise no estudo, tendo sido excluídos da seleção.
Resultados e Discussões
Os artigos estão distribuídos em 21 diferentes revistas, sendo 39 brasileiras e quatro estrangeiras, 33 da Psicologia e 10 de outras áreas. Apenas um artigo selecionado está em língua inglesa. É interessante ressaltar a predominância de artigos na revista Psicologia e Sociedade (n= 14). Tal predominância está relacionada ao fato de a grande maioria dos artigos se localizarem na grande área da Psicologia Social. No entanto, é importante considerar a influência da ABRAPSO enquanto instituição condensadora dos debates na área (Lacerda, 2013).
Os dados bibliométricos nos indicam, em relação ao ano de publicação das pesquisas, predomínio de após o ano de 2005 (2005 a 2009 comn= 10, 2010 a 2014 comn= 14 e 2015 a 2019 comn= 17), sendo que 20 dos artigos não mencionava o ano de realização da pesquisa. Sobre os instrumentos metodológicos utilizados, 13 trabalhos utilizaram a observação, seguido de 11 análises documentais, seis diários de campos, quatro entrevistas individuais, quatro entrevistas coletivas, dois questionários, dois jogos, desenhos e atividades lúdicas, dois grupos focais, dois questionários e um, cada, atos e protestos, visitas e participações em eventos e reuniões do movimento. As amostras indicam predominância de utilização de grupos pequenos, com somente três artigos com mais de 30 participantes. Por fim, os estados onde as pesquisas foram realizadas mostram dominância da região sudeste, com: São Paulo (n= 12), Minas Gerais (n= 6), Santa Catarina (n= 5), Rio de Janeiro (n= 3), Paraíba (n= 2), Pernambuco (n= 2), Rio Grande do Sul (n= 1), Paraná (n= 1), Espírito Santo (n= 1), Bahia (n= 1), Alagoas (n= 1), Rio Grande do Norte (n= 1), Piauí (n= 1) e Acre (n= 1).
Em relação ao ano de realização das pesquisas, destaca-se a concentração do interesse pelo tema a partir da primeira década de 2000. Podemos refletir sobre tal interesse relacionando com a entrada massiva da psicologia nas políticas públicas no mesmo período e o maior defrontamento da categoria profissional com a realidade social. Muitos trabalhos (n= 20) não mencionam o ano de realização, o que impacta negativamente em sua análise, visto que, sobretudo no tema pesquisado, as análises conjunturais são fundamentais. A média de tempo de realização das pesquisas é de, aproximadamente, 2 anos, sendo nítida a adequação de prazos de programas de pós-graduação. Há um crescimento substancial justamente após 2010, denunciando um possível hiato entre realização e publicação.
Em relação ao local de realização da pesquisa, a despeito da interiorização e expansão das universidades na primeira década dos anos 2000, ainda existe maior concentração de cursos de graduação e pós-graduação na região sudeste, bem como o acesso às universidades e ao próprio conhecimento se dá desigualmente, com maior concentração de renda e financiamento de pesquisa e publicações nos centros urbanos (Nazareno & Herbetta, 2019). A disparidade nos leva a supor que a concentração de pesquisas realizadas no Sul e no Sudeste favorecem a predominância de estudos sobre determinados movimentos sociais. Lacerda (2013) observa, ao analisar o período de 1970/80, que "a expansão da pós-graduação coincide com o processo de difusão da crise da psicologia social no Brasil" (p. 237). A partir disto, poderíamos questionar se a ampliação trouxe novos interesses e perspectivas à psicologia brasileira. Sobre a filiação dos autores, todos eram oriundos de universidades públicas ou faculdades com vínculo religioso, reafirmando o papel da universidade pública na produção de conhecimento, extensão e aproximação com grupos subalternizados. Apenas um citava um trabalhador do Centro de Referência Especializada em Assistência Social (CREAS) como coautor.
Em relação aos aspectos metodológicos, há maioria (n= 39) de abordagens qualitativas, com duas pesquisas de abordagens quantitativas e duas mistas. Em relação ao tipo de artigo, a maioria é constituída de relatos de pesquisas (n= 35), seguido dos estudos de caso/relato de experiência (n= 8). Os instrumentos metodológicos são diversos e comuns dentro das abordagens qualitativas, sendo, na maior parte das vezes (n= 29), utilizados de forma combinada. No que concerne à divisão por áreas dentro da Psicologia, houve a predominância da Psicologia Social (n= 39), seguida pela Psicologia Política (n= 6), Ambiental (n= 4), Comunitária, Escolar, dos Movimentos Sociais, Saúde Coletiva e sem referências (ambas comn= 1 cada). Há artigos em mais de uma área, bem como aqueles cuja área de interesse não é mencionada diretamente pelo autor. Nestes casos, foram consideradas as referências bibliográficas principais para definição. Ainda assim, há dificuldades para a definição da área. Chama atenção ainda a definição da área psicologia dos movimentos sociais (Silva, 2007). Porém, a abordagem teórica, ainda que dentro da psicologia social, tem uma variedade considerável. A tentativa de uma classificação/categorização a partir de uma reivindicação dos/as autores/as não foi possível pois as matrizes de pensamento e bases epistemológicas não eram evidentes em todos os artigos, havendo grande confusão entre área, temas, autores base e abordagens. Há, contudo, a predominância de matizes pós-estruturalistas3(n= 14). Estas frequentemente sinonimizam erroneamente marxismo e estruturalismo, tomando o primeiro como mecanicista e economicista, como a sua crítica e tentativa de superação dos determinismos estruturalistas e a consequente desconsideração ou minimização da agência humana. Algumas vezes também podem incorrer num nível de relativismo e subjetivismo que descaracterizam a própria complexidade e totalidade (dialética) do movimento do real em suas múltiplas determinações e mediações (Harvey, 2006).
Na Psicologia, sobretudo na América Latina, a diversidade de perspectivas teóricas que visam compreender a realidade social nos retoma ao histórico da disciplina. Lacerda (2013) agrupa as abordagens da psicologia crítica em dois polos: o das grandes narrativas; e os que se originam com o "giro linguístico" e com as chamadas teorias pós-modernas e pós-estruturalistas. Pensando em um histórico recente, é possível vislumbrar que as mudanças conjunturais no país entre 1980-90 impactaram na fragmentação das ciências sociais e na maior pluralidade no interior da psicologia. Se, por um lado, houve maior esforço de análise sobre as transformações da sociedade contemporânea, por outro, há ceticismo e rejeição de categorias totalizantes (p. ex. classe, emancipação humana, revolução, dentre outras), circunscrito ao rechaço às análises totalizantes como se fossem sinônimo de totalitarismo, de negação das singularidades - desconsiderando que o concreto é concreto por ser a síntese de múltiplas determinações, a unidade na diversidade (Marx, 1859/2008) -, bem como o esquecimento dos clássicos. Não à toa, há uma reprodução de análises sobre o suposto fim do trabalho e fim da centralidade da classe trabalhadora como sujeito histórico.
As temáticas abordadas também são diversas, evidenciando a multiplicidade conceitual da psicologia social. Aparecem debates referente a: Estado; direitos humanos; militância e resistência; LGBTfobia; estratégias políticas; memória; identidade; identificação; violências; participação política; cotidiano de acampamentos e assentamentos; mulheres e movimentos sociais; cooperativas; subjetivação; infância e juventude; trajetórias de vida; crenças; eficácia política; gênero; feminismo; participação grupal e comunitária; vínculos sociais; saúde mental; meio ambiente; valores e consciência; ação política; medo; entre outros.
Os movimentos sociais pesquisados também merecem destaque pela diversidade. Não é incomum artigos estudarem mais de um movimento social, bem como os analisarem junto de ONG's, associações, grupos artísticos ou ligados a religiões. O movimento social mais estudado é o MST, com 18 artigos. Seguem: Movimento de Mulheres Camponesas de diferentes estados (n= 3); Movimento LGBT, sem especificações (n= 2); Marcha das Vadias (n= 2); Negras Ativas (n= 2); Marcha Mundial das Mulheres (n= 2); Movimento dos Trabalhadores Desempregados (n= 2); e Movimento de Mulheres Trabalhadores Rurais do Sertão Central, Movimento de Mulheres Negras (não especificado), Movimento Hip-Hop, Movimento Nacional De Cidadãs Posithivas, Associação de Reciclagem de Presidente Epitácio (ARPE), Movimento Nacional dos Catadores de Reciclagem (MNCR), Rede de Movimentos e Comunidades Contra a Violência (REDE), Fórum de Defesa do SUS, Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, Movimento Interestadual de Quebradeiras de Coco Babaçu, Cooperativa de Assentados do MST, Movimentos estudantis (não especificados), Movimento Içarense pela Vida (MIV), Movimentos feministas (não especificados), Movimento Passe Livre, Movimento Sindical (trabalhadores dos frigoríficos da região de Chapecó), e um movimento não informado (todos comn= 1).
O MST como movimento social mais pesquisado pode indicar: 1. a abrangência e a capilaridade do movimento; 2. sua importância histórica como um dos principais mediadores dos atores do campo e sua centralidade nas lutas políticas; e, 3. uma maior preocupação da psicologia pela luta pela terra no Brasil - o que nos parece menos provável. Os artigos analisados veem o MST tanto a partir da possibilidade de transformar as condições de trabalho e vida no campo, com a construção da identidade de trabalhador rural (a exemplo de Alvaides & Scopinho, 2013), tanto relacionado a uma análise mais ampla da questão da terra no Brasil, vislumbrando as articulações entre psicologia e questão agrária (a exemplo de Sousa & Bernardo, 2017) - sendo essa proposta menos frequente. Também há questionamentos críticos sobre os princípios organizativos do movimento e sua perspectiva macropolítica (como em Leite & Dimenstein, 2006). Nisso, é importante destacar que o MST possui a defesa da reforma agrária com a construção de uma nova sociedade orientada pelo socialismo, que tem a "luta de massas" como principal estratégia. Atento às mudanças da dinâmica social, o MST tem direcionado ações para combate a opressões, com a institucionalização, em 2016, de uma política clara sobre a forma de tratar a orientação sexual e a identidade de gênero.
Apesar da diversidade dos movimentos, não há nenhum estudo sobre partidos e somente um sobre sindicatos, nos alertando para a importância do debate sobre os novos movimentos sociais. Vale ponderar, como indica Neves (2020), que a luta por direitos de grupos oprimidos não é incomum na história. A partir de um discurso de novidade, negligencia-se lutas históricas dos setores oprimidos, como as lutas feministas, antirracistas e de crítica à colonização de partidos socialistas e comunistas e com caráter classista anteriores a 1960. Como característica dos novos movimentos temos o argumento do esgotamento das velhas perspectivas centralizadoras (como partidos e sindicatos), acusadas de autoritárias e simplificadoras de uma realidade de opressões múltiplas; e uma negação de categorias totalizantes como "povo" ou "trabalhador", o que reverbera em um deslocamento do conflito capital-trabalho para um conflito social do campo cultural (Neves, 2020).
Nesse ponto, Wood (2011) colabora resgatando que a "redefinição" estadunidense de democracia e os efeitos ideológicos da doutrina liberal criaram uma ilusão de cidadãos incluídos, porém passivos, sendo esse um pressuposto da democracia representativa, onde os "homens de propriedade" respondem politicamente pelos trabalhadores, como a transferência/alienação do poder político para o Estado. Assim, houve uma domesticação das teorias revolucionárias com a aproximação do conceito de democracia como sinônimo de liberalismo e sua universalização abstrata. Democracia e cidadania, assim, são naturalizadas e esvaziadas de seu conteúdo histórico, concreto, deixando intocadas, além das desigualdades econômicas, diversos tipos de opressões e, em extensão, tomando como horizonte a emancipação política e não a emancipação humana. Porém, como afirma Marx (1844/2010, p. 41), "a emancipação política de fato representa um grande progresso; não chega a ser a forma definitiva da emancipação humana em geral, mas constitui a forma definitiva da emancipação humana dentro da ordem mundial vigente até aqui".
Um dos problemas disso, para além do evidente recuo tático e estratégico, é que a indicação da pluralidade de identidades e formas de dominação e opressão, algo essencial, necessário e evidente, não nega a lógica totalizante do capitalismo nem tampouco o modifica para meras relações de poder. Nesse sentido, a classe não é mais uma das múltiplas desigualdades do capitalismo, pois a superação da desigualdade de classe pressupõe a superação do capitalismo. Segundo Wood (2011), em princípio e se considerando a plasticidade do mercado, as desigualdades de raça e gênero não seriam incompatíveis com o capitalismo. Aqui podemos tecer críticas à autora: ela afirma que as opressões de raça e gênero não foram criadas pelo capital, embora possam ser cooptadas por ele para a intensificação da exploração de classe. Esse argumento nega a relação contingente e necessária entre patriarcado, racismo e capitalismo demonstrada por autoras e autores da tradição marxista (Almeida, 2019; Davis, 2016; Moura, 2014; etc.), especialmente nas realidades coloniais. Conforme indica Post (2021), a igualdade formal no mercado de trabalho inaugurada pelo capitalismo, também apontada por Wood (2011), demandou a invenção da raça como legitimador da desigualdade de capital e trabalho, bem como a divisão sexual do trabalho foi requisito para a reprodução social no capitalismo (Federici, 2017). Além disso, não é coincidente que mulheres, negros e homossexuais ocupem postos subalternizados no ciclo de reprodução do capital. Tal contraponto potencializa a necessidade de lutas coletivas contra opressões, mas não invalida que "o sistema capitalista, sua unidade totalizadora, foi conceitualmente suprimido pelas concepções difusas de sociedade civil e pela submersão de classe em categorias abrangentes como 'identidades' que desagregam o mundo social em realidades particulares e separadas" (Wood, 2011, p. 222)
Se a agenda pós-moderna reacendeu os debates sobre a importância de temas e objetos negligenciados, também contribuiu para que, reduzidos à experiência e ao cotidiano a partir de uma negação da racionalidade, houvesse uma hipervalorização do imediato e do pragmático, conduzindo a análises de fragmentos descolados da realidade. Há a ênfase na micropolítica e nas identidades como se fossem monolíticas ou meras expressões individuais-privativas. Assim, se foi colocado "sob suspeita o conhecimento objetivo do mundo", há também uma retração na "possibilidade do agir humano sobre o mundo" (Moraes, 2004, p. 345).
Cabe-nos, por fim, debater a definição de movimentos sociais trazida pelos artigos. São poucos os que trazem uma definição e historicidade sobre eles, sendo estes classificados, por exemplo, como espaços de privacidade compartilhada que possibilitam a cidadania e a democracia e articulações contra hegemonias (Costa et al., 2008) ou como dialéticas inacabadas entre subjetividades e objetividades, envolvendo aspectos macro e microssociais (Gomes & Maheirie, 2011). Há ainda, partindo de diferentes correntes, um predomínio dos conceitos democracia e cidadania, colocando os movimentos sociais como uma das formas de construção da luta política na contemporaneidade de busca pela democratização das relações (Costa & Prado, 2017). Também é pouco usual os que trazem análises conjunturais que articulem o momento histórico com a atuação do movimento social estudado. Menos raros são os que apresentam uma trajetória e histórico dos movimentos estudados. Há ainda considerações sobre os efeitos do capital nas relações, sem que coloquem sua ruptura enquanto necessidade. Na realidade, há apontamentos sobre os valores "ultrapassados" de concepções de transformação social de caráter revolucionário, acusando-a de perder os aspectos subjetivos (Leite & Dimenstein, 2006). Assim, análises e conceitos totalizantes, como transformação social e revolução, são negligenciados nos artigos.
Em relação aos objetivos estratégicos dos movimentos, os artigos focam na ampliação da democracia e cidadania e nas transformações do foco de poder e de ação. Assim, os movimentos, sobretudo os contemporâneos, teriam como finalidade a igualdade e a transformação das relações de opressão em princípios de justiça, solidariedade, cidadania e afirmação de identidades (a exemplo de Belo & Pedlowsky, 2014; Maciel et al., 1998).
Algumas proposições sobre os movimentos são assumidas, como em: "a construção de um projeto para a esquerda nesse terreno pós-marxista baseia-se na necessidade de se construir uma nova positividade do social, que reconheça o respeito ao direito de igualdade de todos os grupos subordinados" (Prado & Costa, 2011, p. 668) ou em Capelin e Tavares (2016) que trazem a preocupação sobre a institucionalização e a perda da espontaneidade dos movimentos sociais que possuiriam uma concepção de Estado totalizador. Assim, a "militância não pode partir de categorias pré-definidas de 'conceitos'" (p. 25). Percebemos um esvaziamento teórico-político, indo de encontro ao histórico dos movimentos sociais, como indicado por Adrião e Toneli (2008) que, ao analisarem tais modificações no movimento feminista entre as décadas de 1980 e 2000, percebem uma virada de preocupações com a "utopia" de transformação social para um debate sobre identidades e afirmações sobre diferença e alteridade.
Sobre os principais debates, o predomínio quase absoluto de estudos sobre identidades e subjetividades nos reporta a Lacerda (2013), que percebe dois polos na Psicologia dominante: um de defesa de uma cientificidade e objetivismo asséptica e outro com tendendo a um subjetivismo abstrato, muitas vezes a reafirmações do óbvio. Por outro lado, a Psicologia é uma ciência que pode contribuir para a compreensão da dinâmica subjetiva em diversos contextos, inclusive no interior dos movimentos sociais. Assim, nos cabe questionar se houve uma
renovação das ciências sociais e superação de perspectivas reducionistas, a-históricas e individualistas ou seria manifestação científica de um tipo de ideologia que busca definir a subjetividade - em suas manifestações mais individualizadas e privatizadas - como a única fonte de inteligibilidade?. (Lacerda, 2013, pp. 248-249)
Ademais, se percebem dois movimentos hegemônicos nos artigos pesquisados: o de analisar as trajetórias dos militantes sem, entretanto, retornar a análise para o movimento social e/ou à totalidade; e o de atribuir como contribuição da pesquisa o subsídio ao aprimoramento de políticas públicas, tomadas como finalidade da ação. Logo, tal processo tem suas determinações dadas pela reestruturação produtiva capitalista e pelas repercussões sociais dela no país, bem como pela inserção da psicologia nas políticas sociais, especialmente a partir do início dos anos 2000.
Dessa forma, apesar de ser incontestável que a psicologia social foi o campo que mais vocalizou trabalhos feministas, antirracistas e de crítica ao capitalismo, oferecendo análises sobre novos fenômenos e transformações da sociedade contemporânea (Lacerda, 2013), não há uma ruptura drástica com a despolitização histórica da psicologia e com sua compreensão fragmentária da realidade, características estas aprofundadas com as transformações históricas devedoras dos rearranjos econômicos, políticos e sociais da reestruturação capitalista do final do século XX. E isso não se deve à diversidade ou aos movimentos estudados, mas à própria psicologia. Essa percepção é congruente às críticas realizadas ao projeto de compromisso social da psicologia que passa por esvaziamentos conceituais e políticos, tendo seu significado atrelado a práticas contraditórias, indo desde a mera compreensão da realidade social, que muitas vezes se volta para a manutenção das ideologias dominantes, até uma atuação progressista, que considere ideias de transformação social, emancipação humana, justiça ou igualdade concreta, substancial (Lopes, 2005). Em relação ao compromisso social da psicologia, há um reforço de sua dependência à atuação profissional nas políticas públicas, que são tomadas como fim (de perspectiva, atuação e reflexão). Ainda assim, há o curioso dado de nenhum dos artigos pesquisados citar ou mencionar o projeto de compromisso social.
A partir dessa realidade, é incontestável que a psicologia brasileira, ao longo de seus 60 anos de história, conquistou espaços e se forjou a partir das demandas dos desafios societários. No entanto, desafios futuros ainda estão postos: Yamamoto (2007) defende que cabe à psicologia questionar como se dá seu compromisso e qual é a sua direção. Assim, se a psicologia historicamente pouco contribuiu aos movimentos e lutas, muito pôde se beneficiar. Parker (2014) nos mostra como a realidade também modificou dialeticamente a psicologia na medida em que as contestações da ideologia dominante durante conflitos e revoluções - fruto de movimentos sociais - contestaram também a psicologia, seuquefazere, principalmente, a artificialidade da separação entre individuo/subjetivo e sociedade.
Considerações Finais
Podemos concluir que, se por um lado, não é possível afirmar que as mudanças nos movimentos sociais a partir dos anos 1960 invalidaram a necessidade de projetos totalizantes, por outro, houve e está havendo mudanças importantes no modo de vida capitalista, em seu sentido mais destrutivo, que levaram a uma nova constituição das lutas, da transformação das classes sociais e do próprio movimento de consciência (indo ao sentido de uma consciência de classe), que se interagem e se modificam (Neves, 2020). Dessa forma, uma abordagem profícua para a proposta de articulação das diversas lutas é a transversalidade da luta de classes como uma diagonal aos conflitos sociais, sem, entretanto, uniformizá-los. Ou ainda, a não dicotomização entre as lutas antiopressão e anticapitalista. Como propõe Neves (2020, p. 49), se faz necessária "a combinação revolucionária entre diversas lutas particulares, em uma luta geral pela emancipação humana [...] expressão criativa de diferenças e contradições, que permita ao proletariado afirmar-se com a força da diversidade que o constitui". Ademais, as lutas por ampliação de direitos e cidadania, mesmo que focalizadas, adquirem caráter político ao propiciarem o acesso a bens minimamente humanitários para a sobrevivência. Logo, nos parece que as tarefas históricas da psicologia permanecem as apontadas por Martin-Baró (1996) e requerem "tanto o reconhecimento objetivo dos principais problemas que afligem os povos centro-americanos como a definição da contribuição específica do psicólogo em sua resolução" (p. 22). Para além do alinhamento com os setores e lutas progressistas, há a urgência de inspirações, no interior da psicologia, de vertentes teórico e metodológicas não hegemônicas (Yamamoto, 2007). Aliado a isso, o que nos parece mais importante é o resgaste da análise e concepção
sobre o papel do sujeito histórico, sobre a ação dos homens e mulheres que fazem a história, com a consequência política maior dessa análise: a constatação do caráter histórico, portanto superável, de nossa forma atual de existência social, a partir da ação do proletariado como um sujeito potencialmente revolucionário. (Mattos, 2013, p. 27)
Podemos concluir, dessa forma, que, para além dos dados quantitativos evidenciados e a despeito dos avanços visíveis e dos esforços da psicologia social de rompimento com seu padrão hegemônico, a análise dos resultados nos aponta para duas conclusões proeminentes: 1. a despolitização e a-historicidade acerca dos movimentos sociais e fenômenos estudados, que tem como causa e também consequência o próximo ponto; 2. a não definição de projetos e apagamento dos sujeitos históricos em análises que se concentram nos aspectos subjetivos e identitários. Em suma, há falta de perspectivas que, independentemente da teoria ou do movimento, forneçam análises em totalidade. Aqui é importante destacar que não se trata de uma crítica negativa aos movimentos sociais na contemporaneidade e sua diversidade, e sim de como a psicologia se apropria dessa realidade em suas análises e fornece respostas aos movimentos e à realidade. Assim, a grande questão está, para além de uma não definição sobre o que são tais movimentos, no fato de não os localizar na realidade histórica. Em última instância, se trata da própria negação dos movimentos sociais em prol de teorias que não contribuem substancialmente para a mudança ou transformação social. Em suma, muda-se os objetos sem mudar fundamentalmente os olhares.