Introdução
O ambiente do Pronto Socorro está intrinsecamente ligado à imprevisibilidade da evolução clínica dos pacientes, devido a sintomas agudizados que requerem esclarecimento, intervenções invasivas, restrições temporárias ou permanentes de natureza biopsicossocial, e desafios ao sigilo terapêutico. Esses desafios resultam em uma série de repercussões e urgências emocionais, exigindo que o psicólogo demonstre criatividade, flexibilidade, resolutividade e uma comunicação efetiva. Além disso, é essencial desenvolver uma base teórico-prática para conduzir diferentes intervenções psicológicas com pacientes, acompanhantes, famílias e equipes de saúde, após um diagnóstico situacional (Baptista, Dias, & Baptista, 2018; Barbosa, Pereira, Alves, Ragozini, & Ismael, 2007; Costa et al., 2015; Perez, 2005; Sassi & Oliveira, 2014; Vieira, 2010).
Embora tenham ocorrido avanços significativos desde a regulamentação da Psicologia Hospitalar e Psicologia em Saúde, acompanhados pela crescente demanda por esses especialistas (Conselho Federal de Psicologia [CFP], 2000, 2016, 2019, 2022; Hutz, Bandeira, Trentini, & Remor, 2019; Reis et al., 2016), prevalecem práticas psicológicas incipientes nos dispositivos de urgência e emergência, no Brasil. Essa situação impõe desafios ao desenvolvimento e à gestão eficaz de serviços de psicologia hospitalar integrados às equipes multiprofissionais e à rede de atenção psicossocial (Ismael, 2015; Kernkraut & Silva, 2017; Silva, Novais, & Rosa, 2019), contribuindo, ademais para o desconhecimento em relação ao papel do psicólogo nesse cenário (Silva et al., 2019).
A atuação do psicólogo em Pronto Socorro, em particular, enfatiza a importância da escuta qualificada e do acolhimento como ferramentas essenciais. Essas intervenções valorizam a queixa do paciente, reduzem a hipervigilância neuropsicofisiológica e criam um espaço seguro para a expressão emocional. Isso promove a compreensão das possibilidades e a identificação de comportamentos alternativos para lidar com a nova condição de saúde de maneira mais adaptativa (Baptista et al., 2018; Barbosa et al., 2007; Costa et al., 2015; Perez, 2005; Vieira, 2010).
Além do acolhimento e da escuta qualificada, o psicólogo desempenha diversas outras intervenções no Pronto Socorro, incluindo psicoeducação, interconsulta, avaliação e estimulação neuropsicológica, conferências familiares, manejo de estresse e outros comportamentos de risco, análise funcional, reestruturação cognitiva, diagnóstico diferencial de queixas psicogênicas, encaminhamentos em saúde mental, discussão de casos e planejamento de alta responsável. Todas essas intervenções visam o preparo de um cuidado integral (Baptista et al., 2018; Barbosa et al., 2007; Costa et al., 2015; Dalgalarrondo, 2019; Dekker, Sears, Åsenlöf, & Berry, 2023; Hutz et al., 2019; Perez, 2005; Silva et al., 2019; Vieira, 2010).
Diante da escassez de literatura especializada e robusta sobre psicologia no contexto das urgências e da ausência de ferramentas publicadas que avaliam sua eficácia na instrumentalização de práticas eficientes do psicólogo nesse cenário complexo, revela-se um campo emergente de integração entre assistência, pesquisa e gestão da qualidade na psicologia da saúde brasileira. Esse cenário é permeado pelos paradigmas da prática baseada em evidências, saúde baseada em valor e cuidado centrado no paciente, apoiados por metodologias de melhoria contínua (Gohr, Régis, Santos, Brito, & Sarmento, 2017; Hutz et al., 2019; Ismael, 2015; Kernkraut & Silva, 2017; Reis et al., 2016).
A metodologia Lean, originária do Japão e tradicionalmente aplicada no setor industrial, tem sido adaptada e incorporada às práticas de gestão em saúde, sendo conhecida como Lean Healthcare. Embora amplamente utilizada nos contextos norte-americano e europeu, contribuições significativas também têm sido identificadas no Brasil para otimizar processos assistenciais, promover segurança no cuidado centrado no paciente, aumentar a percepção de valor em saúde e reduzir desperdícios (Gohr et al., 2017).
Diante dessa conjuntura, o psicólogo que atua em contextos de urgência pode desenvolver, apoiado nas evidências científicas disponíveis e em sua expertise clínica, instrumentos, como procedimentos operacionais padrão, protocolos assistenciais e linhas de cuidado. Essas ferramentas sistematizam a prática profissional e possibilitam a definição de metas e indicadores de qualidade para proporcionar um atendimento de excelência (Ferrari, Benute, Santos, & Lucia, 2013; Gomes & Barbosa, 2023; Hutz et al., 2019; Ismael, 2015; Kernkraut & Silva, 2017; Minayo, 2009; Pinheiro & Branco, 2020; Reis et al., 2016).
Apesar dos desafios relacionados à escolha de métodos para construir indicadores e metas que possam aferir de maneira fidedigna a qualidade dos processos e desfechos subjetivos relacionados à assistência em psicologia hospitalar para um processo de gestão eficaz (Ferrari et al., 2013; Ismael, 2015), a adoção de ferramentas da metodologia Lean Healthcare tem demonstrado resultados promissores em outras áreas da saúde. Isso possibilita a implementação de boas práticas clínicas, bem como maior clareza tanto na assistência quanto na gestão, no que diz respeito à otimização de recursos para aperfeiçoar a qualidade da experiência do paciente e de seus familiares com um serviço de saúde baseado em valor e na integralidade do cuidado (Gohr et al., 2017; Gomes & Barbosa, 2023).
Com o intuito de promover avanços no corpo de conhecimento relacionado à prática da Psicologia em contextos de urgência e fornecer ferramentas que fortaleçam a prática dos psicólogos, este estudo buscou a construção e investigação da validade de conteúdo de um instrumento. Esse instrumento foi desenvolvido para estabelecer critérios de elegibilidade e níveis de predileção que orientam a atuação do psicólogo no Pronto Socorro, aplicando a metodologia Lean Healthcare. Adicionalmente, como objetivo exploratório, analisou-se o impacto da implementação desse instrumento na rotina assistencial por meio de ciclos PDSA (Plan-Do-Study-Act), utilizando a quantidade de solicitações assertivas de atendimento psicológico como variável independente. Com base na literatura sobre Lean Healthcare, a hipótese era que, após 4 semanas de aplicação do ciclo PDSA, a equipe conseguiria aumentar o número de solicitações assertivas.
Métodos
Este estudo observacional, de natureza híbrida, transversal e exploratória, recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CAEE 45833521.4.0000.0060). A pesquisa analisou dados relativos aos processos de construção, implementação e avaliação da qualidade de um instrumento desenvolvido para sistematizar a prática da Psicologia no Pronto Socorro de um hospital filantrópico na cidade de São Paulo, no período de maio de 2021 a fevereiro de 2022.
Participantes
A seleção dos participantes ocorreu de forma não probabilística e por conveniência. Foram convidados nove profissionais que desempenhavam funções na assistência e gestão do Pronto Socorro para atuarem como juízes do instrumento. Os participantes foram estratificados de acordo com seu tipo de atuação no setor: três profissionais que ocupavam cargos gerenciais, três que atuavam na gestão da Psicologia Hospitalar e três psicólogos residentes. Essa distribuição respeitou o critério mínimo de três e o máximo de cinco juízes por grupo temático, conforme recomendado por Hernandéz-Nieto (2002).
Os critérios de exclusão adotados foram: a) indisponibilidade para participar do estudo; b) recusa em participar ou permanecer no estudo; c) colaboradores afastados do trabalho ou em período de férias; e d) comprometimento cognitivo ou diagnóstico de transtorno mental que pudesse interferir na compreensão do estudo.
Instrumentos
Farol de Prioridades para atendimento psicológico em Pronto Socorro: instrumento norteador composto por 34 itens que estabelecem critérios de elegibilidade para acionamento, avaliação, tempo de resposta e conduta psicológica voltada para pacientes e seus acompanhantes, no Pronto Socorro. Os itens estão decompostos em quatro classificações de prioridades: a) sem necessidade; b) sem demanda imediata, mas requer atenção; c) urgência: com demanda, mas pode aguardar; e d) emergência: com demanda e necessidade imediata de atendimento. Tais prioridades são representadas pelas cores verde, amarela, laranja e vermelha, respectivamente (Anexo A).
Formulário para avaliação de itens: elaborado pelos autores, sendo encaminhado aos juízes com o objetivo de avaliar o conteúdo do Farol de Prioridades. Os juízes utilizaram uma escala Likert de cinco pontos, em que 1 indicava que o item era “pouquíssimo” adequado e 5 que era “muitíssimo” adequado. No formulário, avaliaram cada item considerando se representava uma situação que exigia intervenção por parte do psicólogo hospitalar, se a linguagem era adequada e se o item era pertinente ao contexto do Pronto Socorro. Essas avaliações foram realizadas com base em três dimensões: Relevância Teórica (RT), Clareza de Linguagem (CL) e Pertinência Prática (PP).
Procedimentos de construção do instrumento e coleta dos dados
Após a aprovação do estudo pelo Comitê de Ética em Pesquisa, foi conduzido um estágio supervisionado de 60 dias no Pronto Socorro de um hospital filantrópico em São Paulo. Esse setor integra os diferentes cenários de prática do programa de residência multiprofissional em Atenção Cardiovascular da instituição.
Inicialmente, foram empregados métodos de observação-participante, registros de observação e atendimentos registrados em diário de campo. Além disso, realizou-se uma revisão sistemática da literatura sobre Psicologia Hospitalar e urgências emocionais em Pronto Socorro. As informações obtidas eram debatidas durante a preceptoria em grupos focais e supervisionadas semanalmente para contribuir com o diagnóstico institucional, a definição da meta interventiva e os indicadores de avaliação do processo (Minayo, 2009).
Concluído o diagnóstico institucional do cenário de prática, foi definido que os dados coletados serviriam de base para a criação de um instrumento destinado a orientar a equipe do Pronto Socorro sobre os canais e critérios para acionamento da psicologia, bem como a rotina de prática dos residentes. O objetivo era melhorar o conhecimento da equipe acerca do papel do psicólogo para promover um trabalho integrado e centrado no paciente, ao mesmo tempo que otimizava o tempo de resposta em um setor caracterizado por grande infraestrutura, alta rotatividade e baixo acionamento do serviço de psicologia naquele período. Feitas as análises preliminares para validar os dados levantados (Minayo, 2009), foi elaborada a versão inicial do instrumento, inspirada na classificação de Manchester, denominado “Farol de Prioridades” (Anexo A).
O Protocolo de Manchester é uma abordagem globalmente reconhecida para triagem e classificação de risco e gravidade em unidades de urgência, visando aprimorar a eficiência e humanizar o atendimento (Souza, Araújo, & Chianca, 2015). Levando em consideração esse enfoque e aderindo aos princípios da andragogia na saúde (Draganov, Friedländer, & Sanna, 2011), optamos por adotar a classificação de Manchester como base para o Farol de Prioridades (Anexo A). Nosso objetivo era desenvolver e fornecer uma ferramenta prática para a equipe, facilitando a comunicação e promovendo o trabalho integrado e colaborativo.
Depois de executar a etapa de construção do instrumento, obteve-se um termo de consentimento assinado pelos participantes que concordaram em participar do estudo como juízes, após uma apresentação dos objetivos da pesquisa, em conformidade com as resoluções 466/2012 e 510/2016 que aprovam as diretrizes e normas regulatórias para pesquisas envolvendo seres humanos. Este estudo aderiu às recomendações do Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology [STROBE] (Vandenbroucke et al., 2014). Os instrumentos foram aplicados individualmente, iniciando no hospital e posteriormente concluído e revisado pelos participantes, quando julgassem estar em condições adequadas para manter a atenção sobre a tarefa. Passados 25 dias, a coleta de dados foi encerrada, com um tempo médio de resposta de 30 minutos, e pequenos ajustes semânticos para otimizar o conteúdo do instrumento foram feitos sem alterar a sua estrutura.
Conduziu-se um estudo piloto com um ciclo PDSA (Plan-Do-Study-Act). Durante uma semana, foram realizados quatro treinamentos breves de 15 minutos no início dos turnos com a equipe multiprofissional do Pronto Socorro. O objetivo dessas sessões era esclarecer os critérios de acionamento e o uso do instrumento para os diferentes grupos de profissionais de plantão. Os dados foram coletados durante 60 dias para averiguar a responsividade da equipe ao instrumento, medindo a taxa de solicitações assertivas da equipe por meio do controle de atendimentos e dos registros da produtividade do serviço de psicologia.
Sob a perspectiva da metodologia Lean Healthcare, é relevante destacar que o processo de construção e validação do Farol de Prioridades, descritos neste estudo, envolveu a utilização das seguintes ferramentas: a) Cinco porquês e b) Diagrama Espaguete, ao longo do estágio de 60 dias para identificar a causa raiz das dificuldades nos acionamentos qualificados pelo setor de emergência e no percurso seguido pela equipe; c) Gestão Visual por meio do próprio Farol de Prioridades, que sistematiza e orienta sobre os critérios para acionamento e conduta do psicólogo solicitado; e d) Kaizen e ciclo PDSA com foco no estudo da efetividade do instrumento após a aplicação da intervenção elaborada (Gohr et al., 2017).
Após um intervalo de 3 meses, conduziu-se um novo ciclo PDSA, com a duração de 90 dias. Esse ciclo teve como propósito realizar um estudo comparativo no decorrer da atuação de outros residentes de psicologia que eram responsáveis pela assistência psicológica no Pronto Socorro, seguindo o cronograma do programa de residência. Esses residentes foram treinados e utilizaram o instrumento para direcionar suas práticas e interações com a equipe. Essa análise secundária foi realizada para garantir o acompanhamento contínuo e reduzir o risco de vieses, especialmente os de observação, resposta e desempenho (Pinto, Polmann, Massignan, Stefani, & Canto, 2021). O fluxograma apresentado na Figura 1 ilustra o delineamento e os processos teórico-metodológicos adotados neste estudo.
Análise dos dados
Os dados qualitativos, provenientes de registros em diário de campo, revisão da literatura e discussões em grupo focal, foram submetidos à análise de conteúdo de Bardin (2011). Esse processo seguiu as etapas de pré-análise, exploração do material, tratamento dos resultados e interpretação. Os itens que compõem o Farol de Prioridades (Anexo A) estabeleceram-se com base na saturação dos dados. Na fase de avaliação do instrumento, a análise descritiva abordou frequências absolutas, percentuais, medidas de tendência central e dispersão (média e desvio padrão). Os gráficos resultantes dos ciclos PDSA foram elaborados utilizando as medidas de frequência absoluta e acumulada a partir dos registros diários da produtividade assistencial dos psicólogos.
As estimativas do formulário aplicado aos juízes foram avaliadas por meio do Coeficiente de Validade de Conteúdo (CVC). Essa análise envolveu cinco etapas para cada uma das dimensões avaliadas: contexto que demande conduta do psicólogo hospitalar, adequação da linguagem e pertinência ao ambiente de Pronto Socorro. A primeira etapa calculou a média das notas atribuídas a cada item; a segunda aferiu o Coeficiente de Validade de Conteúdo inicial (CVCi) de cada item; a terceira calculou o erro (Pei), a fim de reduzir os vieses nas respostas dos juízes; a quarta determinou o Coeficiente de Validade de Conteúdo final de cada item (CVCc); e na quinta, calculou-se o Coeficiente de Validade de Conteúdo Total (CVCt) em cada dimensão. De acordo com o critério de manutenção, os itens deveriam atingir um CVCc superior a 0,80 (Hernández-Nieto, 2002; Pasquali, 2013).
Resultados
A caracterização sociodemográfica dos participantes (n=9) identificou uma predominância do sexo feminino (55,5%), com média de idade de 37,5 anos (DP=12,71). Esses participantes atuavam nas seguintes funções: Psicólogo (66,6%), Enfermeiro (22,2%) e Médico (11,1%). A maioria possuía títulos de especialistas (44,4%), enquanto outros cursavam especialização (22,2%), ou eram doutores (22,2%) e mestres (11,1%). A média de experiência profissional foi de 14,8 anos (DP=12,19), sendo que desse valor, M=10,95 anos (DP=11,81) correspondiam ao tempo de trabalho na instituição proponente deste estudo. As funções desempenhadas incluíam cargos assistenciais júnior (33,3%), assistenciais sênior (22,2%), gerenciais (22,2%) e de coordenação (22,2%).
A análise do Coeficiente de Validade de Conteúdo (CVC) apresentou um alto nível de concordância entre os juízes em relação à relevância teórica, clareza de linguagem e pertinência prática do instrumento. Os resultados de CVC variaram de 0,83 a 0,96, e nenhum item foi excluído com base nos critérios estabelecidos, preservando, assim, a sua estrutura original com seus 34 itens, como apresentado na Tabela 1. Destaca-se ainda que não foram identificados missings no banco de dados.
Tabela 1 Coeficiente de Validade de Conteúdo do Farol de Prioridades.
Itens | Clareza de Linguagem | Pertinência Prática | Relevância Teórica | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Residentes Psi | Gestão Psi | Gestão PS | Residentes Psi | Gestão Psi | Gestão PS | Residentes Psi | Gestão Psi | Gestão PS | |
1 | 0,83 | 0,83 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,90 | 0,96 |
2 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 |
3 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,90 | 0,96 | 0,96 | 0,83 | 0,96 |
4 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,83 | 0,96 | 0,96 | 0,90 | 0,96 |
5 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,90 | 0,96 | 0,96 | 0,90 | 0,96 |
6 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,83 | 0,96 |
7 | 0,96 | 0,96 | 0,83 | 0,96 | 0,96 | 0,90 | 0,96 | 0,90 | 0,90 |
8 | 0,90 | 0,90 | 0,83 | 0,96 | 0,90 | 0,83 | 0,83 | 0,90 | 0,83 |
9 | 0,96 | 0,96 | 0,76 | 0,90 | 0,96 | 0,83 | 0,83 | 0,90 | 0,83 |
10 | 0,96 | 0,96 | 0,83 | 0,96 | 0,96 | 0,90 | 0,96 | 0,96 | 0,83 |
11 | 0,83 | 0,83 | 0,83 | 0,90 | 0,83 | 0,96 | 0,76 | 0,90 | 0,96 |
12 | 0,83 | 0,90 | 0,90 | 0,90 | 0,90 | 0,96 | 0,90 | 0,90 | 0,83 |
13 | 0,96 | 0,90 | 0,96 | 0,90 | 0,96 | 0,96 | 0,90 | 0,96 | 0,96 |
14 | 0,96 | 0,96 | 0,83 | 0,96 | 0,96 | 0,83 | 0,96 | 0,83 | 0,83 |
15 | 0,90 | 0,90 | 0,90 | 0,96 | 0,90 | 0,96 | 0,96 | 0,90 | 0,83 |
16 | 0,90 | 0,96 | 0,90 | 0,96 | 0,90 | 0,83 | 0,96 | 0,83 | 0,83 |
17 | 0,96 | 0,96 | 0,83 | 0,96 | 0,96 | 0,83 | 0,96 | 0,90 | 0,90 |
18 | 0,96 | 0,96 | 0,83 | 0,96 | 0,90 | 0,83 | 0,96 | 0,90 | 0,83 |
19 | 0,96 | 0,90 | 0,83 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,90 | 0,90 |
20 | 0,96 | 0,96 | 0,90 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,90 |
21 | 0,96 | 0,96 | 0,83 | 0,96 | 0,90 | 0,83 | 0,90 | 0,90 | 0,83 |
22 | 0,96 | 0,96 | 0,90 | 0,96 | 0,90 | 0,96 | 0,96 | 0,90 | 0,90 |
23 | 0,96 | 0,96 | 0,90 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,90 | 0,83 |
24 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,83 | 0,83 |
25 | 0,96 | 0,83 | 0,90 | 0,96 | 0,90 | 0,96 | 0,96 | 0,90 | 0,96 |
26 | 0,96 | 0,96 | 0,83 | 0,96 | 0,90 | 0,96 | 0,96 | 0,90 | 0,96 |
27 | 0,96 | 0,83 | 0,83 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 |
28 | 0,96 | 0,96 | 0,90 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 |
29 | 0,96 | 0,90 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 |
30 | 0,96 | 0,90 | 0,83 | 0,96 | 0,96 | 0,83 | 0,90 | 0,96 | 0,83 |
31 | 0,96 | 0,90 | 0,90 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,90 |
32 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 |
33 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 |
34 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 | 0,96 |
Nota: PS=Pronto Socorro; Psi=Psicologia.
Com o propósito de garantir a compreensão da equipe que utilizaria o instrumento na fase seguinte, todas as pequenas sugestões de alterações semânticas propostas para palavras ou termos foram integralmente acatadas, uma vez que não exigiam uma reformulação do item e apresentavam resultados de CVC superiores a 0,80.
No estudo piloto, que incluiu o primeiro ciclo PDSA, foram realizados 76 atendimentos ao longo de 60 dias. Esses atendimentos foram destinados a pacientes do sexo masculino (53,9%) com uma média de 59,3 anos (DP=17,28). Esses pacientes estavam distribuídos nos setores de Observação (44,7%), Box (28,9%), Semi-intensiva (11,8%) e UTI (14,5%) do Pronto Socorro. Houve aumento progressivo na taxa de resposta da equipe em solicitar acompanhamento psicológico de maneira assertiva após os treinamentos, utilizando o Farol de Prioridades disponível na unidade. Os resultados são apresentados na Figura 2.

Figura 2 Gráfico da Taxa de Atendimentos Psicológicos no Pronto Socorro durante o Estudo Piloto - Ciclo PDSA.
Durante o referido estudo, os atendimentos psicológicos foram predominantemente destinados a pacientes com demandas de natureza crônica agudizadas e súbitas. Os principais diagnósticos desses pacientes abrangiam insuficiência cardíaca, dor torácica, sintomatologia ansiosa, covid-19 e quadros álgicos. Vale ressaltar que, como parte da rotina, vários pacientes apresentavam mais de uma hipótese diagnóstica, devido à necessidade de diagnóstico diferencial, descrição de comorbidade ou evento associado ao diagnóstico de base, conforme ilustrado na Figura 3.

Nota: +=positivo; AVC=acidente vascular cerebral; IAM=infarto agudo do miocárdio; IC=insuficiência cardíaca.
Figura 3 Gráfico de atendimentos realizados por busca ativa e solicitação da equipe em função dos diagnósticos recebidos na admissão hospitalar - estudo piloto.
Em seguida, no segundo ciclo PDSA, 120 atendimentos foram realizados no decorrer de 90 dias. Esses atendimentos foram direcionados a mulheres (59,2%) com uma média de idade de 54,1 anos (DP=18,31). Elas estavam distribuídas nos setores de Observação (40,8%), Box (37,5%), Semi-intensiva (10,8%), UTI (6,7%) e Isolamento (4,2%), respectivamente. Novamente, observou-se um aumento na resposta da equipe em solicitar acompanhamento psicológico de forma assertiva ao longo do tempo, equiparando-se à atuação do psicólogo por busca ativa. Os resultados estão representados na Figura 4.
Além disso, nesse segundo ciclo PDSA, os atendimentos psicológicos abrangeram demandas semelhantes às do estudo piloto, com um aumento dos casos de doenças crônicas agudizadas, associadas a quadros de saúde mental, conforme indicado na Figura 5. Em ambos os ciclos, os atendimentos tiveram uma duração média de 40 minutos, realizados em um único encontro. Os principais motivos para o encerramento do acompanhamento foram alta médica e internação com transição para outra unidade que contava com um psicólogo setorizado, resultando na transferência do cuidado para esse profissional.

Nota: +=positivo; DPOC=Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica; AVC=Acidente vascular Cerebral; IAM=Infarto Agudo do Miocárdio; IC=Insuficiência Cardíaca.
Figura 5 Gráfico de atendimentos realizados por busca ativa e solicitação da equipe em função dos diagnósticos recebidos na admissão hospitalar - Segundo ciclo PDSA.
Por meio de uma análise comparativa, os resultados dos ciclos de PDSA sugerem a eficácia do Farol de Prioridades, destacando a compreensão da equipe em relação aos critérios de acionamento na rotina assistencial e sua responsividade à atuação dos residentes de psicologia em aproximadamente 35 dias. O aumento da taxa de respostas da equipe para solicitações assertivas de interconsultas evidenciou relações de equivalência e uma tendência de aumento em comparação com a taxa de atendimentos realizados por busca ativa, confirmando a efetividade do instrumento na rotina assistencial.
Discussão
Este estudo, cujos objetivos eram desenvolver e avaliar a validade do Farol de Prioridades para orientar a prática psicológica no Pronto Socorro, obteve validade com base no seu conteúdo para o instrumento. A avaliação realizada pelos juízes demonstrou que os itens eram semanticamente apropriados, representativos do construto e pertinentes ao contexto do Pronto Socorro. A estrutura original com os 34 itens foi mantida, uma vez que o Coeficiente de Validade de Conteúdo (CVC) de cada item atingiu índices satisfatórios, com valores superiores a 0,80, conforme preconizado pela literatura como indicador de sua qualidade (Hernández-Nieto, 2002; Pasquali, 2013).
No que concerne à investigação dos efeitos da implementação do Farol de Prioridades na rotina assistencial, os dados alcançados por meio dos ciclos PDSA indicaram que a equipe compreendeu como, quando e para quem solicitar atendimento psicológico na unidade. Isso permite inferir sobre a efetividade do instrumento no contexto prático para o qual foi desenvolvido, fortalecendo sua validade de conteúdo e estrutura. Além disso, este estudo sugere que a aplicação de ferramentas da metodologia Lean Healthcare pode ser uma abordagem viável para melhorar processos, desenvolver indicadores e aprimorar a gestão da qualidade em Psicologia Hospitalar, alinhando-a com as práticas das demais áreas da saúde (Ferrari et al., 2013; Gohr et al., 2017; Ismael, 2015; Kernkraut & Silva, 2017).
Um indicador pode ser compreendido como um parâmetro, seja quantitativo ou qualitativo, o qual é predefinido com base no contexto em que será aplicado, tendo a finalidade de monitorar a qualidade, a produtividade e a capacidade de execução de um dado processo. Indicadores podem ser expressos em termos numéricos, simbólicos ou verbais para avaliar o desempenho, destacando áreas que necessitam de melhorias para alcançar os resultados desejados (Ferrari et al., 2013; Ismael, 2015).
No entanto, como abordado neste estudo, alguns autores defendem o uso de estratégias múltiplas. A combinação de dados quantitativos e qualitativos é recomendada, uma vez que a triangulação desses tipos de informações oferece maior confiabilidade. Isso ocorre porque, ela envolve uma produção reflexiva para representar a realidade investigada, a partir da perspectiva dos sujeitos envolvidos, reconhecendo que o observador também faz parte dessa realidade. Ademais, no contexto das medidas padronizadas, essa abordagem contribui para aumentar a validade externa dos resultados (Minayo, 2009).
É importante ressaltar que os dados referentes ao tipo de demanda e à duração do atendimento dos pacientes neste estudo corroboram a regulamentação do Conselho Federal de Psicologia e a literatura existente na área. Essas fontes preconizam um tempo médio de atendimento de 30 a 60 minutos nos Serviços de Atenção às Urgências e Emergências. As demandas mais comuns que justificam a solicitação de atendimento psicológico incluem situações relacionadas a doenças crônicas agudizadas, traumas, emergências cardiovasculares, sintomas psicogênicos, casos de violência, comportamento suicida, más notícias e acolhimento em situações de óbito (Baptista et al., 2018; CFP, 2019, 2022; Kernkraut & Silva, 2017; Perez, 2005; Sassi & Oliveira, 2014; Vieira, 2010).
Tendo em vista os resultados obtidos, a integração da assistência, ensino e pesquisa aliada à metodologia Lean Healthcare no Pronto Socorro estabeleceu critérios consistentes para orientar a prática profissional dos psicólogos e da equipe multidisciplinar. Nesse contexto, aprimorar o raciocínio clínico-pesquisador e as práticas de gestão possibilita não apenas a obtenção de indicadores de qualidade, mas também a capacidade de mapear o perfil biopsicossocial dos usuários e identificar as necessidades formativas dos profissionais. Isso, por sua vez, permite antecipar e responder de maneira eficiente às demandas envolvidas no cuidado centrado no paciente (Ferrari et al., 2013; Gohr et al., 2017; Ismael, 2015; Kernkraut & Silva, 2017; Reis et al., 2016).
A utilização de indicadores de qualidade em psicologia hospitalar facilita a gestão eficaz da especialidade. Esses indicadores apontam a necessidade de realocação de recursos para garantir assistência em saúde eficiente, baseada em evidências, promovendo valor em saúde e contribuindo para a redução de custos e reinternações. Isso é particularmente relevante em um contexto de sindemias e superlotação dos serviços de urgência e emergência (Ferrari et al., 2013; Ismael, 2015; Kernkraut & Silva, 2017).
As limitações deste estudo podem ser compreendidas pelo escopo de análise que se pretendeu apresentar. Portanto, pesquisas futuras podem ampliar a aplicabilidade do Farol de Prioridades, estudando seu uso em diferentes setores e realizando análises comparativas em serviços públicos e privados. Isso contribuiria para gerar mais evidências sobre a eficácia da estrutura encontrada e, assim, apoiar a melhoria contínua dos dispositivos de saúde, no Brasil.
Considerações Finais
Este estudo resultou no desenvolvimento de uma ferramenta e abordagem de sistematização da prática que pode instrumentalizar o trabalho colaborativo de psicólogos inseridos em equipes de saúde e serviços de urgências. A partir da triangulação dos dados, é possível afirmar que o instrumento demonstrou evidências consistentes de validade de conteúdo e efetividade na orientação da prática profissional de psicólogos, residentes e equipes multidisciplinares e gerenciais, no contexto de urgência que foi estudado. Assim sendo, esse instrumento pode ser uma ferramenta apropriada para otimizar os processos de trabalho em Pronto Socorros vinculados a hospitais filantrópicos e instituições similares.
Em particular, a combinação dos princípios teórico-metodológicos do Lean Healthcare e da psicometria no processo de construção e validação desse instrumento demonstrou um caminho viável para a implementar processos e extrair indicadores de qualidade em saúde mental, sem descaracterizar a subjetividade como premissa do trabalho psicológico no cuidado centrado no paciente. Além disso, essa abordagem permitiu avaliar a eficácia e efetividade nesse contexto emergente, contribuindo assim para a melhoria contínua da assistência e da gestão em psicologia hospitalar.